domingo, 27 de julho de 2008

O QUE PENSA A MÍDIA
EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
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DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


CLIENTELISMO, PÓ E VOTO
Luiz Carlos Azedo


O “pai” do Bolsa Família e do PAC precisa tomar providências enérgicas para evitar a associação do clientelismo ao banditismo nas áreas onde o governo federal tem intervenção direta

O cientista político Luiz Werneck Viana, professor do Iuperj, em entrevista ao jornal carioca O Globo, foi na bucha: “A cidade está toda feudalizada. Nos setores subalternos, pela milícia, pelo tráfico. No mundo urbano, igualmente está feudalizada. Cada pequeno lugar, cada esquina, onde há possibilidade de uma vida mercantil qualquer”. Referia-se ao Rio de Janeiro, é claro, mas o fenômeno não é isolado. Conexões entre a economia informal e o banditismo, sejam por meio dos traficantes e ou das milícias e “mineiras”, alimentam os indicadores de violência das grandes cidades. O problema existe em São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Salvador e no entorno de Brasília. O impacto na qualidade da política e dos políticos já é visível a olho nu. A topografia e o dinamismo econômico de cada região metropolitana se encarregam das diferenças, mas o rumo é o mesmo: o carioca.

Banditismo

Werneck denuncia que o Rio de Janeiro foi dividido em feudos eleitorais, tanto nas áreas urbanas quanto nas comunidades carentes. “A orla marítima é um exemplo. A cidade está toda ela repartida em territórios, e cada território entregue a donatários. A diferença é que, nas favelas, o território não é livre. Na praia e em outras áreas urbanas, os candidatos podem circular”, explica. Segundo ele, por causa disso, o voto de opinião — que sempre foi uma das características das eleições no Rio de Janeiro — está sendo sufocado pelo voto de clientela, que hoje dita as regras das eleições dos vereadores da cidade. Resultado: 10% dos integrantes da Câmara do Rio estão envolvidos com o tráfico, as milícias ou a contravenção.

Nas favelas, a coisa é mais grave. Os currais eleitorais estão sendo controlados pelos traficantes, que escolhem seus representantes e pressionam comunidades inteiras a votarem nos “candidatos do pó”. Mesmo os candidatos majoritários, que antes circulavam nessas áreas, agora estão sendo impedidos. É a falência do Estado naquilo que poderia gerar a energia capaz de fazê-lo reagir: o voto popular em áreas controladas pelo tráfico. As milícias também passaram a lançar candidatos e financiá-los. Na semana passada, um deputado estadual fluminense foi preso em flagrante quando a Polícia Federal “estourou” o quartel-general de uma milícia carioca. Houve até troca de tiros.

Clientelismo


No vale-tudo para influenciar o resultado das eleições municipais, o governo federal ampliou a escala do clientelismo nas comunidades carentes. A prática era sobretudo municipal e também estadual, mas agora virou federal. Graças ao programa Bolsa Família e às obras de saneamento e urbanização do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O governo federal acaba de anunciar que 1,4 milhão de famílias do Bolsa Família irão receber em suas casas uma carta do governo federal comunicando que poderão disputar uma vaga num plano de qualificação profissional na área da construção civil. Estão localizadas em cerca de 280 municípios, de 20 regiões metropolitanas do país.

Essa é uma boa notícia, mas tem propósitos nitidamente eleitorais. E que podem ter conseqüências lastimáveis. O presidente da Comissão de Segurança da Câmara, deputado Raul Jungmann (PPS-PE), denuncia que chefes do tráfico se associaram a líderes políticos da Rocinha e do Complexo do Alemão para controlar a contratação de peões nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) nas favelas. Segundo Jungmann, o grupo se associou para pressionar eleitores a votar em candidatos indicados pelos chefes locais. “É chocante. Meio milhão de pessoas sem poder votar livremente. É a ditadura do narcotráfico em plena democracia”, dispara.

Ninguém pode responsabilizar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por esse tipo de parceria, mas o “pai” do Bolsa Familia e do PAC precisa tomar providências enérgicas para evitar a associação do clientelismo ao banditismo nas áreas onde o governo federal tem intervenção direta. Já basta o lamentável episódio do Morro da Providência, no centro do Rio, onde o Exército guarnecia as obras de um projeto eleitoreiro do governo federal — “Cimento Social — para favorecer o senador Marcelo Crivella (PRB), candidato a prefeito do Rio que Lula apóia por baixo dos panos. Um tenente entregou a traficantes rivais três jovens que o haviam desacatado, inconformado com o fato de seu comandante soltá-los. Os três rapazes foram executados. --> --

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS


A PONTE QUE RESTA ENTRE MORRO E ASFALTO
ENTREVISTA: Zuenir Ventura


No Rio de parlamentares milicianos, traficantes sádicos e polícia sangrenta, a salvação virá pela cultura popular. Já aconteceu uma vez, diz o escritor e jornalista


Pedro Doria - O Estado de S.Paulo

Durante mais de um século, o carioca do asfalto olhou para cima e secretamente fantasiou a remoção da pobreza nos altos e nas encostas. O Morro do Castelo foi abaixo por volta de 1900. Nos anos 60 Carlos Lacerda removeu favelas. Mesmo quando algum governo, como o de Leonel Brizola, tratou com simpatia o morro, não procurou integrá-lo à cidade. Brizola abandonou-o ao tráfico que nascia. A rejeição social se instalou, como se o morro fosse um corpo estranho, e não parte do todo.


