terça-feira, 19 de agosto de 2008

O QUE PENSA A MÍDIA
EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1062&portal=

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


SOB O PATROCÍNIO DA BELA VIOLA
Dora Kramer


Entre políticos e marqueteiros a assertiva é cláusula pétrea: quando começar o horário gratuito de propaganda na televisão e no rádio é que o eleitor fará suas escolhas de fato. Só então o quadro de vencedores e perdedores poderá ser traduzido com mais fidelidade pelas pesquisas.

Pois bem, começa hoje o período de 42 dias, mas a avaliação não é unânime. Para o eleitorado em geral trata-se de um verdadeiro suplício.

Uma legítima subtração unilateral do direito de ver e ouvir o que lhe interessa. Se o cidadão não tem TV paga, ou vai aos afazeres ou fica ali vendo aquilo cansado de saber que as belas violas produzidas por publicitários podem muito bem esconder pães bolorentos.

O problema é que, como dizia um velho jogador do Sport Clube Recife sempre citado pelo senador Marco Maciel, é que a conseqüência vem depois. No caso, o eventual bolor só aparecerá depois do enterro de Inês. Ou seja, quando o eleito, ou eleita, começa a governar e aí não há como recuar.

Por esse raciocínio simplesinho - e, portanto, ao alcance de todos - nem gente interessada diretamente na política, por diletantismo, engajamento, hobby ou imperativo profissional, costuma compartilhar do entusiasmo e da esperança dos políticos em relação ao horário eleitoral.

No início, há um acompanhamento interessado, troca de comentários, debates de avaliações, mas com uma semana - não é preciso mais - aquele desfiar de números, obras, afirmações categóricas baseadas em dados saídos sabe-se lá de onde, cansa pelo hermetismo. Os programas começam a parecer falados em sânscrito sem legenda.

O resultado óbvio é o desinteresse. A não ser quando ocorre algo de inusitado (para o bem ou para o mal) ou especialmente criativo.

Só que as chances de o imponderável fazer uma surpresa é cada vez menor.

Suas excelências têm tanto medo de errar e os marqueteiros tanto pavor de perder o emprego e/ou ficar com má fama no mercado, que andam dentro de regras muito estritas, ousam quase nada e preocupam-se mais com a produção do adversário do que em produzir bons acertos.

Conclusão, já há várias eleições os programas obedecem ao mesmo padrão: os dos ricos uma lindeza sem conteúdo e o dos pobres uma tristeza sem forma e tentativa tosca de conteúdo.

Claro, é preciso “mastigar” para a massa a mensagem. E política, sabemos como é um assunto maçante, complicado e intrincado.

Nos debates de televisão ocorre o mesmo. São tantas as limitações impostas pelas assessorias de todas as partes, que não se instala o debate. A corrida é para ver quem consegue receber do mediador mais elogios (ou menos reprimendas) por ter se mantido dentro dos minutos reservados às perguntas, respostas, réplicas e tréplicas.

Quando a pergunta é boa, vale dizer, instigante, politicamente interessante, o candidato sai pela tangente.

Escola fundada por Paulo Maluf. Seja qual for a pergunta a resposta é sempre dada na conveniência de quem responde, independentemente da relação entre uma coisa e outra.

Desse modo, de onde a certeza de que o horário eleitoral define voto se escolha eleitoral é um ato político e os atos de campanha são todos referidos nos valores e ditames da propaganda?

Não há certeza alguma. Há, sim, uma repetição baseada em exemplos de sucesso (ou fracasso) nas primeiras eleições da redemocratização, mas hoje mais parecem uma lenda urbana.

Quem ganha eleição é “onda” - criada por uma conjunção de fatores, entre os quais o desempenho do candidato, independentemente dos enfeites publicitários, é o principal. E, nesse aspecto, o horário eleitoral não anda fazendo nem marola.

“Calamity Jane”


A dianteira de Marta Suplicy, o recuo de Geraldo Alckmin e a inércia dos índices de intenção de votos de Gilberto Kassab apontam para o seguinte: considerando que o ex-governador e o atual prefeito nadam nas águas do mesmo eleitorado, para perder, Marta terá de se esforçar.

Por exemplo, dando asas a Marta Tereza Smith de Vasconcelos Suplicy e seu temperamento indomável.

Plano diretor

O PSDB não gosta das idéias de Fernando Henrique Cardoso, que não consegue convencer o partido a sair da toca congressual e se abrir à sociedade, mas seu principal adversário político gosta.


Neste ano o presidente Luiz Inácio da Silva já fez duas reuniões com os chamados intelectuais (artistas, acadêmicos etc.) e agora prepara um grande encontro com o pessoal do cinema.

Resolvido o problema eleitoral com os muito “necessitantes”, por intermédio dos programas assistencialistas, o presidente está obviamente dedicado a reconquistar os bem “pensantes”.

Lula não dorme no ponto. Já a moçada que pretende desalojar PT e adjacências do Poder ressona no muro no embalo da lei do menor esforço, indiferente à lei segundo a qual cobra que não anda não engole sapo.

DEU NO BLOG DE LUCIA HIPPOLITO


VÃO TENTAR DE NOVO
Lucia Hippolito

Novamente, o Palácio do Planalto atropela o presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia, e se intromete em assuntos do Legislativo.

Agora é a vez da reforma política.

