quarta-feira, 20 de agosto de 2008

O QUE PENSA A MÍDIA
EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1063&portal=

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


CÍRCULO CRIMINOSO
Dora Kramer


O governador do Rio, Sérgio Cabral, elogiou de início a decisão do Tribunal Superior Eleitoral sobre a necessidade de tropas federais atuarem desde já na garantia da liberdade de voto das populações das áreas dominadas pelas milícias e pelo narcotráfico.

Aparentemente desautorizando seu vice, Luiz Fernando Pezão, que, de imediato, desmentiu a existência de problema nos morros e disse que essa história de dominação é coisa de gente que não tem acesso aos votos das "comunidades".

Em seguida, Cabral entrou em atrito com o comandante militar do Leste, general Luiz Cesário da Silveira, que exige autorização expressa do governador para entrar em ação e lembra que, de outras vezes, foi esse o impedimento para a execução dos planos.

Cabral achou a idéia da Justiça uma maravilha, praticamente se apropriou dela, mas ponderou que o assunto de autorizações ou pedidos oficiais não é de sua alçada.

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, interferiu afirmando que a prerrogativa da autorização é do presidente da República. Mediante, porém, solicitação do governador.

Anda-se, portanto, de novo em círculos ao ritmo do velho bate-boca entre as responsabilidades de autoridades públicas enquanto o problema continua impávido, fazendo seus estragos.

Noves fora, fato é que tudo segue como dantes. O presidente do TSE, ministro Ayres Brito, é um bem-intencionado. Ainda vai tentar convencer os ministros da Justiça e da Defesa de que a situação requer emergência.

Acrescente-se: requer, sobretudo, um árbitro. Um mediador imune a ingerências eleitorais já poria as coisas num outro patamar e aumentaria as chances de o Estado combater preventivamente a fraude urdida pelos chefões da bandidagem para eleger seus candidatos a vereador e ajudar simpatizantes a comandar a prefeitura.

Essa arbitragem, ou pelo menos mediação, em tese seria um papel a ser exercido pelo presidente Luiz Inácio da Silva. Mas as viagens internacionais e os afazeres políticos, partidários e eleitorais do interesse exclusivo de seu projeto de manutenção de poder não lhe têm permitido perceber que governa um País em parte interditado.

E assim segue o baile. A Justiça Eleitoral assegura o sigilo do voto de longe, atrás da tela da televisão, e o bandido, agora travestido de chefe político, põe o dedo na cara do cidadão e avisa que a senha da urna eletrônica "está na mão" e será usada para descobrir quem entrará na lista dos condenados às penas do crime de crime de alta traição, segundo o código da lei do mais forte.

Quando o governador "puxa" briga com o comandante militar da região, este entra na polêmica e a fala do ministro da Defesa não apresenta uma solução para o conflito - pois remete o ato inicial a Sergio Cabral, que se recusa a fazê-lo - o cidadão continua abandonado, a criminalidade queda-se sossegada e a Justiça fica literalmente na mão. Do faz-de-conta de sempre.

Terra arrasada

Deputados e senadores talvez ainda não tenham se dado conta, mas o Palácio do Planalto avança sua mão de gato sobre funções constitucionalmente atribuídas ao Congresso.

Assim como quem não quer nada e querendo rigorosamente tudo, o Poder Executivo se imiscui mais e mais no funcionamento do Parlamento. Governando por medidas provisórias, praticamente cassou-lhe a prerrogativa de legislar.

Agora anuncia as balizas da reforma política no molde de seu interesse e, não bastasse, sinaliza intenção de restringir o campo de atuação das comissões parlamentares de inquérito.

Uma é produzida no departamento dedicado a atividades parlamentares do Ministério da Justiça e, da outra, quem se faz porta-voz é o secretário de Reforma do Judiciário, também da pasta comandada por Tarso Genro.

A assessoria jurídica do Palácio do Planalto ou a assessoria parlamentar do Ministério da Justiça - a denominação do santo não altera a origem do pecado - estão, com isso, pretendendo reescrever o regimento interno do Parlamento e a Constituição.

E logo com as CPIs, coitadas, tão desmoralizadas, ineficazes, perdidas e só raramente produtivas.

Já andam no osso. Se forem restritas suas atribuições - ainda mais como se pretende, de fora para dentro -, não lhes sobrará nem a chama das intenções.

