quarta-feira, 18 de março de 2009

Conjuração mineira

Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO


As incompreensíveis atitudes do governador Aécio Neves, que vem há meses concorrendo com sua própria sombra, atirando para todos os lados e, diariamente, em entrevistas, divulgadas pela assessoria para todo o país, em defesa do seu projeto eleitoral futuro, começam a receber as primeiras exegeses.

Neves já conseguiu dobrar o PSDB a seus planos, não titubeia em ironias e ataques duros a quem, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ousa discordar ou contrariar suas decisões, não admite visão do quadro político diferente da sua, seu staff se sente liberado para fazer chantagens e ameaças a quem acha que não está entendendo o que é melhor para todos. Da cúpula do partido, então, faz gato e sapato.

E tudo parece demasiado para o estágio atual da campanha sucessória. Ao ponto de surgirem, com força de verosimilhança, especulações sobre seus reais objetivos, que seriam os de enfraquecer o partido, transformar-se em uma opção real para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na escolha final de seu candidato à sucessão, sair candidato a presidente pelo PMDB ou PSB caso não consiga vencer a prévia do PSDB, opções em que já encontraria, na hora certa, um adversário destruído. Chama-se voluntarismo exarcebado o que se vê, de fora das rodas mineiras, em Aécio Neves. Tem que ser o que ele quer, como quer, quando quer, tudo para já, antes de sairem regras jurídicas ou decisões oficiais. E sem contestações, pois não as admite.

Todo este arcabouço que cerca o comportamento do governador de Minas estaria fundamentado em algumas razões, a mais consistente delas, embora não haja ainda base científica que a justifique, a de que Minas não suportará não ter o candidato a presidente da República do PSDB. Minas quer voltar ao poder federal. Minas não vota se não for em Aécio. Minas não admite.

Minas quer. É o que recitam os políticos mineiros.

A ação que se origina deste cenário é sempre contra José Serra, o governador de São Paulo, que seria o outro nome do partido em condições de se candidatar a presidente da República neste momento. Não dá para abstrair a questão pessoal, uma vez que Aécio, em outras refregas tucanas, em que Minas não estava em questão, tomou posição ao lado do adversário de Serra, como na briga do governador paulista com o grupo de Geraldo Alckmin, por exemplo. Embora amigos digam que Aécio só disputa a favor dele, não disputa contra ninguém, o que seria um traço de personalidade a afastar a hipótese de implicância pessoal das considerações sucessórias, as evidências fazem pensar.

Aceitemos, porém, neste raciocínio, que a postura não seja contra Serra, mas contra São Paulo, como querem fazer crer alguns integrantes do grupo do governador mineiro. São Paulo estaria, argumentam, há 16 anos no poder central. Além de haver pobreza neste raciocínio, esquecem-se de Itamar Franco, do atual vice José Alencar, mas a paixão faz relevar a omissão. Um mineiro comentava, a propósito da criação deste novo fim do mundo, que não é preciso insuflar Minas contra São Paulo, pois é uma rixa que existe desde os emboabas. Mas a naturalidade com que se assume a guerra contra o maior colégio eleitoral do país também provoca curiosidade. Não se sabe onde irá o governador mineiro com sua candidatura sem São Paulo.

Estando a situação neste estágio, conseguiu Aécio, com uma pressão irresistível, arrastar Serra para a primeira parada de uma campanha eleitoral prévia, em Recife, nesta segunda-feira útil de trabalho no governo do maior Estado da federação e, claro, também no governo de Minas. A prática da campanha eleitoral, antes que o Tribunal Superior Eleitoral defina o que é possível fazer agora e quem paga a conta, ou que o PSDB defina regras internas da disputa, é outra arriscada realidade.

E qual é a exegese que se começa a fazer? Elejamos uma questão como a principal, a de que Minas não suportará ficar fora da sucessão presidencial. Não há um dado concreto e real sobre isto, mas informam políticos mineiros, isentos, que é um fato. Trata-se de um sentimento muito forte em Minas, uma expectativa de Minas voltar à presidência da República. E o Estado encontrou em Aécio Neves um instrumento para isto.

Segundo explicações que têm chegado à cúpula do partido, é algo subjacente, está no pensamento político do Estado, no desejo de seus artistas e intelectuais, subentendido em manifestações de associações empresariais, nas prefeituras do interior. De tal forma que se Aécio resolvesse desistir de pleitear a candidatura agora, frustraria muitos sentimentos já enraizados. Trata-se, dizem, de algo maior que os políticos, que quando falam querem valorizar seu papel e reservar seu mercado.

Minas tem 11 milhões de eleitores, é o segundo colégio eleitoral, e o PSDB, que não tem o Nordeste nem o Norte, está perdendo para Lula parte do Sul com a candidatura Dilma Rousseff, vê o Rio muito difuso e contaminado por partidos de Igreja e correntes do PMDB, conta com São Paulo e Minas como unidades vitais para a candidatura de oposição. Se o campo de batalha está aí, seus principais políticos, Serra e Aécio, têm que estar fortes.

Como governador de Minas, raciocinam os políticos em conversa com o partido, a postulação do Aécio é legítima. Este sentimento mineiro foi por ele alimentado durante muitos anos, ele canaliza o desejo. Sua administração foi aprovada pela população. Ele não tem como renunciar à postulação, sob pena de criar, para si, um vazio em Minais. Tratar com seriedade Aécio Neves, com sutileza, humildade e paciência os seus atos de vontade e o modelo que definiu para a sua ação política, é o que o partido terá que fazer. Embora ainda falte uma explicação de por que tem que tudo ocorrer agora, com dois governadores abdicando da gestão de seus Estados que, se esta campanha segue em frente faltando dois anos para o término dos mandatos, ficarão precocemente nas de vices.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

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