É muito curioso. Quando a sociedade, os governadores e os empresários reclamam do excesso de impostos, o governo lança o canto de sereia da reforma tributária.

O pacote vai para o Congresso... e lá desaparece num poço profundo. Deve existir um museu de propostas de reforma tributária dentro do Congresso brasileiro.

Quando a chantagem política da base aliada atinge níveis insuportáveis para o governo, ou quando a Justiça Eleitoral decide preencher os vácuos de legislação, lança-se a isca da reforma política.

O cardápio atual de reforma política abrange voto em lista, financiamento público exclusivo ou financiamento público misturado com doação de pessoas físicas, inelegibilidades, fidelidade partidária e coligações.

A última pesquisa de opinião que se conhece a respeito de alguns desses temas é uma Pesquisa CNT/Sensus divulgada no ano passado.

Entre os entrevistados, 74% eram contra o voto em lista de candidatos apresentados pelos partidos, enquanto 16,5% eram a favor.

Sobre o financiamento público exclusivo das campanhas, 75,2% eram contra, enquanto só 18,7% eram a favor. Finalmente, sobre a fidelidade partidária, 50,5% eram a favor, enquanto 40,5% eram contra.

E o que mais anda dizendo o eleitor brasileiro?

Que quer maior proximidade entre ele e os eleitos. Que quer controlar mais o exercício do mandato de seu representante. Que não quer deputados trabalhando dois dias e meio por semana.

Que não quer deputados e senadores ganhando salários astronômicos e não pagando imposto de renda sobre todos os ganhos. Que não quer relações espúrias entre políticos e lobistas, ou entre políticos e bicheiros.

Mas o Palácio do Planalto decidiu ignorar tudo isto e quer empurrar pela goela do eleitor abaixo uma reforma política que pode modificar profundamente a forma como os eleitores escolhem seus representantes.

E acha que pode fazer isto tudo sem consultar o eleitor.

O Palácio quer mudar alguma coisa para que nada mude.

Quer voto em lista fechada para perpetuar o poder dos caciques e dos aparelhos partidários.Quer financiar campanhas com o nosso dinheiro.

Mas nem tudo é ruim na proposta. Acabar com as coligações em eleições proporcionais é fundamental para diminuir um pouco a extrema distorção do atual sistema eleitoral brasileiro.

Aumentar as restrições à elegibilidade de cidadãos com ficha suja é outra proposta alvissareira.

Reforçar a fidelidade partidária pode compor o tripé de boas propostas.


No entanto, a forma escolhida pelo Palácio do Planalto é a mais equivocada possível.

Novamente atropelando o Legislativo. Novamente ignorando a vontade do eleitor.

DEU EM O GLOBO


PÃO COM MANTEIGA
Merval Pereira


NOVA YORK. O "Guia Eleitoral de Michael Moore", o cineasta que se especializou em combater o governo de George Bush através de verdadeiros panfletos políticos, como o documentário sobre os atentados de 11 de setembro de 2001, está sendo lançado por estes dias e é uma boa mostra de como a esquerda americana está inquieta com a fase atual da campanha de Barack Obama. Moore traça com ironias algumas estratégias para os Democratas perderem "a eleição mais ganha dos últimos tempos", criticando posturas conservadoras que estão sendo adotadas para tentar ampliar o eleitorado de Obama.

Como o discurso de Obama contra o Irã, repetindo a posição radical, segundo Moore, do governo Bush e do próprio McCain. Uma coisa que anda irritando Moore é a maneira "gentil" como McCain estaria sendo tratado pelos republicanos, sempre dispostos a destacar seu lado de "herói de Guerra" ou mais "liberal" em questões delicadas como a imigração, mas não destacam com igual ênfase, na sua opinião, o lado radical de McCain com relação às intervenções militares ou à ajuda que, mais até que Bush, estaria propenso a dar às companhias de petróleo.

Moore adverte: "Lembrem-se, nós não estamos na Suécia. Heróis de Guerra sempre vencem". Uma recente pesquisa do Pew Institute parece dar razão a Moore. Enquanto muitos dos apoiadores de Obama são capazes de citar alguma coisa de que gostam em McCain, como suas habilidades pessoais e experiência, 53% dos que apóiam McCain não conseguem gostar de Obama em nenhuma modalidade.

Um dos pontos críticos citados por Michael Moore é a inclinação para o centro politico, que levaria o candidato democrata a escolher um vice mais conservador, ou até mesmo um dissidente do Partido Republicano. O cineasta diz que, agindo dessa maneira, a campanha democrata está tirando o ânimo de milhares de voluntários que terão que estar atuando ativamente no dia da eleição para levar o maior número de eleitores para votar, como aconteceu durante as primárias.

Ecoando uma sensação que predomina na esquerda americana, Michael Moore diz que Obama não deve abandonar uma estratégia que deu certo até agora e levou milhares de pessoas a participarem das eleições primárias devido à promessa de mudanças e novos ventos na política. Ele lembra que existem cerca de cem milhões de pessoas que não se sentem interessadas em votar, e seria preciso que daí saíssem os novos votos para eleger Barack Obama, e não tentar mudar votos conservadores com promessas conservadoras, que negam a base de sua candidatura, que é a mudança.