O balanço da situação até o momento é o seguinte: o Executivo já capturou do Congresso a iniciativa de legislar; já interditou a atividade de parlamentar (no sentido de debater), pois com os aliados o presidente Lula monologa e com os adversários usa da popularidade para jogá-los contra a população e, assim, inibir o confronto mais consistente; agora quer solapar a função de fiscalizar "normatizando" o funcionamento de comissões de inquérito.

Quando suas excelências abrirem os olhos - se lhes interessar abrir, bem entendido - já terão perdido todas as suas atribuições, o direito de reclamar e ficarão desprovidos da própria razão de ser.


LIVRO: LANÇAMENTO


AMIGA GRAZIELA
Ivan Alves Filho

Não conheço gênero literário mais livre do que a crônica. Cabe tudo dentro dela. O pequeno ensaio. O tratado filosófico em miniatura.

A prosa poética. A reminiscência. A conversa de papel. Se a crônica fosse um fenômeno da natureza – um animalzinho por exemplo –, seria sem dúvida um passarinho. Se fosse um doce, quindim de Iaiá, certamente. Desses que derretem no céu da boca, como os passarinhos se divertem no céu de verdade.

Há certas crônicas que merecem quase ser devoradas. As crônicas – e também os contos e a poesia – de Graziela Melo estão entre essas. Que livro prazeroso a minha amiga escreveu! Por vezes áspero, como quando se refere à prisão do marido Gilvan no Rio de Janeiro ou à morte do filho querido em Santiago do Chile, nos tempos do Companheiro Presidente, o nosso querido Salvador Allende. Mas... ó quão verdadeiras essas crônicas são! Quanta emoção elas nos passam!

Como isso se tornou possível, eu me perguntei a certa altura do livro. Como? Qual foi o segredo?

E creio ter encontrado a resposta: Graziela transformou sua vida – e não somente sua escrita – em uma obra de arte. Mulher sensível, a minha amiga Graziela ama viver até quase o desespero, retirando poesia das coisas mais simples do nosso cotidiano, sentindo as dores e as alegrias do mundo como as dores e as alegrias do mundo são: parte integrante da aventura da vida que ela sabe enfrentar como ninguém.

A poesia, a crônica, o conto? Ouso dizer – eu que não sou crítico literário - que esses escritos nada mais são do que uma conseqüência dessa arte maior, que é o amor de Graziela pelas coisas do mundo.

Ou para me socorrer de uma expressão sua, amiga Graziela, esses escritos, de tão sinceros, ficarão para sempre alojados “ nas desordens da minha alma, nos arquivos da minha memória.”



DEU EM O GLOBO


O PAPELZINHO
Merval Pereira


NOVA YORK. Embora não tenhamos até o momento nenhuma prova de fraudes em eleições com votação eletrônica, é de preocupar a mera possibilidade de que os traficantes que dominam os morros cariocas já dominem também uma tecnologia que seja capaz de violar o sigilo das urnas nas próximas eleições municipais. A declaração do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Carlos Ayres Britto, de que nosso sistema de urnas eletrônicas é inviolável e que as ameaças dos bandidos não passam de "blefes" e "bravatas" é tranqüilizadora, mas em todo o caso seria bom que fossem tomadas medidas adicionais de segurança, pois a inviolabilidade total dessas máquinas não é tecnicamente comprovável.

Aqui nos Estados Unidos, desde a crise política da tumultuada contagem de votos na Flórida que deu ao presidente Bush uma vitória definida pela Suprema Corte e até hoje considerada no mínimo discutível, há uma tendência de aumentar os investimentos para o uso de votação eletrônica e, ao mesmo tempo, um terrível temor de que esse sistema possa ser desvirtuado.

Nos Estados Unidos não há uma uniformidade nos tipos de urnas, já que cada condado (região formada por pequenas cidades) pode escolher o tipo de voto.

Nas últimas eleições de 2006, cerca de 48 milhões de eleitores, representando 30% dos registrados, usaram a urna eletrônica. Para a eleição presidencial, esse número já está estimado em aproximadamente 40% dos eleitores.

O aumento do uso de urnas eletrônicas deve-se principalmente à legislação aprovada em 2002, no rastro das seqüelas políticas da eleição presidencial de 2000, que destinou uma verba de mais de U$3 bilhões para compras de equipamentos e modernização do sistema eleitoral, que ainda é feito em grande parte em cartões perfurados e cédulas escaneadas.

