terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Dura caminhada

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


WASHINGTON. Há na política americana uma definição clássica: o poder de um novo presidente é tão grande quanto efêmero, e compete ao novo ocupante da Casa Branca tentar fazer com que o fim do encanto e o início das cobranças comecem o mais tarde possível. O caso de Barack Obama, que assume hoje a Presidência dos Estados Unidos num raro momento de esperança tão profunda quanto a crise econômica que assola o país, mesmo sendo a eleição mais importante simbolicamente desde a de John Kennedy, um católico na terra de protestantes, é diferente apenas na intensidade. Embora não queira, ser o primeiro presidente negro dos Estados Unidos é um fato simbolicamente relevante, e politicamente tão forte que pode adiar o fim da lua-de-mel, mas nunca impedi-lo.

A própria comemoração do dia de Martin Luther King na véspera da posse, e o megashow no Memorial de Lincoln no domingo, trouxeram a Washington as lembranças da luta pelos direitos civis, que está sendo coroada com a posse de Obama hoje.

Mas, embora ajude, o simbolismo não é uma solução. Sabendo disso, Obama busca na união nacional o ponto de apoio para essa travessia, que ele já anuncia longa e dolorosa.

O extraordinário apoio popular que continua apresentando nas pesquisas de opinião, beirando os 80%, ajuda a dar a partida de um mandato que terá muitas dificuldades pela frente, mas prenuncia uma provável reversão de expectativas na primeira metade de seu mandato, quando possivelmente a situação econômica não estará resolvida.

As eleições de 2010 definirão se a maioria continuará a favor dos democratas, ou se a frustração fará com que os republicanos recuperem um lugar de destaque na política americana, poder político erodido pela herança da era Bush.

Por isso seu discurso de posse tem como tema central a busca de uma nova era de solidariedade nacional, com o governo e a sociedade assumindo suas responsabilidades na tarefa de reerguer o país.

Tarefa que se apresenta tão árdua que Obama não pretende perder tempo com picuinhas partidárias. Ao participar ontem de um jantar que o seu adversário eleitoral John McCain ofereceu aqui em Washington, pode ter deixado irritados seus parceiros mais radicais, mas paga o tributo à busca de apoio suprapartidário para superar os primeiros dois anos críticos de governo.

Um de seus ídolos, invocado a todo instante nesse momento em que o simbolismo voltou a ganhar mais força política do que as medidas concretas, que só surtirão efeito a longo prazo, Roosevelt, uma vez, referindo-se ao republicanos, disse que "saudava os que o odiavam", pois ele estava ao lado do povo, enquanto seus adversários defendiam os interesses que haviam levado o país à bancarrota.

Obama, ao contrário, quer ser amado por todos, e já mandou diversos recados de que não promoverá uma caça às bruxas, muito menos aceitará as pressões dos liberais para fazer um julgamento dos eventuais crimes contra a humanidade praticados pelo governo Bush no combate ao terrorismo.

Embora não perca a oportunidade para reafirmar que a prática de tortura nos interrogatórios não será permitida em seu governo, mesmo a pretexto de combater o terrorismo, Obama, em vez de perseguir, quer o apoio dos republicanos para sua política econômica e social, convencido de que somente uma grande união nacional tirará o país da atual situação.

Obama conta com a compreensão de seus militantes para as concessões que está fazendo à direita política, mesmo às que parecem desnecessárias e extravagantes como o convite para que o reacionário pastor evangélico Rick Warren faça a prece oficial da posse.

Warren é um ativista antigay, que compara o homossexualismo ao incesto e à pedofilia e foi uma das forças que reverteu em novembro, na Califórnia, a aprovação para casamentos gays.

Mas, para se contrapor às pressões conservadoras, uma série de movimentos da sociedade civil liberal, englobadas sob a denominação genérica de Alliance for Justice, já se prepara para pressionar a Casa Branca, na convicção de que a futura administração Obama não avançará sem o apoio da sociedade.

A maior das organizações, a Move On, que reúne cerca de 5 milhões de ativistas e começou como um movimento contra a guerra do Iraque, já tem um amplo e diversificado pacote de reivindicações: universalização do serviço de saúde, criação de empregos, economia verde, medidas para controlar a mudança climática e o fim da guerra do Iraque.

