domingo, 31 de maio de 2009

O PENSAMENTO DO DIA – Hegemonia 3 – (Gramsci)

“O pensamento de Croce, portanto, deve pelo menos ser considerado como valor instrumental; e, assim, pode-se dizer que ele chamou energicamente a atenção para a importância dos fatos da cultura e do pensamento no desenvolvimento da história, para a função dos intelectuais na vida orgânica da sociedade civil e do Estado, para o momento da hegemonia e do consenso como forma necessária do bloco histórico concreto.”


(Antonio Gramsci – Cadernos do Cárcere, volume 1, pág. 306 – Civilização Brasileira, 2006.)

A evolução da China

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


A posição dos empresários chineses no recém encerrado Encontro Empresarial de Copenhagen sobre clima foi a maior surpresa do evento internacional. O reconhecimento por diversos líderes empresariais de que o desenvolvimento sustentável é uma "responsabilidade corporativa", e que o crescimento econômico da China tem que se compatibilizar com a proteção ambiental é uma mudança fundamental, juntamente com as metas governamentais de redução dos gases de efeito estufa. O governo está forjando uma agenda agressiva para atingir a meta de 15% de toda a energia renovável ser de eletricidade em 12 anos, e aumentar a eficiência energética em 20% em dois anos. Sem contar com o fato de que a China hoje já é líder em energia solar e eólica.

O empresário Paulo Protásio, que fez parte da delegação brasileira na reunião, ficou impressionado com a mudança. "Vamos tomar um banho de estratégia, inteligência e iniciativa a partir de agora daqueles que tinham uma imagem mais duvidosa do que a nossa no mercado", comenta.

Protásio acha que a crise financeira não se vai resolver "se não se apoiar em novos elementos para servir aos objetivos de um desenvolvimento limpo e sustentável".

Na mesma linha do historiador Jim Garrison, presidente da ONG State of the World, criada por Mikhail Gorbachev para a preservação do meio ambiente, que considera equivocada a política dos Estados Unidos e da Europa de jogar milhões de dólares nos bancos, como se a crise fosse apenas do sistema financeiro, e não do sistema como um todo.

"A única maneira de lidar com a crise financeira é lidar com o aquecimento global", diz Garrison. Sobre o encontro de Copenhagen, ressalta a importância da posição dos Estados Unidos, Índia e China, que respondem por 85% das emissões.

Outra questão, afirma, é a dos recursos que o Norte (ricos) precisa fornecer ao Sul (pobres) para que ele possa atingir as metas a serem definidas na conferência.

Embora não acredite que haverá grandes alterações na reunião de Copenhagen em 7 de dezembro, porque não vai dar tempo para o novo governo dos Estados Unidos estabelecer suas normas, Paulo Protásio está convencido de que o Congresso americano vai aprovar o substituto do Protocolo de Kyoto e os Estados Unidos entrarão nesse mercado de carbono mundial, cujos grandes compradores de certificados de emissão são o Japão e a Europa.

O mercado de carbono a nível mundial continuou a crescer em 2008, chegando a um total de transações de US$126 bilhões no final do ano, o dobro praticamente do volume de 2007.

O Brasil, que já foi líder, foi ultrapassado pela China, pela Índia e agora estamos ameaçados pelo México. A China está fazendo um sistema de aprovação de projetos de mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL) em quantidades semelhantes ou superiores ao do Brasil, mas com prazos mais curtos, sem grandes burocracias. Mais de 70% dos projetos são do mercado chinês.

Na definição de Paulo Protásio, ela está mandando um recado para o mundo de que vai adotar a política limpa por decisão própria, e está liderando o mercado. "Nós no Brasil, que já lideramos esse mercado, temos vantagens que não podemos desperdiçar. Nossa matriz energética é limpa", lembra Protásio.

Um dos projetos brasileiros é justamente o de transferir a tecnologia brasileira já existente para a África. O projeto prevê que entre 2009-2010 todo o continente africano seja mapeado por satélite para que seu potencial agrícola receba a tecnologia de baixas emissões de carbono com a assessoria da Embrapa.

Segundo o embaixador Sérgio Serra, representante do Brasil nas reuniões sobre o clima, o Brasil encara as presentes negociações (que levarão à COP-15 em Copenhague) com a maior seriedade. Queremos um resultado robusto e equitativo. Que leve:

1) a novos e mais profundos cortes de emissões no âmbito do Protocolo de Kyoto (é importante destacar aqui que o Protocolo não expira em 2012; o que expiram nessa época são as metas referentes ao seu primeiro período de cumprimento);

2) a compromissos comparáveis (aos de Kyoto) por parte dos EUA;

3) a ações efetivas de mitigação por parte dos países em desenvolvimento, apoiadas por financiamentos e cooperação tecnológica (por parte dos desenvolvidos), tudo de forma mensurável, "reportável" e verificável.

Segundo ele, estamos dispostos a ir além da parte que nos toca no que foi acertado em Bali: há ações de mitigação que pretendemos levar adiante por nossos próprios esforços, sem necessariamente contar com recursos financeiros e tecnológicos externos.

Quanto às sugestões do Jim Garrison, Serra vê perfeitamente o Brasil assumindo um papel de liderança em políticas públicas e ações tendentes a controlar ou reduzir emissões, induzindo um desenvolvimento cada vez mais sustentável.

Esse papel já é claro hoje na área dos biocombustíveis e no crescente uso de biomassa como fonte de energia. Essas e outras ações que estamos empreendendo ou iremos empreender no futuro próximo já farão com que haja uma queda significativa na curva de crescimento das nossas emissões totais - que é o que se espera, no momento, de economias emergentes como a nossa, diz o embaixador.

Quanto a antecipar para 2020 a adoção de metas de redução absoluta de emissões, o embaixador Sérgio Serra acha a data um pouco próxima. "Não sei se até lá já teremos superado nossas sérias e ainda pendentes dívidas sociais (um programa como o Luz para Todos, por exemplo, leva necessariamente a um aumento de emissões). Quem sabe 2030?"

A lei? Ora, a lei...

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Quando estourou o escândalo das mordomias no Parlamento britânico, a crise dos abusos nos privilégios no Parlamento brasileiro estava no auge e as comparações foram inevitáveis.

Dois pontos chamaram atenção: a semelhança da natureza dos desvios e a diferença no trato da questão. O primeiro mostrava que gente civilizada também prevarica. Em tese, nos colocava ombro a ombro com os costumes do Primeiro Mundo.

Mas, o segundo derrubava o argumento, demonstrando a distância existente entre o Brasil e a Inglaterra no tocante à cultura sobre o manejo da coisa pública.

Resumindo, a disparidade evidenciou-se na consequência.

Lá, caiu o presidente do equivalente local à Câmara dos Deputados, o primeiro-ministro condenou liminarmente as práticas, não obstante terem sido cometidas por seus aliados, e as pesquisas de opinião de imediato registraram o repúdio do público ao partido envolvido no escândalo.

Michael Martin, o similar inglês de Michel Temer, renunciou ao cargo. Não porque fosse acusado. Nenhuma das denúncias o envolveu, mas retirou-se de cena porque havia sido contrário à divulgação das informações sobre os privilégios em vigor no "clube privado de cavalheiros", tal como o primeiro-ministro Gordon Brown definiu a Câmara dos Comuns.

Aqui, suas excelências tentaram resistir - com o aval dos presidentes da Câmara e do Senado -, justificando a legalidade das irregularidades, o presidente da República considerou uma "hipocrisia" a críticas aos abusos - aproveitando para confessar seus próprios desvios quando parlamentar -, as infrações foram todas anistiadas, a popularidade do presidente permaneceu intacta e as transgressões continuaram a ser reveladas.

No caso das passagens, o presidente da Câmara teve culpa (confessada) no cartório. No que tange aos privilégios abusivos, o presidente do Senado achou normal - e assim passou a ser considerado no geral - usar seguranças da instituição para vigiar suas propriedades no Maranhão.Algum constrangimento, alguma concessão ao pudor? Nada. Só uma história de bastidor revelando que o presidente do Senado, José Sarney, cogitara da renúncia ao cargo em conversa com amigos. Não por vergonha das agressões individuais e coletivas às normas da boa conduta, mas por se achar injustamente atingido na majestade pretendida.

Caminhava o escândalo das mordomias no Parlamento brasileiro para o confortável limbo do esquecimento, quando a Folha de S. Paulo noticia que o pagamento ao auxílio-moradia aos senadores não tem sustentação legal.

A autorização desses pagamentos fora cancelada seis anos antes e, mesmo assim, o dinheiro continuou a ser religiosamente depositado nas contas dos senadores. Inclusive nas contas daqueles que têm moradia própria em Brasília e, por óbvio, não precisariam de tal benefício.

Entre os agraciados de maneira duplamente irregular com R$ 3.800 por mês estava ninguém menos que o presidente do Senado. Fiel à regra vigente, primeiro negou e, uma vez, exposto, confirmou.

Não sabia como o dinheiro fora parar em sua conta, uma vez que não havia requerido o pagamento do auxílio. Detectado o equívoco, pediu desculpas e ordenou a devolução.

E o vácuo, o período em que todos os benefícios foram pagos sem sustentação em regra alguma?

Rapidamente deu-se um jeito. Criou-se uma nova norma autorizando os pagamentos e atribuiu-se o passado à conta do equívoco para justificar nova anistia.

Ninguém procurou saber por que houve a suspensão dos pagamentos há seis anos. A fim de não suscitar mais polêmica, convencionou-se que houve "erro burocrático".

Mas será que houve mesmo? Ou na época aquela regra foi revogada em função de alguma denúncia sobre irregularidades na concessão dos auxílios-moradia?

No mínimo, seria necessário conferir. Nada impede de acontecer o mesmo com algumas normas alteradas em virtude da recente crise. Amanhã, numa próxima legislatura, quando suas causas se perderem na memória nacional, podem causar espanto e, para ajeitar a situação conveniente ao momento, ser recuperadas tal qual o modelo anterior.

Suposição? Não, mera constatação da realidade. No Brasil, diferentemente do que ocorre em nações de costumes mais civilizados, quando a legislação provoca qualquer abalo nos interesses de quem tem poder ou influência institucional, muda-se a legislação de forma satisfazer os interesses anteriormente contrariados.

Talvez seja esse o ponto que separe os escândalos dos Parlamentos no Brasil e na Inglaterra. Lá, suas excelências dobraram-se envergonhadas aos ditames lei. Aqui, correm sem pejo para alterar os princípios da lei.

Isso responde, por exemplo, a uma questão aparentemente inusitada sobre o que há em comum entre o caso do auxílio-moradia e as mudanças na Lei Eleitoral propostas para, entre outras coisas, revogar a fidelidade partidária interpretada pelo Supremo Tribunal Federal conforme o que impõe a Constituição.

