sábado, 26 de dezembro de 2009

Bruno Gravagnuolo ::Norberto Bobbio, L'Unità e o PCI

DEU NO GRAMSCI E O BRASIL

Tradução: Josimar Teixeira

Bobbio e L’Unità. Bobbio e o PCI. Ligação dupla e inevitável, que é parte da história da Itália. E que reapresentamos ao leitor neste especial on-line que inclui os escritos do filósofo no nosso jornal entre 1982 e 2004, pouco antes da sua morte. É verdade, aquela relação começa já no pós-guerra e se prolonga nos anos em que não havia mais o PCI, e o nosso cotidiano não era mais órgão de partido. E, no entanto, tomar 1982 como data inicial tem o valor de uma recapitulação madura e consolidada de uma atitude jamais abandonada por Bobbio em relação ao comunismo e ao pós-comunismo italiano.

A saber: uma estratégia de atenção maiêutica. Dirigida a uma força emancipadora de massa, o PCI, por Bobbio considerada crucial para a Itália moderna. Estratégia que penetra fundo e é “escutada” por aquele PCI. Até resultar num ingrediente essencial da futura reviravolta PCI-PDS de 1989, bem como eixo básico da tentativa de imprimir identidade a tudo o que se seguiria a 1989 (que, afinal, se tenha tornado um “eixo” é um outro discurso).

O que significa “maiêutica”? Nada além de tenacidade socrática, por parte de Norberto Bobbio. Tenacidade ativa em torno de pontos chave a serem estimulados na identidade comunista, tal como amadurecia ao longo de todo o pós-guerra. A democracia, antes de mais nada, e a relação política e cultura. E mais ainda: a relação com o marxismo, com o direito. E com a paz, para Bobbio valor irrenunciável e não “estrábico”, que não deve ser confundido com os alinhamentos ideológicos de campo, mas sim medido com o realismo das condições dadas. Um realismo que, às vezes, fazia Bobbio desesperar quanto à possibilidade de brandir, “sem poréns e incondicionalmente”, aquele valor, no entanto, segundo ele, absoluto e não dedutível, a não ser por um ato de fé ou de “ética da intenção”.

Recapitulemos, então. De um lado, Norberto Bobbio, filósofo do direito turinense, que passa do juspositivismo de Hans Kelsen para uma visão funcionalista e de esquerda do direito, insatisfeita com o puro formalismo burguês, que não levava em conta o Estado social e seus direitos expansivos.
Do outro, o PCI de Togliatti, que chega à democracia progressiva, gradualista, equilibrando-se entre os dois blocos e esperançoso quanto à distensão geopolítica (mas sempre com o baluarte soviético na retaguarda). O desafio de Bobbio sempre reiterado — mesmo nos escritos dos anos 1980, que reapresentamos — consiste nisso: a democracia levada a sério. Com todos os fatos anexos e conexos. E democracia levada a sério contra visões formalistas e censitárias dos direitos. E contra visões totalitárias e finalistas da emancipação, inclusive a comunista.
Aos comunistas italianos Bobbio perguntaria continuamente: que ideia vocês têm de Estado? Das liberdades? Do pluralismo? Do conflito? Da cultura? E que ideia vocês têm da mudança e da paz?

As respostas não faltaram da parte comunista. Especialmente numa célebre disputa em Politica e cultura do início dos anos 1950, depois retomada com as réplicas de Bobbio num volume da Ed. Einaudi. E as respostas eram mais ou menos “tranquilizadoras”. Isto é: a cultura é um campo hegemônico de interesses em luta, autonomamente transferidos para formações ideais e de pensamento. Por isso, segundo Togliatti e Della Volpe, máxima liberdade para todos, mas primado do impulso libertador e emancipador encarnado pela classe operária e pelos seus “intelectuais progressistas”. Nos termos de um marxismo gramsciano, e não mecânico ou grosseiro.

Não, replicava Bobbio: a cultura é autônoma. É uma função universal do intelecto, que se conjuga com os interesses e também com eles se mistura. Tal como a ciência empírica, cuja liberdade não subjugada (pelo menos idealmente) reproduz, a seu modo e com seus métodos. Mesmo discurso em Bobbio para a democracia: campo de conflitos, certamente, para o filósofo. Mas campo perene e não superável por plebiscitos, consenso populista ou filosofias da história que extingam a representação e as suas “regras”.

No fundo, era esta, desde os anos 50 a ideia da democracia como “valor universal” assumida por Berlinguer vinte anos depois. Deste modo, para Bobbio, a democracia, assim como o direito eram técnicas não superáveis de exercício da soberania popular, em sintonia com as garantias para as minorias. E com a possibilidade, sempre dada para estas, de se tornarem maioria. Na prática, era o conceito de “alternativa” como mecanismo de troca e modo de funcionamento da democracia (que fosse bipolar ou majoritária pura e simples é um outro discurso, que Bobbio não abordava).

Portanto, concordância e discordância entre Bobbio e o PCI, mas em todo caso sintonia, muito bem documentada na antologia on-line que propomos. Por quê? Já o mencionamos. À medida que os anos passam, o PCI aproxima-se de ideias cada vez mais afins às de Bobbio, até o ponto de assumi-las como suas.

Certamente, o Bobbio dos anos 80 não compartilha o compromisso histórico e, precisamente, defende uma alternativa reformista de esquerda, na trilha do liberal-socialismo (do qual, no início, pensou encontrar um líder em Craxi, para depois mudar de opinião). E mais: Bobbio é contra a “terceira via” de Berlinguer, contra o eurocomunismo. De fato, acredita na social-democracia. Mas avançada. E baseada nos direitos sociais. Até mesmo com momentos de democracia direta na sociedade civil (mas com o primado do Parlamento).

Todavia, o aguilhão não se detém, incomoda e força os comunistas a acertarem suas contas com tudo isso. Restariam muitas outras coisas por dizer. A paz, a Hungria, a “guerra justa”, ponto este sobre o qual Bobbio foi capaz de autocrítica (não justa, mas “justificada”, corrigiu-se). E restaria falar do juízo final de Bobbio sobre o comunismo implodido: uma utopia falida, mas por trás dela exigências e necessidades atuais. Por fim, as polêmicas que amarguraram o último Bobbio. A descoberta midiática das suas fraquezas em relação ao regime fascista, que, como estudioso, não combateu e até tentou “apaziguar”, quando, em 1935, terminou na sua mira (com os azionisti de Turim).

Página amarga, que o filósofo enfrentou com honra e dignidade, sem fingimentos e com extrema crueldade autocrítica. Encontram-se passagens no “especial” de 19/01/2004, que então dedicamos à lição de Bobbio (“Bobbio explicado por Bobbio”). Ali, mais uma vez em L’Unità, está tudo o que Bobbio disse e pensou sobre “política e cultura”.

Leiam-no, imprimam-no e conservem-no. Servir-lhes-á em tempos de pensamentos débeis, vira-casaca, e poderosos “fortes”.

Que gostariam de destruir tudo aquilo que Bobbio, “companheiro” e mestre, quis e pensou para a Itália.

Fonte: L'Unità & Gramsci e o Brasil

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