Pelo momento, o clima em Washington é de festa - nunca houve tantos bailes pela cidade em vésperas de posse presidencial - e não há um espírito de revanche no ar. O máximo que se pode ver é, em frente à sede do Partido Republicano, eleitores democratas cavalgarem alegremente o elefante, símbolo do partido, para uma foto histórica da vitória sobre os tradicionais adversários.

O policiamento é enorme, como não poderia deixar de ser, mas não há tensão aparente. Os próprios policiais e soldados do Exército, engajados na missão, tratam de se fotografar entre si para depois poder mostrar que também participaram desse momento histórico.

Tudo está preparado para coroar com festa e esperança renovada a campanha épica do primeiro presidente negro em direção à Casa Branca. Só Obama, consciente das dificuldades que terá pela frente, trata de alertar para a dura caminhada que começa hoje.

Crise e vitória

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


O momento é de festa, mas a crise não dá uma trégua. O presidente Barack Obama, que assume hoje, representa, ao mesmo tempo, a saga de um povo e uma trajetória inesperada. Estados Unidos e Europa vivem uma nova etapa da crise bancária e, no Brasil, a crise mostrou a feia cara do desemprego. O mundo oscila entre a alegria de um novo governo americano e a aflição da velha crise.

Os sentimentos são polares. A viagem consagradora de trem, o show no Lincoln Memorial, a festa de três dias no reino, tudo transborda a alegria por um presidente que chega com a maior aprovação inicial da moderna história americana. Mas a crise sacudiu ontem, de novo, os mercados mundiais. As bolsas caíram aqui e na Europa. Ações de bancos despencaram, mostrando que continua havendo uma enorme desconfiança sobre a solidez do sistema bancário nos países mais ricos do planeta. Nos Estados Unidos, era feriado de Martin Luther King, as bolsas não abriram.

A crise promete ser longa, mas este é um tempo de festa. Nesta dualidade se vive. O jornal "Washington Post" fez uma lista dos ineditismos que o novo presidente representa só em sua história pessoal, sem contar a cor: Obama é o primeiro presidente que tem pai estrangeiro, o primeiro que é filho de pai e mãe com doutorado. Ele é o primeiro que cresceu no 50º estado, o Havaí. O único que aprendeu a se comunicar na língua da Indonésia. O único que tem irmãos na África, e uma irmã na Ásia. "A biografia da sua família, a sociologia da cor da sua pele e a geografia da sua ascensão política, esses três painéis da sua história se combinaram para fazer o final de tudo mais vívido e implausível", disse o jornal.

A próxima parada do trem que o levou a Washington - numa citação explícita de outro herói da unificação americana, Abraham Lincoln - é a Casa Branca. Parece impossível que a caminhada, iniciada em 1º de dezembro de 1955, em Montgomery, Alabama, tenha chegado tão longe. A história todos sabem, mas lembrá-la faz bem à alma. Naquele dia, Rosa Parks reagiu à ordem de ceder o lugar no ônibus a um branco e foi presa por isso. Os negros boicotaram os ônibus e andaram a pé por um ano inteiro. Contra todas as pressões e ameaças, apesar da prisão dos líderes, o movimento negro insistiu na sua forma pacífica de luta até a vitória na Suprema Corte, em 21 de dezembro de 1956. Sob chuva, sob sol, os negros andaram, liderados pelo jovem pastor, Martin Luther King.

O discurso de Barack Obama, domingo, no Lincoln Memorial, no mesmo lugar de onde o líder negro falou de seu sonho de união nacional por sobre as diferenças raciais, era uma citação explícita. Impossível não lembrar da marcha de Washington, que conquistou a lei dos direitos civis. Há muita história por trás desse momento; história pessoal e coletiva. De heroísmo e dor, e conquista. Por isso, nunca houve uma posse como essa.

No extremo oposto, a crise se aprofundou entre eleição e posse, como ocorreu em 1933, com Franklin Delano Roosevelt. Mas naquela época, a crise, que havia começado em 1929, já tinha feito todo o estrago possível, permitindo que logo começasse a dinâmica da recuperação. Agora, ainda se vive o olho do furacão. Bastou chegar a temporada dos balanços bancários, que as ações dos bancos despencaram, a onda de insegurança recomeçou, e os governos foram convocados, em Washington e Londres, a socorrer, com o dinheiro do contribuinte, as cambaleantes instituições financeiras. Ainda se vive o começo da crise.