Zuenir Ventura lançou o livro Cidade Partida em 1994, fruto de um olhar atento sobre as favelas. Desde então, tudo piorou. O carioca das classes médias persiste, intimamente, no sonho que o jornalista chama de "solução final". Sonha com o Exército que sobe, a polícia que atira e o confronto que consumará o fim. "Não é por maldade ou patologia", diz Zuenir. "É por medo e insegurança."


Foi num dos períodos de maior insegurança na cidade, quando tudo parecia perdido em princípios do século 20, que ali pelo centro, entre os marginais, nasceu o samba. O samba integrou morro e asfalto. Hoje, jovens de classe média vencem medos e sobem os morros em busca do funk. Não querem drogas, querem a dança. Numa cidade cada vez mais agressiva, uma "verdadeira necrópole", Zuenir vê na cultura o último fio de esperança, o traço que ainda pode unir a cidade partida. Mas não há solução a curto prazo, como argumenta nesta entrevista exclusiva ao Aliás.

Políticos presos como chefes de milícias, traficantes comandando currais eleitorais, polícia corrupta, medo na população. Ainda que vários fatores possam sugerir que o Rio não tem solução, Zuenir aposta o contrário, apoiado numa premissa básica: "O povo não é suicida".

O que mudou desde a publicação de ?Cidade Partida??

Passei o ano de 1993 visitando constantemente Vigário Geral. Naquela época, o líder do tráfico era um rapaz chamado Flávio Negão. Ele havia sido criado lá, tinha uma relação afetuosa com a comunidade. As senhoras davam bronca nele. Ele se preocupava com melhorias, asfalto, iluminação. As instituições eram respeitadas. Ninguém tocava em jornalista, por exemplo. Na última vez em que conversamos ele me mostrou um fuzil que tinha adquirido. Era uma arma que podia atingir helicópteros. "Mas você vai usar isso?", perguntei. "Não, Deus me livre, se usar a polícia invade o morro no dia seguinte." Ele gostava de dizer que seus soldados não cheiravam nem fumavam, tinha a consciência de que comandava um comércio e não queria guerra com a polícia pois atrapalharia os negócios. Lá conheci o Elias Maluco, que comandou o assassinato de Tim Lopes. Era um dos soldados menores do Negão. Essa é a mudança. Os jovens traficantes, gerações depois, são viciados e não têm nenhuma responsabilidade. Já foram tantas invasões das várias facções nos diversos morros que não sobrou ligação afetiva. São loucos. Cheiram e saem matando com crueldade inominável. O traficante Robin Hood acabou. Quinze anos atrás, eu passava a noite numa favela. Não dá mais.

Foi só o tráfico que mudou?

A polícia continua com a mesma política de tratar a situação como guerra. Quando governou o Rio, Marcello Alencar criou um instrumento chamado "gratificação faroeste", que premiava com dinheiro os policiais que matavam mais. A gratificação caiu, mas o espírito persiste. A atual cúpula de segurança parece honesta. Mas ela acredita que deve subir o morro dando tiros e alega que os danos colaterais - a morte de crianças e inocentes - fazem parte da guerra. Quando você começa a acreditar que a polícia serve não para evitar a morte, mas para matar, esse é o resultado. O combate às drogas, hoje, mata mais do que as próprias drogas, uma incoerência. É claro que é preciso enfrentar. Mas deve se fazer isso com informação. Se tem gente inocente morrendo, está errado. O Elias Maluco foi preso sem que a polícia desse um tiro, porque houve apoio da inteligência. A atual polícia sai matando. É ela que decide quem é bandido, sem julgamento, sem nada. A última ação de grande repercussão foi a invasão do Morro do Alemão, no ano passado, que terminou com 19 mortos. Fui ver o resultado depois de a polícia sair. Havia marcas de bala para todo lado, mas o chefe do tráfico continuava no cume do morro. Se escondeu uns dias, voltou. Segundo as pesquisas, 90% da sociedade apoiou a iniciativa policial. É porque há a ilusão de que o enfrentamento funciona. Não muda nada. Dias depois, estava tudo igual.

A polícia do Rio é a que mais mata. Não é também a que mais morre?

