sábado, 5 de julho de 2008


O QUE PENSA A MÍDIA
EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
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DEU EM O GLOBO

DORMINDO COM O INIMIGO
Merval Pereira

Se o presidente Lula disse que não há razão para deixar de dormir por causa da inflação apenas para não espalhar o pânico entre os brasileiros, vá lá que seja, embora essa não seja uma atitude nova, nem muito menos eficaz para combater o que os governantes gostam de chamar de "aspectos psicológicos" da inflação. Por essa teoria, em vez de tomar atitudes para combater as causas da inflação, o governante tem que aparentar que nada está acontecendo. Como se o cidadão não sentisse no bolso os efeitos da corrosão de seu poder de compra tão imediatamente, ou mais rápido, quanto sente que ele está melhorando. Pois a cesta básica já aumentou até 50% em algumas regiões do país.

Enquadra-se também nesse trabalho psicológico o anúncio oficial de que o superávit primário ficou em 6,5% do PIB nos cinco primeiros meses do ano, como se esse fosse um resultado alcançável ao final de 12 meses. Na verdade, trata-se apenas de uma "curiosidade estatística", pois uma análise dos números oficiais mostra uma realidade bem diferente. Comparando o ano de 2007 com os últimos 12 meses até maio, o superávit primário aumentou de 3,97% para 4,34%, dentro da nova meta do governo.

O problema é que o governo não parou de aumentar seus gastos, produzindo pressão inflacionária, e o aumento do superávit está sendo conseguido às custas de cortes em investimentos ou aumento da arrecadação. O economista Fábio Giambiagi, do BNDES, mostra em um trabalho que esse é um processo histórico que se inicia com a redemocratização do país a partir de 1985, mas foi acelerado pelo atual governo, depois de 2003.

A trajetória da política fiscal brasileira desde quando existem indicadores desenvolvidos para acompanhar receitas e despesas, a partir de 1991, mostra que o gasto primário do governo central passou de menos de 14% do PIB em 1991, para uma estimativa de mais de 22% do PIB em 2008. Nesse mesmo período, a receita do governo central escalou de menos de 15% do PIB para 25% do PIB e a carga tributária de 24% para aproximadamente 36% do PIB.

A taxa média do governo Lula não é muito maior do que a de Fernando Henrique porque em 2003 o gasto caiu muito devido à inflação e à necessidade de conter os gastos, ficando negativo em 3,2% do PIB pela primeira vez em muitos anos. De 2004 em diante, o aumento médio foi de 8 a 9%.

O economista Alexandre Marinis, da Mosaico Consultoria, acha que o ponto fundamental a entender é que o período de inflação em alta que o mundo atravessa é resultante da depreciação do dólar e da alta dos preços de commodities e alimentos impulsionada pelo crescimento das economias emergentes, combinado com uma desaceleração econômica, devido à crise americana.

"Sendo assim, os bancos centrais terão de elevar os juros a fim de conter a inflação, mas, provavelmente, não poderão fazê-lo na intensidade e na velocidade desejadas, para não correrem o risco de jogar os países em uma recessão". Neste contexto, diz Marinis, terão maior sucesso e menor custo no combate à inflação aqueles países que puderem reforçar a elevação dos juros com um aperto dos gastos do governo.

Na sua análise, o governo Lula atravessou os últimos anos de bonança internacional aumentando o tamanho do Estado, contratando funcionários, dando reajustes generosos e crédito abundante para servidores e aposentados, além de elevar substancialmente o salário mínimo e, mais recentemente, os benefícios do Bolsa-Família. "Agora, que chegou a hora de apertar o cinto, descobriremos que a barriga cresceu demais e a calça não fecha".

Como não é possível reduzir o tamanho do Estado da noite para o dia, a única forma real de conter gastos continua sendo o indesejável corte dos investimentos públicos, mas isso Alexandre Marinis acha que o governo não fará na proporção necessária "primeiro porque é ano de eleição municipal e, segundo, porque cortar o PAC equivaleria a reduzir as chances de Lula eleger seu sucessor em 2010".

Nesse cenário, ele acha que haverá pouco a fazer, "a não ser acompanharmos a alta da inflação e a erosão gradual do poder de compra da população, principalmente dos mais pobres, até que a economia se desacelere. Quem sabe, quando isso ocorrer, Lula perceberá que foi um erro ampliar o tamanho do Estado, pois, sempre que isso ocorre, quem paga a conta são os mais pobres".

Tudo indica que a aceleração da inflação já está afetando a popularidade do presidente Lula, mesmo que a última pesquisa CNI/Ibope, referente ao mês de junho, indique que ele mantenha índices ainda altos. O cientista político Sérgio Abranches considera que a popularidade do presidente pode ter chegado, em março passado, ao auge do ciclo de alta que se iniciou no mês de outubro de 2006, quando a popularidade atingiu 50% e a popularidade líquida - isto é, ótimo e bom descontados de ruim e péssimo, descartando-se o "regular" - chegou a 54%.

