quarta-feira, 2 de julho de 2008

DEU NA MÍDIA
EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
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DEU EM O GLOBO

SANGRAR EM SAÚDE
Merval Pereira

O avô Tancredo Neves ensinava: em política, o importante é saber escolher os adversários. O neto, governador de Minas, Aécio Neves, seguiu os conselhos à risca nesta manobra delicada em que se envolveu na tentativa de lançar uma ponte que permitisse a um futuro governo do PSDB ou do PT uma aproximação que já foi provável e agora parece a cada dia mais difícil. A aliança entre o PT e o PSDB em Belo Horizonte é um exemplo dessa dificuldade imposta pela direção nacional petista, mesmo a despeito da posição pessoal do presidente Lula, favorável à aliança regional e, apontando mais longe, à união nacional entre os dois partidos que dominam a cena política nos últimos 20 anos.

De repente, o velório de Ruth Cardoso reaproximou desafetos e abriu espaço para mais uma tentativa de recomposição futura, que gerou a atitude inesperada do presidente Lula de desautorizar publicamente seu partido e referendar a legitimidade, e até mesmo a necessidade, de um pacto como o celebrado em Belo Horizonte, onde o PSDB do governador apóia uma chapa que tem um candidato do PSB na cabeça e um petista de vice.

Ao vetar a aliança na sua instância mais alta, depois que ela fora aprovada pelos diretórios regional e estadual, o PT mostrou que sua visão política é pragmática até certo ponto. Aceita fazer acordos "até com o diabo", mas não quer fortalecer uma eventual candidatura tucana à Presidência da República.

O que parecia uma derrota da estratégia do governador Aécio Neves, que, em vez de se apresentar ao eleitorado brasileiro como o político hábil que aproxima até os desafetos, apareceria como um derrotado, que teria que dar um apoio clandestino a uma chapa que ele criara, mas que estava sendo impedido pelo PT de apoiar oficialmente, acabou se transformando novamente em um trunfo político graças ao resgate de Lula.

O governador Aécio Neves conseguiu, afinal, ressaltar pontos importantes para sua estratégia: o candidato Márcio Lacerda, um secretário estadual ilustre desconhecido do resto do país, tornou-se um político falado em nível nacional, e o PT mineiro saiu rachado desse embate, ficando o governador com a escolha de seus adversários no PT: os ministros Luiz Dulci, secretário-geral da Presidência, e o do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, enquanto o prefeito da capital, Fernando Pimentel, continua do mesmo lado, agora com o respaldo do presidente Lula. No final das contas, rachar o partido adversário não deixa de ser um resultado positivo.

O governador de Minas é daqueles que acreditam que há uma boa parte do PT que não se contaminou com as crises de corrupção em que o partido se viu envolvido desde o mensalão, e acha que o presidente Lula lidera essa parcela, que poderia se unir ao PSDB e a setores de outros partidos da base aliada para fazer um governo de coalizão em que o aparelhamento do Estado e o fisiologismo não sejam a tônica.

A esse respeito, a entrevista do chefe de gabinete do Planalto, Gilberto Carvalho, à revista "Veja" desta semana tem indícios interessantes. Ele garante, por exemplo, que o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu não tem uma ligação de amizade com o presidente Lula, e classifica de "picaretagens" os vários fatos ligados à corrupção petista à época, como o dirigente partidário que foi preso com dólares na cueca.

Os comentários de Gilberto Carvalho dão a entender que ele, e principalmente o presidente, não concordam com esses procedimentos políticos. Seria um sinal de que haveria um espaço dentro do governo para essa reaproximação com o PSDB, apesar de tudo.

Mas é preciso lembrar que o próprio Lula se encarregou de inocentar publicamente os "mensaleiros", os "aloprados" e os "sanguessugas", o que seria no mínimo uma atitude corporativista que não se coaduna com quem condena essas práticas.

Também Gilberto Carvalho é acusado pela família do ex-prefeito Celso Daniel de ter participado de arrecadações ilegais de dinheiro em prefeituras petistas pelo interior, esquema que teria sido montado por ninguém menos que José Dirceu.

Essa atuação de Dirceu e do advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula, nas prefeituras petistas foi denunciada há muito tempo por dois fundadores do PT, Paulo de Tarso Venceslau e César Benjamim. Segundo eles, os atos ilegais registrados no governo Lula nada mais são do que a maneira de fazer política do PT, de longa data.

O dossiê sobre supostos gastos irregulares do ex-presidente Fernando Henrique e dona Ruth, ordenado pela chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, seria apenas mais uma ação política petista de assassinato moral dos adversários, o que não recomendaria uma aproximação.