A mesma pesquisa do Pew Institute revela que, a poucos dias do começo das convenções, a distância que separa Obama de McCain se reduziu à margem de erro. A diferença que, no fim de junho, era de oito pontos percentuais passou agora a ser de apenas três pontos, 46% contra 43%. Segundo o instituto, dois fatores principais são responsáveis por essa mudança de comportamento do eleitorado: McCain está aumentando o apoio que tem entre republicanos e brancos evangélicos, e também entre trabalhadores brancos.

Além disso, McCain teve ganhos em sua imagem de liderança. Uma crescente percentagem de eleitores vê nele o candidato que pode ter o melhor julgamento em uma crise e o que é capaz de fazer acontecer. Ao mesmo tempo, Obama não conseguiu avançar muito no apoio dentro do seu próprio partido, não assumindo boa parte dos votos que foram dados para Hillary Clinton.

Embora Obama perca para McCain entre os eleitores brancos registrados por 51% contra 39%, esses números não são muito diferentes dos registrados neste mesmo momento nas eleições de 2000 (Bush 52% contra 41% para Al Gore) e de 2004 (Bush 50% contra 42% para John Kerry). O problema é que, com esses números, os democratas perderam as duas últimas eleições.

Também algumas diferenças demográficas continuam se repetindo hoje, com eleitores brancos evangélicos, que têm maiores salários e vivem no Sul, entre os mais fortes apoiadores de McCain, como já o foram de Bush. Isso mostra que a questão racial não está influindo na decisão do eleitor.

Mas questões como idade e educação do eleitor estão influindo mais na escolha este ano. Uma pequena maioria de 51% de eleitores brancos de até 30 anos apóia Obama, e McCain lidera por uma pequena margem entre os de mais de 30 anos, enquanto Bush liderava fortemente entre os dois tipos de eleitores. Obama também está recebendo mais apoio entre os eleitores com educação universitária do que entre aqueles que não freqüentam a universidade, o que introduz nesta eleição uma diferença entre o voto dos mais educados, que não existia nas eleições anteriores.

A corrida presidencial está tão apertada que um em cada três eleitores é classificado entre os que podem ainda mudar o voto e entre os independentes nada menos do que 46% estão nessa categoria volúvel. O forte de Obama continua sendo sua ligação com o cidadão comum (embora sua silhueta fina seja vista como um problema entre o americano médio) e sua promessa de mudança.

Mas mesmo entre seus eleitores, o que mais incomoda nele é a inexperiência. No momento, sua campanha está sendo muito pressionada pela cúpula partidária e pelos governadores democratas para que ele abandone a postura de prometer mudanças genéricas para tratar mais do dia-a-dia da população, fazer a chamada política do bread and butter (pão com manteiga). Justamente o que a esquerda, simbolizada no livro de Michael Moore, não quer.

DEU NA FOLHA DE S. PAULO


OS CÉREBROS E A “TERCEIRA ONDA”
Clóvis Rossi


SANTANDER - Vem aí o que os especialistas chamam de "terceira onda" de migrações internacionais, na forma de competição por talentos de alto nível.

O aviso foi dado ontem por Ronald Skeldon, da Escola de Estudos Sociais e Culturais da Universidade britânica de Sussex, no seminário "Globalização, Migração Internacional e Desenvolvimento". É uma promoção do Clube de Madri, centro de estudos que reúne 69 ex-chefes de governo, hoje presidido pelo chileno Ricardo Lagos.

Se a previsão estiver correta, será mais uma onda de fuga de cérebros, tema que esteve em moda não faz tanto tempo assim. O Brasil muito provavelmente será vítima, na medida em que já está havendo uma diáspora formidável de brasileiros mesmo antes de aberta a temporada de caça.

Mas Skeldon discute a idéia de fuga de cérebros: segundo ele, dos latino-americanos (brasileiros incluídos, como é óbvio) que emigraram para os Estados Unidos, 55% receberam treinamento no país de destino. Ou seja, a maioria não fugiu propriamente, mas desenvolveu-se lá mesmo. É uma tese discutível, na medida em que não leva em conta o custo da educação de base feita no país de origem.

Reforça a idéia de uma onda de caça a talentos o fato de que a União Européia aprovou, embora ainda não tenha implementado, um Pacto Migratório, que prevê buscar médicos nos países emergentes ou pobres para devolvê-los depois de devidamente treinados e aperfeiçoados. Guillermo de la Dehesa (Centro para Pesquisa de Política Econômica, de Londres), autor de um livro lançado ontem sobre migrações, avisa que, quando voltam, os médicos não vão para as áreas em que são mais necessários.

O Brasil, que permitiu uma diáspora descontrolada, pode preparar-se para a nova onda. Agora, cérebros são mais importantes na tal economia do conhecimento.

DEU NO VALOR ECONÔMICO


PRA TUDO ACABAR NA QUARTA-FEIRA
Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo


Ainda no início da crise financeira que ora assola o planeta, escrevi na "Folha de S. Paulo" que os economistas divergiam a respeito da intensidade, abrangência e duração da maré vazante. Em meio ao fogo cruzado das controvérsias, não faltaram analistas de boa reputação que insistiam em separar a pororoca financeira da supostamente saudável situação da economia real.