A polícia do Rio mata quatro vezes mais do que a dos Estados Unidos. E morre muito. Morrem, nesses confrontos, mais de cem pessoas por mês. E não tem eficácia. Mata e morre sem nenhum resultado. O Rio está se transformando numa necrópole povoada por vítimas mortais. E a vocação do Rio não é esta - é a festa, a alegria, o congraçamento.

Qual é a solução?


Nos anos 80, durante o primeiro governo de Leonel Brizola, até por causa dos abusos da ditadura ele implantou um populismo de respeito aos direitos humanos. A polícia não subia em favela. As coisas, no Rio, acabam sendo oito ou oitenta. O que aconteceu? Os traficantes acharam uma maravilha, ocuparam e consolidaram seu território. Foi um período de total conivência com o crime, que acabou desmoralizando os direitos humanos. Conversei muito sobre isso com o sociólogo Hugo Acero, que foi subsecretário de segurança de Bogotá. Em 1993, a Colômbia tinha um índice de homicídios de 80 para cada 100 mil habitantes. Caiu para 18. Como fizeram? Houve enfrentamento, mas a polícia não pode entrar no domínio do tráfico e depois sair. Tem que continuar. A ocupação não pode ser apenas policial. Tem que levar escola, posto de saúde. No governo Brizola a polícia não subia, mas o Estado também não. Uma vez, vi a cena de um menino de 2 anos que teve desidratação. O traficante chegou e o levou para o hospital. Vai explicar para a mãe do menino que ele é um malfeitor... Esse vácuo do poder público, naquele primeiro momento, foi ocupado pelo tráfico. Hoje, a situação piorou muito.

Essa semana, um deputado estadual foi preso, acusado de comandar uma milícia. Seu irmão, um vereador, está na cadeia desde dezembro. De onde vem a promiscuidade entre política e crime no Rio?

Temos uma cultura de promiscuidade no Rio. Por um lado, ela se manifesta na informalidade carioca. Por outro, é o desrespeito. É uma cidade ilegal na qual todos desobedecemos às leis. Alguns meses atrás, o deputado estadual Álvaro Lins (PMDB), que dirigiu a Polícia Civil no governo de Rosinha Garotinho, foi preso - mas seus colegas na Assembléia Legislativa o soltaram. Agora é a vez do deputado Natalino Guimarães e seu irmão. A filha de um deles já é candidata a vereadora e provavelmente será eleita, porque eles comandam um território cativo, em Campo Grande, no qual controlam os votos. Segundo a polícia, comandam uma milícia que tem nas suas contas centenas de mortos. Mas lembremos do passado. Quando o líder dos bicheiros, Castor de Andrade, ia para a avenida assistir aos desfiles de carnaval, recebia em seu camarote toda a sociedade carioca. Todos achavam muito natural ser convidado do "doutor Castor de Andrade". Essa miscigenação que existe no Rio é uma mistura alegre de classes que a praia facilita, mas tem esse reverso que é a promiscuidade. É um terreno pantanoso, muito próprio da cidade.

As milícias fazem tráfico?

Não, não fazem.

Então a violência do Rio já independe do narcotráfico?

Essa é uma tendência evidente. Agora, sobre as milícias, a gente sabe muito pouco - não sabemos sequer a extensão desses grupos. Dizem que de cada cinco favelas, elas dominam uma. As milícias descobriram que poderiam faturar muito, de uma maneira mais tranqüila, taxando serviços e instituindo uma máfia. Controlam as vans, a entrega do gás, a televisão via o "gato" da Net. Faturam talvez mais do que o tráfico e sem o estigma. Já ouvi depoimentos de gente que mora perto da favela de Rio das Pedras dizendo "agora dá para dormir com as janelas abertas". Você imagina o que é isso para o morador daquele lugar. Antes, quando nem todo o mal das milícias tinha vindo a público, elas foram tratadas como alguma coisa que estava pondo ordem na casa - podiam até ser meio exterminadoras, mas não eram corruptas. Essas milícias organizam até a recepção do nordestino que chega para morar na favela. Conseguem para ele o primeiro emprego, às vezes até uma casa. E ele terá que pagar por isso, evidentemente. Vai ficar sob o domínio dessa organização.


Mas as milícias são tão violentas quanto os traficantes?


Em Campo Grande, na região da milícia liderada supostamente pelo deputado Natalino Guimarães, a taxa de homicídio caiu em quase 30% após a prisão dele. São violentíssimas. Agora, se esse pessoal é capaz de entrar na favela, ocupar o espaço e expulsar o tráfico, por que o Estado não fez isso antes? É uma pergunta que se coloca. Por que isso nunca foi tentado? Por que não se faz uma ocupação gradual de cidadania, aquilo de que o Betinho falava?

Há quem argumente que tudo poderia ter sido evitado se a política de remoção de favelas do governo Carlos Lacerda, nos anos 60, tivesse sido levada adiante. Você concorda?

