terça-feira, 24 de novembro de 2009

Esquerda italiana pede extradição de Battisti

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Deputado Piero Fassino, ex-ministro da Justiça, afirma que "a esquerda no Brasil não tem informação e visão exata" do caso

Fassino diz que terrorista não foi condenado por suas ideias, mas "por assassinato", e critica argumento de Tarso Genro para aprovar o refúgio

Luciana Coelho
De Genebra

Ex-ministro da Justiça e hoje à frente da principal legenda de esquerda da Itália, o Partido Democrático, o deputado Piero Fassino espera "coerência" do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao decidir sobre o futuro do terrorista Cesare Battisti.

E "coerência", afirma o deputado, é seguir o voto do STF (Supremo Tribunal Federal) na última quarta-feira e aprovar a extradição do italiano.

Para esse ex-militante do Partido Comunista italiano, a parcela da esquerda brasileira que vê Battisti como refugiado político interpreta mal os fatos: "Creio que a esquerda no Brasil não tenha uma informação e uma visão exata", afirmou Fassino de Roma durante conversa telefônica com a Folha.

O deputado de 60 anos, membro da comissão de Relações Exteriores da Câmara, não quis comentar de antemão a possibilidade de Lula vetar a extradição amparado por uma justificativa jurídica -delicada, a decisão pode sair só em 2010.

Mas reiterou diversas vezes durante a conversa na sexta-feira que "Battisti não é um homem perseguido por suas ideias políticas". "A Itália é um país democrático, onde todas as ideias são legítimas, de esquerda, de direita. Ele não foi condenado por suas ideias, foi condenado por assassinato."

Prisão perpétua

Battisti foi condenado à prisão perpétua na Itália em 1988 por envolvimento na morte de quatro pessoas durante os chamados "anos de chumbo" no país, na década anterior, quando militou no PAC (Proletários Armados pelo Comunismo).

O veredicto só veio após os testemunhos de outros membros do grupo radical terem ligado seu nome aos crimes.

Mas o italiano nega envolvimento e afirma não ter tido o direito de se defender (ele foi julgado "in absentia").

Foragido primeiro na França e, desde 2004, no Brasil, Battisti alega ser um perseguido político. Embora esteja preso desde 2007 no país por forjar seus documentos, ganhou no início deste ano status de refugiado por determinação do ministro Tarso Genro (Justiça) -depois revogado pelo STF.

"O ato do Supremo brasileiro é um ato justo, que reconhece que o processo na Itália foi regular e que Battisti foi condenado não por um ato político, mas por um crime gravíssimo", afirma Fassino, que lembra ter pedido "todos os dias" à França, em vão, pela extradição.

"Eles avaliaram de outra maneira, e, creio eu, erraram."

Consenso

A decisão de Paris e depois a de Tarso Genro parecem ter mexido com os brios italianos.A frase do líder do PD sobre a chancela ao veredicto da Justiça na Itália ecoa declarações de ministros em Roma a jornais locais e o que a Folha tem ouvido nos últimos dias de representantes do governo, da oposição e também do promotor que obteve a condenação do terrorista, Armando Spataro.

"A ideologia política de Battisti e de quem ele assassinou não justificam o assassinato, isso é claro", afirma Fassino. "Este ato do STF foi um ato de justiça que vai acabar com algumas especulações."

Tamanha afinação entre governo e oposição como se vê no caso Battisti -o deputado fala em "consenso total"- é raríssima na Itália, um país marcado por uma política extremamente polarizada e no qual a própria esquerda é fragmentada.

Mas os discursos dos últimos dias saíram em coro, a ponto de Lula, quando passou pelo país na semana passada, ter ouvido os mesmos pedidos do premiê Silvio Berlusconi, de direita, e do ex-premiê Massimo D"Alema, um socialista e colega de longa data do presidente.

As gestões de Roma, que incluem um enviado especial a Brasília, têm sido constantes.

Fassino conta que ele também reitera frequentemente os pedidos ao presidente brasileiro, a quem chama de amigo. "Já o encontrei mil vezes. Em todos esses anos, e muitas vezes em cada ocasião, pedimos uma decisão clara e correta."

Decepção

A opção do Supremo de passar ao presidente Lula a palavra final e desobrigar-se do ônus político esfriou parte do entusiasmo com que os italianos receberam o primeiro voto, pela extradição, e o substituiu por cautela e novas pressões.

"Cada vez [que conversamos] Lula declarou estar esperando a decisão da corte. Agora eu espero que tome uma decisão coerente", diz o deputado.

Mas para Fassino, apesar da proeminência adquirida pelo caso, ele é um problema "de Justiça", não político. "Não se pode permitir que um homem que matou outro se considere um perseguido político quando na verdade é um assassino."

O líder esquerdista também minimiza a justificativa de Tarso Genro para o refúgio, embora repita que "qualquer um pode verificar que na Itália há liberdade ideológica".

"[As declarações] não são um problema italiano, são um problema brasileiro. Não devemos prejulgar cada palavra de um ministro", diz ele. "Só queremos que Battisti esteja aqui para cumprir sua pena."

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