Walras, Wicksell, Hayek e Milton Friedman formularam teorias distintas, mas todas elas acolheram a hipótese da separação entre os "fatores reais" e os "fatores monetários". Os chamados novo-clássicos, escorados na hipótese das expectativas racionais, proclamaram a irrelevância dos fatores monetários e decretaram que as forças reais da produtividade e da poupança são as fontes de dinamismo das economias e da sucessão de ciclos que as acomete. Na contramão da "visão natural-realista" das economias de mercado, Keynes se dispôs a investigar as propriedades da Economia Monetária da Produção. Nela, imperam a divisão do trabalho, a propriedade privada das empresas, o pagamento de salários monetários aos trabalhadores e a moeda de crédito administrada pelos bancos. Sem a criação de meios de pagamento e o provimento de liquidez pelo sistema bancário, os empresários não podem comprar os meios de produção e pagar os salários aos trabalhadores.

Nessa economia, as expectativas dos empresários a respeito dos lucros futuros, ou seja, da captura dos ganhos proporcionados pelo aumento da produtividade social do trabalho, só são viabilizadas mediante o adiantamento de capital monetário. Isso, por sua vez impulsiona a competição pela inovação tecnológica incorporada nas novas gerações de insumos e equipamentos.

As relações de crédito-débito e as ações geram um estoque de direitos de propriedade e de apropriação sobre a riqueza e a renda da sociedade. As avaliações desses direitos nos mercados especializados passam a comandar as condições em que o crédito é ofertado pelos bancos e demandado pelas empresas. Elas determinam o ponto de demanda efetiva, ou seja, o estado de expectativas que permite a "criação" de valor, isto é, de certo nível de renda na "economia real".

O desenvolvimento da economia monetária da produção suscitou, sim, a subordinação do sistema de crédito à lógica da acumulação produtiva. Mas, ao mesmo tempo, ensejou a possibilidade de episódios especulativos, crises de crédito e seu rastro de destruição de valores. O economista Cláudio Borio, do Bank of International Settlements, discute, em artigo recente, as conseqüências da maior integração comercial e produtiva das economias, e crescente interdependência dos mercados financeiros "liberalizados". A combinação entre esses fenômenos, diz, acentuou o caráter pró-cíclico dos sistemas financeiros e impulsionou a criação de desequilíbrios cumulativos entre credores e devedores - famílias, empresas e países -, com sérias conseqüências para a eficácia das políticas monetárias nacionais.

A fragilidade financeira não decorre do comportamento irracional dos agentes, mas sim das relações entre os possuidores de riqueza

A questão central, na opinião do economista do Bank of International Settlements, reside nas limitações da política monetária, enclausurada nas metas de inflação, diante da excessiva inclinação dos sistemas financeiros a desatar movimentos pró-cíclicos. "Enquanto o sucesso da luta contra a inflação foi extraordinário, o mesmo não pode ser dito da estabilidade financeira. Desde a liberalização do início dos anos 80, observamos flutuações cada vez maiores na expansão do crédito e no preço dos ativos. Esses fenômenos desencadearam crises financeiras com conseqüências materiais para a economia real."

Borio suspeita que as regras microprudenciais (terrível neo-anglicismo) impostas às instituições pelos acordos da Basiléia I e II tiveram pouca eficácia para conter a sistemática subestimação dos riscos suscitada pelas articulações entre crédito farto e o valorização dos ativos. A despeito dos códigos da Basiléia, as "conjeturas" dos bancos e dos investidores - guiadas pelas benesses e ilusões da Grande Moderação - deflagraram as interações "virtuosas" entre o movimento de preços dos ativos e a euforia descontrolada na avaliação dos riscos de crédito. Tudo acabou na quarta-feira, quando sobreveio a ressaca da impropriamente chamada crise do subprime.

Borio chama a atenção para o caráter sistêmico, ou seja, macroeconômico dos processos de "euforia e desilusão". Como Minsky, ele admite que, em seu movimento de expansão, a economia monetária da produção produz endogenamente as situações de fragilidade financeira que culminam na crise e na destruição de valor da riqueza acumulada, com danos à economia real.

O desenvolvimento da fragilidade financeira não decorre do comportamento irracional dos agentes, mas sim do peculiar sistema de relações que se estabelece entre os possuidores de riqueza. Minsky sustentou que a formação dos preços dos ativos é determinada por fortes interações subjetivas entre os participantes do mercado. As condições de liquidez se alteram endogenamente ao longo do ciclo: primeiro, abundante; depois, eufórica; para, finalmente, desaparecer diante da demanda desesperada dos que carregam ativos cujas receitas tornaram-se inferiores aos pagamentos contratuais decorrentes da dívida assumida.

A rede de pagamentos formada pelo sistema bancário é crucial para o funcionamento adequado dos mercados. Ela se constitui na infra-estrutura que facilita o "clearing" e a liquidação de operações entre os protagonistas da economia monetária. A preservação dessas instituições, que estão na base do sistema de provimento de liquidez e de pagamentos, justifica as intervenções de última instância dos bancos centrais, sob pena de uma crise de liquidez se transformar numa crise de crédito com efeitos desastrosos sobre a chamada "economia real".

Não por acaso, Borio propõe a adoção, ao longo do ciclo, de medidas discricionárias - tais como requerimentos de margem mais rigorosos e restrições quantitativas aos empréstimos, atuando em conjugação com os instrumentos preventivos já existentes - para impedir a alavancagem excessiva e imprudente.

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras.