Abranches lembra que, em dezembro de 2006, esse ciclo teve seu primeiro pico, com a popularidade chegando a 57% e a líquida a 63%. O segundo pico se deu em março passado, com 58% de popularidade e 68% de popularidade líquida. Em junho, o pico de popularidade se manteve em 58% e a popularidade líquida caiu para 66%. "Marcas impressionantes, mas que podem já indicar o auge, com risco de declínio, se as condições econômicas continuarem a deteriorar", analisa Abranches.

As indicações mais fortes desse auge ameaçado de declínio estariam nas perdas localizadas de popularidade registradas pela pesquisa: caiu 7 pontos entre março e junho, entre os jovens de 15 a 24 anos; 4 pontos entre os que têm escolaridade da 5ª à 8ª séries do fundamental; 13 pontos no Norte/Centro Oeste; 6 pontos nas capitais; 4 pontos na faixa de renda entre 2 e 5 mínimos e 18 pontos, na faixa com mais de dez mínimos; e 3 pontos nas cidades com mais de cem mil habitantes, única queda na franja da margem de erro.

DEU EM O GLOBO

O FIM DAS ILUSÕES ARMADAS
Zuenir Ventura

Há muitos detalhes do resgate de Ingrid Betancourt a serem esclarecidos, inclusive em relação ao seu estado de saúde. Como se explica a diferença entre a imagem da ex-refém descendo do avião aparentemente saudável e bem disposta, e o vídeo que correu o mundo há três meses, com a bela ex-candidata à Presidência da Colômbia debilitada e com aspecto doentio, ilustrando o que dizia numa carta: "A vida aqui é um desperdício lúgubre de tempo." Que ela estava com suspeita de hepatite B e leishmaniose, até seus companheiros de cativeiro confirmaram depois. Não ficou claro o que de fato houve durante esse período. Mais difícil ainda vai ser descobrir se é verdadeira a informação da rádio suíça segundo a qual a libertação dos 15 seqüestrados, entre os quais três americanos, foi resultado não de uma ação do Exército colombiano, mas do pagamento de US$20 milhões feito pelo governo dos EUA a um dos comandantes da guerrilha.

Em meio a esses mistérios não desfeitos, uma coisa é certa: caiu por terra o último mito que cercava as Farcs há 44 anos, desde que foram fundadas - o de organização inviolável e incorruptível. O da pureza ideológica já tinha caído há algum tempo, quando se descobriu que elas estavam mais para Fernandinho Beira-Mar do que para Che Guevara. Deixaram de aspirar ao poder para aspirar pó. Continuavam, no entanto, dando a ilusão de que, graças à "implantação" popular, mantinham-se fortes e eficientes, a ponto de poder infiltrar, nunca de serem infiltradas ou subornadas pelo inimigo, como teriam sido agora.

A Operação Xeque (ou seria Cheque?) constituiu não apenas uma derrota para as Farcs, que embora mantenham 400 reféns em seu poder, estes não têm o mesmo valor de troca da ex-candidata presidencial e dos três americanos. O seu sucesso pode também servir de advertência aos que, movidos por ecos nostálgicos, ainda flertam com as soluções violentas, lá fora e mesmo aqui dentro. Ingrid revelou que, depois da morte do líder histórico Manuel Marulanda, os guerrilheiros colombianos estão vivendo uma séria crise. "Eles adoram Chávez. Para a guerrilha, ele é um herói", informou a ex-refém. Acontece que a recente mudança de discurso do presidente da Venezuela, conclamando os seus adoradores a deporem as armas ("a luta armada está fora de lugar", "a guerra de guerrilha passou à história"), significa mais um sinal do isolamento político do grupo colombiano. Não sobrou nem Fidel. Pois até o velho comandante, quem diria, comemorou a libertação de Ingrid e seus companheiros, criticando os seqüestros como opção política. "Civis nunca deveriam ser seqüestrados, nem militares deveriam ser mantidos como prisioneiros nas condições da selva. Nenhum propósito revolucionário justifica isto."

A questão agora é saber se esse revés da guerrilha vai afetar os negócios do narcotráfico.
O VELHO CONGRESSO
Villas-Bôas Corrêa

Voltei ao Palácio Tiradentes para receber das mãos do deputado Paulo Ramos, presidente da Assembléia Legislativa, o honroso e inesperado título de benemérito do Estado do Rio de Janeiro.

Se não consegui apreender as razões da inesperada homenagem, desisti de entendê-las e aproveitei o tempo, enquanto os demais condecorados ocupavam o microfone, para da visão abrangente da mesa, lavar a miopia na contemplação do plenário e soltar a saudade para as lembranças dos muitos anos em que freqüentei a Câmara dos Deputados, de 1948, quando comecei a minha longa jornada de repórter político até a mudança da capital para Brasília, em 21 de abril de 1960. Foram 12 anos de duro batente, os mais prazerosos dos meus quase 60 anos de uma vida.