É preciso lembrar que aquela política, que criou bairros populares para a transferência dos moradores, como a Cidade de Deus, não levou emprego para aquela região nem implantou uma rede de transporte público que servisse à população. Grande parte daqueles chefes de família transferidos para longe continuaram trabalhando na zona sul, e constituíram novas famílias. Foi uma política desagregadora. Talvez porque previsse em que a expansão das favelas ia dar, o governo Lacerda foi corajoso. Mas não deu condições de fixação daquele novo morador e nenhum dos governos seguintes deu continuidade ao processo de remoção corrigindo os problemas iniciais.

Os mesmos críticos argumentam que, quando permitiu o uso de alvenaria nos morros, Leonel Brizola contribuiu para a fixação definitiva das favelas.

Essa fixação seria inevitável. O problema foi a falta de planejamento. Já que os barracos precários seriam substituídos por construções de cimento e tijolo, deveria ter havido um plano de urbanização. Mesmo quando os governos têm a melhor das intenções, olham para a favela como algo que não faz parte da cidade. Nós todos fazemos isso: achamos que aquilo é um corpo estranho. Não percebemos que a favela também é Rio. Naquela época, deram material de construção e disseram para os moradores, "se virem". Isso nunca aconteceria em Ipanema.


O carioca sonha com o dia em que se livrará da favela?

As favelas do Rio começaram com duas migrações, no início do século 20. Uma foi a dos soldados que derrotaram Canudos e, trazidos para o Rio, não tinham onde ficar. Ocuparam um morro. A outra foram os moradores pobres do Morro do Castelo, removidos dali quando foi posto abaixo pela urbanização impetrada pelo prefeito Francisco Pereira Passos. Há muito que se tenta tirar gente pobre de onde mora. Abriram as avenidas, mas, como não tinham para onde mover aquela gente de segunda categoria, transferiram para outro morro. A ironia da história é que, ao levar para os morros, eles estavam dando para o narcotráfico do futuro a melhor posição de tiro. Jamais houve política de regularizar o uso do solo nos morros. Sempre se encarou a favela como problema. Nunca se quis transformar a favela num bairro, como Alfama, em Lisboa. Alfama era isso. A população da favela, quem é? É a população de serviço da cidade. A classe média olha com desconfiança para o morro, mas esquece que o ascensorista, o motorista, a empregada doméstica, faxineiros, todos vêm das favelas. Essa integração entre o morro e o asfalto nunca foi feita. Ela só acontece do ponto de vista cultural. A cultura do Rio é uma de inclusão. A cultura tenta unir o que a economia separa.

Nunca houve tentativa de integrar morro e asfalto?

Sim. O projeto Favela-Bairro, durante a primeira passagem de Cesar Maia pela prefeitura, teve boas intenções e alguns bons resultados de urbanização. Mas não resolveu o problema do tráfico. Chegamos ao absurdo de achar que a população da favela é conivente. Não. O que acontece é que ela está inteiramente subjugada por uma tirania que detém o poder econômico, político e militar.

Existe um desejo de extermínio por parte da classe média?

Existe. Mas veja, isso não é por maldade ou crueldade. Não é uma patologia. É o medo que leva a isso. Vivemos uma situação de paranóia em que a morte daquele que se considera o inimigo vem pelo desejo de segurança. A questão é que a morte não resolve. Leva a mais morte, mais crime, mais medo. E persiste essa fantasia da "solução final", de resolver tudo de uma vez com o extermínio.

Como o morador da favela lida com essa rejeição do asfalto?

Ele rejeita na mesma proporção. O favelado tem orgulho de onde mora. Ao contrário do que pensamos, ele tem muito amor por aquilo lá. O ator principal de Era uma Vez (novo filme de Breno Silveira), que inclusive tem como subtítulo Uma História de Amor numa Cidade Partida, mora no Morro do Vidigal e diz que, mesmo depois do filme, vai continuar lá.

A irreverência do Rio é sempre celebrada. Mas ela não tem um outro lado? Essa constante quebra de regras e flerte com a infração não torna o carioca agressivo?

O Rio sempre foi uma cidade muito anárquica, no sentido de ser muito irreverente, indisciplinada. Isso, levado às últimas conseqüências, denota uma cidade que não quer se sujeitar às leis e às regras. É o lugar em que o motorista de táxi sugere "doutor, vamos fazer uma bandalhazinha aqui, a gente pega essa contramão..." E você, que quer chegar na hora, diz: "Tá ótimo, pode fazer". Claro que isso leva à indisciplina urbana, à permanente desobediência cívica. Claro que a conseqüência é agressividade, as pessoas simplesmente se sentem no direito de transgredir. Outro dia, vi um sujeito buzinar atrás de uma senhora que esperava o sinal abrir. Ele pôs a cabeça para fora e gritou: "Você não está na Suécia, não, ô perua!" Há uma degradação do convívio. Mas o Rio sempre foi uma cidade amena, cordial. E ela se degrada unicamente por causa da impunidade. Só por isso. Não acho que o motorista carioca seja menos educado do que o de Paris ou Nova York. Lá, o sujeito paga multa pela infração. Mas o Rio tem momentos de euforia e de baixo astral. Por isso é tão difícil analisá-lo com maniqueísmo. Um colega francês que esteve aqui para o réveillon, estranhou: "Aqui não é a cidade da violência? Então como vocês fazem uma festa com 2 milhões de pessoas e não há nenhum incidente?" Afinal, o Rio é cordial ou violento? É as duas coisas, e para o francês cartesiano é difícil entender.