DEU NO VALOR ECONÔMICO


PERCEPÇÃO DE LULA MUDA RADICALMENTE
Raymundo Costa


Circula em gabinetes bem localizados de Brasília uma pesquisa do Ipsos Public Affairs com um bem acabado retrato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a 47 dias de uma eleição municipal e a pouco mais de dois anos da eleição presidencial. Após dois anos e meio de governo, Lula é um homem inteiramente diferente, aos olhos do eleitor, em relação ao metalúrgico de barba mal-aparada que em 1989 concorreu pela primeira vez à Presidência da República: Lula se livrou dos rótulos, símbolos, preconceitos e carimbos.

Para quem achava que Lula era incapaz de administrar um carrinho de pipoca, que sua experiência se resumia a tocar a peãozada de São Bernardo do Campo e uma passagem um tanto discreta pela Assembléia Nacional Constituinte, chega a surpreender os 71% que o Ipsos contabilizou para os que disseram que o presidente "tem experiência administrativa". Experiência administrativa era o item mais baixo (56%) em abril de 2005, data de início da série, antes portanto do escândalo do mensalão, que fez desabar todos os índices do presidente.

Curioso notar que os índices que se mantiveram mais estáveis foram aqueles que afirmam que Lula era "gente como a gente" ou "entende os problemas dos pobres", ambos, na apuração feita no mês de julho, com 77%. Mas assim como a identificação de classe aparece de modo estável desde abril de 2005 (como todos os outros, também caiu no final daquele ano), foi mesmo o "mensalão" que jogou para baixo os "atributos intrínsecos" do presidente: o terceiro deles, "tem o passado limpo", caiu de 66% para 46% de abril a novembro de 2005, o ano da grande crise. Atualmente, está em 55%, um índice considerado bom diante do terremoto ocorrido no terceiro ano de governo do PT.

A pesquisa Ipsos foi realizada entre os dias 23 e 30 de julho últimos, sendo selecionadas 70 cidades em nove regiões metropolitanas. Foram ouvidas 1.000 pessoas "face a face". A margem de erro é de três pontos percentuais com intervalo de confiança de 95%. O Valor teve acesso ao resultado das entrevistas - trabalho mensal intitulado "Pulso Brasil Onda 40" - com compromisso de não divulgar os responsáveis por sua contratação.

População aprova atributos do presidente

A moralidade não era àquela época (1989) um problema do PT. Os problemas eram o "sapo barbudo", a falta de experiência administrativa, mas sobretudo, talvez, a falta de preparo de Lula da Silva, que não dispunha de um diploma universitário, para ocupar o cargo e - pedra cantada - sua suposta fragilidade intelectual diante dos luas-pretas do PT, aqueles que enfim manipulariam, dos bastidores, as rédeas do poder.

O início do governo Lula deu essa impressão, com a evidência de que homens-fortes dividiam o comando, como eram então o chefe da Casa Civil, José Dirceu, e o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, os dois potenciais candidatos à sucessão de Lula. Tempos depois Lula livrou-se dos dois, passou a se sentir mais leve para governar, mas cabe o registro de que entre abril e pelo menos julho de 2005, a maioria ja tinha como "atributos de bom gestor" do presidente o "pulso forte" e o preparo "para ocupar o cargo",

Atributos que também foram para o fundo do poço com o mensalão. Os índices mais tarde se recuperariam, como os demais. Atualmente, 67% dos eleitores dizem que Lula "tem pulso forte, é decidido" - índice que continua alto mas tem oscilado para baixo com mais força que os demais. Mais ainda: 74% dos entrevistados aparentam não ter problema com o fato de o presidente não ter diploma universitário e o considerara preparado para o cargo. São índices que aos poucos parecem se tornar definitivos.

Evidente que nem tudo é inqüestionavelmente promissor para os entrevistados da Ipsos. Os próprios índices que medem os atributos do presidente já apresentaram melhores resultados que os de julho. No momento, muito embora mais da metade da população (54%) acredite que o país está no rumo certo, o otimismo é 4% menor que no mês anterior. "O que pode ser reflexo da percepção da alta dos preços dos alimentos e do aumento da inflação", diz a Ipsos. A avaliação positiva para a administração Lula se mantém relativamente estáveis, totalizando 57% ótimo e bom.

"A avaliação dos "atributos intrínsecos" do presidente apesar de bastante positiva, verificou pequena queda, já seus "atributos de bom gestor" permanecem inalterados. As pequenas oscilações nestas avaliações não indicam que a popularidade de Lula irá se reverter nos próximos meses". E a eleição é daqui a 47 dias.


Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

GOVERNO QUER ENDURECER COM 'FICHA-SUJA' E NANICOS
Vera Rosa


Proposta, que vai na contramão de decisão do STF, permite que candidato seja inelegível mesmo sem decisão de última instância

O governo vai enviar ao Congresso proposta de reforma política que torna mais rígidas as regras para barrar o lançamento de candidatos com ficha suja. A idéia, que entra em confronto com recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), abre caminho para que candidatos condenados tornem-se inelegíveis, mesmo que a sentença não tenha sido julgada em última instância. Não é só: pela cláusula de barreira em discussão no Planalto, partidos que não elegerem 10 deputados federais ficarão tão desidratados que praticamente deixarão de existir, pois perderão direito ao fundo partidário e ao tempo de TV na propaganda política.

Se a cláusula sugerida pelo governo estivesse em vigor hoje, partidos como o PSOL da ex-senadora Heloísa Helena - com três deputados federais - não poderiam indicar líder nem ter espaço em comissões parlamentares. Também nesse ponto a proposta contraria decisão do STF.Motivo: em 2006, os maiores partidos aprovaram norma pela qual as legendas que não atingissem 5% dos votos no País e pelo menos 2% em 9 Estados ficariam impedidas de funcionar no Congresso, mas os nanicos recorreram ao STF e conseguiram derrubar a cláusula, considerada inconstitucional.