O Palácio Tiradentes é um belo edifício de incalculável valor histórico. Mas na injusta comparação com o latifúndio das duas casas geminadas na Praça dos Três Poderes, com a imponência das curvas traçadas pelo gênio de Oscar Niemeyer, a lição que o venerando prédio da Praça 15 oferece ao saudosismo do veterano merece a reflexão de quantos se preocupam com a decadência ética do Parlamento na cegueira do insaciável desperdício dos milionários das mordomias, das vantagens, dos privilégios, do descaro da verba indenizatória de R$ 15 mil mensais para ressarcir as despesas de suas excelências no fim de semana em suas bases eleitorais e demais mutretas da mandracice da semana de dois a três dias úteis.

A velha Câmara e o vetusto Senado do Palácio Monroe certamente que tinham as suas fraquezas. Que se desmancham no tempo e no confronto com o modelo do cerrado.

Era uma Câmara sóbria e modesta, com a predominância dos representantes da classe média, poucos milionários ou apenas ricos. Os bacharéis da UDN, do PSD e das mais de uma dezena de legendas dominavam a oratória, então uma arma poderosa no jogo do poder. Mas é obvio que nem só os doutores de anéis de rubi brilhavam nas tribunas da oposição e do governo e não é necessário citar exemplos.

Muito mais significativa é a diferença entre antes e depois de Brasília, com o castigo de senzala dos 21 anos da ditadura militar.

Se a Câmara que eu freqüentei não primava pelas preocupações sociais ou econômicas, ainda com as marcas da ditadura civil do Estado Novo, ela e o Senado viveram a fase de ouro do mais importante dos poderes.

Não por acaso, o Palácio do Catete, sede do Executivo, fica a razoável distância do centro e coração da cidade. E só nas crises era perceptível a intervenção do presidente da República no Congresso. O presidente entendia-se com o líder do bloco governista, que o representava com prestígio e autoridade.

As fórmulas de acordo ou as decisões pelo voto com passavam pelo debate no plenário. Testemunhei muitas vezes um discurso mudar a tendência da maioria.

A imprensa atendia ao interesse apaixonando da população pela novidade da atividade política, depois de anos do silêncio da censura do DIP, com as edições de mais de uma dezena de matutinos e as últimas novidades nos vespertinos, vendidos nos bondes e ônibus, a leitura para a volta a casa.

Dávamos conta do nosso recado com a cobertura total das atividades políticas. Com equipes especializadas em três áreas: plenário, as comissões e a apaixonante articulação dos bastidores.

Nada escapava do registro nas páginas inteiras dedicadas aos debates no plenário, com os discursos importantes publicados na íntegra. E o desdobramento nos vespertinos.

O despertar da saudade espanta os fantasmas. E o tombo na realidade é o amargo retorno à rotina das apreensões com o declínio do Congresso num dos piores momentos da sua tumultuada existência.

A CÚPULA DOS IMPOTENTES
Clóvis Rossi

TÓQUIO - A capa da revista "The Economist" desta semana aproveita a cúpula do G8 a iniciar-se amanhã no Japão para discutir "quem dirige o mundo". Com a habitual competência, decreta que o G8 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Canadá e Rússia) "parece velho e impotente" (a melhor tradução para "old" seria antiquado, não velho, que não é defeito, pelo menos não aos olhos de quem o é, claro).

Acrescenta que não é o único grupo com essas desagradáveis características. Passa em seguida a perguntar se seria melhor reduzir o G8 a um G4, abrigando as superpotências econômicas (EUA, União Européia, China e Japão). Outra hipótese, inversa, seria ampliá-lo para 12, com a incorporação da indefectível China mais Índia, Brasil e Espanha.

Nada contra a constatação de que todos os sete donos do mundo se tornaram impotentes (a Rússia está no G8 menos por sua força real e mais como prêmio por ter trocado o comunismo por um desvairado capitalismo). Mas falta dizer que impotentes estão quase todos os governos do planeta, sobrepujados pela avassaladora força dos mercados, em especial os financeiros.

As evidências são muitas, mas fico apenas no âmbito do G8: na cúpula anterior, na Alemanha, a chanceler Angela Merkel queria extrair de seus pares algum tipo de regulação dos mercados financeiros para tentar controlar o cassino. Não conseguiu. Foi antes da crise das hipotecas "subprime", que revelou um formidável déficit de regulação. E antes da disparada mais aguda dos preços do petróleo e dos alimentos, para a qual contribui uma boa dose de especulação nos mercados futuros.

Nem assim a proposta alemã de 2007 voltou à mesa em 2008. Do que se conclui que os países do G8 são impotentes não em relação a outros países, mas em relação a um ente interno a cada um deles, mas de atuação global, os tais mercados.