O Rio está culturalmente decadente?

Não. A cidade tem uma capacidade de dar a volta por cima, que se manifesta ao longo de sua história. Na virada do século 19 para o 20, a decadência era muito pior do que hoje. Os navios passavam a 40 milhas de distância porque havia surtos de febre amarela, tifo, todas as epidemias. A cidade estava decomposta. Mas enquanto isso, na Praça Onze, um grupo de pessoas perseguidas pela polícia estava gestando uma das manifestações culturais mais ricas do mundo, que é o samba. Em 1993, fui com o DJ Marlboro, então desconhecido, a alguns bailes funk. Na minha primeira vez, fiquei horrorizado com a violência - uma violência que é muito mais coreográfica do que real. O Marlboro me disse assim: "Olha, o funk vai tomar conta do Rio". Eu ri dele. Pensava: "Ele acha que uma manifestação dessa vai passar na televisão". Pois bem, anos depois isso aconteceu.


Mas o funk não é como o samba, é?

Os meninos de classe média que sobem o morro não para cheirar, mas para ir ao baile, adoram. O Marlboro brinca comigo: "O funk está soldando a cidade partida".

E você acha que está?

De certa forma, sim. Do ponto de vista cultural, sobretudo musical, não tem apartheid. O samba já tinha feito isso. Agora é o funk. A influência da moda hip hop, do sujeito com o boné virado, o cofrinho da menina aparecendo na calça - isso fez a periferia entrar no centro. No meio universitário sua música está entre as preferidas. A cultura, no Rio, sempre fez a ponte entre morro e asfalto.

Você acha que leva quanto tempo para resolver o problema?A longo prazo, sou otimista. Não o otimista babaca. Mas a própria sociedade, embora alienada, já sentiu na carne o problema da bala perdida. A solução não é a segregação. A sociedade pode ser insensível, mas não é suicida. Fatalmente chegará à conclusão de que é preciso incluir. Ninguém pensa mais em remover favelas. As alternativas de apartheid estão esgotadas. Como a saída não é o aniquilamento nem a guerra, de partida só há uma solução - unir e ceder à vocação do Rio: o encontro, o congraçamento, a festa.

Você escreveu sobre 1968 e voltou ao tema noutro livro. Escreveu sobre Chico Mendes e voltou à questão. Voltaria à cidade partida?

Só quando a cidade deixar de ser partida. Recontar a mesma história, só que piorada, não dá ânimo.

DEU EM O GLOBO


O MUNDO REAL
Merval Pereira


NOVA YORK. Esse mundo novo multipolar de que o candidato democrata à da República dos Estados Unidos Barack Obama falou para a multidão européia, onde a solidariedade entre os antigos e novos aliados derrubaria os muros de preconceitos, é que está em jogo nas negociações da Rodada de Doha em Genebra, onde o mundo tenta encontrar meios de avançar na liberação comercial para enfrentar a crise econômica e de alimentos que o afeta. Nesse ponto, o partido de Obama tem mais dificuldades que os republicanos, tradicionalmente mais abertos comercialmente. No discurso de Berlim, por exemplo, Obama defendeu o livre comércio, mas apenas se os acordos forem "livres e justos para todos".

McCain já votou contra os subsídios ao milho para fazer o etanol americano, e teve coragem de dizer isso ainda nas primárias em Iowa, terra dos grandes produtores. E o partido republicano apóia o programa de etanol brasileiro, com um acordo assinado entre os governos Bush e Lula. Obama, ao contrário, votou a favor dos subsídios e coloca o etanol produzido com milho como uma das opções para o programa americano de combustíveis alternativos.

Mesmo que se chegue a um acordo em Genebra, nas negociações da Organização Mundial do Comércio, o Congresso americano dominado pelos democratas pode vetá-lo, pois reduziria os subsídios já aprovados. Até mesmo com relação à Europa existem divergências sérias em termos de subsídios, seja na agricultura seja nas disputas industriais entre grandes consórcios, especialmente na área de aviação.

O fim do mundo unipolar dominado pelos Estados Unidos foi descrito por Richard N. Haas em recente artigo da revista "Foreign Affairs". Presidente do Council on Foreign Relations - que edita a revista -, uma entidade não-partidária com sede em Nova York, considerada uma das mais influentes em matéria de relações internacionais nos Estados Unidos, ele entende que o momento hegemônico dos Estados Unidos está superado e o século XXI será marcado por um poder mais difuso, e a influência dos Estados-nação declinará em função do aumento da influência de atores não-estatais.