3º mandato de Lula divide o país

Catia Seabra
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Proposta tem o apoio de 47% e é rejeitada por 49%, revela Datafolha; popularidade do presidente sobe

Pesquisa Datafolha feita entre a terça e a quinta passada revela que uma emenda constitucional para permitir que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) concorresse a um terceiro mandato receberia hoje o apoio de 47% dos brasileiros e seria aprovada por 49%.

Em novembro de 2007, a mesma proposta era rejeitada por 63% dos entrevistados e tinha o aval de 34%. Para o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, os números refletem a popularidade de Lula, que voltou a subir – passou de 65%, em março, para 69% neste mês.

A taxa de apoio ao terceiro mandato, porém é inferior ao índice de aprovação do presidente (69%). Dos que se dizem eleitores de Lula, 30% são contra a proposta.

A pesquisa mostra que a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), possível candidata do PT à Presidência, reduziu em oito pontos a distância de José Serra (PSDB). No principal cenário, ela subiu cinco pontos e foi a 16%, o governador de SP perdeu três pontos e ficou com 38%.

Pelo levantamento, 65% tomaram conhecimento da doença de Dilma, que se trata de câncer linfático.

Hipótese de 3º mandato de Lula divide eleitorado

Pesquisa Datafolha revela que 47% apoiam proposta contra 49% de reprovação

Em 2007, ideia era rejeitada por 65% dos entrevistados; para Mauro Paulino, do Datafolha, mudança reflete popularidade do presidente

Objeto de debate no Congresso, a possibilidade de um terceiro mandato para presidente da República divide o país, revela o Datafolha. Segundo pesquisa realizada de terça feira a quinta-feira passada, a emenda que permitiria ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) concorrer, mais uma vez, à Presidência tem hoje apoio de 47%dos entrevistados contra 49% de desaprovação.

Em novembro de 2007, a proposta era rejeitada por 65% dos brasileiros e tinha o aval de 31%, números compatíveis, à época, com as respostas sobre um terceiro mandato para governadores e prefeitos.

Além do caso específico de Lula, o Datafolha perguntou sobre a hipótese de presidentes concorrerem a um terceiro mandato no Brasil: 49% disseram ser a favor e 48%, contra. Hoje, um ano e meio depois, esse índice de apoio a um terceiro mandato para presidentes -de 49%- é bem maior do que para governadores (38%) e prefeitos (35%).

Para o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, os números refletem a popularidade de Lula -também expressa nas intenções de voto.

Garantido o direito a disputar o terceiro mandato, o petista seria reeleito em primeiro turno se a eleição fosse hoje.

Nessa disputa hipotética, Lula teria 47%dos votos contra 25% do governador de São Paulo, José Serra (PSDB). Sem Lula, Serra lidera todos os cenários da corrida presidencial. A instituição do terceiro mandato dependeria de aprovação na Câmara e no Senado.

Como altera a Constituição, requer quórum qualificado: três quintos dos votos. Na quinta-feira, o deputado Jackson Barreto (PMDB-SE) protocolou proposta que institui o direito a mais uma reeleição no país, desde que aprovada num referendo em setembro. Barreto reuniu 183 assinaturas.

Mas, como democratas e tucanos retiraram apoio à emenda, o número de signatários caiu para 170, uma menos do que o exigido para tramitar.

Ele pode reapresentar a proposta, caso conquiste um novo adepto. Nesse caso, a base do governo teria três meses e dez dias para sua aprovação. Resistência Lula tem resistido à proposta não só porque fragilizaria a candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff mas também porque desgastaria sua própria imagem.

Para Paulino, o indício de desgaste está na pesquisa, já que a taxa de aprovação ao governo Lula (69%) é 22 pontos maior que o apoio ao terceiro mandato. Ainda segundo o Datafolha, 37% dos que consideram o governo ótimo/bom se opõem à mudança. Mais: 30% dos que se dizem eleitores de Lula são contrários à proposta.

"Dos que aprovam o governo, 37% são contra o terceiro mandato. Há resistência ao terceiro mandato mesmo entre os eleitores de Lula, um indício de que pode ser desgastante", disse.

Entre petistas contrários à proposta, vigora a avaliação de que,em um ano,Lula seria submetido duas vezes ao voto: no plebiscito e na eleição.

Entre os apoiadores da emenda, o argumento é que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso conquistou seu segundo mandato em primeiro turno (1998) mesmo com toda a polêmica em torno da aprovação da reeleição.

Segundo o Datafolha, a nova reeleição de Lula tem a simpatia de 53% dos entrevistados com renda familiar mensal inferior a dois salários mínimos.

A rejeição à proposta chega a 67% entre aqueles com renda superior a dez mínimos. Enfrenta a resistência de 68% dos com nível superior de escolaridade, tendo apoio de 53% dos que têm nível fundamental.

No Nordeste, a emenda tem 60% de apoio. No Sul, é rejeitada por 56%. No Sudeste, 54% reprovam o terceiro mandato e 43%são favoráveis.Nas regiões Norte e Centro-Oeste, a proposta enfrenta rejeição de 51% contra 43% de apoio.

Falta de herdeiro natural evidencia ''lulodependência''

Marcelo de Moraes
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Mesmo a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, é incógnita eleitoral

Sete anos depois de ter vencido pela primeira vez a corrida sucessória, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não conseguiu produzir herdeiros políticos claros que despontem com força nas pesquisas de intenção de voto para a corrida presidencial de 2010.

Até mesmo a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, independentemente da situação de sua saúde, ainda é uma incerteza eleitoral, já que nunca concorreu e aparece bem distante do governador de São Paulo, José Serra (PSDB), nas primeiras simulações feitas pelos institutos de pesquisas.

Na prática, após quase completar dois mandatos à frente do governo, o estilo centralizador e o carisma eleitoral de Lula acabaram transformando o próprio presidente no seu principal herdeiro político.

Também contribuiu para essa situação o fato de o PT nunca ter lançado qualquer outro candidato à Presidência que não fosse Lula. E já se vão vinte anos nesse processo. Desde 1989, ele disputou cinco eleições presidenciais. Perdeu as três primeiras, ganhou as duas últimas.

Naturalmente, isso serviu para fixar sua imagem na cabeça do eleitor como o eterno candidato do PT à Presidência e tornou difícil para qualquer outro petista assumir essa posição.

Isso fica claro com a campanha de setores do PT e de partidos aliados defendendo que ele concorra a um terceiro mandato, o que somente seria possível através da aprovação de uma mudança constitucional. Também fica claro quando se dá como certa, entre seus principais aliados, a possibilidade de Lula voltar a concorrer ao Palácio do Planalto, em 2014 - hipótese nunca descartada, diferentemente do que ocorre com a do terceiro mandato.

OUTROS NOMES

A "lulodependência" acabou se agravando pelos problemas enfrentados por vários políticos que tinham potencial para sucedê-lo no comando do País, mas perderam prestígio nesse caminho. Dois exemplos são nítidos: José Dirceu e Antonio Palocci.

Responsável por toda a articulação política que garantiu a vitória de Lula em 2002, Dirceu estreou no governo nomeado como ministro da Casa Civil mas assumindo, na verdade, o papel de homem forte da nova administração.

Ao controlar a direção gerencial do governo, o que fez durante grande parte do primeiro mandato, José Dirceu seria um sucessor natural de Lula se não tivesse sido torpedeado pelos efeitos provocados pelo chamado escândalo do mensalão.

Acusado de ter participação no suposto esquema de pagamento de caixa dois eleitoral para ter o controle da base de apoio dentro do Congresso, Dirceu ficou em situação política insustentável, tendo que deixar o ministério. Logo depois, acabou sendo cassado pela Câmara dos Deputados, saindo definitivamente da linha sucessória de Lula.

CASEIRO

Bem-sucedido no comando da equipe econômica como ministro da Fazenda, Antonio Palocci também foi abatido em pleno voo político quando começava a ser cogitado como uma opção futura para a sucessão de Lula.

Palocci deixou o ministério depois de se envolver no escândalo da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, em 2006.

Em entrevista ao Estado, Francenildo disse que tinha visto Palocci frequentar várias vezes uma mansão em Brasília, ocupada por seus ex-assessores, onde ocorriam festas e negociações suspeitas.

Sem herdeiros diretos, Lula foi buscar entre seus principais assessores um candidato em potencial. E, dentro desse processo, a "lulodependência" fica evidente novamente. O presidente sabe que a candidatura de Dilma só tem chance de prosperar se ele tiver sucesso na operação de transferência dos seus votos para a ministra da Casa Civil.

Estreante em campanhas, Dilma terá como principal discurso de campanha justamente o mote de representar a continuidade do governo Lula. Sem esse discurso e sem a atuação maciça do presidente nos seus palanques, sua candidatura não se viabilizaria.

Renan reconquista o poder perdido

Adriana Vasconcelos e Gerson Camarotti
DEU EM O GLOBO

Com Sarney fragilizado, senador volta de forma agressiva à articulação política

BRASÍLIA. Um ano e cinco meses depois de ser obrigado a renunciar ao cargo de presidente do Senado para escapar da cassação, pode-se dizer que o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), de volta ao comando da maior bancada da Casa, reconquistou o poder perdido. Governistas e oposicionistas avaliam até que Renan conseguiu aumentar seu poder e estaria fazendo sombra ao presidente José Sarney (PMDB-AP), a quem ajudou a eleger.

Fragilizado pelas denúncias que atingiram a instituição desde sua posse, em fevereiro, Sarney teria deixado a cargo de Renan o comando das articulações políticas do Senado, a ponto de, na última semana, ter interferido nas indicações do PT para a CPI da Petrobras.

- O Renan está mais forte do que quando era o presidente do Senado - resumiu o presidente Lula numa conversa reservada semana passada.

Mas, enquanto atestam sua recuperação, políticos fazem ressalva ao estilo e aos métodos de Renan como articulador. O próprio Lula, que já não esconde sua contrariedade com o jogo permanente do líder do PMDB, resumiu a impressão que tem da atuação do alagoano: ele cria problemas e dificuldades para depois vender facilidades. Mesmo colocando em dúvida a lealdade do aliado, o presidente tem consciência exata de que é melhor mantê-lo por perto do que como inimigo. Que o diga o líder do PT, senador Aloizio Mercadante (SP), que tem sofrido com a pressão de Renan para alijá-lo das articulações políticas do Senado. Renan não o perdoa por ter admitido que se absteve na votação do primeiro processo de cassação que enfrentou no plenário do Senado, e ter votado a favor no segundo. O perfil agressivo e ousado de Renan ficou explicitado nas negociações para a composição da CPI da Petrobras.