Pela legislação em vigor, as urnas devem ter cópias em papel da votação, que podem ser utilizadas em caso de recontagem.

Ao mesmo tempo em que as urnas eletrônicas estão sendo utilizadas mais amplamente, muitos problemas técnicos surgem, e até mesmo nas últimas primárias os dois partidos registraram erros.

Um caso famoso foi o do condado de Tarrant, no Texas, onde máquinas fabricadas pela Hart InterCivic contaram alguns votos, em determinadas situações até seis vezes mais, totalizando mais de 100 mil votos "fantasmas".

O problema foi atribuído a um erro técnico de programação, e não ao trabalho de algum "hacker". No Colorado, por exemplo, a firma responsável pelas máquinas de votar foi desabilitada depois que ficou comprovado que elas podiam ser alteradas e apresentavam erros de contagem.

O estudo mais famoso sobre vulnerabilidade no sistema de votação eletrônica é um realizado em 2004 pelo Centro para Política de Informação Tecnológica, do departamento de Ciência do Computador da Universidade de Princeton.

Eles analisaram o modelo de urna eletrônica Diebold AccuVote-TS, da fábrica Diebold, que hoje é a proprietária da firma brasileira que criou o modelo de urna eletrônica que está em uso no Brasil.

O estudo de Joseph A. Calandrino, J. Alex Haldeman e Edward W. Felten criou em laboratório um software capaz de roubar votos em uma urna eletrônica e de espalhar um vírus para outras urnas, contaminando-as com o mesmo poder de alterar o resultado de uma eleição.

Embora os representantes da firma Diebold tenham alegado na ocasião que aquele modelo não estava mais em uso, tendo sido substituído por outros, mais modernos e seguros, eles não aceitaram submeter ao laboratório de Princeton esses novos modelos, alegando questão de segurança.

Ao mesmo tempo, admitiram indiretamente que as antigas urnas, que já haviam sido usadas em eleições passadas, poderiam ser vulneráveis. Várias outras auditorias independentes encontraram problemas com as urnas eletrônicas em diversos estados do país.

Em Maryland, vários defeitos foram verificados, mas a auditoria não desclassificou o uso das máquinas. Auditoria da Califórnia examinou os sistemas Diebold Elections Systems, Hart InterCivic e Sequoia Voting Systems, permitindo o uso nas eleições, mas exigiu mudanças e maior controle.Testes revelaram que um vírus poderia ser introduzido em qualquer um dos modelos de urnas, podendo se espalhar por toda a região de votação.

A questão é tão discutida que Ronald L. Rivest, um cientista do Massachusetts Institute of Technology, e o matemático e advogado especialista em eleições Warren D. Smith propuseram uma complicada solução: cada eleitor, ou pelo menos um bom número deles, receberia aleatoriamente um papel após a votação, com um número de registro de um voto, sem que fosse o seu, naturalmente.

Os registros de todos os votos computados seriam colocados em um sítio na internet, e todos os eleitores que receberam o comprovante poderiam constatar se o número correspondente àquele voto foi contabilizado. Seria uma maneira de colocar os cidadãos como os fiscais da lisura da eleição.

Uma combinação de alta tecnologia com o papelzinho, que o falecido Leonel Brizola tinha como grande reivindicação, que confere credibilidade à eleição mesmo nos tempos mais avançados tecnologicamente. Ou até mesmo por isso.

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE - NAS ENTRELINHAS


CEIA ANTECIPADA
Luiz Carlos Azedo


É muito comum, em época de eleições, cronistas políticos espinafrarem os partidos e os políticos. E abominarem a propaganda eleitoral. Mas não se deve esquecer que só há democracia com eles

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu tirar o gênio da garrafa e promover uma reforma política. Fará seis pedidos aos Congresso: restaurar a cláusula de barreira, acabar com as coligações em eleições proporcionais, exigir fidelidade partidária, endurecer a lei de inelegibilidades , implantar o financiamento público de campanha e adotar o voto em listas partidárias. Com isso, o quadro partidário seria mais enxuto e definido ideologicamente. Acredita que assim acabaria o me-dá-me-dá na base governista. Hoje, a negociação é voto a voto, o que obriga o Executivo a comer pela mão de deputados e senadores da base governista a cada vez que precisa aprovar alguma coisa no Legislativo. Muitas vezes, um acordo com a oposição sai mais barato. Prevista para depois das eleições municipais, a reforma política proposta pelo presidente Lula é mais ou menos a mesma coisa do que convidar os perus para uma ceia de Natal antecipada.