Esse novo mundo vai exigir do futuro presidente americano uma capacidade de dividir o cenário internacional com "dezenas de atores possuindo e exercendo poderes de diversas maneiras, inúmeros centros com poderes específicos importantes", entre eles ONGs, organismos internacionais e países emergentes. Por enquanto, no entanto, o governo americano parece não estar disposto a abrir mão desse poder todo, e nem há sinais de que o futuro presidente, seja ele quem for, o faça.

Na recente reunião do G-8 no Japão, Estados Unidos e Itália se uniram para vetar sua ampliação, com a inclusão de países como o Brasil, África do Sul, Coréia do Sul e Índia, proposta pela França.

O candidato republicano John McCain, em recente entrevista ao "Estado de S. Paulo", deu um passo à frente e se disse favorável à entrada do Brasil e outros países no G-8, mas vetou a ampliação do Conselho de Segurança da ONU.

O professor de História da Universidade de Nova York Tony Judt, autor do recém-lançado no Brasil "Pós-Guerra", falando à coluna disse que a Itália sob Berlusconi "não pode ser levada a sério, infelizmente". A explicação para o veto seria que "a Itália vem a ser o "big boy" do G-8, situação que seria desfeita se outros entrassem. E já que a Itália não é player considerável em outros organismos, o país prefere manter o G-8 exclusivo".

Mas ele adverte: "Não tenhamos ilusão com relação a Sarkozy: a França é opositora ferrenha de abrir espaço no Conselho de Segurança da ONU para países como o Brasil e Índia, já que isso reduziria o espaço da Europa como apenas um lugar no Conselho".

Por outro lado, lembra Judt, "a administração Bush já é um "lame duck" ("pato manco"), expressão em inglês que identifica um governante enfraquecido) e reluta em tomar posições difíceis; talvez a exceção seja se Israel bombadear o Irã". Ele acha que também Obama não se oporá a uma expansão do G-8, mas considera que "trazer Índia e Brasil para dentro do Conselho de Segurança da ONU não terá o seu esforço".

Para o historiador Tony Judt, o republicano McCain "é menos sofisticado do que aparenta, e a área econômica é sua maior fraqueza. Duvido que ele tenha pelo menos pensado no G-8. Seus comentários sobre "Guerra de cem anos" no Iraque e a confusão que fez entre sunitas e xiitas sugerem um homem que pode ser mais simpático ao multilateralismo do que Bush, mas não entende realmente isso".

Na avaliação de Judt, "vai levar um longo tempo para que essa idéia de multilateralismo prevaleça, e desde que Rússia e China têm razões próprias para se comportar mal em temas como o Sudão ou Zimbábue, os conservadores na Europa e nos EUA continuarão a argumentar que quanto menos países poderosos tivermos, melhor".

Ele considera que "o Brasil e talvez a Índia são mais bem vistos como potenciais aliados do que as oligarquias autoritárias da Russia ou da China, mas vai levar um longo tempo para os Sarkozys do mundo aceitarem isso. Ele, por exemplo, não consegue ainda nem perceber como é autodestrutivo forçar a Turquia para fora da Europa".

Também Richard Haas, do Council of Foreign Relations, falando à coluna, diz não acreditar na ampliação do Conselho de Segurança da ONU, embora considere que seria uma medida necessária. "Acredito que Brasil e outras nações como Índia, África do Sul, Coréia do Sul, Japão, devem ser mais incluídas nas discussões internacionais. Mas não sou otimista com relação ao Conselho de Segurança da ONU, que considero quase impossível por causa da política". Para ele, "é mais fácil abrir o G-8, ou criar novas instituições. Precisaríamos ser criativos, flexíveis".

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


PESQUISAS DE AGORA
Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi


"Veja-se o caso das eleições deste ano na cidade de São Paulo. Tomando como base a mais recente pesquisa do Ibope, os quatro principais candidatos reúnem 84% das intenções de voto. Isso vai mudar? Até que ponto?"

Todo mundo sabe que pesquisas de intenção de voto, em eleições municipais, só são capazes de antecipar resultados quando feitas perto do pleito. Temos, já, uma boa experiência com esse tipo de eleição, no Brasil de hoje em dia, e poucos se esquecem disso quando vêem resultados como os que agora estão saindo. O que nem todos se lembram é por quê.

Trata-se de uma regra que comporta exceções, que nos ajudam a entendê-la melhor. Ou seja, embora prevaleçam os casos de pesquisas pouco conclusivas, temos aqueles em que elas conseguem prever o que as urnas vão mostrar, meses depois.