Renan, ao contrário de outros colegas que optaram pela renúncia ao mandato para evitar um julgamento no Legislativo - como fizeram Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA), Jader Barbalho (PMDB-PA), José Roberto Arruda (PSDB-DF) e Joaquim Roriz (PMDB-DF) - desafiou seus desafetos. Acabou absolvido duas vezes em plenário, mesmo sem o apoio incondicional esperado do PT.

Renan reconquistou o posto de líder do partido e está se vingando dos desafetos. A primeira vítima foi Mercadante, que ele não aceitou na CPI.

Líder reabilita Collor e se vinga de desafetos

DEU EM O GLOBO

Estratégia para a volta começou com PMDB no comando do Senado

BRASÍLIA. Na sua volta ao poder, Renan Calheiros também reabilitou o ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL), a quem ajudou a conquistar a presidência da Comissão de Infraestrutura e uma vaga de titular na CPI da Petrobras. A parceria lhe abre as portas do complexo de comunicação da família do ex-presidente, em Alagoas.

Na avaliação do senador Wellington Salgado (PMDB-MG), o líder do PMDB mudou de estratégia e cercou-se de novos aliados. Entre eles, acrescenta Salgado, "um aprendiz de feiticeiro": o hoje líder do PTB, Gim Argello (DF), suplente que herdou um mandato de Joaquim Roriz.

Funcionários do Senado e assessores de Renan ousam comparar sua trajetória à do craque Ronaldo, o Fenômeno, pela capacidade de recuperação depois de enfrentar seis representações no Conselho de Ética da Casa, com duas delas chegando ao plenário. Dizem que Renan é um especialista em crises.

A primeira, o mensalão, administrou no seu primeiro mandato como presidente do Senado, em 2005. A segunda e mais dramática foi a própria, que o obrigou a renunciar ao cargo. Ele foi acusado de pagar a pensão de uma filha fora do casamento com dinheiro de empreiteira.

Senador enfrentou dois julgamentos em plenário

Renan, ao contrário de outros colegas que optaram pela renúncia ao mandato para evitar um julgamento no Legislativo - como fizeram Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA), Jader Barbalho (PMDB-PA), José Roberto Arruda (PSDB-DF) e Joaquim Roriz (PMDB-DF) - desafiou seus desafetos. Acabou absolvido duas vezes em plenário, mesmo sem o apoio incondicional esperado do PT.

O ensaio para a volta começou com o projeto de manter o PMDB no comando do Senado. Enfrentou o PT e convenceu Sarney a entrar numa disputa com Tião Viana (PT-AC), que mostra sequelas até hoje.

- Decidi manter distância da convivência pessoal e política com Renan. Respeitei a situação delicada que ele enfrentou. Mas, de uma hora para outra, fui transformado por ele no inimigo da estabilidade política. Isso me causou grande surpresa. Por isso, me afastei e é melhor que seja assim - afirma Tião Viana.

Renan reconquistou o posto de líder do partido e está se vingando dos desafetos. A primeira vítima foi Mercadante, que ele não aceitou na CPI. Lula, forçado a concordar com Renan por questão de sobrevivência e para manter a base pacificada, tem certeza que o líder pretendia deixar o governo refém do PMDB, tentando pôr na CPI sua tropa de choque. Por isso, Lula insistiu na indicação do líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), que considera mais fiel a ele do que a Renan.

- Lula não tem alternativa. Tem que se sujeitar, pois ele comanda uma bancada de 20 senadores - diz um ministro.

Jogo pesado

Valdo Cruz
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Ninguém quer admitir publicamente, mas, nas últimas semanas, senadores de oposição foram procurados por diretores de grandes empresas que trabalham com a Petrobras.

Gente graúda, que costuma participar das decisões de quem recebe doação de campanha eleitoral. Segundo relatos obtidos dos dois lados, foram conversas de cavalheiros, sem ameaças diretas, mas o objetivo era exatamente esse.

Num estilo educado e cortês, o que foi dito poderia ser traduzido livremente da seguinte maneira: "Se vocês colocarem nossa empresa sentada no banco da CPI sem bases concretas, esqueçam doações no próximo ano".

Não faltaram ainda queixas para o que estão classificando de "criminalização" das doações legais para campanhas eleitorais. Mais uma forma de pressão.

Esses encontros começaram a ocorrer depois que grandes empresas trocaram informações há duas semanas e concluíram que precisavam agir para evitar que virem o centro das investigações.

Todos garantem que não há um desvio em seus contratos com a Petrobras. E que, se forem denunciadas por alguém na comissão do Senado, será por conta de interesses contrariados.

Pode ser, afinal não podemos condenar ninguém a priori. Por outro lado, uma boa investigação é, sem dúvida, o melhor selo de idoneidade.

Bem, depois de conversar com diretores de várias dessas empresas, um senador da ala governista firmou uma convicção: há grande risco de a comissão virar a CPI do Forró, com investigações de temas laterais, como patrocínios de festas juninas, passando ao largo de contratos milionários da empresa.

Em resumo, a CPI da Petrobras será um bom teste para medir até onde vai operar o lobby dos grandes fornecedores da estatal. O jogo, caro leitor, será pesado.

A gripe da Dilma

Ferreira Gullar
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / Ilustrada

A ministra Dilma talvez não tenha condições de enfrentar fatigante campanha eleitoral

ESTE NÃO é um assunto novo mas, a cada dia, ganha novos contornos e exige novas avaliações. Por isso mesmo, em face dos acontecimentos que se sucedem, fica evidente que a candidatura da ministra Dilma Rousself à Presidência da República -que já está abertamente admitida pelo presidente Lula e pelo seu partido- tornou-se uma espécie de bomba-relógio que pode explodir a qualquer momento; ou, mais precisamente, que tanto pode explodir amanhã como daqui a um mês ou daqui a um ano.

Não tenho nenhuma informação de cocheira a revelar. Tudo o que pretendo é tentar ver clara a situação criada, depois que se soube da doença da ministra. Uma doença grave, que tanto pode ser detida pelo tratamento a que ela se submete, como não, já que se trata de um câncer que surgiu no sistema imunológico e, por isso, não pode ser extirpado: a esperança dos médicos -e de todos nós- é que a quimioterapia o extinga definitivamente.

Isso no plano das possibilidades terapêuticas. No plano político, essa incerteza se transforma em indisfarçável problema, uma vez que o que está em jogo é o poder central do país. Por isso mesmo, a incerteza quanto ao desdobramento desta situação, aumenta na medida em que novos fatos ocorrem. Por exemplo, as dores nas pernas da ministra que a obrigaram a correr para São Paulo, internar-se no hospital e submeter-se a urgentes exames.

Pode-se imaginar o pânico que tal situação provocou em todo o governo e seus aliados. Ninguém sabia a causa daquelas dores, nem os médicos que, no final, afirmaram ter sido efeito da quimioterapia. Será verdade ou não? Se for verdade, isso indica que, de qualquer modo, a ministra Dilma talvez não tenha condições de enfrentar uma fatigante campanha eleitoral. Ou terá? Pode ser que tenha, mas, como é impossível afirmá-lo com indiscutível certeza, a insegurança se instala.

Em função disso, surgem as discussões e as divergências. Pelo sim, pelo não, um setor do PMDB decidiu dar curso a um projeto que possibilitaria uma segunda reeleição do presidente Lula. Sim, porque, se a candidatura da Dilma naufragar, só resta a Lula (ao PT e aliados) recandidatar-se. O projeto prevê um plebiscito, no estilo Chávez que, segundo o PSDB, não passaria no Senado.

Mas há uma questão que vem antes disso: a própria apresentação do projeto, que esvaziaria a candidatura da ministra. E por aí se vê o "dilema retrós", em que Lula e sua turma se encontram: os dias se passam, o limite para inscrever candidaturas termina em setembro próximo, dentro de apenas quatro meses, e ninguém pode apostar se a candidata terá condições de se manter candidata e muito menos de enfrentar durante meses uma estafante batalha eleitoral. Mas que fazer? A alternativa seria a candidatura de Lula, que exigiria mudar a Constituição. Vamos admitir que, convencido da inviabilidade da candidatura Dilma, ele aceitasse esta alternativa. Mas, e se a proposta for rechaçada no Congresso? Ficariam ele e sua turma no mato sem cachorro.

Como já dissemos, ninguém tem certeza de nada mas a opinião de Lula, conforme se deduz de suas declarações, é manter a candidatura de Dilma, dê no que der. Pelo menos por enquanto. Por isso, quando surgiu a notícia de sua urgente internação no hospital Sírio-Libanês devido às dores nas pernas, ele garantiu: "A Dilma está curada, ela não tem problema nenhum". E o PT, seguindo a voz do dono, reafirmou seu apoio à candidatura da ministra.

Ela, de fato, não tem problema algum; só um câncer linfático, que exige, para ser tratado, uma quimioterapia muito violenta, a tal ponto que não pode ser administrada senão através de um cateter, nas artérias coronarianas, mais resistentes. Daí os fortes efeitos colaterais após cada aplicação.

Mas Lula não tem muita escolha. Se a cada fato novo, que ameaça a candidatura de Dilma, ele se mantiver calado, estará admitindo a sua inviabilidade. E a coisa chega a tal ponto que, após ter ela declarado que iria reduzir sua participação nos eventos políticos, ele, lá dos quintos da Turquia, imediatamente reagiu: "Quando a gente fica em casa, por doença, a gente fica mais doente. A gente tem que espantar qualquer doença. Nesse negócio, mulher é especialista.

Qualquer homem,quando tem uma gripezinha, já quer ficar deitado. Você nunca viu uma mulher deixar de trabalhar por causa de gripe ou deixar de cuidar do filho por causa de gripe".

Pois é, assim como ele a obrigou a ir para a TV revelar sua doença, quer agora obrigá-la a manter-se no palanque, já que está apenas gripada.

Para voltar ao poder, PSDB aposta até na neurociência

Julia Duailibi
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Análises de "psique" eleitoral estão ajudando legenda a calibrar discurso

Na busca por uma agenda que neutralize a propaganda governista em 2010 e evite a terceira derrota consecutiva em eleição presidencial, o PSDB começou a calibrar seu discurso, baseado em análises de especialistas em "psique" eleitoral e em célebres estrategistas estrangeiros que defendem a emoção como fator determinante na política. A ideia é engavetar o lema da "gerência", usado na campanha de 2006, e focar na defesa de projetos e iniciativas sociais.

Há cerca de três meses, os tucanos contrataram o cientista político Alberto Carlos Almeida, autor de A Cabeça do Brasileiro e Por que Lula?, para fazer pesquisas que deem um diagnóstico sobre o que o eleitor deseja na próxima disputa. Almeida já produziu duas análises para o PSDB, que foram submetidas à direção do partido e a seus parlamentares. Essas informações têm servido de ponto de partida para a formatação de um discurso que atinja grande parte do eleitor que aprova o governo Luiz Inácio Lula da Silva.

