quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Cerco à mídia venezuelana é condenado, menos no Brasil

Janaína Figueiredo* e Bernardo Mello Franco Buenos Aires e Brasília
DEU EM O GLOBO


O ataque à TV Globovisión e o fechamento de 34 rádios na Venezuela receberam críticas de entidades como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA e a Sociedade Interamericana de Imprensa e até de governantes pró-Chávez, como o paraguaio Fernando Lugo. Já o governo Lula, por meio do assessor da Presidência Marco Aurélio Garcia, defendeu Chávez. "Se acabou (a liberdade de imprensa), deve ter sido depois que eu saí. O que ouvi em programas de TV sendo dito sobre o presidente da Venezuela não está no gibi", disse Garcia, recém-chegado da Venezuela. Sob pressão, Chávez mandou prender a líder da invasão da Globovisión, e o Congresso adiou a discussão do projeto sobre delitos na mídia.

Chávez é criticado, mas Brasil alivia

Entidades deploram ataques à liberdade de expressão, enquanto Marco Aurélio Garcia ironiza

Entidades internacionais de defesa dos direitos humanos e da liberdade de expressão fizeram ontem sérias críticas à ofensiva do governo do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e de seus partidários contra a imprensa independente do país. A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), a Associação Internacional de Radiodifusão (AIR), a Anistia Internacional e até mesmo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (CIDH) questionaram o fechamento de 34 emissoras de rádio, anunciado sexta-feira, e o ataque de partidários de Chávez ao canal de TV Globovisión, ocorrido anteontem. Numa voz dissonante, o governo brasileiro defendeu o presidente venezuelano.

A CIDH fez ontem suas mais fortes críticas ao governo Chávez. “A CIDH em reiteradas oportunidades expressou sua séria preocupação com a situação da liberdade de expressão na Venezuela”, diz a entidade. “O fechamento de 34 emissoras de rádio, a ameaça de mais fechamentos, as agressões a jornalistas e ataques a meios com linha editorial crítica, e o recente projeto de lei (de delitos midiáticos) representam graves limitações ao livre exercício da liberdade de expressão na Venezuela.” A SIP afirmou que o governo Chávez está impedindo o trabalho de meios independentes e pediu aos governos democráticos da região que se expressem sobre a situação venezuelana. “Em todos os níveis, o governo venezuelano está adotando medidas legais e judiciais para fazer desaparecer a imprensa crítica”, alertou.

Já a AIR — que representa 17 mil emissoras privadas de rádio e TV do mundo inteiro — assegurou em nota que “o regime autoritário venezuelano aumenta suas ações de hostilidade e violência contra meios livres e independentes”.

Segunda-feira, um grupo de membros do UPV, um partido chavista, rendeu com pistolas seguranças da Globovisión e atirou bombas de gás lacrimogêneo. Um segurança e uma policial ficaram feridos, e dois funcionários tiveram um princípio de asfixia. Ontem, a dirigente chavista Lina Ron, que participou do ataque, foi presa.

Chávez afirmou que ela se entregou à Justiça, dizendo que a Globovisión era um inimigo: — Ela está detida. Não há alternativa, ela violou a lei. A companheira Lina Ron prejudicou a revolução. Ela fez o jogo a favor do inimigo

Debate sobre lei de imprensa é suspenso

Até o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, manifestou sua preocupação.

— Somente a diversidade de pensamentos de esquerda, de centro ou de direita pode garantir uma democracia autêntica — declarou o presidente paraguaio, que considerou equivocada “a decisão do governo venezuelano de fechar meios de comunicação”.

Já o assessor especial do presidente Lula para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, negou ontem que a Venezuela viva um clima de intimidação à imprensa e ironizou as críticas ao comportamento do presidente Hugo Chávez em relação aos meios de comunicação.

Ao ser perguntado se a liberdade de imprensa tinha acabado na Venezuela, Garcia, que passou os últimos dias no país vizinho e se encontrou com Chávez na segunda-feira, reagiu com ironia.

— Se acabou, deve ter sido depois que eu saí.

O que eu ouvi em programas de TV sendo dito sobre o presidente da Venezuela não está no gibi, como se dizia antigamente. Então eu não seria categórico a esse respeito — disse Garcia.

O assessor de Lula evitou se manifestar sobre a ofensiva do governo venezuelano para fechar emissoras de rádio e TV que fazem oposição ao governo.

— Eu desconheço os aspectos jurídicos, as iniciativas que foram tomadas. Seria muito precipitado da minha parte, sem o conhecimento da lei de concessões, que é diferente em cada país, emitir uma opinião sobre isso — desconversou.

Por sua vez, a Assembleia Nacional da Venezuela decidiu ontem suspender a discussão sobre o projeto de lei sobre “delitos midiáticos”.

Semana passada, a deputada Rosario Pacheco, vice-presidente da Comissão de Meios do Congresso, não só antecipara o debate parlamentar como defendeu a realização de uma consulta popular sobre o projeto.

O deputado Juan José Molina, do partido opositor Podemos, assegurou que a decisão do chavismo de suspender a discussão prevista para ontem “parece ser uma estratégia para acalmar as críticas internas e externas”.

— Por enquanto o projeto não será tratado, é só o que sabemos — disse Molina.

O deputado opositor lembrou que os próprios chavistas anteciparam o debate, que finalmente foi cancelado.

O projeto prevê condenações de até quatro anos de prisão para quem cometer um delito midiático, sem criar regras claras

*Correspondente

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