É o que acontece em eleições onde os principais candidatos são bem conhecidos. Nessas, há pouca margem de crescimento para qualquer um, pois as imagens que os eleitores fazem a respeito deles estão formadas e consolidadas. Não há, portanto, lugar para “surpresas”, salvo, é claro, se fatos novos de grande impacto ocorrerem.

Veja-se o caso das eleições deste ano na cidade de São Paulo. Tomando como base a mais recente pesquisa do Ibope, os quatro principais candidatos reúnem 84% das intenções de voto. Isso vai mudar?

Até que ponto?

O que, por exemplo, faria com que uma parte grande dos 34% que pensam votar em Marta trocasse de candidato? Quem tem essa intenção não sabe quem ela é? Não ouviu já as críticas de seus adversários e suas respostas? E será que os 66% que preferem outros nomes não sabem que ela é do PT e que Lula a apóia?

Quanto aos que pretendem votar em Alckmin, por acaso ignoram quem sã o seus oponentes? Falta-lhes alguma informação sobre o ex-governador?

Com Kassab não é a mesma coisa? E Maluf, com seus fiéis 9%, que resistem a tudo que contra ele foi dito? Há alguma denúncia “nova” que os possa escandalizar?

Casos como esse são excepcionais, no entanto. O prefeito atual, dois ex-prefeitos e dois ex-governadores, se enfrentando na mesma eleição, só em São Paulo. Na maior parte das vezes, acontece o inverso, disputas que adquirem suas cores definitivas apenas quando se chega perto do dia da votação.

Alguns casos de pesquisas feitas pela Vox Populi em 2004, de Norte a Sul do país, mostram isso com clareza. São apenas exemplos, parecidos com vários outros.

À mesma distância que estamos hoje da eleição, na segunda quinzena de julho, tínhamos o candidato do PT com grande vantagem em Porto Alegre. Nas pesquisas, Raul Pont chegava a 36%, sendo que nenhum dos outros atingia 10%. No primeiro turno, Pont obteve 35%, mas Fogaça recebeu 27% dos votos. No segundo turno, deu Fogaça.

Algo semelhante ocorreu em Manaus, onde Amazonino Mendes tinha 58% e Serafim Correa, 14%, que se transformaram em 41% e 27%, respectivamente, na eleição. Ao invés de vencer no primeiro turno, Amazonino perdeu no segundo.

Em Belo Horizonte, quem liderava em julho era João Leite, com 35 %, contra Fernando Pimentel, com 28% das intenções estimuladas. Na urna, Pimentel foi a 60% e o candidato do PSDB retrocedeu a 20%.

Tudo isso acontece por uma razão primordial: a quantidade e a intensidade de mídia que nossa legislação concede aos candidatos a prefeito, nas cidades onde existe televisão e rádio. Eles, sozinhos, dividem o precioso tempo de inserções, a única mídia que atinge o universo do eleitorado (pois só assiste ao horário eleitoral quem quer). O mesmo tempo que os candidatos a presidente, governador, senador, deputado federal e estadual têm que compartilhar nas eleições gerais.

Isso muda completamente o quadro de informações do eleitorado, que pode ser apresentado e atraído por nomes novos, que desconhecia poucas semanas antes. Quem tem o que dizer, fala muito e fala rápido. Assim se fazem as “surpresas”.

Podemos ter certeza que, este ano, as teremos de novo. Quem tem juízo, olha com cautela as pesquisas de agora.

DEU NA FOLHA DE S. PAULO


É CEDO PARA APOSTAR
Eliane Cantanhêde


BRASÍLIA - As campanhas estão em fase de aquecimento, e não convém ainda fazer apostas. Em São Paulo, Rio, Porto Alegre, Recife e Salvador, tudo pode acontecer. Em Curitiba, o favorito de hoje tem tudo para ganhar mesmo amanhã, mas o segundo lugar ainda vai dar muito trabalho e o que falar.

São Paulo polarizou entre Marta (PT) e Alckmin (PSDB), e qualquer aposta tem que pular o primeiro turno e focar no segundo. Tudo depende da profundidade e das conseqüências do racha tucano. No Rio, Marcelo Crivella (PRB) está em primeiro, mas 24% não dão segurança para ninguém. Jandira Feghali (PC do B) está logo ali, com 16%, e Eduardo Paes, 13%, não é só a novidade em ascensão como tem o governador Sérgio Cabral.

Em Porto Alegre, como previsto, o prefeito José Fogaça (PMDB) lidera, mas Maria do Rosário (PT), 20%, e Manuela D"Ávila (PC do B), 18%, formam uma maioria feminina e de esquerda que pode ser decisiva no segundo turno. O DEM joga suas poucas cartadas em Recife, com Mendonça Filho, e em Salvador, com ACM Neto. Mas Cadoca (PSC) e João da Costa (PT), ambos com 22%, estão na jogada na capital pernambucana. E, na baiana, há um empate técnico com o tucano Antônio Imbassahy. Entre sete capitais, Curitiba é a única com chance real de fechar a eleição em primeiro turno: o prefeito Beto Richa (PSDB) tem 72%. Mas a petista Gleisi Hoffmann, 12%, teve um desempenho meteórico na última eleição e conta com uma aguerrida militância petista.