Os partidos

Logo após o golpe de 1964, os militares também tentaram dar um jeito no que consideravam a “bagunça” dos partidos. Todos foram extintos, inclusive a UDN, que havia apoiado o golpe de Estado. O general Castelo Branco, que havia assumido a Presidência, tentou dar “racionalidade” ao sistema partidário e implantou o bipartidarismo. Além de uma Lei Orgânica dos Partidos, na qual foram criados a Arena e o MDB, implantou um código eleitoral e uma lei de inelegibilidades. A partir das eleições de 1974, porém, o bipartidarismo passou a funcionar contra os militares, porque aglutinou toda a oposição, com exceção dos que haviam aderido à luta armada.

Após sucessivas derrotas eleitorais, os militares promoveram nova reforma partidária, em dezembro de 1979, logo após a anistia política. Concebida pelo general Golbery do Couto e Silva, restabeleceu o pluripartidarismo para dividir a oposição. A antiga Arena virou PDS, o atual PP. O MDB manteve a sigla, o PMDB. Mas a oposição se dividiu com o “racha” do PTB, cuja legenda ficou sob controle de Ivete Vargas; o surgimento do PDT, de Leonel Brizola; e a fundação do PT, sob a liderança de Lula. Tancredo Neves fundou o PP, mas com a adoção do voto vinculado, que proibia as coligações, voltou ao PMDB, partido pelo qual foi eleito presidente da República.Os partidos comunistas (PCB, PCdoB, PSTU) só foram legalizados em 1985, pelo presidente José Sarney. Na Constituinte, peemedebistas dissidentes criaram o PSDB.

As eleições

Com o restabelecimento das eleições diretas em todos os níveis e a liberdade de organização partidária, consagradas pela Constituição de 1988, o quadro partidário se ampliou ainda mais, porém o sistema eleitoral continuou o mesmo. O próprio Congresso tem um regimento herdado do bipartidarismo. Todas as tentativas de reforma política, como a adoção do parlamentarismo ou do voto distrital, fracassaram. Os remendos aprovados pelo Congresso não modificaram significativamente o sistema eleitoral, que passou a ser aperfeiçoado muito mais em razão de medidas adotadas pela Justiça Eleitoral. Recententemente, graças a um ativismo jurídico que muitos caracterizam como a “judicialização da política”, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passou a preencher o vácuo criado pela inércia do Legislativo. E adotou medidas para fortalecer os partidos e aperfeiçoar o processo eleitoral, algumas delas na contramão de decisões tomadas pelo Congresso. É o caso, por exemplo, da interpretação dada à cláusula de barreira, aprovada pelos parlamentares, mas invalidada pelo TSE, e da nova jurisprudência sobre a fidelidade partidária.

Apesar dos escândalos envolvendo os partidos e seus políticos, não se pode, entretanto, jogar a criança fora com a água da bacia. O Brasil tem a maior democracia de massas do mundo, com voto direto e secreto, apuração eletrônica e propaganda eleitoral gratuita na tevê e rádio. Está à frente de muitos países desenvolvidos, inclusive os Estados Unidos, e nem de longe pode ser comparado com a Índia, a Rússia e a China. Somos mais de 130 milhões de eleitores, num ambiente de ampla liberdade, com eleições limpas, apuradas no próprio dia da votação. É muito comum, em época de eleições, cronistas políticos espinafrarem os partidos e os políticos. E abominarem a propaganda eleitoral. Mas não se deve esquecer que só há democracia com eles. E a reforma política de Lula parece mais um casuísmo, cujo objetivo é reabrir as porteiras do troca-troca partidário e facilitar a vida do PT na sucessão presidencial de 2010.

DEU NO VALOR ECONÔMICO


DESARMONIA NA LARGADA DA ESQUERDA
Rosângela Bittar


Foi mal recebida por um grupo importante do PSB, partido do bloco de esquerda que tem candidato viável para a sucessão do presidente Lula, a iniciativa do ex-ministro José Dirceu de iniciar agora negociações de aliança para 2010, numa tentativa de amarrar, com precipitação, os destinos do PSB, PCdoB e PDT ao projeto do PT, atropelando desta forma a candidatura presidencial de Ciro gomes. O ex-ministro chefe da Casa Civil no primeiro governo petista apresentou suas armas na forma de uma entrevista com o presidente do PCdoB, Renato Rebelo, publicada em seu blog. Na conversa, quase um depoimento, com poucas e certeiras intervenções do entrevistador, o dirigente comunista compromete o PCdoB com duas posições caras ao PT.

