terça-feira, 7 de abril de 2009

O repórter do Brasil

Villas-Bôas Corrêa
Jornalista
DEU NO JORNAL DO BRASIL


A morte do escritor e grande repórter, poliglota, um homem do mundo Marcio Moreira Alves, Marcito, não surpreendeu aos seus amigos que acompanhavam a marcha implacável da doença sem volta. A última vez que estive com ele foi no Hospital Samaritano, onde fui fazer uma radiografia. Internado para o tratamento sem esperança, seus parentes não deixaram dúvidas quanto à sentença, com a provação de meses ou mais de ano de provação.

De lá sai com o desfile na memória das muitas fases do nosso longo relacionamento. Meses antes, estivemos juntos, por acaso, em seminário em hotel de luxo de Angra dos Reis, quando em dupla bem humorada sobre a eterna mixórdia política, não arriscamos previsões sobre a decadência moral do Congresso e que contamina os três poderes.

A cassação do mandato de deputado federal Marcio Moreira Alves, pelo discurso no pequeno expediente, na abertura da sessão de 2 de setembro de 1968, quando defendeu o boicote ao militarismo, com o não comparecimento à parada de 7 de setembro foi o ansiado pretexto do endurecimento da ditadura militar, com a edição do AI-5, o mais radical dos vários desatinos do regime de exceção. Marcito conseguiu escapar da prisão e da tortura viajando para o exterior, em bem articulada manobra com a ajuda de parentes e amigos.

Com o AI-5, redigido pelo ministro Gama e Silva, o mais extremado dos radicais e imposto ao presidente Costa e Silva, a ditadura militar tirou a máscara e entrou no lento desgaste que se arrastaria até o final dos seis anos de mandato do general-presidente João Figueiredo.

O pequeno expediente é o espaço para os recados dos deputados aos seus eleitores. Em geral, comunicações de poucos minutos, nas quais ninguém presta atenção. Tanto que a repercussão do discurso de Marcito chegou aos quartéis muitos dias depois, em cópias mimeografadas encomendadas pelos comandos da linha dura. E se a ditadura é o oposto da democracia, não causa espanto que tenha violado, na atropelada de rédea solta, o princípio da imunidade parlamentar, garantida pela inviolabilidade das opiniões, palavras e atos dos parlamentares.

Depois de muitas voltas, Marcito voltaria ao Congresso, em 1988, para fazer o que mais e melhor sabia: a cobertura política. Após algum tempo de artigos no O Estado de S.Paulo e no Jornal do Brasil, ancorou em O Globo e propôs ao então redator-chefe, Evandro Carlos de Andrade, voltar a fazer reportagens sobre o tema "o Brasil Profundo", percorrendo o país para o levantamento dos gargalos ao seu desenvolvimento. Evandro deu a resposta num desafio: "Nunca li nada que se pareça com isso. Se eu gostar, você fica; se não gostar, volta às crônicas".

Marcito fez reportagens memoráveis, com a garra de grande repórter e o texto de escritor. E sem que soubesse ou que alguém previsse, que estava, como um profeta, antevendo a decadência do Congresso e da reportagem política que agora chega ao fundo do poço enlameado.

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