Com a intenção de mexer novamente nesse vespeiro, a versão preliminar da requentada reforma política foi apresentada ontem ao presidente Lula pelos ministros da Justiça, Tarso Genro, e das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro.

A proposta será levada nesta semana ao presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e pode ser modificada até chegar ao plenário. Na tentativa de facilitar a votação, o governo pretende encaminhar o projeto “fatiado”, em seis tópicos, depois das eleições. Os pontos sugeridos pelo Planalto são financiamento público de campanha, voto em lista fechada, fidelidade partidária, fim da coligação proporcional, inelegibilidade e cláusula de barreira. Os dois últimos itens prometem ruidosa polêmica.

“Não vamos estabelecer nenhuma queda-de-braço com o Legislativo”, disse Múcio. “Queremos contribuir e debateremos o quanto for necessário.”

O STF rejeitou, no dia 6, pedido da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) para que candidatos processados fossem declarados inelegíveis. Alegou, para tanto, que ninguém pode ser impedido de disputar enquanto o processo não tiver transitado em julgado. A lista dos “fichas-sujas” da AMB incluía concorrentes a prefeitura.

Na avaliação do governo, há acusações graves que podem impedir candidaturas antes mesmo da sentença definitiva, como as de crime e tráfico de drogas. A proposta acata, porém, o princípio da fidelidade estabelecido pelo STF, de que os mandatos parlamentares pertencem aos partidos. Mesmo assim, o projeto concede anistia aos infiéis. Caso o texto receba sinal verde, políticos serão liberados para trocar de legenda um mês antes das eleições desde que tenham permanecido nela por 3 anos.

DEU NA GAZETA MERCANTIL

PROPOSTA DO PLANALTO RESTRINGE REPRESENTATIVIDADE DE PARTIDOS
Karla Correia


O governo deve enviar ao Congresso até a próxima semana um conjunto de propostas para fomentar a discussão em torno da reforma política onde, ao mesmo tempo em que afaga parlamentares criando uma pequena folga nos critérios de mudança de partido aprovados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por outro lado estabelece uma rígida cláusula de barreira.

Nesta, legendas com menos de 10 deputados federais eleitos perdem o direito à atuação partidária no Congresso, bem como à participação no fundo partidário e ao tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão. Essa limitação atingiria hoje ao menos sete siglas com representação no Parlamento: PSol, PHS, PTdoB, PRTB, PMN, PRB e PTC.

A negociação dos pontos apresentados pelo Palácio do Planalto ontem à noite, aos ministros das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, e da Justiça, Tarso Genro, deve correr sob o signo da cautela. Os itens da reforma política desejada pelo governos, tema da reunião de Coordenação Política que aconteceu ontem no Planalto, serão apresentados ao Congresso apenas como "sugestões" à discussão já entabulada pelos parlamentares.

O conjunto de medidas envolve, além da cláusula de barreira, o financiamento público, a coligação em eleições proporcionais, a fidelidade partidária e um projeto com critérios "mais rigorosos e mais claros" para a questão da inelegibilidade, explica o ministro José Múcio. A idéia e aumentar a restrição aos candidatos "ficha suja" permitindo a impugnação das candidaturas de políticos condenados em segunda instância no Judiciário.

De acordo com o ministro, o detalhe que - na avaliação do Planalto - dará mais chances de aprovação ao pacote proposto pelo governo é a ausência de um projeto de lei unificando todos os itens. Cada ponto deverá ser negociado em projetos separados, o que diminuiria o risco de uma polêmica entre parlamentares em torno de uma proposta colocar em risco todas as demais.

"Vamos comer pelas beiradas, negociando ponto por ponto", diz José Múcio. Segundo o ministro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva só entrará na discussão assumindo a "paternidade" das propostas uma vez que haja consenso com o Congresso em relação aos pontos apresentados.

Foi para aumentar as possibilidades desse consenso que o governo incluiu entre os itens levados ao Parlamento a criação de uma janela para a mudança de partido, proporcionada a candidatos que já teriam cumprido o prazo três anos e quatro meses na legenda original. Um mês antes da realização da convenção nacional de sua sigla, esse candidato teria a possibilidade de mudança, segundo a proposta do governo. A troca de partido também seria facultada àqueles parlamentares eleitos por partidos que não conseguirem cumprir a cláusula de barreira de dez deputados federais.

Lula em campanha

O roteiro de participação do presidente Lula nas campanhas municipais também foi discutido na reunião. Lula pretende ampliar seu circuito de aparições nos palanques de candidatos aliados, originalmente restrito a São Paulo e São Bernardo do Campo (SP), incluindo as capitais Vitória (ES), Natal (RN) e Recife (PE).

A disputa pelo uso da imagem do presidente tem piorado as relações entre partidos aliados ao Planalto, mas que concorrem nas eleições municípios por coligações diferentes. O melhor exemplo é Salvado, onde o prefeito e candidato à reeleição, João Henrique , do PMDB, disputa a imagem do presidente com o deputado federal e candidato à prefeitura da capital baiana, o petista Walter Pinheiro.