Uma delas é a concordância com a idéia de convocação de um plebiscito para "viabilizar", na pergunta de Dirceu e na resposta de Rebelo, a reforma política. Segundo entendimento no diálogo dos dois políticos, esta não seria uma reforma para se realizar com o atual Congresso. Ao expor sua aprovação à idéia, Rebelo deixa atendido, por esta reforma, o desejo do PT, transcrito na velha e recorrente proposta do deputado Devanir Ribeiro (PT-SP), de revisão do mandato do presidente da República.

Isto não é dito assim, tão diretamente, nem assumido como apoio oficial dos dois partidos, PT e PCdoB, ao terceiro mandato consecutivo para o presidente Lula.

- José Dirceu: "Estou convencido que para viabilizar a reforma política só um plebiscito"...;

- Renato Rebelo: "No Congresso atual, dificilmente vamos aprovar uma reforma política. Ela exige uma série de questões que deveríamos levar em conta, como, por exemplo, o tempo de mandato do senador e do próprio presidente da República"...

Mais à frente, o presidente do PCdoB concorda com a assertiva de que a saída para uma reforma política é "um plebiscito, como você levanta". E, de passagem, condena, como "enganação", a reforma política parcial, fatiada, exatamente do tipo que o governo Lula, por intermédio dos ministros Tarso Genro (Justiça) e José Múcio (Relações Institucionais), está propondo ao Congresso.

Primeiro, projeto de país, depois, o candidato

Definição clara de posição, no mesmo diálogo, foi apresentada na questão de ter o bloco um candidato próprio a presidente da República ou seguir aliado ao PT, desde o primeiro turno, em 2010, ainda que não seja Lula o candidato. Diz Renato Rebelo que Lula acaba sendo o grande cabo eleitoral dos 12 partidos que o apóiam. "Numa situação como essa, o candidato deveria ser do PT, o partido do presidente, com maior índice de aprovação pela população, e que cresce mesmo depois da crise que atravessou".

Os partidos são responsáveis pela construção desta candidatura, diz, sobretudo aqueles que estão com Lula desde 1989. "Os interesses particulares têm que ficar subordinados a interesses maiores". Segundo Rebelo, para construir esta candidatura, são necessárias a intervenção direta do presidente e a convergência política dos partidos. "O presidente assinala o nome de Dilma Rousseff. Hoje, Lula procura essa construção, e ele está certo".

Antes de integrar a chapa como vice de Marta Suplicy, na eleição para escolha do futuro prefeito de São Paulo, o deputado Aldo Rebelo, também do PCdoB, apresentou sua candidatura a prefeito, e nela insistiu até que o presidente Lula, diante de um PT isolado na sucessão municipal, fizesse o apelo à desistência. Um dos argumentos principais de Aldo para manter a candidatura a prefeito era que, para passar a existir politicamente, o bloco tinha que ocupar um espaço eleitoral em disputa privilegiada para isto, como a prefeitura, além do fato de o PT só haver recorrido aos partidos de esquerda depois de preterido em alianças preferidas.

Com nuances, é esta a argumentação que se vê agora, no PSB, contra o alinhamento automático ao PT proposto pelo PCdoB na entrevista de Renato Rebelo. O vice-presidente dos socialistas, Roberto Amaral, afirma que se não houver uma razão eleitoral para estes partidos de esquerda estarem juntos, o bloco perde sua razão de ser. "Passa a ser um bloco parlamentar, não político", afirma. E não entende como adequada, para o momento, a discussão sobre 2010 a um nível tão avançado. "Quer desestabilizar o governo, discute a sucessão".

O dirigente socialista destaca os méritos do governo Lula, diz que não é um ponto de chegada, mas de partida, e defende que o candidato à sucessão do presidente, pelo qual se deve lutar dentro do bloco de esquerda, deve ser alguém que "mantenha esse projeto popular de Lula e o aprofunde". Todos os partidos, na sua opinião, têm direito a pleitear esta escolha. "Pelo menos os que têm nomes nacionais, e o PSB tem o Ciro Gomes, o Eduardo Campos e a Luiza Erundina". Entretanto, pondera, não devem os políticos da esquerda discutir candidatura agora. O PSB, inclusive, segundo informa, não aprovou sequer o princípio da candidatura própria.