O partido também começou a flertar com as ideias do neurocientista americano Drew Westen, da Emory University, em Atlanta. Suas teses influenciaram a campanha democrata de Barack Obama em 2008. Autor do best-seller The Political Brain, ele foi convidado pelo Instituto Teotônio Vilela, ligado aos tucanos, para dar palestra, em março, que deixou deslumbrados os políticos do partido.

EMOÇÃO

Para Westen, os democratas americanos mais perderam eleições do que ganharam nos últimos 30 anos porque apelaram muito à razão. Com base em pesquisas que mapearam o cérebro, ele questiona o racionalismo extremo, surgido com o Iluminismo no século 18. O seu principal estudo, divulgado em 2006, conclui que o eleitor responde de forma emocional quando provocado. Westen confrontou eleitores democratas e republicanos com declarações contraditórias dos seus candidatos. Ao defendê-los, áreas do cérebro relacionadas à razão não respondiam. Já as envolvidas com a emoção apresentavam grande atividade.

Eduardo Graeff, cientista político e secretário-geral da Presidência no governo Fernando Henrique Cardoso, em artigo publicado no Estado antes das eleições municipais de 2008, chamou a atenção dos tucanos para as teses de Westen. "Não basta ter valores. É preciso pregá-los sem medo de ser repetitivo e traduzi-los em declarações de princípio que mostrem ao eleitor que o candidato conhece seus problemas", afirmou.

Assim como Westen, o marqueteiro americano Dick Morris, que trabalhou com o ex-presidente americano Bill Clinton a partir de sua posse em 1993, também tem sido "revisitado" na corrida pela formulação do novo discurso. É dele a estratégia usada por Clinton de se apropriar de parte do discurso dos republicanos e mixá-lo com tradicionais bandeiras democratas para ganhar popularidade.

EFICIÊNCIA

Essas propostas têm encontrado eco entre os tucanos. Para vencer, o PSDB terá de lapidar o discurso para atrair boa parte do eleitorado que recebe o Bolsa-Família e tende a votar no candidato do governo. Mesmo com a avaliação corrente de que grotões do Nordeste vão mesmo ficar com o candidato de Lula e que o partido deve tirar a desvantagem no Sul e Sudeste.

"O discurso da eficiência para o eleitorado pouco escolarizado empolga muito pouco. O PT tem uma melhor capacidade de falar com esse eleitor. É mais eficiente nisso", afirmou o cientista político Rubens Figueiredo, diretor do Centro de Pesquisa e Comunicação (Cepac).

As pesquisas em mãos dos tucanos mostram que o Bolsa-Família - que atinge 11 milhões de famílias e é a principal marca social do governo Lula - não pode ser atacado, mas, sim, ampliado. Essa estratégia já apareceu em encontro do PSDB, no mês passado, na Paraíba, quando até foram defendidas conquistas sociais do governo Lula.

A avaliação de especialistas é que Lula começou a ganhar a eleição depois que parou de demonizar o Plano Real e passou a defender o controle da inflação, o que acabou explicitado na Carta ao Povo Brasileiro, assinada por ele em 2002. A mesma lógica, dizem, serviria para a defesa do Bolsa-Família por parte dos políticos tucanos.

"Tanto José Serra (governador de São Paulo e presidenciável do partido) quanto Aécio (Neves, governador de Minas e outro presidenciável) deixaram de criticar Lula pelo lado social. Falam de política monetária, mas não da social. Bater em Lula pode fazer com que percam votos. E eles precisam chegar a um eleitorado que está contente com Lula", afirmou o cientista político, Marco Antonio Teixeira, professor da FGV-SP.

Para Figueiredo, a tentativa de vender o Bolsa-Família como uma iniciativa originada no Bolsa-Escola, implantado no governo FHC, não tem reflexos práticos no eleitorado. "A paternidade já é do Lula. Para fazer frente a isso, teria de colocar em pauta algo como o Bolsa-Família. Hoje eu não vejo o que poderia ser", declarou.

Em algumas pesquisas, as pessoas chegam a mencionar as iniciativas feitas por Serra na época em que era ministro da Saúde do governo FHC, como os mutirões contra cataratas e os genéricos. "O genérico é um bom programa. Mas mais consumo e mais crédito é melhor", completou Figueiredo.

A formatação do discurso, no entanto, pode empobrecer o debate eleitoral. "Quando se foca a discussão, questões importantes deixam de ser debatidas, como as reformas da Previdência e a tributária. E o que o eleitor tradicional do PSDB espera é justamente discutir isso. Pode até acabar frustrando o eleitorado", disse Teixeira.

TUCANOS PETISTAS

De acordo com as sondagens, 45% do eleitorado, ou seja, cerca de 58 milhões de pessoas, votariam tanto no PT como no PSDB. Esse eleitor diz acreditar na importância da ajuda do governo para melhorar de vida. O desafio, portanto, é elaborar o discurso. A maior parte dele (57%) está na classe C e ascendeu economicamente graças ao crédito e ao acesso a mais bens de consumo nos últimos anos.

As pesquisas também mostram que não adianta apostar, mais uma vez, no lema da estabilidade econômica, bandeira dos tucanos - o Real foi implementado em 1993, quando Fernando Henrique era ministro da Fazenda. O eleitor associa o fim da inflação a uma conquista irreversível, mas que ficou lá atrás. Além disso, a maioria acha que a moeda estável foi conquista de Lula. Em 2007, pesquisa Estado/Ipsos mostrou que, para 67% dos brasileiros, Lula é o maior responsável pela estabilidade.

Ciro ameaça estratégia petista de eleger Dilma

Luiz Carlos Azedo
ELEIÇÕES 2010
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Candidatura do ex-ministro desagrega a base eleitoral do governo e atrapalha a transferência de votos de Lula para a chefe da Casa Civil

Deputado federal mais votado do país, com 667,8 mil votos, ex-ministro da Fazenda de Itamar Franco e da Integração Nacional de Luiz Inácio Lula da Silva, Ciro Gomes ainda assombra os estrategistas da candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, no Palácio do Planalto, apesar do isolamento a que está submetido. Sua importância no jogo sucessório é apenas eleitoral, como ficou evidente na pesquisa Vox Populi encomendada pelo PT no começo do mês. Ciro aparece como um nome competitivo nos dois cenários em que entra na lista de candidatos (veja quadro), mas a preocupação maior é com o papel desagregador da base eleitoral de Lula que sua candidatura pode representar, com seu perfil nordestino e discurso à esquerda da ministra. O candidato do PSB dificulta a transferência dos votos de Lula para Dilma.

“Nós não concordamos com a tese de que a candidatura de Ciro prejudica a ministra Dilma Rousseff, ele é melhor preparado para enfrentar os tucanos. Além disso, a existência de duas candidaturas é a garantia de que teremos uma disputa em dois turnos”, argumenta o líder do PSB na Câmara, deputado Rodrigo Rollemberg (DF), um dos aliados do ex-ministro na cúpula da legenda. Outro aliado importante é o líder no PSB no Senado, Renato Casagrande (ES), que também defende a candidatura própria. A grande incógnita é o presidente do PSB, Eduardo Campos, governador de Pernambuco candidato à reeleição, que sonha com o apoio do PT em seu estado. Formalmente, Campos defende a candidatura própria, mas nos bastidores tem se queixado dos “sumiços” e do destempero de Ciro quando entra em bolas divididas.

A grande preocupação dos petistas é com a possibilidade de Ciro inviabilizar a estratégia traçada pelo PT para unir o que chamam de “campo democrático e popular” contra o candidato do PSDB, seja ele o governador José Serra (SP) ou o governador Aécio Neves (MG). O PT quer carimbar a oposição como “conservadora, privatizante e entreguista”, contra a qual só haveria uma alternativa: Dilma. Para isso, a cúpula da legenda pretende abrir mão de todos os possíveis candidatos a governador, com exceção dos petistas que disputarão a reeleição, como o governador da Bahia, Jaques Wagner. “A prioridade do PT é eleger Dilma e ampliar as bancadas no Senado e na Câmara. Para isso, vamos prestigiar os nossos aliados nos estados, inclusive do PSB”, garante o líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP).

Essa tese é música não só para os ouvidos de Eduardo Campos. A governadora do Rio Grande do Norte, Vilma Maia (PSB), sonha com essa possibilidade para sua reeleição. Até as relações de Ciro com seu irmão Cid Gomes (PSB), governador do Ceará, candidato à reeleição, estão sob tensão por causa das duas candidaturas. Além disso, Ciro tem compromisso com a reeleição do senador tucano Tasso Jereissati (CE), que apoiou Cid contra Lúcio Alcântara, então governador do PSDB.

Ciro, de fato, andou sumido. Deve chegar dos Estados Unidos no meio desta semana, depois de mais uma imersão na Universidade de Havard (onde fez pós-graduação em Economia) para aprofundar seus conhecimentos sobre a crise econômica mundial. Duas vezes candidato a presidente da República pelo PPS, em 1998 e em 2002, ele se considera mais preparado para enfrentar o PSDB, partido pelo qual se elegeu governador do Ceará em 2004. Apesar de magoado porque foi atropelado pela candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussseff, mantém fair play. Desce a lenha na oposição, elogia a ministra e jura lealdade ao presidente Lula.

Ameaça dos partidos esquecidos

Tiago Pariz
ELEIÇÕES 2010
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Enquanto os petistas priorizam os acordos com os peemedebistas, integrantes de legendas menores da base de sustentação do governo Lula demonstram insatisfação e encenam uma debandada política

Apesar de aprovarem a estratégia do PT de priorizar as conversas com o PMDB, os aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva fazem ameaças de que, se não forem bem tratados, têm opções diferentes para a eleição de 2010. Todo o tipo de cenário é traçado: candidatura própria, caminhar sem aliança e até apoiar um candidato da oposição. PDT, PP, PR, PCdoB, PTB, PSB compreendem que o PT não pode medir esforços para se aliar com o PMDB. Tudo deve ser feito para não deixar a maior legenda do país no colo do PSDB, que tem dois pré-candidatos a presidente, os governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas Gerais, Aécio Neves.

As ameaças não significam que haverá uma debandada na base aliada, cada um fazendo o que bem entender, deixando o xadrez de 2010 ainda mais confuso. Os líderes das legendas menos prestigiadas ainda apostam que serão convocados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a conversa definitiva. Enquanto isso não acontece, cada um joga com a arma que tem.

O PR, legenda que apoiou o petista em 2002 quando ainda era Partido Liberal , indicando o vice José Alencar, é o mais incomodado com a estratégia. “É um erro. O PT deveria fazer uma conversa global com os aliados”, afirmou o deputado Luciano Castro (RR). A arma para ser lembrado pelo PT? A proximidade da bancada com Aécio, com quem recentemente teve um encontro. “A nossa prioridade é fazer uma eleição de uma grande bancada a partir de 2010, de modo que o próximo governo, seja ele qual for, vai ter que governar com o PR”, disse Castro. “A bancada tem uma relação bastante próxima com o governador Aécio”, acrescentou.

