quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O hino e os amigos

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - Duas frases ditas anteontem definem à perfeição por que o debate público no Brasil é em geral indigente e por que o serviço público é em geral tão pobre.

Frase 1, do novo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, ao aludir à sua fidelidade canina a Luiz Inácio Lula da Silva: "Parecia jogo de futebol em que as torcidas [os lulistas] ficam se digladiando, mas, quando toca o hino, todo mundo canta uma música só".

É o que acontece, com raras exceções, no debate público: os lulo-petistas e a oposição não se comportam, com raras exceções, como animais pensantes, mas como rebanho. Os hoje governistas, antes oposicionistas, põem a mão no peito e cantam o hino lulo-petista, sem discutir se a execução é boa, ruim ou péssima, se a letra é a mais adequada ou não.

Aplaudem sempre, incondicionalmente.

Já a oposição vaia sempre, como se estivesse tocando o hino da Argentina. Inteligência que é bom vira vaga-lume nesse comportamento de manada: pisca aqui e ali, mas logo se apaga.

Frase 2, do presidente Lula, ao rebater críticas à nomeação de apaniguados de partidos, "como se algum partido que ganhou a eleição empregasse todos os inimigos e deixasse os amigos de fora".

O segredo da boa governança, versão Lula, é não deixar os amigos de fora. Se os amigos são competentes ou não, se são corruptos ou não, se usam os cargos para proveito político ou pessoal, é indiferente.

Importante é não deixar os amigos ao sereno. Como todos os partidos procedem da mesma maneira, o serviço público deixa de ser público para se transformar em uma ação entre amigos. Como consequência inexorável, a prioridade é atender os amigos, não o público.

Se houve, em algum momento, a noção de coisa pública desapareceu do Brasil. Há apenas o hino e os amigos que cantam.

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