Outro fundador do PT que conhece muito bem a atuação de Lula é o sociólogo Francisco Weffort, o ex-ministro da Cultura do governo Fernando Henrique. Ele, que já classificou Lula de "pelego" em artigos na imprensa, costuma dizer que ele não prega prego sem estopa.

Usando uma imagem dos antigos portugueses no Brasil Colônia, Weffort diz que Lula costuma "sangrar em saúde", que era um hábito naquele tempo para prevenir doenças. Lula, quando elogia em público um corrupto ou dá demonstrações de apreço por um notório vigarista, como tem feito com desembaraço ao longo do tempo, estaria apenas prevenindo algum imprevisto mais adiante.

Há quem esteja convencido de que Lula não faz nada com objetivos imediatos. Se hoje está colando sua imagem à do governador Aécio Neves, é para disseminar a discórdia dentro do PSDB e enfraquecer o governador paulista José Serra, o outro candidato tucano à Presidência da República.

Lula estaria embaralhando o jogo para enfraquecer os adversários, e mais tarde extrair deles o que lhe for conveniente. O governador Aécio Neves está convencido de que outros gestos virão por parte de Lula para mostrar sua tendência à ampliação do diálogo com o PSDB.

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

O SENSO COMUM E A BOLSA DO CIDADÃO
Luiz Carlos Azedo

Não existe almoço grátis, reza o “economês”. O dinheiro do Bolsa Família saiu da saúde e da educação, do saneamento e da habitação, dos transportes coletivos, da segurança pública, etc

Não existe nada mais pernóstico que o senso comum com pompa e circunstância. Seu mestre foi o Conselheiro Acácio, personagem do romance O primo Basílio, de Eça de Queiroz, aquele que recomendava não descer as escadas sem segurar o corrimão. Para muita gente, a política é a arte do senso comum. Ou seja, a arte de falar aquilo que a maioria gosta de ouvir.
Duas políticas

Por exemplo, criticar o governo Lula virou suicídio, mesmo quando a atividade do sujeito é por natureza “apreender” a realidade, vê-la de forma crítica. Cientistas sociais, economistas, historiadores e — sem o mesmo rigor científico — jornalistas exercem esse papel. É óbvio que não são obrigados a isso. Há os que se dedicam a construir, defender ou simplesmente reproduzir o discurso oficial para garantir legitimidade e sustentação ao poder. Numa sociedade pluralista, isso promove o debate democrático.

Um tema interditado ao debate político é o programa Bolsa Família. Na academia todo mundo sabe que o assistencialismo é uma política de governo para mitigar as desigualdades e a exclusão e garantir base social aos que governam. O populismo da Era Vargas não mereceria esse nome se sua sustentação fosse apenas a legislação trabalhista e os sindicatos. A emergência dos trabalhadores na cena política (de classe em si à classe para si) ameaçou de ultrapassagem o populismo e entrou em choque com o coronelismo e o clientelismo. Essa já foi a proposta do PT.

O resgate do programa Comunidade Solidária, a propósito do falecimento de sua idealizadora, a antropóloga e ex-primeira-dama Ruth Cardoso, gerou desconforto aos que defendem o programa Bolsa Família de forma incondicional. Depoimentos como o da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva sobre a visita de dona Ruth Cardoso ao Acre, num momento de enfrentamento com a bandidagem local, demonstraram a possibilidade de tratar o mesmo problema social — a exclusão — de maneira diferente. Dona Ruth buscava a afirmação da cidadania e o fomento de atividades produtivas, geradoras de trabalho e renda; criticava os laços de dependência crônica em relação ao Estado e os becos sociais sem saída do assistencialismo.
Liberal-social

Uma coisa é o assistencialismo emergencial, que ninguém questiona; outra, o clientelista. É o caso do Bolsa Família, como aponta o senador Cristovam Buarque (PDT-DF). Ex-ministro da Educação de Lula, seu programa Bolsa Escola foi detonado porque dava mais trabalho para administrar e obrigava o governo a garantir escola às crianças das famílias assistidas, uma garantia de inclusão futura. Como todo clientelismo, tem grande impacto eleitoral: beneficia 45,6 milhões de pessoas de baixíssima ou nenhuma renda, das quais cerca de 20 milhões são eleitores. Sua lógica é manter e ampliar o “estoque” de famílias, não é emancipá-las.

