terça-feira, 9 de junho de 2009

''Cada vez mais, o lance é São Paulo''

Lauro Lisboa Garcia
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2

Caetano Veloso mata a saudade da cidade, onde faz shows na sexta e no sábado

De uns tempos pra cá, durante a série de shows Obra em Progresso e até a realização do recém-lançado CD Zii e Zie, Caetano Veloso tem falado muito de São Paulo. Na sexta e no sábado, ele vem para matar a declarada saudade da cidade, com duas apresentações no Credicard Hall, ao lado da ótima Banda Cê formada por Pedro Sá (guitarra), Marcelo Callado (baixo) e Ricardo Dias Gomes (bateria). Caetano tinha intenção de fazer temporada no Studio SP, mas não foi possível.

Além das novas canções, ele reinterpreta, no formato de "transambas" ou "transrocks", clássicos do repertório de Clementina de Jesus e outros de sua autoria, como Irene, Eu Sou Neguinha? e Não Identificado. Em entrevista por e-mail ao Estado, ele fala da adaptação do show a espaços diferentes, deixa impressões sobre a cidade hoje ("Cada vez mais é em São Paulo que está o lance"). Ele também reafirma sua aversão a drogas, elogia o novo livro de Chico Buarque, Leite Derramado, fala de velhice e de Wilson Simonal.

Desde que lançou o novo álbum, Caetano parou de escrever no blog Obra em Progresso, que deu muito o que falar. Sobre as críticas ao CD, comenta nesta entrevista: "Não apareceu nada em minha cabeça nem no meu coração que me desse vontade de comentar as poucas coisas que li." Eis Caetano:

Você tinha intenção de fazer o show de lançamento de Zii e Zie em São Paulo, no Studio SP, que é um espaço com "conceito", digamos. Tem boa programação voltada para artistas novos, independentes e criativos. É pequeno, bem representativo da "cena contemporânea". O Credicard Hall, onde você vai se apresentar, é o oposto disso tudo. Sabemos que determinados artistas atraem diferentes públicos em relação aos espaços onde se apresentam por aqui. Essa transferência de lugar frustra suas intenções com esse novo trabalho?

Infelizmente não deu pra rolar no Studio SP. Tinha ficado animado quando Alê (Alexandre Youssef, um dos sócios da casa) propôs. Lugares diferentes dão resultados diferentes. Mas o show é maleável. Já o fizemos no Canecão, num teatro em Maceió, em imensos salões de clubes em Belém e Fortaleza e agora ao ar livre na Bahia (na Concha Acústica do Castro Alves). O mais intenso foi o domingo (retrasado) do Canecão. Mas acho que teatros são o melhor para esse show. Nem o Studio SP nem o Credicard Hall são teatros. Mas um teria o charme do ambiente cool e o outro pode ter a energia dos grandes espetáculos - embora o show seja simples e mesmo modesto. Em suma: adoraria fazer no SP, mas, como não sou um artista novo, independente e criativo e sim um medalhão, acho essas casas de show compatíveis com minha condição.

No último texto de seu blog, você diz que Zii e Zie fica "mais perto de São Paulo", que é o que você deseja agora. Em entrevistas anteriores você disse que tinha saudade daqui. O que o impede de passar uma temporada em São Paulo? Quais são seus interesses sobre a cidade neste momento da carreira/vida pessoal?

Meus filhos vivem e estudam no Rio. Afora isso, nada me impede de me demorar mais em Sampa como desejo. Vou fazer isso. Possivelmente no final da excursão. São Paulo sempre me interessou apaixonadamente, desde que descobri seu encanto e suas vantagens. No tropicalismo, foi crucial o encontro com os Mutantes, os poetas concretos, Rogério Duprat e as plateias mais energéticas e mais inocentes de São Paulo. Hoje em dia, a cidade é mais bonita e sua vocação cosmopolita já supera o provincianismo. Cada vez mais é em São Paulo que está o lance.

O público para música no Rio é bem diferente de São Paulo. Sempre foi, mas parece que tem sido mais. Alguns cantores/cantoras têm dito isso abertamente, até com uma ponta de insatisfação por causa do comportamento dispersivo. Zii e Zie, como Velô, passou pelo teste do público antes de ser gravado. Já que boa parte das canções de seu novo álbum é uma declaração de afeto ao Rio e ao mesmo tempo você diz que tem a ver com a saudade que sente de São Paulo, sem querer levantar qualquer questão bairrista, qual sua opinião a respeito das diferenças entre essas plateias?

A plateia carioca da zona sul é tipicamente uma plateia de corte e de capital federal: ela própria está habituada a ser estrela. O que é bonito e desafiador, além de dar lugar a sutilezas de percepção. A plateia paulistana é a de uma superprovíncia conectada ao grande mundo. Está sempre mais apta a acolher coisas novas sem filtrar muito. O Rio foi o filtro por longo tempo. Sampa começa a ser um outro tipo de filtro.

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