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O PESO DO HORÁRIO ELEITORAL
Editorial / O Estado de S. Paulo

A contar de hoje, serão 45 dias de propaganda no rádio e na TV para as eleições municipais de 5 de outubro: em cada meio, uma hora diária, dividida em duas sessões, um dia para os candidatos a vereador, outro, para os candidatos a prefeito, menos aos domingos; e, também aos domingos, 30 minutos de anúncios de até 60 segundos, ao longo da programação, apenas para os aspirantes às prefeituras. Pode-se criticar a duração do horário eleitoral. Não bastariam, talvez, 21 dias até a antevéspera da votação? Nesse caso, teriam menos a reclamar os brasileiros para quem a política em geral e a conversa dos políticos em especial não passam de um aborrecimento - ainda mais esta última, por desarrumar o horário nobre que organiza as noites da maioria da população. Também se queixariam menos os eleitores cujo nível de informação torna esse período praticamente irrelevante para as suas escolhas nas urnas.

O que não se pode, no entanto, é condenar o chamado horário gratuito, ou porque seria uma mistificação ou porque o público, afinal, não se interessaria pelo espetáculo. Ambas as alegações são superficiais e parecem situar-se cada vez mais na contracorrente dos fatos sabidos - com a ressalva de que toda generalização é arriscada quando se trata de 15 mil candidatos a prefeito e outros 350 mil a vereador, disputando o voto de 130 milhões de eleitores em 5.500 municípios de um país continente. Isto posto, diga-se desde logo que o modelo brasileiro de campanha, dando aos políticos acesso à mídia eletrônica, sob normas concebidas para reduzir a desigualdade de oportunidades eleitorais entre eles, é muito mais democrático do que, por exemplo, o dos Estados Unidos, onde partidos e candidatos dependem dos lobbies do poder econômico para bancar com as suas doações os astronômicos custos da sua propaganda na televisão.

Além disso, no horário eleitoral, os políticos brasileiros já não conseguem engabelar os eleitores como decerto gostariam. A sucessão dessas temporadas bienais, de um lado, e a intimidade dos espectadores com os artifícios da linguagem televisiva, de outro - esta é uma das sociedades mais vidradas em TV que se conhecem -, combinam-se para tornar transparentes a grande número de eleitores os truques cênicos com que os marqueteiros tentam manipulá-los. Nos últimos 20 anos, pois, o brasileiro aprendeu razoavelmente a distinguir o joio do trigo nos shows de caça ao voto. E os caçadores sabem disso. Hoje em dia, em nenhuma outra modalidade de emissão, seja noticiosa, publicitária ou de entretenimento, os respectivos produtores esquadrinham sem cessar e tão de perto - online, a rigor - as reações do público como as equipes dos candidatos a cargos majoritários. À medida que amadurecem, tais respostas reduzem o espaço à pirotecnia e à enganação.

Mesmo nas breves inserções que podem ir ao ar a todo instante - e que se diferenciam dos horários fixos por focalizar antes a imagem com que os candidatos querem ser identificados do que as prioridades de governo pelas quais querem ser votados -, a engenharia da persuasão leva em conta constantemente o juízo do eleitor. Este, por sinal, costuma ficar mais atento do que se supõe ao que lhe é dito e mostrado, principalmente nos primeiros e nos últimos dias do ciclo (reproduzindo as curvas de audiência das novelas). Pesquisas vinculam esse estado de espírito à percepção de que o horário gratuito é a rara circunstância em que os políticos falam diretamente com ele, eleitor, em vez de falar só com outros políticos ou com o pessoal que encontra nas suas incursões eleitorais. Por isso, o período funciona como uma espécie de tira-teima, em que os votantes - no caso, cada vez mais seguros do que esperam de um prefeito - passam a limpo as suas impressões prévias dos candidatos.

Por fim, os efeitos da propaganda no rádio e na TV não dependem estritamente da sua massa de ouvintes e espectadores. Toda comunicação, como se sabe, flui em duas etapas: na primeira, os que a receberam formam a própria opinião a respeito; na segunda, formam, com as suas versões, a opinião dos que não foram diretamente alcançados pela mensagem. Com o horário eleitoral não é diferente - e desse modo influi poderosamente na definição do voto popular.

DEU NO JORNAL DO BRASIL

NA TV, O REAL INÍCIO DA CAMPANHA
Editorial/Jornal do Brasil


A PROPAGANDA ELETRÔNICA NO HORÁRIO eleitoral gratuito começa hoje e, com ela, instaura-se uma nova e decisiva fase da corrida para a sucessão municipal. Embora seja um terreno sobre o qual trafegam consideráveis divergências, a exposição no rádio e na TV costuma modificar o quadro de intenções de voto detectado até aqui. Para muitos, a campanha começa para valer agora ­ o momento em que o eleitor entra definitivamente em campo. Se a propaganda eletrônica já não decide o voto, o tempo na TV informa quem são os candidatos. Acelera-se o compasso da dinâmica eleitoral. Os cenários se cristalizam. Propostas são exibidas com maior clareza. Pro pagadores de ilusões podem ser descortinados.

Se é uma das faces pedagógicas da campanha, a propaganda eletrônica é também um espaço fértil para a proclamação de façanhas e virtudes questionáveis. Conforme o Jornal do Brasil já sublinhou mais de uma vez neste espaço, os candidatos precisarão exibir projetos concretos destinados a aplacar os problemas que atormentam os cariocas. Deverão colocar o dedo nas profundas feridas que abalam a cidade com incômoda insistência. Esta tarefa só será plenamente cumprida com a chegada do horário eleitoral gratuito ­ algo que dificilmente o corpo-a-corpo das ruas dá conta.

