segunda-feira, 3 de agosto de 2009

"Lula enfraquece o Congresso"

ENTREVISTA: Itamar Franco
Leandro Loyola, de Belo Horizonte
DEU NA REVISTA ÉPOCA

O ex-presidente afirma que o Legislativo está em crise porque Lula age como um ser “absoluto


O ex-presidente Itamar Franco não dispensa uma caneta. Itamar tem o hábito de rabiscar seus raciocínios de forma esquemática enquanto fala. Durante entrevista de mais de uma hora a ÉPOCA, Itamar preencheu meia dúzia de folhas. Nelas, estavam esquemas para entender suas críticas contundentes ao comportamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, à postura do Senado diante da crise e a atitudes do senador José Sarney (PMDB-AP). Presidente do conselho de administração do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, Itamar ingressou há menos de um mês no PPS, depois de três anos sem partido – mas diz não ser candidato a nada. “Eu estava na arquibancada e via o jogo um pouco de longe”, diz. “Resolvi ir para o banco de reservas, ver o jogo mais de perto.”

ÉPOCA – O que o senhor acha da situação do Senado hoje?

Itamar Franco – Eu acho que há um erro básico na questão: esse comportamento do Legislativo, particularmente do Senado, de recorrer ao presidente (da República). O Legislativo se diminui ao procurar o presidente para resolver suas questões. As questões do Legislativo têm de ser resolvidas internamente. Eu vou dar um exemplo: quando eu era presidente, houve a CPI do Orçamento (1993). Quando a crise estava no auge, alguns parlamentares – só me permita apenas não dizer os nomes; eu sei de todos aqueles que foram lá – foram ao presidente, que era eu, e pediram – veja só – que fechasse o Congresso.

ÉPOCA – O que o senhor disse a eles?

Itamar – Eu disse a eles o seguinte: “Eu sei que a crise é séria, os senhores que estão lá dentro sabem melhor que eu, mas, por favor, resolvam seus problemas lá. Não somos nós, que estamos aqui eventualmente no Executivo, que vamos cometer um ato de quebra do estado de Direito fechando o Congresso. O problema do Legislativo quem resolve é o Legislativo, não o Executivo”.

ÉPOCA – Qual era a intenção deles?

Itamar – Quando eles chegaram para falar comigo – não foi nem um, nem dois, nem três, foi um número razoável de pessoas, não eram apenas parlamentares –,entendiam que o Legislativo estava muito desagregado em seu aspecto democrático. E, como tal, ensejava que a opinião pública dissesse “Para que Legislativo? Para que Congresso?”. E aí a similitude (com a situação atual): você escuta muitas vezes aí o sujeito dizendo: “Para que o Senado? Para que nós vamos ter essa Casa?”. A opinião pública se situa, não numa maneira ordenada, mas ela é sensível a certos acontecimentos. Então, eu volto a dizer que houve esse erro (do Senado) em procurar o presidente da República. O presidente da República não tem nada a ver com os problemas do Legislativo. E o Senado se enfraqueceu com essa tentativa do presidente de dar cobertura ao Senado.

ÉPOCA – Foi o presidente do Senado, José Sarney, quem tomou a iniciativa de se escorar no presidente Lula, ao afirmar que era vítima de denúncias da oposição porque apoiava o presidente. Ele errou?

Itamar – Não é fácil para mim falar do presidente Sarney. Mas eu posso achar. Eu acho que – e eu não tenho nada contra o presidente Sarney, quero deixar claro – ele cometeu o erro de ser candidato (a presidente) do Senado e cometeu outro erro, de ir ao presidente da República. Um homem com a experiência dele, que conhece o Congresso – diferentemente do presidente da República –, nunca deveria ter procurado o presidente Lula. Acho que ele se enfraqueceu.

ÉPOCA – Por quê?

Itamar – Porque supostamente os Três Poderes são harmônicos, mas são independentes, como manda a Constituição e a tradição democrática. No momento em que este vai a este (risca um esquema no papel, para representar os Três Poderes), ele se enfraquece, se submete. E, quando o Legislativo fica submisso ao Executivo, é ruim para a democracia. O Executivo deveria ter rejeitado imediatamente essa tentativa do Senado. Mas o presidente da República não conhece a história do Legislativo. Se ele conhecesse bem a história do Legislativo brasileiro, veria que tem seus altos e seus baixos, mas teve e tem grandes parlamentares que, ao longo da história, defenderam o Legislativo em ocasiões muito difíceis. A história do Legislativo é rica. O presidente não conhece essa história. A única coisa que fica é: por que ele quer o enfraquecimento do Legislativo?

ÉPOCA – Por quê?

Itamar – Primeiro, o presidente foi um parlamentar obscuro. Como parlamentar, ele qualificou que lá havia 300 e tantos picaretas. Esquecendo que ele também estava lá... Se fossem 300, 300 mais um com ele? Como a pessoa não conhece a história democrática do país... O presidente Lula mudou muito seu comportamento de 2002 para cá. Ele não tem a mínima consideração pelo Legislativo. Quando o presidente tenta impedir uma CPI, como foi a CPI da Petrobras, é outra interferência indevida. No regime militar, em 1975, havia uma questão tão importante para o presidente (Ernesto) Geisel quanto a Petrobras hoje: era o acordo nuclear (do Brasil com a Alemanha). Numa proposta do então senador Paulo Brossard, criou-se uma CPI para examinar o acordo. E a CPI não foi impedida – apesar de ser um regime militar. E era igualzinho hoje: nós éramos três senadores da oposição e oito do governo. E mais ainda: se permitiu que um senador de oposição, coincidentemente eu, presidisse a CPI. Aqui, não. Com um erro que nem os militares fizeram: o presidente e o relator (da CPI da Petrobras) são do governo. Quando o presidente não respeita o Legislativo, ele interfere.