A esquerda, diz Roberto Amaral, tem que discutir um programa, um projeto de país, promover debates nacionais. "Temos que definir qual vai ser nossa postura em 2009, que reforma política a esquerda pretende fazer, como vão se reorganizar as Forças Armadas, como tratar este futuro do país que está no litoral - com o pré-sal e o gás".

As grandes questões do mundo - a crise financeira, "que pega o fígado do capitalismo"-, a energia, os alimentos, a água, encontram o Brasil, na avaliação do dirigente socialista, bem equipado para enfrentá-las e contribuir para sua solução. "Mas qual o projeto do país agora, que temos alimentos, energia, água? Rodo o país inteiro e não estou vendo esta discussão". A oposição não debate nada, assinala. A omissão, nota, é não só dos políticos, mas também da imprensa e da sociedade.

Desqualificando mais uma vez as definições precipitadas, o vice-presidente do PSB conclui: "Só com a visão do país terei a visão do meu candidato ideal".

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

DEU NO JORNAL DO BRASIL


A FLOR DA ESPERANÇA MURCHOU
Villas-Bôas Corrêa


O que já se sabia de véspera foi apenas confirmado na estréia do milionário programa de propaganda eleitoral, com a gratuidade à nossa custa mais uma vez reprovada no teste da sua inutilidade.

Para começo de conversa, com a experiência de várias campanhas a caduca legislação eleitoral já deveria ter sido reformada para os ajustes difíceis, mas não impossíveis, à sua serventia. Não há como levar a sério a bagunça de fim de feira de um flagrante, com provável baixíssimo nível de audiência que as pesquisas devem quantificar, mas que os números conhecidos antecipam: são 1.244 os candidatos que se apresentam para pedir o nosso voto para o sacrifício de servir o povo no nobre exercício da vereança na Câmara Municipal.

Com tal inflação de borbulhante fervor cívico, depois de passar pelo triturador a distribuição das migalhas chega ao ridículo de quatro segundos para a apresentação do programa de alguns candidatos e que, certamente, arrastaria multidões se pudesse ser exposto com o mesmo enfeite gongórico dos discursos nas tribunas da antiga gaiola de ouro.

O candidato estreante Adelson Alípio, do PCdoB, que ainda não tive o prazer conhecer, em confessada ignorância que se estende ao programa do partido, queixa-se que está se submetendo a um treinamento diário para conseguir anunciar ao ainda não conhecido eleitorado o seu nome, número e a síntese tão espremida como bagaço de laranja: pela saúde e educação. Um recado que, pelo ineditismo, certamente levará multidões ao delírio e a marcha batida para as urnas.

Se o programa de ontem foi de encher as medidas além de outros espaços da nossa paciência, certamente que, por todo Brasil, a mesma ansiedade aguarda a entrada em cena, na meia hora matinal e na fatia mais cobiçada no horário nobre, das 20h30m às 21h. em rede de emissoras de TV, hoje e às segundas, quartas e sextas-feiras durante 45 dias, um mês e meio. Nas emissoras de rádio, o horário eleitoral invade o ar das 7h às 7h30m e do meio-dia às 12h30m. Como se vê, o que não vai faltar é emoção em pacotes distribuídos ao longo do dia. Ufa!

Dos 14 candidatos a recuperar a ex-cidade maravilhosa, quatro terão menos de um minuto para a abordagem crítica e as propostas de soluções da crise dos setores de segurança, saúde, educação, a favelização e o tráfico de drogas, limpeza, lixo e outras encrencas.

O tom jocoso de um assunto da mais preocupante seriedade é intencional, mas não leviano. Mas, que adjetivos, mesmo baixando ao calão, podem exprimir a vergonha, o asco e a indignação do eleitor diante de denúncias como a da manchete de primeira página do JB de ontem, que expõe as vísceras da Câmara Municipal do Rio: a maioria dos 48 vereadores que sobem ao palco para pedir o voto da reeleição dobrou o seu patrimônio nos quatro anos do mandato.

A honrada vereadora Liliam Sà (PR) é a campeã olímpica de enriquecimento, com a disparada do seu patrimônio, descontada a inflação, chegando à altura de 809%.