O PP, por sua vez, é o partido mais confortável no atual quadro político. O presidente da legenda, senador Francisco Dornelles (RJ), fará reunião em 2 de julho entre os diretórios estaduais para saber o que eles almejam na eleição presidencial. Satisfeito em ocupar o Ministério das Cidades, com Márcio Fortes, há uma tendência pró-Dilma Rousseff na legenda. “Primeiro, quero saber e conhecer a posição do PP. Antes de saber, é difícil falar de estratégia. Fato é que temos um bom relacionamento com o governo e com o PT”, disse o senador.

O cientista político e sociólogo da Universidade Federal do Rio de Janeiro Paulo Bahia explica que o voraz interesse pelo PMDB deve-se à capacidade do partido de levar a mensagem de um candidato aos rincões mais afastados do país. “O PMDB é o partido da capilaridade”, disse Bahia.

Na zona cinzenta, estão PDT, PSB, PCdoB e PTB. O PSB não desistiu de lançar o deputado Ciro Gomes (CE) na disputa, apesar das resistências do presidente da legenda e governador de Pernambuco, Eduardo Campos. O partido ainda espera ser convidado para uma conversa com Lula e definir sua estratégia. “O presidente Lula ainda não nos chamou para uma conversa.

Queremos saber o que ele quer, se ele quer ir só com a Dilma ou topa dois candidatos”, disse o deputado Márcio França (SP), tesoureiro dos socialistas. A arma do PSB? A ironia: “Lógico que a gente não descarta uma aliança com o PT, acharíamos ótimo ela (Dilma Rousseff) de vice do Ciro Gomes”. O governador pernambucano não gostaria de lançar o PSB sozinho na eleição presidencial e preferiria a aliança com o PT. Segundo aliados, ele não está tranquilo em relação à reeleição no cargo e precisaria do apoio dos petistas desde o primeiro turno.

E esse é o mesmo pensamento do PCdoB. Os comunistas fazem parte do bloco de esquerda ao lado do PSB, preferem aliar-se ao PT desde o primeiro turno, mas ainda aguardam a definição de Lula. “O bloco está em conversa. Temos alguns candidatos, como o Ciro Gomes, e também a opção de nos aliarmos com o PT”, disse o senador Inácio Arruda (CE). “O PT não pode largar o PMDB. Mas ele não deve priorizar e fazer de conta que os outros não existem”, acrescentou o comunista cearense.

"O PT não pode largar o PMDB. Mas ele não deve fazer de conta que os outros não existem"
(Inácio Arruda (PCdoB-CE), senador)

À espera da negociação
O PDT, do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, já começou a trabalhar as bases para se jogar na candidatura de Dilma Rousseff. Mas enquanto os pedetistas aguardam ser procurados pelo presidente Lula e pelo PT para negociar as bases da aliança, ameaçam. “ Hoje, a nossa primeira opção é pela candidatura própria. E o nome mais lembrado é o do senador Cristovam Buarque”, afirmou o presidente em exercício do PDT, o deputado Vieira da Cunha (RS). Mas reconhece: “Existe um desejo por participar da candidatura petista, mas não há nenhum compromisso”.

O PTB também aguarda a convocação do presidente Lula para apresentar seus interesses em 2010. Mas o líder do partido na Câmara, Jovair Arantes (GO), também espera por um encontro amistoso com o governador mineiro e gosta de lembrar que em São Paulo seu partido está ao lado de José Serra.

As cartas estão embaralhadas e há ciúmes em todos os lugares. O PT sabe que não pode desperdiçar nenhum apoio agora que se antecipou na campanha presidencial. O presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), acredita haver a possibilidade de 2010 ter dois candidatos da base aliada. Hoje, o mais forte é o deputado Ciro Gomes.

A mecânica das bolhas

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Uma nova loteria está tomando conta do mundo e ela não está sendo disputada nos cassinos, casas lotéricas, bancas de jogo do bicho ou guichês de apostas. Ela corre nos salões das imponentes bolsas de valores e nos resultados das suas transações publicados todas as horas e todos os dias, exceto aos domingos. Vermelho ou negro – dilema clássico da roleta – foi substituído pelo frenético questionamento em torno da crise econômica global: acabou a recessão? A angústia em torno do "ser ou não ser" que marcou a história do pensamento ocidental antes mesmo de Shakespeare formulá-la de forma tão compacta, agora se relaciona com uma dúvida concreta, menos sutil, e convenhamos mais banal, no tocante aos presságios que a partir de 2008 marcam o cenário mundial. Por isso cada subidinha das cotações e cada indicador mais róseo nas pesquisas é magnificado como tendência firme de recuperação e cada retrocesso, minimizado como simples reajuste ou "realização de prejuízos". Há uma recusa coletiva, espécie de cegueira solidária, a empurrar todos para um final feliz, imediato, definitivo.

O esquema "e viveram felizes para sempre", herdado das histórias da carochinha, continua confundindo nossa capacidade de assumir plenamente o ceticismo.É equivocada e perniciosa esta inclinação para examinar a crise mundial em termos puramente econômicos. A bolha imobiliária americana, a indústria dos derivativos e a libertinagem dos bônus pagos aos executivos do sistema financeiro não são as causas, são as consequências de um processo civilizatório do qual foi extraída a sua quintessência "civilizada", subjetiva e moral.

Robert Shiller, economista da universidade de Yale, em entrevista a Valor desta sexta insiste numa tecla: as opções das pessoas ao tomar decisões econômicas não são racionais, há uma série de componentes psicológicos comandando as decisões de compra e venda. As "bolhas", portanto, não são construções racionais, lógicas, são apostas intensamente badaladas, geralmente orquestradas e transformadas em impulsos individuais. A crença na substituição contínua dos ciclos de prosperidade é irrealista, mais do que isso, falaciosa. Assim também a ilusão de que uma boina vermelha e um slogan socialista são capazes de aumentar automaticamente a qualidade de vida das massas marginalizadas pelas "bolhas" anteriores. A atual conjuntura econômica só vai acabar quando a crise completar o seu ciclo completo e este ciclo pressupõe transformações em todas as esferas, inclusive no campo social, político e – de novo esta palavra incômoda – moral.

A "exuberância irracional" identificada pela primeira vez por Allan Greenspan quando já era tarde demais para controlá-la inclui a institucionalização do clima de pilantragem graças à falta de regulação e controles, mas também graças à generalizada e consciente submissão das elites de poder à indecência e ao despudor.

Não é casual a simultaneidade dos escândalos parlamentares e políticos na Inglaterra, Brasil, Espanha e Guatemala. Não é fortuita a irrupção das grandes máfias nacionais na América Latina (México), Europa (Itália) e diversos pontos do continente africano e asiático. A concomitância das disputas religiosas nos quatro cantos do mundo decorre da obstinação dos organismos políticos internacionais em incorporar à noção de democracia o conceito de Estado laico e secular.

Não se trata de mero determinismo geográfico a obsessão de grupos populistas sul-americanos para se perpetuarem no poder: as tentativas de emplacar "terceiros mandatos" ou impor a reeleição ilimitada em curso na Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Brasil e Argentina são os remanescentes (ou detritos) das bolhas produzidas nas duas últimas décadas para atrasar as transformações que deveriam ter sido adotadas quando se esgotou a Era das Ideologias e sua vitrine mais conhecida, a Guerra Fria.

O fantasma da recessão dificilmente se dissipará, o cassino das altas e das baixas mantém-se aberto, os acessos de bom e mau-humor dos mercados continuarão distantes do que ocorre nas entranhas e subterrâneos dos grandes processos históricos. Forçar miragens, acelerações, exuberâncias e insistir na invenção de bolhas equivale a eternizar o autoengano.

» Alberto Dine é jornalista

Os nojentos e os assépticos

Plínio Fraga
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

RIO DE JANEIRO - É bastante aceita a percepção de que esquerda e direita não existem mais, limitando-se a rótulos sem sentido num mundo pós-ideológico. Por extensão, começa a ser questionada a identificação de valores progressistas ou conservadores no jogo político. Numa sociedade individualista, tecnológica, na qual capital e ideias mantêm-se em circulação não regulada e contínua, amontoam-se nos destroços do pensamento as ambições coletivas -hoje centradas em nichos que necessitam de preservação, como, por exemplo, os ambientalistas.

Mesmo assim há parâmetros, em regra geral, para a distinção entre conservadores e progressistas. Ao formar seu juízo, conservadores dão mais importância a conceitos como ordem, lealdade, tradição, nação, fé, pureza e decência. Progressistas, ao estabelecerem parâmetros de julgamento, priorizam valores como igualdade, justiça, fraqueza, vulnerabilidade, expressão individual e compaixão.

É um sucesso na internet -em especial depois da citação de um colunista do "New York Times"- o site YourMorals.org, elaborado por especialistas de uma universidade americana que estudam as razões pelos quais o homem é o único ser que desenvolveu a noção de nojo -e como muitas sociedades recorrem a esse sentimento quando se defrontam com ameaças sociais.

Uma das teses do estudo é que conservadores e progressistas não só pensam de maneira distinta mas também sentem de modo diferente. De acordo com a pesquisa, a preocupação com contaminação ou a percepção de nojo é maior entre conservadores do que entre progressistas. Será que isso explica por que Hitller tinha obsessão pela assepsia e Che Guevara foi apelidado de "Porco" na escola?

Talvez só mostre que política é questão de gosto. Ou de nojo.

Um pensador no meio do caminho


Cyrus Afshar
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / Mais!

NEWTON BIGNOTTO, RICARDO MUSSE E FÁBIO WANDERLEY REIS FALAM DA DIFICULDADE DE CLASSIFICAR O OBRA DE BERLIN E O QUE É SER DE DIREITA HOJE

Admirado pela direita, visto com desconfiança pela esquerda, o filósofo político Isaiah Berlin, que completaria cem anos no próximo sábado, era, sobretudo, um "humanista", na opinião de três destacados acadêmicos brasileiros ouvidos pela Folha.

Newton Bignotto, professor de filosofia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Ricardo Musse, professor do departamento de sociologia da USP e Fábio Wanderley Reis, cientista político e professor emérito também da UFMG, debatem seu legado e as implicações políticas e sociais de suas ideias e conceitos mais importantes. Para eles, os conceitos que consolidou -pluralismo, liberdades positiva e negativa- podem ajudar a compreender os interesses em jogo por trás dos conflitos nas democracias contemporâneas e ajudam a organizar o debate de ideias. Na entrevista abaixo, discutem também o que significa ser de direita no Brasil de hoje.