A propaganda no rádio e na TV constitui também uma boa hora para que, na comparação possível entre as campanhas e os candidatos, o eleitor possa decidir melhor que nome deseja para administrar a cidade nos próximos quatro anos. As mazelas do Rio, como se sabe, exigem um síndico à frente da prefeitura ­ eficiente, intolerante com o erro, preocupado com os rumos dos últimos anos, ciente da desordem ge neralizada e zeloso com os en cantos de uma cidade tão ma ravilhosa quanto tisnada pela in competência. São atributos que o prefeito Cesar Maia prometeu alcançar e não conseguiu.

Os candidatos terão a opor tunidade ainda de se desven cilharem de pontos fracos que possivelmente os tornarão eleitoralmente mais frágeis. Conforme mostram os repórteres Marcelo Migliaccio e Renata Victal, hoje no JB, o ataque às vulnerabilidades dos concorrentes é prática comum em exibição no horário eleitoral gratuito. A partir de hoje, portanto, será possível saber se Marcelo Crivella vai buscar distanciar-se da Igreja Universal. Se os problemas no campo da segurança pública abalarão a candidatura de Eduardo Paes. Se Solange Amaral continuará atrelada à imagem de um combalido prefeito. Se Jandira Feghali vai além dos temas relacionados à saúde. Se Alessandro Molon conseguirá surfar na onda do prestígio do presidente Lula. Se Chico Alencar e Fernando Gabeira vão mostrar consistência diante de um eleitorado dividido.

Esses e outros pontos de interrogação começarão a ser respondidos a partir de hoje. (Na verdade, o eleitor-espectador só poderá assistir aos candidatos à prefeitura amanhã, pois hoje é dia daqueles que desejam um assento na Câmara de Ve readores). Ao eleitor convém ficar atento. Períodos eleitorais, insista-se, convidam os políticos a viajar pelo campo das fantasias. A imaginação dos candidatos muitas vezes eleva-se a altitudes inverossímeis. Apreciam sublinhar os próprios feitos e virtudes e ignoram as deficiências. A vida real, contudo, desaconselha tais equívocos. Que até outubro os 12 candidatos produzam um espetáculo edificante para a cidade e apaguem em definitivo da memória do eleitor as debilidades da última campanha municipal ­ um processo cambaleante que resultou na apatia e na frustração do Rio. Os cariocas esperam que o debate escape dos insultos mútuos e da mera demarcação de diferenças individuais em nome da extensa agenda de discussões relevantes sobre os problemas que aguardam o futuro prefeito.

DEU EM ZERO HORA

UM COMÍCIO DE 45 DIAS
Editorial/Zero Hora

Começa nesta terça-feira o período mais importante da campanha para a eleição dos prefeitos e vereadores dos mais de 5 mil municípios brasileiros. Num momento em que a população do país revela um desalento em relação a seus políticos, a propaganda obrigatória de rádio e TV representa uma chance para os partidos e candidatos tentarem reconquistar a confiança e reverter essa tendência. Não se trata apenas de um resgate que beneficiará os políticos de maneira geral, devolvendo-lhes prestígio e confiabilidade. Trata-se acima de tudo do fortalecimento e da qualificação da própria democracia, que não se aprimora sem que seus agentes sejam competentes e éticos e sejam assim reconhecidos pela sociedade.

A existência de um horário eleitoral para os partidos e candidatos não deixa de representar uma espécie de financiamento público. O acesso ao espaço de televisão e de rádio é gratuito apenas para os partidos e candidatos, não para o país, que paga por ele. Por isso sua utilização deve ser responsável e produtiva. Pesquisas indicam que o desencanto com os políticos se reflete na audiência do programa eleitoral, mas, ao contrário do que comumente se pensa, tal audiência não é pequena: atinge direta ou indiretamente a maioria da população, constituindo-se em fator decisivo para que eleitores conheçam os candidatos e façam as escolhas. O horário obrigatório criou para os candidatos um imenso comício eletrônico e alterou radicalmente, desde que foi instituído, a própria maneira de se fazer campanha eleitoral. Além do varejo dos contatos pessoais, dos apertos de mão, dos cartazes e santinhos, das carreatas e dos próprios comícios, a televisão e o rádio abriram a possibilidade de um contato no atacado. Essa circunstância faz com que, na prática, comece hoje efetivamente a campanha às prefeituras e câmaras municipais.

Estas considerações revelam o quanto esse novo momento do calendário eleitoral é importante para os candidatos e para os eleitores. Elas sugerem também o nível de responsabilidade que está embutido no uso desse instrumento que a sociedade coloca a serviço dos candidatos para a qualificação da democracia. Para os destinatários das mensagens que a partir de hoje chegam aos lares brasileiros, o fundamental é que a companha seja construtiva e propositiva. Mais do que críticas ou ataques pessoais, ou seja mais do que os aspectos negativos, e muito mais do que palco para a demagogia, o horário da propaganda em rádio e televisão ensejará que partidos ou frentes partidárias apresentem propostas objetivas capazes de levar a avanços na qualidade da administração e a padrões éticos compatíveis com o que a população quer e merece.