E no mundo globalizado, a crise faz vítimas em todo lugar. No Brasil, ontem foi o dia de lembrar isso da forma dolorosa. O Ministério do Trabalho anunciou que desapareceram, apenas em dezembro, 655 mil empregos formais. Uma devastação. Os juros vão cair esta semana, na reunião do Copom que começa hoje. Vão cair não por pressão política, não por choro dos empresários, nem mesmo por pedido de banqueiros. Vão cair porque há razões técnicas que permitem isso. A queda não afastará o fantasma do desemprego da economia brasileira. O curioso é que esta semana sairá a taxa de desemprego medida pelo IBGE. A PME não deve mostrar sinais de aumento de desemprego. São estatísticas diferentes, mas o melhor é ficar com o alerta de que empregos estão sumindo num mercado de trabalho que já era insuficiente.

Assim é o dia 20 de janeiro de 2009. De euforia e luto; de vitória e comemoração. Os bancos tremem, a crise se aprofunda e se espalha, o desemprego cresce. E pela primeira vez uma família negra, num país que escravizou e segregou, vai ocupar a Casa Branca. Obama chega lá no estuário de um memorável movimento de luta por direitos dos negros americanos, e com uma biografia espantosamente diferente. Até seu nome o torna a pessoa improvável para o destino que se cumpre hoje: é, ao mesmo tempo, Hussein e Obama. Se algum ficcionista criasse um romance assim, a história seria desprezada por implausível.

A crise é real e de viés. Barack Obama terá de enfrentá-la desde o primeiro momento, com a garra de quem fez o impossível.

Obama, trégua e desconfiança

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Um dos traços marcantes dos judeus, mundo afora, é o brilhantismo em campos variados, de arte a economia, de joalheria a agricultura. Isso se traduziu num "produto de exportação" de Israel: as áreas militar e de inteligência.

Até aqui, na Colômbia, o Exército e os serviços de informação, que surpreenderam o mundo com a libertação de Ingrid Betancourt "sem uma gota de sangue", tiveram treinamento israelense, assim como norte-americano.

Pois bem. Dia sim, dia não, Israel atingiu escolas da ONU, caminhão da ONU, depósito de doações da ONU e civis sob proteção da ONU na atual guerra, todos identificados.Das duas, uma: ou a competência virou pó (de fósforo?!), ou foi ordem superior para dizimar não apenas o inimigo Hamas, mas os palestinos da faixa de Gaza.

O Hamas ameaça da boca para fora "varrer Israel do mapa". E o governo de Israel, que deveria acolher o apoio internacional enquanto vítima, parecia agir para efetivamente tirar toda aquela área e toda aquela gente do mapa. Coisa para tribunais internacionais.

A guerra não acabou, e o cessar-fogo mais parece uma trégua para a posse de hoje de Barack Obama. O Brasil soma esforços e se integra a um movimento tácito mundial para reduzir a importância devastadora e a influência dos EUA sobre todo o resto, na economia, na política e no Oriente Médio. Mas, queiram ou não, quem tem poder e quase US$ 14 trilhões de PIB são os EUA.

Que Obama use esse poder com bom senso e parcimônia. Pelas preces brasileiras, inclusive de Lula, para deixar de contaminar o mundo com a crise e irradiar recuperação; impor o fim do bloqueio a Cuba para se aproximar da América Latina e ser agente, não de guerras, mas de um acordo de paz que permita dois Estados: o de Israel, seguro, e o Palestino, viável. Obama, porém, é um símbolo atolado em interrogações.

Tem muito a enfrentar, antes de convencer.

Um homem cordial

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Reside nos detalhes - nem sempre sutis, é verdade - a dimensão do empenho do governador de São Paulo no projeto Presidência da República. José Serra nunca esteve tão disposto a remover obstáculos, a não deixar ponto sem nó, a aparar arestas presentes, passadas e futuras.