FOLHA - O que significa ser direita no Brasil?

NEWTON BIGNOTTO - É uma pergunta difícil de responder hoje. Em primeiro lugar, porque essas noções, derivadas da Revolução Francesa (1789) e que tiveram tanta importância nos dois séculos que se seguiram, se dissolveram razoavelmente. E, sobretudo, no Brasil, onde poucas pessoas se declaram de direita, e nenhum partido político se declara de direita. O máximo a que podemos chegar, no cenário político, é encontrar pessoas com posições conservadoras, como em relação ao aborto ou ao modo de financiar campanhas.

RICARDO MUSSE - Isaiah Berlin não é um teórico da direita brasileira. Ele é um liberal quase clássico em sua vertente, fortemente ligado ao Iluminismo. No Brasil, seria de centro-esquerda. Ele mesmo se diz, em seus textos, mais de centro-esquerda. Mas foi muito admirado por Noel Annan, um dos gurus da ex-premiê britânica Margaret Thatcher [conservadora]. Então, talvez por isso ocorra a associação.

FÁBIO WANDERLEY REIS - Acho que ser direita em qualquer lugar do mundo pode ser posto em termos de certos valores que subsistem -apesar da tentativa de desqualificação de esquerda e direita que há por aí. Por um lado, [trata-se] da ênfase na ordem ou eventualmente na ênfase na adesão a uma dinâmica eficiente no plano econômico -do sistema capitalista em particular. Enquanto do outro lado, na esquerda, haveria a preocupação com a igualdade, promoção social dos destituídos, dos mais pobres, uma perspectiva mais igualitária, em que o valor básico da igualdade é um valor de referência. Quanto ao Brasil, não há a menor dúvida de que o grosso do eleitorado popular não entende essas categorias e as usa de maneira equivocada, que envolve confusões banais como [associar direita a] "ser um sujeito direito", coisas desse tipo.

FOLHA - Por que há, no Brasil, uma dificuldade de setores da elite política de se assumirem como "de direita", quando não ocorre a mesma coisa em outros países?

BIGNOTTO - Os partidos políticos brasileiros, ou pelo menos a maioria deles, não têm um perfil político definido -e nunca tiveram. Mais que isso: temem ter esse perfil porque querem disputar eleitores em todas as faixas. Os próprios programas dos partido são muito vagos. E isso impede que haja uma identidade tanto programática quanto uma identidade ideológica.

REIS - A [categoria] "direita" adquiriu no país uma conotação marcadamente negativa, transformou-se em uma pecha, em um xingamento -e as pessoas são levadas a se dissociarem disso.

FOLHA - Qual é a influência das ideias de Isaiah Berlin nas correntes políticas atuais?

BIGNOTTO - Ele é tipicamente um pensador liberal, porque conduziu um combate contra os totalitarismos e contra forças que ele associava à formação dos regimes totalitários. Algumas de suas contribuições foram importantes.Por exemplo, foi ele que consolidou -não inventou- a distinção entre liberdade positiva e liberdade negativa. Outra contribuição fundamental foi ter chamado a atenção para a ideia de pluralismo ético. E ter dado tanta importância à ideia de liberdade é o que marca sua herança atual.

FOLHA - O que é o conceito de pluralismo de Isaiah Berlin?

BIGNOTTO - A partir da leitura de Maquiavel e de escritores russos, como Tolstói e Dostoiévski, ele pensou: o que eles têm em comum? Para ele, têm em comum o fato de que sociedades diferentes vão ter conjuntos de valores diferentes. A pergunta que fica é: isso é relativismo? Ele responde: não, isso não é relativismo, isso é pluralismo. Não é a ideia de que nós não tenhamos ou possamos partilhar ideias no campo ético, mas sim que sociedades concretas históricas terão um conjunto de valores diferentes, que poderão comerciar, negociar entre si -nós podemos reconhecer isso em outras sociedades, mas elas serão diferentes nos seus conjuntos de valores. E ele chamava isso de pluralismo ético, o fato que civilizações diferentes necessariamente reconhecerão valores diferentes.

MUSSE - Grande parte das questões e dos conceitos que desenvolve é forjada no âmbito do Iluminismo. Há um reconhecimento da diversidade dos valores humanos, mas ele é tão amplo que chega, em certos textos, a reconhecer o nazismo como uma expressão da diversidade cultural humana.

FOLHA - A vitória do "não" no referendo do desarmamento no Brasil, em 2005, foi uma vitória da liberdade negativa?

BIGNOTTO - Em alguma medida, a gente pode formular isso sim, ao passo que a ideia de liberdade negativa se aproxima da ideia de direitos civis e, sobretudo, de direitos individuais. Acho que não é incorreto pensar -no plano dos direitos- que direitos, em geral, acolhem a ideia de liberdade negativa. São sobretudo os direitos individuais. Então, muitas pessoas se posicionaram em relação a essa questão da seguinte forma: "Não queremos ter nossos direitos restringidos por uma lei". Então dá para falar nesses termos, sim.

MUSSE - Acho difícil estender o conceito de liberdade negativa para determinados âmbitos como esse. Logicamente, poderia ser dito que sim. Mas isso estaria em desacordo com o corpo central do pensamento de Berlin. Não podemos esquecer que Berlin era um humanista. E essa ideia de universalismo moral impõe um limite, porque, por um lado, a vitória do "não" é a prevalência do indivíduo sobre o Estado. É uma forma de diminuir o controle. Mas, por outro lado, a noção moral e a própria ideia de humanidade estão em desacordo com a ideia da guerra de todos contra todos, que de certa forma o "não" significava -ou, pelo menos, que a questão da segurança é uma questão individual, e não coletiva.

REIS - Vejo aquilo de maneira muito negativa. Não acho que seja uma forma de afirmar legitimamente o que a liberdade negativa tem de melhor. Com o estímulo da presença do Estado, da atuação reguladora do Estado e até da atuação repressiva do Estado, percebe-se menos o fato de que, se cada um usa livremente sua liberdade negativa, isso resultará em pessoas pisando umas nos calos das outras. Isso resultaria em violência, em criminalidade. Haveria uma sociedade hobbesiana.

FOLHA - Pode-se dizer que isso é um indício de que a tendência encontra respaldo entre os brasileiros?

BIGNOTTO - Acho que o problema que nós devemos nos colocar é o da presença do liberalismo na sociedade brasileira. Essa separação ajudou Berlin a consolidar uma crença muito forte de um tipo de liberalismo. [O cientista político] Wanderley Guilherme dos Santos, num texto antigo, mas muito interessante, diz que o Brasil adotou ideias do liberalismo econômico cedo em sua história e que o liberalismo político sempre patinou entre nós. É fato que ideias próximas do liberalismo político têm ganhado espaço na mídia, assim como na sociedade civil e na sociedade brasileira em geral. E, entre elas, certamente no terreno dos direitos individuais.

REIS - Depende como se lê.É algo que ilustra um certo grau em que é possível manipular a chamada opinião pública ou o eleitorado com slogans adequados. Bastaram que certos temas fossem agitados, como se aquilo envolvesse uma certa castração das pessoas, para que a coisa [a posse de armas] fosse apoiada.Mas eu evitaria vincular aquilo como um exemplo de uma manifestação de um liberalismo em um sentido mais adequado, mais rico, por parte do eleitorado brasileiro em geral. Foi um momento infeliz, sob essa ótica.

Perdas e danos

Panorama Econômico :: Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


O estado das artes da crise econômica internacional agora é: o pânico, o mais assustador dos episódios recentes, foi vencido. Os bancos americanos receberam de ajuda direta mais do que valem hoje no mercado, apesar da recuperação do valor das ações. Na prática, são estatais. A GM será oficialmente estatizada nos próximos dias. No Brasil, de novo, os capitais desembarcam loucos por rentabilidade.

No final de abril, pouco mais de seis meses da quebra do Lehman Brothers, num debate em Nova York, o senador americano Bill Bradley disse que não acreditava que se pudesse falar em recuperação. Ele usou números: a ação do Citibank, que valia US$60, tinha caído para US$1, e, naquele 30 de abril, estava valendo US$3. "Eu não chamo isso de recuperação", disse ele.

Naquela época, o Citi poderia ser comprado por US$17 bilhões, e isso era menos de um terço do que o governo americano havia colocado no banco em ajuda direta. Sem falar das outras formas de ajuda, como a garantia dada ao banco, que soma US$340 bilhões. A situação melhorou mais um pouco em maio. Na última sexta-feira, a ação do Citi valia US$3,65, e o valor de mercado era US$20 bi, um terço do que deu o governo. O fato é que até agora, com todas as ferramentas inventadas pelo governo Obama para sanear os bancos, dando a impressão de estar usando de maneira diferente o dinheiro do contribuinte, ainda não foi possível separar a parte boa da parte ruim de cada instituição.

O historiador Niall Ferguson disse que o mundo está agora na fase da "terapia", depois de superada a fase do colapso nervoso que se seguiu à quebra do Lehman. Só que os remédios usados são contraditórios, porque os governos estão usando a expansão monetária que seria indicada por Milton Friedman junto com a expansão fiscal que seria receitada por John Maynard Keynes. - Não se pode ser monetarista e keynesiano ao mesmo tempo - disse Ferguson.
Nouriel Roubini discorda. Acha que sim, podem ser usadas todas essas armas e foi exatamente esse uso simultâneo de ferramentas monetária e fiscal, por tantos governos, que reduziu o risco de uma depressão como a que houve em 1929. Mesmo parecendo, por essa frase, que o famoso pessimista está mudando de lado, Roubini disse que está menos certo que seus colegas de que a economia americana vai se recuperar ainda este ano. Ele acha que, no máximo, a economia vai melhorar de -6%, que é o ritmo do primeiro trimestre de 2009, para -2%, que seria o ritmo do último trimestre do ano. Muitos economistas ainda acham que será de 2%, no positivo, portanto, o ritmo de crescimento do fim do ano. Apesar de apoiar o relaxamento monetário americano neste momento, Roubini prevê que US$9 trilhões serão acrescidos à dívida americana por causa da crise.

Paul Krugman assinalou que está havendo uma mudança histórica de comportamento das famílias americanas depois de perderem, segundo cálculos dele, US$13 trilhões em riqueza líquida. Agora, os americanos estão poupando. A taxa de poupança americana, que tradicionalmente é zero, está em 4%. E não é a China que está comprando a nova coleção de títulos do Tesouro americano lançados recentemente, mas sim as famílias americanas. O problema: essa poupança não está se transformando em investimentos porque o empresário americano não tem estímulo para investir diante da queda tão pronunciada do consumo.

George Soros acha que o mercado financeiro acabou, pelo menos como ele é conhecido atualmente.

- Ele entrou em colapso e agora está sendo mantido vivo por aparelhos - disse o antigo especulador.