Qual é a origem do Bolsa Família? É o predomínio da corrente liberal-social da equipe econômica, na gestão do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci (ver “O que divide os economistas brasileiros”, de Edward Amadeo, Tendências, 20 de maio de 2003), que defendia a mudança da composição dos gastos públicos a favor dos mais pobres pelo critério da renda per capita como forma mais eficaz de combater as desigualdades e a exclusão(“focalização”). Os adeptos de Schumpeter e Keynes da equipe foram derrotados. Eles defendiam o combate à miséria por meio de redução da taxa de juros, elevação do poder de compra do salário mínimo, crescimento da economia e “universalização” dos serviços sociais.

Não existe almoço grátis, reza o “economês”. O dinheiro do Bolsa Família saiu da saúde e da educação, do saneamento e da habitação, dos transportes coletivos, da segurança pública, etc. A renda transferida pelo governo Lula aos mais pobres dos grotões e das periferias é a grana que faltou às demais políticas sociais e urbanas “universalistas”. Foi a escolha política que garantiu a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva apesar do “mensalão” e dos “aloprados”, mas suas conseqüências são visíveis a olho nu na vida das cidades e nos serviços prestados pelo governo à população.

Quero dizer que o governo Lula desistiu do crescimento, dos empregos e dos aumentos salariais?
É claro que não. Mas é aí que o diabo mora. Não foi à toa que a “focalização” dos gastos sociais virou pensamento único, faz parte do “mais do mesmo” liberal-social (câmbio flutuante, juros altos e superávit fiscal). Já a expansão do gasto público e da arrecadação tributária acima do PIB para fomentar o crescimento é um desvio dessa linha, virou uma bomba-relógio na bolsa do cidadão. Agora, a inflação assombra o presidente Lula. Mas essa é outra história.

ESPECIAL PARA O BLOG

OS PARTIDOS, AS ELEIÇÕES DE OUTUBRO E O MAPA POLÍTICO DO BRASIL
Rudá Ricci
Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais, Diretor Geral do Instituto Cultiva


Já se disse muito sobre a quantidade de partidos brasileiros. A crítica à quantidade baseia-se na falta de projeto próprio, possibilitando que muitos partidos se limitassem a ser linhas auxiliares.
Com efeito, o país caminha rapidamente para uma estrutura bipolarizada, entre PSDB e PT, mas nem todos os outros partidos que gravitam ao redor destes dois hegemônicos ou dominantes são simplesmente auxiliares. A intenção deste artigo é sugerir que vai se consolidando algo além de partidos dominantes e seus auxiliares. Temos, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, 27 partidos políticos registrados no país. São eles: PMDB, PTB, PDT, PT, DEM, PCdoB, PSB, PSDB, PTC, PSC, PMN, PRP, PPS, PV, PTdoB, PP, PSTU, PCB, PRTB, PHS, PSDC, PCO, PTN, PSL, PRB, PSOL, e PR.

O IBGE oferece uma listagem de prefeitos e seus partidos de origem, de 2004. É fato que muitos deles já não estão mais nos partidos pelos quais foram eleitos. Mas temos a partir daí uma base de análise. O PMDB era o partido com mais prefeitos eleitos, 1.132, totalizando 20% dos municípios brasileiros. Em seguida, despontava o PSDB, com 1.098 prefeitos (19,7%). O então PFL (hoje, DEM) tinha eleito 959 prefeitos, totalizando 17% dos prefeitos. Esta é a maior distorção do dado do IBGE já que este partido sofreu uma contínua defecção de prefeitos obrigando-o, inclusive, a alterar seu nome. Em seguida, surgiam PP, PTB, PL e PDT, oscilando entre 10% e 4% do total de prefeitos eleitos no país. PT tinha, neste período, eleito 217 prefeitos (4%), PPS possuía 213 (3,8%) e PSB havia eleito 135 prefeitos (2,4%).

A mudança neste panorama foi resultado da ofensiva do Palácio do Planalto, tendo Lula à frente. PSDB, DEM e PPS deixaram de controlar 50% das prefeituras de grandes cidades conquistadas em 2004. Tendo por base as 100 maiores cidades do país, a base governista governava, em 2004, 54 cidades e, hoje, governa 76. Os maior beneficiado foi o PMDB (de 12 para 18), seguido pelo PSB (de 8 para 11) e PP (de 2 para 4). PSDB perdeu 3 das 21 prefeituras que comandava; DEM perdeu uma prefeitura e PPS perdeu 7, sendo o maior prejudicado até então.