Cozinha em banho-maria a proposta de realização de prévias no PSDB, como diz querer o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, articula-se com o PT pelo fim da reeleição e agora acaba de matar um mal pela raiz ao deslocar um de seus principais operadores políticos da Secretaria de Desenvolvimento para dar lugar a Geraldo Alckmin. E companhia, obviamente.

José Serra trabalha em silêncio e não é de hoje. Paulista da Mooca, reza pela cartilha da mítica mineira.

Na eleição municipal "amarrou" o apoio do PMDB de São Paulo à sua candidatura, antes disso havia feito do DEM um devedor eterno ao garantir ao minguante ex-PFL o comando da prefeitura mais importante do País e depois disso teve o cuidado de não celebrar as vitórias.

Frequentador das listas de "ganhadores" daquele certame fez o modesto. No curso do monumental charivari que tomou conta do PSDB paulista - com rebatimento em terras mineiras - fez o frio. O mundo tucano se desfazia em ferro e fogo, mas, no gabinete do governador, a temperatura era de inverso europeu.

Do lado de fora, os administradores políticos da confusão - Aloísio Nunes Ferreira e Alberto Goldman - transitavam com os cabelos em pé e os colarinhos amarfanhados. Dentro, o governador - composto e indiferente - tratava o assunto Geraldo Alckmin com naturalidade acadêmica, estudada até a medula.

Nem parecia que o ex-governador, desafeto assumido nas internas e adversário contido para efeito externo, estava criando embaraços graves ao plano de deixar o caminho livre para a candidatura Gilberto Kassab ao encasquetar em disputar a prefeitura pelo PSDB.

Da boca do governador nenhuma crítica produzida na presença de estranhos, jornalistas incluídos. Impassível ante a qualquer provocação, Serra manteve a fleuma do começo ao fim. Oficialmente falando, claro.

Calabrês, disputou, e ganhou, no quesito impassibilidade, celebrado como a marca do anestesista, um homem pouco dado a entusiasmos e duro na queda. Ainda que profunda.

Longe de ser um tolo, muito menos um vocacionado para o conformismo, Alckmin não esquentou cadeira na derrota. Mal digerido o resultado da eliminação no primeiro turno, começou a se movimentar.

Primeiro, a bordo da versão de que deixaria o PSDB, talvez até para se candidatar a presidente. Depois, espalhou que estava pensando em se candidatar a governador em 2010 e disputar a legenda tucana com o indicado por Serra que poderia ser qualquer um, menos ele.

Desta vez, com a imagem do Palácio do Planalto no horizonte, o governador José Serra não deixou ao tempo a solução dos problemas. Até porque a experiência lhe mostrou duas vezes que a omissão não é a melhor conselheira.

Em 2006, Serra queria ser candidato, Alckmin também. Mas, agora se vê, não queria tanto assim. Ou imaginou que com a preferência nas pesquisas não precisasse fazer por onde.

Deixou as coisas correrem seu curso livremente e, na última hora, resolveu disputar o governo do Estado, argumentando que não poderia insistir na candidatura a presidente com Alckmin no comando da resistência em São Paulo.

Em 2008, não fez como muitos achavam que deveria ter feito. Não apelou a Alckmin pela desistência da disputa da prefeitura e apostou que ele tropeçaria nas próprias pernas como, de fato, tropeçou.

Mas saiu daquela eleição com mais de 20% dos votos, o que, em termos de São Paulo, quer dizer mais de um milhão e meio de votos. Em matéria de PSDB, uma nova ofensiva de Alckmin no trabalho de construção de barreiras poderia significar bem mais.

Ele capitaliza, como ocorreu nas ocasiões anteriores, a ação dos adversários de Serra dentro do partido e País afora. Qualquer um que converse com Alckmin dá margem à interpretação de que sobre a formação de um núcleo anti-Serra. É sempre um fator de perturbação.

Durante a campanha municipal, Aécio Neves participou de atos públicos com Alckmin e a leitura que se fez foi de investida de Aécio contra Serra.

A lógica apontava para uma leitura menos drástica do ponto de vista eleitoral, pois não seria crível que algum paulista mudasse o voto por conta da presença do governador mineiro.