Ele acredita que o impacto da crise bateu fortemente no setor real, que caiu em queda livre e de forma global.

O tamanho da dívida americano que virá como ressaca da crise começa a preocupar os economistas, os mesmos que apoiaram o aumento da expansão fiscal e monetária para evitar o pior, ou seja, a depressão. Krugman diz que no passado, após a Segunda Guerra, por exemplo, a dívida americana chegou a 100% do PIB e foi facilmente possível financiá-la. Mas ele não tem certeza de que agora será tão fácil. A crise provocará no futuro outros desequilíbrios. O que se aprende na leitura dos debates, como este, é que todas as lições sobre como evitar 1929 foram aplicadas. Naquela época, eles deixaram os bancos quebrar, 75% dos donos de imóveis deram calote em suas hipotecas, o Fed apertou a política monetária e isso levou à depressão. Mas agora, todos estão em terreno desconhecido. Evitaram o pior, mas como lidar com as consequências das decisões tomadas e toda a ressaca da crise?

Nas economias do mundo inteiro este está sendo um ano difícil, mesmo quando começam a bater nas praias as espumas de uma extraordinária recuperação das bolsas, como os 80% que o Ibovespa subiu em sete meses, desde o pior momento da crise. A Bovespa que sobe assim está no mesmo país onde a Fiesp avisa que a produção industrial no ano pode ficar em -5%. Há quem estime queda maior.

Um dos sinais vem agora na segunda-feira, quando saírem os dados da produção industrial de abril. A Tendências Consultoria prevê alta mensal de 1,3%, o que levará a uma queda anual de 14,8%. Por muito tempo, o mundo ainda fará a contabilidade das perdas e danos desta crise.

China, Bolsa Família, BC e o real

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Pacto luliano de estabilidade econômica e dependência da China anestesiam o país e dificultam mudança maior

É MAIS DIFÍCIL isolar um Banco Central de pressões políticas de origem popular em democracias pobres. Altas de juros degradam as condições de vida, o que pode suscitar protesto político. Em economias mais arrumadas, o impacto do aperto monetário pode ser menor. Menor ainda se houver um amortecedor, um colchão social.

Programas de transferências sociais de renda, muito incrementados no governo Lula, providenciaram tal colchão. Assim, de certo modo e talvez inadvertidamente, comprou-se o relativo isolamento do BC, também chamado de autonomia.

Note-se que políticas dessa natureza eram recomendações do esquecido "Consenso de Washington", o decálogo do "perfeito idiota neoliberal", diriam petistas, que hoje comem nesse prato em que cuspiam.

Há decerto mortos, feridos, queixas teóricas e a crítica da indústria, por exemplo. Mas esse caldo não engrossa "nas bases" e, assim, não induz políticos com poder de decisão ou pressão a intervir de modo significativo na ilha tecnocrática do BC. Ou no grosso da política econômica.

Este é só um aspecto do pacto de estabilidade luliano. Lula logrou ainda tanto reduzir a dívida pública (fez superávits fiscais primários suficientes) como elevar a despesa do governo, em parte destinada à compra do colchão social. A alta do gasto público, do consumo privado e até do investimento não acabou em inflação e/ou déficit externo desagradáveis ou em suspeitas a respeito da solvência externa do país devido: a) ao crescimento sino-asiático, que incrementou nossas exportações; b) à política de redução da dívida externa e/ou acumulação de reservas.

O "modo de produção asiático", digamos, com seus trabalhadores mal pagos, ainda barateou bens de consumo pelo mundo e por aqui. Juros baixos e a louca expansão do crédito mundial também ajudaram. O conjunto dessa obra (a atitude do BC "alemão" do Brasil, a alta das commodities e o capital sobrante no mundo) valorizou o real, o que significou um aumento adicional do poder de compra da população.

Então chegamos a meados de 2008, quando o BC elevava os juros devido ao excesso no gozo dessa dita bonança. Haveria então redução no crescimento, menor talvez que a hoje imposta pela crise. Como nem a recessão tem suscitado revolta, menos ainda o faria a contenção do PIB ditada pelos juros. Mas não foi possível testar a retomada do "business as usual" no Brasil, pois veio a crise.

A despiora na economia mundial, porém, criou uma situação que replica, de modo caricato, os dias finais do período de bonança de 2008, de alta especulação. Há discreta melhora na China.

Cai o medo de novo desastre financeiro (há "apetite por risco"). Há excesso de dinheiro barato (juro zero no mundo rico), mas EUA e cia. não consomem. O tsunami de dinheiro então sobrante derruba o dólar, encarece o real, infla commodities: desembestam os capitais à procura de rentabilidade.

Não se sabe se tal bolhinha vai estourar. Mas o resumo da ópera é que o Brasil segue flutuando nessas marés, anestesiado pelo pacto luliano e pela dependência da China. Mudar tal situação (e pois a "armadilha cambial") implica mudar um pacto político interno e a relação com o resto do mundo. Nada simples.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil

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(L'Oiseau de Feu)

Igor Stravinsky conducts The Firebird
Confira o vídeo

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http://www.youtube.com/watch?v=mUwdyN27TWI

Filho de um cantor da ópera imperial de São Petersburgo, aos vinte anos estudou com o compositor Rimsky-Korsakov. Em 1906, casou-se com Catherine Nossenko. Tiveram quatro filhos: Theodore, Ludmila, Soulima e Milena. Em 1910, compôs Pássaro de Fogo – o primeiro de uma série encomendada pelo Balé Russo, e obteve imediato sucesso. A partir daí, outras obras para balé lhe seriam solicitadas. Em menos de um ano, mais uma vitória. Dessa vez, com Petrushka, interpretada por Nijinsky. Mas foi com a célebre A Sagração da Primavera (1913) que seu nome entraria mesmo para a história da música universal. A apresentação da obra causou escândalo devido às dissonâncias, à assimetria e alternância de ritmos da música.

Posteriormente, A Sagração da Primavera foi conduzida no filme Fantasia.

Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial (19141918), mudou-se para a Suíça. De 1920 a 1939, Stravinski viveu na França. Na década de 1930, em menos de dois anos, perdeu a filha mais nova e a esposa, ambas vítimas de tuberculose. Pouco tempo depois, perdeu também a mãe.

Desgostoso, buscou novos ares. Com o início da Segunda Guerra Mundial, Stravinski foi morar nos Estados Unidos. Antes, casou-se com Vera Sudeikina, sua amante havia vários anos. Desembarcou no país em setembro de 1939 e tornou-se cidadão norte-americano em 1945.

Em 1963, resolveu visitar sua pátria, quase meio século depois que partiu. Foi recebido com carinho pelos fãs e homenageado pelo governo soviético.

Sua obra tem influências de canções folclóricas, primitivismo, jazz, Música classicista, bitonalidade, atonalidade e serialismo. O compositor continuou trabalhando até os oitenta anos.

sábado, 30 de maio de 2009

O PENSAMENTO DO DO DIA – Hegemonia 2 – (Gramsci)

“A consciência de fazer parte de uma determinada força hegemônica (isto é, a consciência política) é a primeira fase de uma ulterior e progressiva autoconsciência, na qual teoria e prática finalmente se unificam. Portanto, também a unidade de teoria e prática não é um dado de fato mecânico, mas um devir histórico, que tem a sua fase elementar e primitiva no sentimento de “distinção”, de “separação”, de independência quase instintiva, e progride até a aquisição real e completa de uma concepção do mundo coerente e unitária. É por isso que se deve chamar a atenção para o fato de que o desenvolvimento político do conceito de hegemonia representa, para além do progresso político-prático, um grande progresso filosófico, já que implica e supõe necessariamente uma unidade intelectual e uma ética adequada a uma concepção do real que superou o senso comum e tornou-se crítica , mesmo que dentro de limites ainda restritos.”

(Antonio Gramsci – Cadernos do Cárcere, volume 1 pags. 103-104 – Civilização Brasileira, 2006.)

''Hoje, no Brasil, só uma pessoa faz política: Lula''. Entrevista especial com Luiz Werneck Vianna

DEU NO INSTITUTO HUMANISTA UNISINO

"O movimento social foi cooptado e trazido para dentro do Estado que, a partir daí, exerce essa influência. O MST, os sindicatos, o movimento negro, estão todos dentro do aparelho do Estado. E lá eles se neutralizam", constata o pesquisador do Iuperj.

Pensando nas eleições presidenciais de 2010, o professor Luiz Werneck Vianna defende que, em função da semelhança entre os principais candidatos até então, José Serra e Dilma Rousseff, “não se discutirá política nem quais rumos seriam melhores para o país, mas sim administração”. Para ele, a sucessão de Lula, “a continuar nesta toada, neste andamento, será muito pouco emocionante e dramática, alcançando mais a continuidade do existente do que a descoberta de novos caminhos”. E completa: “O horizonte de 2010 mostra que a disputa política, de projetos alternativos, para o país não terá uma presença muito forte”.

Na entrevista, concedida por telefone à IHU On-Line, Werneck Vianna ainda identifica um claro domínio da vida partidária, política e eleitoral brasileira por dois partidos: PT e PSDB. “Embora, nenhum deles possa se intitular como o maior partido brasileiro, tanto um como o outro, para vencerem, precisam de um terceiro partido: o PMDB. O que os aproxima mais ainda”, argumenta. E, reiterando uma opinião que defende há mais tempo, o professor repete: “hoje, no Brasil, só uma pessoa faz política: o Lula. É o único que tem os condões efetivos da política nas mãos. O resto da sociedade está destituído da capacidade de fazer política real. Temos a política de um só”.

Luiz Werneck Vianna é professor pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Doutor em Sociologia, pela Universidade de São Paulo, é autor de, entre outros, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2004), A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999), Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002) e Esquerda brasileira e tradição republicana: estudos de conjuntura sobre a era FHC-Lula (Rio de Janeiro: Revan, 2006).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como o senhor vê a possibilidade de um terceiro mandato de Lula?

Werneck Vianna – Seria uma solução infeliz para os rumos da sociedade e da democracia brasileira. Não vejo o que justificaria isso do ponto de vista político, físico, econômico e social. Não vejo motivo, a não ser a manutenção do que já vem ocorrendo.

IHU On-Line – Considerando a opção entre Dilma Rousseff e um possível terceiro mandato de Lula, como fica o PT hoje?

