quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Risco nacional

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


A ministra Dilma Rousseff tem razão: nacionalista não é xingamento. O sentimento de amor à pátria é bom. Mas há perigos sobre os quais a ministra não falou: o da manipulação e uso político do nacionalismo; a apropriação pelo governo do sentimento de pátria como se pertencesse a um grupo político. Foi isso que se viu no lançamento do présal e no modelo de exploração.

O histriônico discurso da nova independência do Brasil, as criticas à oposição e o palanque para a sua candidata mostraram que o presidente Lula, já no lançamento do projeto, confundiu pátria e governo.

A modelagem tem um defeito de fabricação que vem exatamente dessa manipulação do sentimento nacional em favor de uma empresa de capital aberto que tem sócios privados. A Petrobras não é o Brasil. É a maior empresa brasileira, mas não pertence a todos os brasileiros.

Tem menos de um milhão de acionistas privados — num país de 190 milhões de habitantes — e os acionistas é que serão beneficiados de forma ilegítima pelo modelo escolhido.

No sistema de partilha, a Petrobras vai receber até cinco bilhões de barris de óleo equivalente sem ter o trabalho de entrar em uma licitação.

Por ter 30% em todas as áreas de exploração ela já entra como a operadora, com poder decisório.

O Brasil não é o grupo político que hoje está no poder. Vantagens concedidas a uma empresa não são transferências de riqueza ao povo. O poder dado a uma empresa de capital misto não é defesa de soberania nacional. O governo faz confusão deliberada.

Essa mistura é explosiva, perigosa, conhecida.

O modelo escolhido para o pré-sal tem outras distorções evidentes. O governo diz que explorar o petróleo em profundezas inéditas é uma atividade sem risco e por isso cria dificuldades, ônus, obrigatoriedades para as empresas participantes.

Se fosse sem risco não teria acontecido o que aconteceu em Tupi, para começo de conversa. A produção diária foi metade da esperada e os testes tiveram que ser suspensos porque o equipamento teve problemas de corrosão ao enfrentar a pressão do fundo do mar. O primeiro fato é normal, o segundo é preocupante, segundo os técnicos.

O governo já discute o gasto do dinheiro de um petróleo que ainda não se sabe como retirar e comemora o petróleo como redenção nacional perpétua numa época em que o mundo está às vésperas de um imposto sobre combustíveis fósseis.

O investidor que vier terá que aceitar as seguintes condições: ser sócio da Petrobras queira ou não, em qualquer área. Ver esse sócio ter o privilégio de receber 30% do negócio. Ter no comando do empreendimento integrantes de uma outra estatal com poder de veto. E isso, se ganhar uma licitação na qual vencerá quem der mais petróleo para o governo. Petróleo que, depois, será entregue à Petrobras. O sócio privado terá o direito de entrar com o dinheiro de investimento, correr riscos, e conviver com uma participação estatal completamente excessiva.

Para ficar mais claro, os consórcios serão formados pela Petrobras, pela PetroSal (ou Petroqualquercoisa) e pelas empresas que ganharem a licitação. O consórcio será administrado pelo comitê operacional, no qual a Petro-Sal terá metade dos integrantes, o presidente, o poder de veto e de voto de qualidade. Portanto, o burocrata da empresa a ser criada que decidirá como, quando e onde furar.

O sistema escolhido pelo governo é estatizante. Isso não tem nada a ver com nacionalismo. Transfere recursos públicos para sócios privados. Isso também não tem nada a ver com nacionalismo.

Cria uma burocracia com poderes excessivos e ingerência em decisões empresariais.

Isso é qualquer coisa menos nacionalismo.

Quando o monopólio foi retirado da Constituição há 14 anos, o governo estabeleceu um modelo que deu certo. Trouxe 50 empresas estrangeiras para o Brasil que investiram bilhões, escolheram em sua maioria — mas não por imposição — a sociedade com a Petrobras, e ajudaram a ampliar as reservas brasileiras. Na época, a Petrobras pediu mais tempo do que os três anos que teve para escolher as áreas nas quais tinha feito investimento.

Recebeu esse prazo a mais e foi assim que chegou às reservas do pré-sal.

A oposição, que governava naquela época, continua demonstrando os sinais agudos de amnésia. Não sabe o que fez, por que fez e o que defende como melhor caminho para o Brasil. O presidente Lula disse que o “companheiro” Serra defende o modelo. E Serra parece ter gostado mesmo porque esteve no lançamento-palanque e nada contestou, exceto a divisão federativa dos impostos. Entre as emendas que o PSDB apresentou está a de distribuir ações preferenciais para as famílias do Bolsa Família. E os pobres que não estão no programa? Ou a oposição já se esqueceu também dos conhecidos problemas do cadastro do Bolsa Família? O Brasil está na seguinte situação: tem uma oposição que não faz oposição e um governo que manipula o sentimento nacionalista da população para ter dividendos eleitorais. Aí é que está o perigo. Não no nacionalismo, mas no uso que se faz dele.

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