As duas curiosidades são a dianteira de Jô Moraes em Belo Horizonte e o PC do B entre os três primeiros no Rio, em Porto Alegre e na própria BH. Mulher, paraibana, comunista e de uma sigla pequena, Jô Moraes dá um nó nos poderosos Aécio Neves e Fernando Pimentel.Pelo menos até o início da propaganda na TV e as divisões de Napoleão chegarem à Rússia. É aí que o jogo (bruto) começa para valer.

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)


NA REPÚBLICA DOS BACHARÉIS
Alberto Dines


Em francês, rififi. Em vernáculo, há opções mais numerosas e sonoras: angu, auê, baralhada, babilônia, bochinche, fuzué, frege, lambança, sarilho, sururu, zorra. Começamos em sânscrito, na esfera mística da verdade absoluta para acabar em latim vulgar no pantanal dos paradoxos jurídicos, não muito longe do calão da malandragem.

O último lance da Operação Satiagraha foi propiciada por um cidadão carioca, motorista profissional, ex-aluno de direito – quem não é nesta terra? – que quinta passada entrou com uma ação popular para obter uma liminar que determine o retorno do delegado Protógenes Queiroz à chefia do inquérito que colocou Daniel Dantas na cadeia.

Wellington Borges da Silva Lúcio, ao que parece, não pretende apenas alçar o delegado da PF à condição de Elliot Ness (o intocável agente do FBI), quer confrontar a presidência da República que, aparentemente, forçou o afastamento do delegado Protógenes do comando das investigações.

Enquanto as cortes não se manifestam, a jurisprudência vacila e os autores divergem, o delegado Protógenes entregou (conforme prometera) o relatório final ao Ministério Público. Mais "enxuto", com menos 93 páginas, concentra-se mais no crime de gestão fraudulenta, exclui todos os jornalistas do relatório parcial, porém mantém as acusações à repórter da Folha de S. Paulo que antecipou, meses antes, as investigações da PF.

Curiosidades bacharelescas: como é que a imprensa soube dos detalhes a respeito do novo relatório? Inspiração divina, leitura labial ou funcionou novamente o velho e enferrujado cano dos vazamentos?

Não adianta esconder: o vazamento é a questão que deveria comandar o debate penal, não as algemas. Para isso seria indispensável uma dose menor de bacharelismo e mais atenção ao jornalismo, à imprensa (que, aliás, acaba de completar 200 anos sem qualquer comemoração). Como a PF tinha pressa e não dispunha de todos os elementos para incriminar definitivamente os acusados recorreu a uma imprensa que não resiste à tentação de publicar imediatamente, sem qualquer investigação, qualquer coisa que pareça sigilosa.

O primeiro vazamento para os jornais, há duas semanas, era altamente explosivo com nítido teor político e envolvia matéria remotamente ligada a questões financeiras, mas foi considerado estratégico para sobrepor-se ao entra-e-sai de Daniel Dantas do xilindró. Para a PF era imperioso fazer barulho, para a imprensa mostrar sua eficiência, quanto mais barulho, melhor.

Como o ministro Tarso Genro, não pode manter-se calado diante de um imbróglio tão retumbante, nesta mesma quinta-feira em evento da OAB fluminense aconselhou o cidadão brasileiro a acostumar-se com a idéia de que suas conversas telefônicas estão sendo grampeadas. A advertência não se referia à prodigalidade da justiça em autorizar gravações (são 33 mil ao mês, segundo levantamento do Globo), nem ao fato de que cada grampo é uma potencial mina de vazamentos. O ministro apenas compartilhava com a sociedade sua preocupação diante da infinita capacidade da "parafernália eletrônica" para invadir a privacidade de qualquer cidadão. O avalista do Estado de Direito não se incomoda em capitular publicamente ao Estado Big Brother, inquisidor e totalitário. Talvez tenha razão. Em questões de Direito, todos têm razão.

Então entram em campo corporações de magistrados e membros do Ministério Público apelando ao presidente da República para vetar o projeto que torna invioláveis os escritórios de advocacia. Alegam os meritíssimos e excelências que a blindagem legal impedirá decretos de busca e apreensão em escritórios de causídicos que defendem criminosos. Por acaso o veto impediria que estes advogados trabalhem em seus domicílios, garantidos pela inviolabilidade prevista na Constituição?

Com protagonistas devidamente togados, os duelos jurídicos são fascinantes: cada texto legal comporta interpretações diametralmente opostas, cada argumento contém a sua negação. Mas convenhamos: viver esta dialética só aumenta o forrobodó que impera na República.

» Alberto Dines é jornalista.