É comum se afirmar, entre analistas políticos tupiniquins, que as eleições municipais não possuem nenhuma relação com a agenda nacional. O eleitor estaria totalmente focado no líder e agenda local, até mesmo nas relações pessoais estabelecidas com cada candidato. Não deixa de ser uma verdade, mas muito simplória. Isto porque desconhece o poder e arranjos políticos que os governos estaduais e federal operaram no período anterior às eleições municipais e mesmo nas convenções partidárias. O caso mais evidente é a aliança do PT com PSDB na capital mineira.
Mas não só. Em 2004 os dois partidos fizeram aliança eleitoral em 121 cidades (pequenos municípios, em sua maioria) e ganharam as eleições em 44% dos casos. Já estão previstas alianças eleitorais entre os dois partidos em 200 municípios. E não são alianças sem vínculo algum com desejos dos caciques estaduais ou nacionais.

Contudo, a possível aliança entre os dois partidos dominantes do Brasil será obra de uma ou duas eleições adiante. Trata-se de uma aproximação, um teste inicial, nas eleições de outubro deste ano. Ocorrerão acomodações internas, nos dois partidos, e a militância se acostumará lentamente à este novo mapa partidário.

Assim, as eleições de outubro continuarão medindo força entre até aqui situacionistas e oposicionistas (ao governo federal). Em outras palavras, temos um jogo de xadrez onde partidos com perfil programático ou ideológico que aproxime os dois pólos (PSDB e PT) podem ganhar alguma projeção.

PT já caminha para o centro, ao menos o PT governista. A agenda do governo federal é social-liberal, alguns ministérios mais focados na agenda social, outros na agenda de mercado. PSDB, que já tinha adotado esta referência programática, procura atualizar ainda seu discurso e projeto, mas sua novas lideranças (como o governador Aécio Neves) já iniciam movimentos ousados de aproximação.

A questão que fica, então, é se haveria algum partido neste espectro que seria o fiel deste casamento entre partidos dominantes. Pelo movimento dos últimos meses, o PSB é o candidato mais nítido a este posto. Não menosprezando o peso político do “partido mosaico” que é o PMDB. Não por outro motivo, foram os dois partidos que ganharam o espólio de PSDB, DEM e PPS a partir da ofensiva do Palácio do Planalto.

Se esta hipótese se confirmar, PPS, DEM e PV (este último, enfrentando grave crise de identidade) ficarão sem o lugar de destaque que até agora tinham adquirido. Serão “partidos do passado” justamente porque não conseguiram ler a mudança do mapa eleitoral que se configurava.

Trata-se de uma hipótese, mas plausível, e que pode auxiliar na leitura do resultado das eleições de outubro.

Para finalizar, uma última palavra a respeito da lógica territorial. Segundo estudos do IBAM, os prefeitos que mais se reelegem no segundo turno eleitoral do país são os do norte e nordeste do país, principalmente em municípios grandes, com mais de 200 mil habitantes. E quase 30% dos ex-prefeitos que estavam afastados do cargo por um ou dois mandatos, retornaram ao cargo na última eleição. Para o coordenador da articulação político institucional do IBAM, François Bremaeker, o fenômeno estaria vinculado à segurança dos eleitores. Poderíamos, assim, afirmar que o eleitorado local tende a uma postura mais conservadora e desconfia das ousadias ou mudanças bruscas. Nordeste volta a emergir como a região com mais número de reeleitos ou reconduzidos ao cargo (superior a 48%). No sudeste, o índice ficou próximo de 34%.

Este é o motivo de Lula e Aécio investirem tanto no nordeste, nos últimos tempos. A aliança em Belo Horizonte tem por base o apoio de Ciro Gomes. Neste sentido, as eleições de outubro, no nordeste, podem selar o futuro do mapa partidário e eleitoral do país. E, assim, consolidariam o fortalecimento do centro social-liberal do espectro partidário nacional: pouco ousado, enraizado na cultura local e fortemente manipulado pelos governos estaduais e federal.

DEU NO VALOR ECONÔMICO

LIMITES DO CARISMA
Rosângela Bittar

Ciente da importância da economia para a sua popularidade, o presidente da República e seus assessores políticos não devem se deixar ludibriar, e há sinais de que estão atentos à realidade, pelos dados favoráveis da pesquisa CNI-IBOPE, divulgada ontem, que ainda apontam a ausência de influência da volta da inflação sobre a imagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Caiu o índice dos que acham que o governo agirá certo no combate à inflação e, um dado pouco comentado na ocasião, a pesquisa mostrou também que, pela primeira vez, a desaprovação na forma de combate à inflação ultrapassou a aprovação, e no patamar mais baixo de escolaridade, até a quarta série do ensino fundamental.

