quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Rosângela Bittar :: Mudança em continuidade

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Num eventual governo Dilma Rousseff, é quase certo que será retomada a chamada agenda perdida do início do governo Lula, preparada pelo economista Marcos Lisboa no Ministério da Fazenda, à época de Antonio Palocci. Do conjunto de ideias ali reunidas, destacam-se, na atual reflexão que o governo faz sobre o futuro próximo, a ampliação dos mecanismos de garantia de crédito, o barateamento do mercado de seguros, o alargamento do acesso ao sistema bancário - levando os juros a patamares bem baixos para o pequeno tomador. "A questão microeconômica é a partir de agora a mais importante, a macroeconômica tem que ser cada vez mais um pano de fundo", afirma um ministro que participa das discussões.

A ministra Dilma Rousseff, candidata do PT à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, declarou ao Valor, em entrevista há 20 dias sobre a organização de sua campanha e programa de governo, que dará continuidade aos programas até agora executados mas buscará aprofundá-los. Na ampliação do crédito, por exemplo, um dos programas estelares desta administração que passariam a constar da nova agenda, avançar seria criar mecanismos capazes de melhorar a capacidade de as empresas oferecerem garantias. "Precisamos ter um ambiente microeconômico facilitador de negócios", afirma o ministro consultado.

O acesso barato à Internet, o investimento forte em infraestrutura urbana e a tenaz decisão de ampliar o serviço público são caminhos de um mesmo plano para manter o país em movimento a partir de 2010, caso Dilma seja eleita.

Tanto o presidente Lula quanto o grupo que faz prospecções para um eventual governo Dilma reconhecem que há um gargalo na administração pública atual: a elaboração de projetos de qualidade.

Mesmo com a destinação de R$ 1 bilhão no PAC para a formulação de projetos, avaliações de hoje mostram que passaram-se dois anos sem que o governo tivesse projeto consistente a financiar.

Este diagnóstico levou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, a submeter à aprovação do presidente Lula e conseguir aprovação para a criação de uma unidade para gerência de produção de projetos, com sede no Ministério do Planejamento.

Elaborar os projetos, todos, dentro do governo, não é possível, seriam necessários pelo menos mil engenheiros trabalhando de forma continuada, e bem pagos, para realizar a tarefa.

Ao longo de 2010, no entanto, poderá ser montado um serviço de gerência com o objetivo de coordenar isto, seja por intermédio da Secretaria de Planejamento e Investimento seja como uma unidade autônoma.

O governo pretende fazer licitação para a escolha de uma empresa a ser encarregada da execução e quer acompanhar o trabalho de perto.

Muitas das dificuldades que o Executivo enfrenta no Tribunal de Contas da União, segundo o diagnóstico feito pelo governo, derivam de projetos mal feitos. A criação do sistema será em 2010, mas seu funcionamento pleno só ocorrerá no próximo governo.

Universalização do serviço público, investimentos maciços, principalmente se funcionar bem a unidade de montagem de projetos, estão no topo das prioridades do projeto de governo em fase de discussão por grupo ligado a Dilma. "Não vai haver reviravolta na economia, nenhum cavalo de pau", diz um integrante desse staff mais próximo à ministra-chefe da Casa Civil e candidata, "mas vai ter diferença". Inclusive na economia que, nesta discussão, não tem um desenho imutável.

Isto significa que, em linhas gerais, vai-se procurar manter a inflação sob controle e fazer um superavit primário justo mas, num governo Dilma, haveria plenas condições de levar o juro real a 3%, baixar a menos de 30% a relação dívida/PIB e manter a inflação em 3% ao ano, além de buscar taxas de crescimento entre 5 e 6%, é o que prevê o grupo de estudos.

A diferença, ainda, poderia ser produzida pelo peso a ser dado aos diferentes fundamentos econômicos. Como define um dos principais formuladores do futuro governo na eventualidade de vitória da ministra Dilma Rousseff: " Nenhum governo é igual ao outro, o segundo governo Lula é diferente do primeiro, o (Henrique) Meirelles do segundo mandato é diferente do primeiro, os fundamentos vão se manter mas o seu peso será diferente porque a economia estará diferente. O governo da Dilma será diferente, indo no mesmo rumo".

O raciocínio que orienta esta definição considera, como se ouve neste grupo, que Dilma "não será pau mandado", no sentido de que não será "marionete" ou "ventríloquo" de idéias alheias. Quando tiver posições diferentes das do atual governo, vai manifestá-las e dar as guinadas em seu programa.

"Nenhum governo é continuidade do outro no sentido de ser absolutamente igual, nenhum governo é continuidade nem de si mesmo", assinala um ministro com gabinete na Presidência.

"Se olharmos o segundo governo Lula, muito do que foi feito no primeiro mandato está tendo continuidade, muita coisa mudou. E mudou porque as circunstâncias são outras, o governo é outro, amadureceu, não tem mais certas contradições de início, aprendeu com a primeira experiência", diz o interlocutor da ministra e do presidente.

É neste sentido que se prepara um governo de continuidade, com diferenças. Não há dúvidas, entre os que participam destas conversas iniciais, que o governo Dilma será diferente do governo Lula, "indo no mesmo caminho, na mesma direção".

Coadjuvante

Uma das apostas mais frequentes nessas conversas do grupo mais próximo à candidata Dilma sobre os cenários possíveis para uma definição de prioridades é a redução da importância do Banco Central. Com estabilidade econômica, o BC, nessas atuais conjecturas dos formuladores das futuras políticas, ganha papel de coadjuvante.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

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