Já não pedimos tanto, mas a nobre vereadora poderia ensinar aos beneficiados pelos magos da equipe do presidente Lula, que arrombaram as cancelas da pobreza para a ascensão ao patamar da classe média, como aplicar as sobras do milagre da multiplicação do real com o mesmo êxito das mordomias de um parlamentar a serviço do povo.

Dona Liliam não é a única habilitada a ensinar ao povão a ficar rico jogando na bolsa.

E se a campanha para a eleição de prefeitos e vereadores pôs na berlinda os que galgam os primeiros degraus de uma escada que leva ao infinito, dentro de mais dois anos, em 2010, com a eleição para presidente, governadores, senadores e deputados federais vamos ter o espetáculo de gala que promete levar o respeitável público à fossa propriamente dita.

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O DIA EM QUE NOSSO LULA IMITOU O REI SALOMÃO
José Nêumanne


O presidente da República pode não ser um homem letrado nem ilustrado, mas até seus adversários mais ferrenhos, que não toleram a hipótese do terceiro mandato nem em pesadelo, devem concordar que ele tem um bom senso invejável, além de um enorme talento para driblar obstáculos. Foi o que ele fez, aparentemente de maneira brilhante, na semana passada, ao encontrar uma solução salomônica para a proposta inoportuna e insensata feita por seu ministro da Justiça, Tarso Genro, e seu secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, de reabrir unilateralmente a Lei da Anistia para punir apenas os torturadores.

Se cedesse à pressão dos comandantes militares e desautorizasse os dois auxiliares na cerimônia de apresentação dos novos oficiais-generais, terça-feira 12, no Palácio do Planalto, poderia passar a impressão de que carece de apoio da caserna para permanecer no legítimo posto em que está por decisão majoritária e soberana do povo brasileiro. Se, ao contrário, nada falasse, autorizaria uma insensata exumação de esqueletos da guerra suja, que não se sabe a quem poderia interessar, mas com certeza não interessa à sociedade nacional nem, por extensão, à paz em seu governo. O presidente calou na reunião com os oficiais, mas falou mais tarde em cerimônia no quartel-general de um dos maiores inimigos dos militares descontentes com a proposta de Paulo e Tarso: a União Nacional dos Estudantes (UNE). A escolha do lugar exalta os méritos do estrategista. A frase cunhada para encerrar o assunto comprova seu talento inato e invulgar de lidar com as palavras, ainda que muitas vezes atropele a gramática. Num arroubo digno de fazê-lo figurar entre os governantes que se celebrizaram pelo estilo conciliador quando detinham o bastão de mando, de dom Pedro II a Getúlio Vargas, de Bernardo Pereira de Vasconcelos a Tancredo Neves, Lula jogou o tema para escanteio num carrinho retórico, sem machucar ninguém: ele afirmou que era preciso “transformar os mortos em heróis, e não em vítimas”.

A sentença funcionou como um calmante para os quartéis inquietos com a reabertura da discussão imprópria. Os comandantes e seu chefe, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, saíram comemorando o encerramento da discussão e a dupla Paulo e Tarso não se sentiu desautorizada nem repreendida. Mas a reencarnação do justiceiro rei hebreu Salomão no ex-dirigente sindical metalúrgico não passa de um truque impreciso do ponto de vista semântico, de lógica canhestra e falacioso no ângulo histórico, embora muito sagaz politicamente. Não há, ao contrário do que a sentença insinua, oposição entre a condição de vítima e o heroísmo. Há até muitas vezes uma relação estreita, embora não obrigatória: nem toda vítima é herói, mas muitas vezes o herói tem de ser vitimado antes, assim como o é o mártir.

No caso que serviu de tema à fala presidencial, quem foi torturado na ditadura militar exige tratamento de herói da democracia, embora não o tenha sido. Salvo raras exceções que confirmam a regra, os inimigos da ditadura militar de direita não lutavam pelo Estado Democrático de Direito, mas por outra ditadura, de sinal oposto, cujos exemplos - a Rússia de Lenin e Stalin, a China de Mao, a Cuba de Fidel Castro ou o Camboja de Pol Pot - são tão próximos de uma democracia quanto as tiranias de Nero, Calígula, Gengis Kahn, Hitler, Franco e Mussolini. Houve, sim, heróis da democracia na resistência civil contra os militares no Brasil - e Lula está entre eles, pois ajudou a desmoralizar a legislação autoritária com as greves que liderou, à custa de prisão e pena. Mas nenhum deles pegou em armas para enfrentar a ditadura.