O fato de a popularidade não registrar a oscilação da economia não quer dizer que está dela livre. A dimensão econômica é a mais associada à avaliação de governos e aprovação de presidentes. Com Lula, apesar do grande carisma, não deve ser diferente. "Nada pune mais governos, no sentido de deprimir a avaliação positiva, do que a inflação. A inflação tem uma capacidade erosiva maior do que o desemprego sobre a imagem dos governos, porque ela atinge a todos e ao mesmo tempo", afirma o cientista político e sociólogo Antonio Lavareda, da MCI, que analisou os dados do Ibope. No entanto, assinala, isto não ocorre imediatamente, nem quando se inicia a crise, nem quando ela termina.

Um exemplo clássico deste espaço de tempo, segundo Lavareda, foi o período em que Bill Clinton disputou, e venceu, a eleição contra George Bush. As pesquisas no momento da eleição mostravam que, para a maioria da população, a economia estava mal e, na verdade, havia cerca de dez meses que os Estados Unidos já se recuperavam objetivamente da recessão. "Quando vem a crise econômica, a população não percebe de imediato, não faz vinculação direta entre o estado da economia e o desempenho do governo e, também, ao final da crise, não gratifica o governo instantaneamente".

Quanto tempo leva para haver a relação de causa e efeito não dá para calcular, "não é madracaria", diz o professor. "A população aprova o governo, espera sua ação. Está indo ao supermercado, lê jornal. Seis meses depois começa a associar a situação de inflação à incúria ou omissão do governo responsável, aos seus olhos, por enfrentar o problema. Aí, sim, pune o governo com a avaliação negativa quando não aparecem respostas efetivas".

Mantega, mesmo desnudo, não pediu o boné

O presidente Lula não está esperando quieto e vem acionando alarmes. Sinal de que está atento ao cronograma é o teor da entrevista do chefe de gabinete do Presidente da República, Gilberto Carvalho, à revista "Veja" desta semana, em que desnuda o ministro da Fazenda, Guido Mantega, no menosprezo com que o presidente recebe a colaboração de tão importante auxiliar na execução da política econômica.

Assessor mais próximo de Lula, que com ele está o dia todo, e todos os dias, Gilberto Carvalho reconhece como axioma no governo que a razão do sucesso popular do presidente é 90%, a economia, sendo os 10% restantes advindos do carisma. Ele afirmou que Lula não suportará a volta da inflação e aproveitou para contar que o ministro da Fazenda, há alguns dias, disse ao presidente que não era preciso ficar tão preocupado com a inflação porque ela estaria "restrita aos alimentos". Lula, revelou Carvalho, irritou-se e reagiu de forma ríspida.

Sabendo-se da tensão do presidente com esta questão, dá até para imaginar a extensão da rispidez - que, de resto, não parece ter tido efeitos sobre o ministro que não esboçou a menor intenção de pedir o boné. No Palácio do Planalto informa-se que o presidente Lula vinha tratando de maneira especial a inflação. Lula tinha feito saber ao próprio Mantega, ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e ao senador Aluisio Mercadante, presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, que era crescente sua preocupação com o problema. Em encontros setoriais que promoveu fora do governo, alertava que, diariamente, estava olhando os dados para ver se precisava intervir de forma mais incisiva.

Lula está agora advertindo seus interlocutores, também informa-se na Presidência , que não tem campanha eleitoral que o faça evitar medidas amargas se a inflação estiver rondando. Portanto, apesar de, "para fora", como se diz na assessoria do presidente, o governo mostrar-se eufórico com as descobertas na área do petróleo e outros feitos da economia, "para dentro" o alerta é vermelho e o clima de atenção e cuidados.

Fantasias eleitorais

Os sorrisos e discursos produzidos no encontro de palanque entre o presidente Lula, o governador Aécio Neves e o prefeito Fernando Pimentel, celebrando algo que não aconteceu, exalam combinação para disfarçar perdas. Um faz de conta que tenta esconder o fracasso da aliança do PT e do PSDB em Belo Horizonte em torno da candidatura de Márcio Lacerda, do PSB, a prefeito do município.