ÉPOCA – O que o presidente pode provocar ao interferir no Legislativo?

Itamar – O presidente Luiz Inácio quer desmoralizar o Legislativo perante a opinião pública. Os senadores de oposição não estão percebendo que é muito mais grave do que um bate-boca de criar ou não uma CPI, de ir ao presidente pedir cobertura para este ou aquele caso. Ao interferir no Congresso, o presidente traz de volta uma discussão que a gente havia muito tempo não tinha, de ouvir nas ruas: “Para que Congresso?”. A mesma coisa que eu ouvi na minha época. E sobretudo com a popularidade que está o presidente. E ele faz com um viés de certa esperteza. Interessa ao presidente enfraquecer o Congresso, interessa ao presidente desmoralizar o Congresso. Quando o presidente chama os senadores de “pizzaiolos”, isso é realmente muito grave. E os congressistas não estão reagindo à altura. O presidente ultrapassa os limites democráticos.

"O presidente Lula mudou muito seu comportamento de 2002 para cá. Ele acha que só ele fez alguma coisa pelo Brasil"

ÉPOCA – Como o presidente deveria usar sua popularidade?

Itamar – O presidente hoje é um homem popular. Mas hoje o presidente, diante dessa popularidade, se sente um ser absoluto. Ele acha que é insubstituível. Ele acha que só ele fez alguma coisa pelo Brasil, ninguém mais. O Brasil surgiu com ele – e é capaz de achar que vai acabar com ele. Às vezes, a gente fica pensando se não foi o presidente quem abriu os portos, e não Dom João VI. Mas ele tem a sua responsabilidade – e às vezes não se cobra essa responsabilidade. O presidente falou outro dia: “Teve gente que chegou a falar :‘Nós precisamos nos desfazer do último paquiderme brasileiro, a Petrobras’. Esse paquiderme é nosso”. Por que o presidente não dá nomes? Ele chega a ser de uma irresponsabilidade... E a oposição brasileira não cobra! Eu cobro: presidente, quem queria vender o paquiderme? Como ninguém cobra, ele solta as frases e fica por isso mesmo.

ÉPOCA – O presidente tem desapreço pelo Congresso?

Itamar – Eu acho que sim. Ele joga para enfraquecer o Congresso porque quer ser um ser messiânico.

ÉPOCA – O senhor apoiou o presidente Lula com veemência em 2002 e no início do governo...

Itamar – Muito! Eu acreditava nele.

ÉPOCA – Quando o senhor mudou de postura?

Itamar – Quando ele ficou mais soberbo.

ÉPOCA – A oposição é fraca?

Itamar – A oposição não tem um norte. Ela está sem discurso, ela ainda não encontrou um viés de dar combate a este governo. Há tempo, mas o tempo está se aproximando. O presidente já tem sua candidata, e a oposição ainda está discutindo quem vai ser. Se bem que eu acho que o PSDB já tem um candidato: o governador (de Minas Gerais) Aécio Neves já disse, com todas as letras, que é candidato. O governador (de São Paulo, José) Serra ainda fica “não sei, vou pensar...”. A candidata (do governo, a ministra Dilma Rousseff) já está correndo o país como candidata. Por mais que diga não, já é candidata.

ÉPOCA – A ministra nunca disputou uma eleição. Ela será competitiva?

Itamar – Ela (a ministra Dilma Rousseff) vai ter de tomar ainda muita poeira nos olhos. À medida que ela tomar poeira nos olhos, ela pode se transformar numa boa candidata. Agora, se ela limpar os olhos toda hora, fica um pouco complicado... Ela será uma candidata que vai dar trabalho. Ela conhece alguns problemas nacionais. A oposição vai ter de estudar para debater.

ÉPOCA – Por que o senhor não foi à solenidade do aniversário de 15 anos do Plano Real, no Senado, em maio?

Itamar – Eu fui aconselhado a não ir. Podia ter algum desavisado lá, que falasse alguma coisa. Eu teria de responder, ia perturbar a festa. Eu parei há muito tempo com o negócio sobre quem fez o Plano Real. Outro dia eu estava lendo sobre um jornalista americano que acompanhou desde o Apollo 1 até o 17 (projeto da Nasa que levou o homem à Lua). Há pouco tempo, ele estava passeando com dois netos. Aí ele mostrou a Lua para os meninos. Eles nem ligaram. Por quê? Porque eles são de uma geração mais avançada do que ir à Lua. O sujeito que tinha 15 anos quando o Plano Real foi lançado, hoje tem 30 anos. Ele está vendo a Guerra nas Estrelas, não a Lua. Por isso, é bobagem discutir quem fez o Real. Dentro do processo econômico, o Real sempre terá seu valor.

QUEM É

Mineiro de Juiz de Fora, engenheiro, 79 anos, divorciado, tem duas filhas

O QUE FEZ

Foi prefeito, governador de Minas Gerais, senador, embaixador e presidente da República entre 1992 e 1995

O QUE FAZ

Filiado ao PPS, é presidente do conselho de administração do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais

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