Ao contrário do que imaginam os ingênuos que crêem nas versões falaciosas politicamente corretas de que havia nas ruas das metrópoles e nos sertões do Araguaia mais uma versão do conflito entre o Bem e o Mal, a idéia de derrubar o regime autoritário pelas armas não contribuiu para sabotá-lo. Mas colaborou para torná-lo mais cruel e talvez mais longevo. A ditadura durou mais do que era previsto que durasse pelos oficiais que interromperam o mandato de João Goulart, em 1964, porque teve a própria fúria contra as instituições nutrida pela aventura insensata dos que tentaram implantar no Brasil as idéias insanas do foquismo cubano dos barbudos de Sierra Maestra. E terminou ruindo sobre os próprios pés de barro, com a ajuda de democratas de verdade que participaram da difícil reconstrução das instituições enquanto muitos aventureiros da guerra suja ainda sonhavam com o sangrento assalto ao poder.

A dupla Paulo e Tarso não está sozinha na leitura distorcida destes eventos históricos. As comissões de burocratas que distribuem generosamente dinheiro público à guisa de remunerar os serviços prestados à luta contra a ditadura prestam idêntico desserviço à Nação. Não tem sentido subtrair dinheiro que deveria servir para resgatar a tal da dívida social, à qual Lula vive se referindo, para pagar indenizações milionárias a ex-combatentes que optaram pela luta e agora tratam essa opção imatura, mas consciente, como um investimento, conforme apontou com lucidez Millôr Fernandes. A notícia da entrada de 175 ex-militares, que logo serão seguidos por mais 425, na Justiça contra a União para pedir indenização por terem combatido no Araguaia parece absurda apenas por causa da conclusão equivocada de que havia algozes, num lado, e vítimas, no outro. Essa conclusão ganhou foros de verdade absoluta, sem fundamento histórico algum, pelo uso competente e cínico da lição dada pelo mago da propaganda nazista, Joseph Goebbels, segundo quem uma mentira se torna verdadeira se incessantemente repetida.

Vítima então e herói sobrevivente da luta dos democratas contra a ditadura, Lula recorreu à falácia para ganhar apoio e votos. Seria tão bom se deles fizesse melhor uso!


José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO


VISITA AO PAÍS DOS RICOS MAIS RICOS
Clóvis Rossi


SANTANDER - Já tratei recentemente, neste espaço, da lenda da queda da desigualdade e dos números da miséria brasileira, explicitada em pesquisa que o Ibase (a ONG do Betinho) fez com os beneficiados pela Bolsa Família.

Faltava só visitar os ricos.

Andrés Oppenheimer ("Miami Herald", prêmio Pullitzer) se antecipou e mostra o que só pode ser surpresa para os que acreditam em duendes ou na lenda da queda da desigualdade.Vejamos os dados por ele coletados no "Informe Mundial da Riqueza-2008", preparado por Capgemini e Merrill Lynch:

1 - Os ricos da América Latina estão enriquecendo mais rapidamente que seus pares de todas as demais regiões do mundo e já acumularam US$ 6,2 bilhões em valores financeiros, sem contar imóveis e coleções de arte.

2 - Nos três anos mais recentes, os ricos latino-americanos viram suas fortunas aumentar 20,4%, enquanto os pobres árabes donos do petróleo só ficaram 17,5% mais ricos. Os norte-americanos, então, tadinhos, engordaram suas contas apenas 4,4% (essa gente ainda vai morrer de fome nesse ritmo).

3 - Em que países os ricos ficaram ainda mais ricos? Adivinhou: Brasil, claro, o Brasil de Luiz Inácio Lula da Silva e do Partido dos Trabalhadores. Ah, no segundo lugar no torneio do enriquecimento aparece quem? Sim, ela, a Venezuela do "socialismo do século 21" (vai ver que é o socialismo que distribui renda para os ricos). Só depois é que aparece o Chile, que, desde a ditadura Pinochet, é o queridinho dos tais mercados.

Conclusão, algo óbvia, mas correta de Oppenheimer: "Em vez de ostentar o recorde de concentração de riqueza, a região deveria esforçar-se para ter maior número de indivíduos moderadamente ricos e muito menos pobres".

E o Brasil deveria parar de festejar lendas e misérias.