O apoio de Lula à união não estava em questão, há muito se dizia que ele dera sinal verde ao prefeito Pimentel para levar adiante a conversa com o governador. E teria também recomendado à Executiva Nacional do PT aprovação às decisões regionais. Por que foi tão explícito, agora, quando condenou a direção do PT que não aceitou as decisões a favor da formal aliança, não se sabe. A posição real do presidente, neste caso, pode ser medida pelo diálogo que teve com seu ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência. Luiz Dulci, o mais resistente petista ao acordo de Minas, soube que Lula apoiava a aliança e foi cobrar definição do presidente: "Se forem razões de Estado, pode me substituir, se não, vou resolver no partido", teria dito o ministro, segundo informações do PT. Lula foi tranquilizador: "É problema do partido". O governador Aécio Neves teve que engolir a "coligação informal", que tem ônus sem direito a bônus. O governador terá que pedir votos para o PT e ficar fora da TV.


Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

DEU NO JORNAL DO BRASIL

NÃO HÁ DITADURA COM A IMPRENSA LIVRE
Villas-Bôas Corrêa

Com o lançamento do primeiro volume do Jornal da ABI – talvez o ponto alto da muitas solenidades do caprichado programa de comemoração do centenário da Associação Brasileira de Imprensa, a ABI da sigla perfeita – com as 82 páginas com artigos, reportagens, matérias e depoimentos assinados por escritores e jornalistas do primeiro time, o tema central, obsessivo e celebrado é o da intransigente defesa da liberdade de imprensa ao longo de uma história que passa pela ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, de 1937 a 1945, e os 21 anos da ditadura militar do rodízio dos cinco generais-presidente.

Isto para ficar na dupla de apagões mais recente. No irretocável artigo de abertura, o presidente da ABI, Maurício Azedo, afinado na justa euforia pelo reconhecimento unânime da sua exemplar administração que conseguiu o milagre de atrair os jornalistas para a freqüência regular à casa que é da classe e do Brasil, destaca a sua convicção de que a instituição defendeu a liberdade de imprensa, "bem essencial à vida democrática",

O reconhecimento universal de que a imprensa livre da humilhação da censura é dos inalienáveis princípios da democracia e um truísmo que reclama análise que destaque a excepcionalidade que se pode resumir no enunciado da sentença definitiva: é impossível a coexistência da ditadura com a liberdade de imprensa.

Parece obviedade que dispensa o registro. Não é bem assim. Com o Congresso, para ficar no exemplo mais chocante, as ditaduras pintam e bordam, impondo os vexames que foram uma das rotinas da ditadura militar: o recesso punitivo, as levas de cassações de mandatos para remendar a maioria para a manipular a eleição indireta de governadores pelas assembléias legislativas com a faca no gogó – tanto que nenhuma rejeitou os candidatos impostos na marra – a mais recente criação dos senadores de garupa, eleitos sem um único voto na anca dos candidatos para valer, em geral parentes ou financiadores da campanha, serão 20 em 81(25%, um quarto do pobre Senado da decadência); a extinção dos partidos pelo AI-2, de 27 de outubro de l965, editado pelo general-presidente Castelo Branco para a imposição do bipartidarismo de opereta e, como gorjeta, os muitos pitos e constrangimentos impostos aos parlamentares que apoiavam a ditadura, nas horas de espera nos gabinetes para a choradeira de liberação de verbas para Estados e municípios.

O Poder Judiciário pagou a sua cota de desfeitas com a aposentadoria punitiva de ministros do Supremo Tribunal Federal.

A imprensa censurada, tanto a submissa como os raros e honrosos casos de resistência, de que são exemplos o Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde, Diário de Notícias e poucos mais, sobreviveu, aceitando os cortes dos censores e as ordens por telefone.

Não era a imprensa. Mas a sua caricatura, a sua negação, a fantasia do mascarado saracoteando nas ruas.

Para o teste definitivo para apurar se o governo de um país é democrático ou um dos muitos disfarces da ditadura basta passar os olhos nos jornais, revistas, acompanhar o noticiário nas redes de TV ou emissoras de rádio. Nem é preciso constranger o eventual informante. Porque a ditadura gosta muito de falar em povo, mas é sempre apoiada pelos ricos e generosos financiadores do sistema de repressão.

E exala uma catinga que se percebe a distância. O olhar atento no comportamento da população decifra a alma do país. A face contraída pelo medo, a dissimulação diante de qualquer pergunta com duplo sentido, denuncia a ditadura.

Pois a ditadura cheira a sangue. E fede.

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

ELEIÇÕES NOS EUA E NOSSA AGENDA DEMOCRÁTICA
Lourdes Sola

A campanha eleitoral nos Estados Unidos suscita um tipo de pergunta que solicita várias respostas, todas válidas. Por que será que as eleições americanas passaram a mexer tanto com a gente, aqui e nos outros três cantos do mundo?