Werneck Vianna – Ele já abdicou há algum tempo de um papel mais autônomo. Tornou-se cativo do governo, do presidente, perdeu inteiramente a capacidade de agir autonomamente. Isso se é que, alguma vez, o PT, como partido, teve condições de agir a partir de deliberação própria. Ele sempre esteve muito dependente da ação seletiva e arbitral do Lula. Precisamos considerar, aqui, uma frente de vários segmentos e de pendências, como, por exemplo, a esquerda católica, o pessoal da outra esquerda que vinha da luta armada, o sindicalismo do ABC, uma intelectualidade mais antiga (tipo Sérgio Buarque, Florestan Fernandes, Raimundo Faoro), que tinha expectativas em relação a um partido de novo tipo. O PT sempre agasalhou essas pendências, e a única pessoa capaz de mantê-las unidas em torno de um projeto comum é Lula. O PT está em uma encruzilhada muito difícil. Ele precisa se afirmar autonomamente diante da máquina do Estado, diante da sua liderança maior, ou, então, perderá as credenciais que já teve, de ser o novo e representar os movimentos sociais, o que já vem acontecendo, visto que esses estão todos dentro do Estado.

IHU On-Line – Pensando ainda nas eleições presidenciais de 2010 e no cenário constituído pela disputa entre José Serra e Dilma Rousseff, o senhor identifica diferenças do ponto de vista da política econômica entre eles ou, independente de quem vencer, tudo continuará igual?

Werneck Vianna – Dilma e Serra têm um perfil muito semelhante, de administradores públicos, de técnicos competentes. São pessoas operativas, eficientes. Os dois são testados em posições difíceis (Ministério da Saúde e da Casa Civil). Não vejo maior distância entre os candidatos, não. Ambos têm uma visão da questão nacional bem definida e são valorizadores do papel do Estado. No entanto, se os governos deles seriam parecidos em função dessas semelhanças, acho que não. Diferenças haveria. É claro que o peso de São Paulo, no caso de Serra ser o vencedor, terá muita significação. E, no caso da Dilma, ela não está encravada nos movimentos sociais. Com a Dilma, talvez se possa imaginar um papel mais desenvolto do Estado e das suas agências.

IHU On-Line – Quais são suas perspectivas de forma geral para as eleições de 2010?

Werneck Vianna – O fato é que o horizonte de 2010 mostra que a disputa política, de projetos alternativos para o país, não terá uma presença muito forte. Inclusive em razão da similitude dos dois principais candidatos até então. Não se discutirá política nem quais rumos seriam melhores para o país, mas sim administração. Essa sucessão, a continuar nesta toada, neste andamento, será muito pouco emocionante e dramática, alcançando mais a continuidade do existente do que a descoberta de novos caminhos, como, por exemplo, a sucessão de Barack Obama significou nos Estados Unidos. Estamos muito longe de uma sucessão marcada pela possibilidade da inovação, da invenção, da descoberta. Agora mesmo o PSDB reafirma o seu apoio à Bolsa Família. Em que irá mudar? Pensando ainda num tempo mais largo, nós estamos nesta política desde 1994. Com flexibilizações para lá e para cá, mas no fundo e no cerne, essa política tem uma continuidade imensa e deve continuar, olhando da perspectiva de hoje, com Serra e Dilma, por mais quatro anos. Temos um domínio da vida partidária, política e eleitoral brasileira por dois partidos: PT e PSDB. Embora nenhum deles possa se intitular como o maior partido brasileiro, tanto um como o outro, para vencerem, precisam de um terceiro partido: o PMDB. O que os aproxima mais ainda. Nesse sentido, o programa de inovação que eventualmente eles venham a ter está muito referido, muito constrangido, pelo fato de o PMDB aprovar ou desaprovar o caminho que eles quiserem assumir. Esta política toda orbita dentro do centro político, ancorada na presença majoritária do PMDB na vida partidária e parlamentar brasileira, embora esse partido não tenha representação forte nos movimentos sindicais.

IHU On-Line – Então, do ponto de vista político, Lula não trouxe novidade?

Werneck Vianna – Ele trouxe, sim. Mas as novidades não significaram uma nova estrada. Não significaram a abertura de caminhos, de sinais, de mudanças. Em primeiro lugar, na questão econômico-financeira, houve mudança? Não houve. Onde houve mudança? Na questão social, sem dúvida nenhuma. Esse governo demonstrou uma capacidade forte de atuar nessa direção. No entanto, alguns programas sociais do governo Lula foram criados no governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. Não foram descobertas, invenções novas. Houve mudança na política externa? A política externa para a América do Sul vem de antes, de José Sarney, de Itamar Franco. Fernando Henrique também deu um passo nisso. Podemos dizer que o Lula aprofundou esse caminho. Qual a grande mudança que se podia esperar de seu governo? Governar com uma crescente mobilização dos movimentos sociais na direção de realizar determinadas reformas indispensáveis para a mudança econômica, social e política do país. Entre essas reformas, estariam a Reforma Agrária e a Reforma Política, que não saíram e possivelmente não sairão, no sentido de chamar a cidadania para mais perto da esfera pública. O sujeito hoje vota e não comparece nunca mais. Era de se esperar que houvesse mudanças nessa direção. O que aconteceu foi um aumento da representação simbólica dos setores subalternos, dos movimentos sociais no governo.

IHU On-Line – O movimento social ainda tem peso no jogo de forças da política brasileira hoje?

Werneck Vianna – Tem, embora, ele não esteja ativado. O movimento social foi cooptado e trazido para dentro do Estado que, a partir daí, exerce essa influência. O MST, os sindicatos, o movimento negro, estão todos dentro do aparelho do Estado. E lá eles se neutralizam. Recuperando uma entrevista que eu dei para a IHU On-Line há algum tempo, eles têm o parlamento dentro do governo, uns têm poder de veto sobre os outros. Além disso, eles evitam ir à sociedade nas suas disputas, porque isso poderia desandar esse compromisso que existe dentro do Estado. E quem arbitra e decide tudo é o presidente. Hoje, no Brasil, só uma pessoa faz política: o Lula. É o único que tem os condões efetivos da política nas mãos. O resto da sociedade está destituído da capacidade de fazer política real. Temos a política de um só.

IHU On-Line – Como o senhor analisa a popularidade do governo Lula mesmo com a crise do capitalismo e do emprego?

Werneck Vianna – O governo tem sabido manobrar com muita lucidez e habilidade nesta crise. Tornou-se o interlocutor dos países fortes, conseguiu alguma representação dos países emergentes, tem uma posição muito boa na vocalização das grandes questões internacionais. Agora, essa é uma crise que deixará sequelas. De fato, as concepções neoliberais foram derrotadas. E sem retorno. A partir daí, deveremos ter um fortalecimento de mecanismos de regulamentação internacionais, além de uma presença da política, do direito e das instituições sociais no controle e na regulação da economia. O que não quer dizer uma volta a concepções já vividas historicamente, como o Estado-Providência, ou o mundo do estado do socialismo real. Isso tudo ficou para trás. Também não significa que, daqui para a frente, a única coisa que esteja em vista seja uma volta maquiada da ordem neoliberal. Essa ordem demonstrou sua incapacidade. A economia não tem como trazer harmonia e coordenação, por si só, aos complexos mecanismos da vida financeira mundial. Uma ordem internacional mais justa se torna uma possibilidade. Esses organismos internacionais, como a ONU, e tudo o que está perto dessa experiência, crescem em expressão. Por exemplo, essa gripe suína trouxe à cena um ator extremamente fundamental, que é a Organização Mundial da Saúde, com capacidade de induzir comportamentos em escala mundial, e, mais à frente, capacidade de induzir normas em relação à vigilância sanitária, o que já vem ocorrendo. Estamos em uma passagem de época, e, como isso ainda é embrionário, nesse nevoeiro ainda não é possível perceber inteiramente para onde se vai. Mas é claro que se vai para uma nova ordem mundial, com o exercício de uma coordenação mais efetiva sobre um mundo sistêmico. A economia não pode mais ter a pretensão de ser uma dimensão autorregulada. Ainda estamos tateando, mas em boa direção. E o que se pode dizer do Brasil, nesse contexto, é que a nossa política externa tem dominado isso e operado num sentido bastante lúcido em relação a essas questões, com um fator de paz e de harmonia na ordem internacional. O Brasil está se comportando de maneira afim, homóloga a esses processos societais de fundo, que agem como fenômenos glaciais, como mudanças de “placas tectônicas” da nossa sociedade.

IHU On-Line – No governo Lula, a balança oscila mais para o lado do trabalho ou para o lado do capital?

Werneck Vianna – Entre os dois lados, o coração de Lula balança. E ele arbitra, dependendo da natureza dos impasses e da gravidade do contexto. O governo é muito aplicado na defesa de si mesmo e procura abarcar todos os interesses. A meu ver, o que muda, de fato, com a sucessão do Lula, perante as candidaturas Serra e Dilma, é que, com eles, essa situação não poderá se reiterar. Sempre haverá perdedores. Nenhum deles têm a capacidade, que é própria do Lula, e que ele conquistou ao longo da vida, pelo seu carisma, pela sua força pessoal, de resolver arbitralmente essas questões. Com Dilma e com Serra, os perdedores e os vencedores serão mais claros. Essa será uma mudança significativa.

IHU On-Line – O senhor compartilha da opinião de que governo e sociedade seguem o mesmo modelo de desenvolvimento que privilegia o crescimento a todo custo, sem muita preocupação ambiental, mesmo diante da crise ecológica?

Werneck Vianna – Precisamos reconhecer que os ambientalistas estão presentes no governo. O fato é que a ação deles está sendo mais ponderada agora em função das necessidades de expansão das forças produtivas que esse país experimenta. Tem havido uma inflexão ao longo do governo Lula e que ficou muito mais caracterizada no segundo mandato, no sentido de uma orientação nacional desenvolvimentista, que apresenta tensões com a questão ambiental. A meu juízo, essa questão vendo sendo bem administrada. O ministro do meio ambiente é um ambientalista convicto. Não creio que ele esteja capitulando.

IHU On-Line – O modelo de desenvolvimento de Lula lembra mais Getulio Vargas ou mais JK?

Werneck Vianna – (Risos). Ele lembra ambos. Essa nova ênfase nas questões nacionais desenvolvimentistas o aproxima muito de Vargas. E, quando pensamos no PAC, ele lembra muito Juscelino. De qualquer forma, o que importa é que o PT, um partido que nasceu em clara oposição a esse passado, a Vargas, a JK, vem se aproximando cada vez mais desse inventário, o que nos remete ainda para o tema da continuidade neste outro registro. No governo Lula, o PT não se comportou como um agente da descontinuidade na política brasileira, mas sim da continuidade. O que não quer dizer que, nessa ação da continuidade, não tenha havido releituras nem transformações importantes. A principal delas tem sido o reforço e a consolidação da democracia política entre nós. E, voltando à sua primeira pergunta desta entrevista, o terceiro mandato pode ameaçar esse patrimônio do que tem sido esses dois mandatos do governo Lula, ou seja, de ter sido o reator que vem aprofundando a experiência democrática brasileira. O terceiro mandato pode significar um divisor de águas muito complicado.