Duas mudanças inéditas chamam a atenção do observador. Por um lado, o interesse é global, tem forte carga emocional e conotação positiva. Inverte-se, assim, a tendência marcada pelas múltiplas formas de antiamericanismo, que a guerra no Iraque exacerbou. Por outro lado, à semelhança do que ocorreu com os “antiamericanismos” (*), diferentes regiões e países refratam de forma diversa o que há de inédito na campanha. As reações variam não só em função da ideologia e dos interesses de quem fala, mas de onde fala. Se a campanha for analisada de um ângulo sistêmico, e não conjuntural, entender-se-ão melhor as que prevalecem “neste inconseqüente lado do mundo”, na expressão de Borges. Cabem, assim, duas perguntas. O que este ciclo eleitoral revela sobre a qualidade da democracia representativa americana? Que tipo de reflexões inspira sobre a qualidade da nossa?

A democracia americana revela enorme capacidade das instituições para absorver e filtrar as mudanças na sociedade, sem desafios à lei. A disputa no Partido Democrata, entre “uma mulher” e “um negro”, aponta para uma questão institucional: por que razões e por que mecanismos Hilary Clinton e Barack Obama foram os candidatos eleitoralmente mais competitivos? A mesma pergunta cabe para a indicação de John McCain, pois também reflete um deslocamento no sistema de valores do campo republicano sobre imigração, meio ambiente, laicismo. Tomadas em conjunto, trata-se de uma “mudança de época” na esfera da política e refletem uma transformação profunda no sistema de valores e nos critérios de legitimação política da sociedade. Seu impacto internacional será significativo, porque os Estados Unidos ainda são um player dominante e porque vivemos na era da informação.

As sociedades estão expostas a processos globais de interação política e de difusão de valores, sobre os quais os Estados e as hierarquias partidárias têm pouco controle. Para além das mudanças no eixo de poder global e do papel dos grandes emergentes, são o vigor e a vitalidade das instituições democráticas americanas - e não a sua economia - que a campanha eleitoral traz para o centro do debate internacional. Diante dos sucessivos “choques de realidade” aos quais a sociedade foi exposta - desde as perdas associadas à guerra no Iraque até a crise dos subprimes -, o processo de regeneração da vida social americana se iniciou por meio da política, e não de políticas específicas. Estas entrarão em cena agora, na disputa Obama x McCain.

A decantação dos candidatos eleitoralmente mais competitivos ocorreu graças à exposição contínua ao escrutínio da opinião pública, da mídia e das hierarquias partidárias ao longo de um ano. Passaram pelos sucessivos testes de stress a que o sistema de primárias submete as idéias e a capacidade organizatória dos postulantes e a de seus assessores. Se o recado da sociedade foi ouvido pelas elites políticas e econômicas, é porque as instituições foram acionadas pelos dois processos que constituem os motores da democracia: participação e concorrência.

Instituições não se transplantam. As primárias por si sós não constituem um sistema de decantação eficaz sem o lastro que a cultura cívica americana lhes propicia. Cabe, porém, um paralelo entre a capacidade de auto-regeneração inerente à democracia representativa e as perdas cumulativas de qualidade da nossa democracia. Celebramos 25 anos da “Constituição cidadã”. Apesar de precária, em termos de governabilidade econômica, ela consolidou conquistas sociais, jurídicas e políticas que responderam a mudanças no sistema de valores e nos critérios de legitimação política da sociedade. Por isso, falar dos anos 1980 como uma “década perdida” é reducionismo economicista. A diferença específica da nossa experiência é que, em plena crise econômica e apesar da megainflação, as forças construtivas da política se fizeram sentir pela pressão ativa de movimentos sociais autônomos, hostis à nossa matriz conservadora, de cooptação e de regulação social pelo Estado. Destaco dois deles: o “novo sindicalismo” (de Lula ) e os movimentos no setor da saúde, que moldaram o desenho e o conteúdo das políticas sociais relevantes inscritas na Constituição. Hoje, por contraste, é a tentativa de absorção pelo Estado das forças políticas, sociais e dos interesses organizados que acelera a erosão do sistema representativo.

Isso é observável em várias frentes. Uma: a exacerbação da dominância do Executivo , por meio de uma coalizão governamental no Legislativo, cimentada pelo acesso aos cargos do Estado, cujo preço é uma classe política auto-referida, de costas para a sociedade. Segunda: a incorporação dos interesses organizados ao Estado, a quintessência da herança corporativa. Isto é observável na isenção de prestação de contas para as centrais sindicais e para o MST, bem como na politização das agências reguladoras, que permite integrar ao Estado os interesses empresariais convenientes ao governo, a custos sociais elevados. Terceira e mais sintomática: a relação precária com a lei e a Constituição, reiteradamente contestadas por legisladores no Congresso e em discursos do presidente.

(*) Peter Katzenstein e Robert Keohane, Anti-Americanisms in World Politics.

Lourdes Sola, Ph.D. em Ciência Política por Oxford, livre-docente e professora da USP, consultora política da MB Associados, é presidente da Associação Internacional de Ciência Política (Ipsa)

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

CESTA BÁSICA TEM ALTA DE ATÉ 30% NO SEMESTRE
Marcelo Rehder

Preço dos 13 alimentos de primeira necessidade subiu em 14 das 16 capitais pesquisadas pelo Dieese

O preço da cesta básica de alimentos consumidos pelo trabalhador brasileiro acumula alta de até 29,24% no primeiro semestre do ano. Nos últimos 12 meses, os aumentos chegam a até 51,85%, revela pesquisa divulgada ontem pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Em junho, o custo médio dos 13 gêneros alimentícios considerados de primeira necessidade subiu em 14 das 16 capitais pesquisadas pela entidade.
“A escalada dos preços da comida em doze meses foi uma desgraceira só, algo que não se via com tamanha intensidade há muito tempo no País”, disse o economista José Maurício Soares, coordenador da pesquisa do Dieese. Para se ter uma idéia do estrago que isso causou no bolso do brasileiro, o economista citou que, nos últimos 12 meses, os aumentos nos preços da cesta básica observados em todas as capitais pesquisadas superaram de longe o reajuste do valor do salário mínimo, que foi de 9,21% no período. Porto Alegre tem a cesta básica mais cara entre as pesquisada ( R$ 246,72).Entre as 16 capitais, a maior alta acumulada no semestre, de 29,24%, foi verificada no Recife e a menor, em Belém (10,47%).
Em12 meses, Natal foi a capital que apresentou o maior aumento (51,85%). Com exceção de Porto Alegre, todas as demais cidades acumularam elevações superiores a 30% nos últimos 12 meses. São Paulo exibiu a segunda menor variação (30,83%), enquanto João Pessoa acumulou o segundo maior aumento (45,02%). Na capital gaúcha, os preços subiram em média 27,4%.Maurício Soares ressaltou que, em 12 meses, sete produtos acumularam altas em todas as capitais analisadas: arroz, feijão, carne, leite, tomate, pão e óleo de soja. O feijão, que voltou a ter alta mensal, após recuo em maio, apresentou as taxas mais elevadas, todas acima de 100%.
A menos acentuada foi em São Paulo (103,34%) e a maior, em Natal (184,80%). “A quebra da segunda safrinha do feijão reduziu os estoques e, por efeito da seca prolongada, o plantio do produto foi atrasado em dois meses”, explicou o economista.Segundo ele, os adubos e fertilizantes, que são derivados de petróleo, cujos preços estão em alta no mercado global, têm encarecido o custo da produção de grãos em geral.Os vilões da cesta básica no mês passado foram o arroz, o feijão, a carne e a batata, que subiram em praticamente todas as capitais.
“Esses são os alimentos que compõem o prato comum da maioria dos brasileiros”, observou o economista.A exemplo do que acontece em boa parte do mundo, o arroz subiu em todas as capitais, com aumentos que variaram de 0,56% (Belém) a 45,40% (Aracaju).
“Os preços estão em alta devido a problemas climáticos e também à escassez do produto na Ásia, causadas pelas tempestades e inundações de várias áreas produtoras.Os preços da carne bovina - que está em entressafra e com exportações novamente em grandes volumes, já que os países da comunidade européia liberaram a entrada do produto brasileiro -, tiveram aumento em 15 capitais.
O maior, de 14,99%, foi em Goiânia. A única redução nos preços da carne ocorreu em Fortaleza (-1,99%).Sob influência da decisão do governo argentino de proibir as exportações de trigo, o pão teve aumento de preços em dez cidades, como Belém e João Pessoa, onde as altas foram de 6,38% e 3,62%, respectivamente. Já a batata encareceu em todas as nove capitais do Centro-Oeste, onde os preços do produto são pesquisados. A maior taxa foi a de Brasília (29,25%).Em São Paulo, o custo da cesta básica da alimentação subiu 4,84% em relação a maio. A cidade é a segunda mais cara entre as pesquisadas.