Só que sob a ótica das aparências partidárias, ações semelhantes nesse período até o início da campanha presidencial, dão ideia de divisão e tudo o que Serra precisa é de construir a união.

Daí a opção por cooptar o grupo de Alckmin, não depreciar a força de nenhum adversário, remover montanhas, dirimir conflitos, comer o mingau pelas beiradas, agregar, como convém a quem cuida de cada lance com o cuidado de um jogo esperado a vida inteira.

Serra põe Alckmin no governo e se fortalece para corrida de 2010

Silvia Amorim
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ex-governador assume Secretaria de Desenvolvimento e diz que antigo rival no PSDB é "importante candidato"

Dois anos e nove meses depois de deixar o Palácio dos Bandeirantes, o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) voltou ontem ao governo do Estado, desta vez para integrar o secretariado de seu sucessor, José Serra (PSDB). Alckmin comandará a Secretaria de Desenvolvimento, que estava sendo pilotada pelo vice-governador Alberto Goldman.

A nomeação foi anunciada por Serra à tarde. Acompanhado de Goldman, ele anunciou o novo colaborador com uma lista de adjetivos. “É uma opção excelente para a área e uma grande honra para nós tê-lo no governo. Ele trará uma contribuição preciosa”, afirmou. “Tenho certeza de que ele vai tocar muito bem isso num nível de excelência”, emendou, ao citar os projetos estratégicos sob responsabilidade da secretaria.

Alckmin, que vinha enfrentando situação delicada no PSDB - até com rumores de sua saída do partido, principalmente depois da sua derrota na eleição à prefeitura paulistana no ano passado -, assumiu o posto pregando unidade. “Venho para somar, unir e trabalhar”, disse. Goldman fez coro ao substituto. “Estamos absolutamente unidos como sempre estivemos.”

Em seu pronunciamento, o ex-governador também deixou claro quem vai apoiar para candidato do PSDB à Presidência em 2010. “O governador José Serra desponta como importante candidato do nosso partido”, defendeu. Desde 2006, Alckmin vinha demonstrando ter ligações mais estreitas com o governador de Minas, Aécio Neves, do que com Serra. O gesto agora do governador muda esse cenário.

Depois de ter ocupado por seis anos o posto de maior autoridade do Estado, Alckmin negou que assumir a secretaria seja um retrocesso em sua carreira política. “O que me motiva é servir. Política é serviço. Já servi como vice-governador, governador, deputado estadual e federal, prefeito e agora vou servir à população de São Paulo dando o melhor de mim.”

Serra tem agora em seu governo os dois principais nomes cotados para concorrer à sua sucessão em 2010 pelo PSDB - Alckmin e o secretário da Casa Civil, Aloysio Nunes Ferreira - , já que seu plano é lançar-se à disputa presidencial em vez de tentar a reeleição. Apesar de faltar mais de um ano para a eleição, a briga de forças entre defensores da candidatura de Alckmin e de Aloysio já corre solta nos bastidores. Serra, em seu discurso, fez questão de frisar que a escolha do ex-governador tinha a concordância de “todos no governo”.

Serra, Alckmin e Goldman negaram qualquer vinculação político-eleitoral na movimentação.

“Não tem sucessão estadual metida no meio. Estou no meio do meu mandato”, argumentou o governador. Segundo ele, a troca se fez necessária porque o governo estava “sobrecarregado”. Goldman, na palavras do governador, deixa a secretaria para se dedicar integralmente às funções de vice. “Do meu lado, ele vai ter um papel importante na coordenação e articulação das ações de governo, vai se envolver muito mais com as ações globais”, explicou Serra. Para Alckmin, a “eleição está longe”. “Tudo tem seu tempo. Agora não é hora de discussão de questões de natureza eleitoral”, disse.

Acordo deixa Aécio sem apoio dentro de São Paulo

Carlos Marchi
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Já Alckmin, se obtiver êxito na luta contra a crise econômica, pavimentará retorno ao governo paulista

Ao atrair o ex-governador Geraldo Alckmin para sua gestão, o governador José Serra unifica São Paulo em torno de seu projeto presidencial em 2010 e tira do governador de Minas, Aécio Neves, o único apoio que tinha nos arraiais tucanos paulistas. Se Serra pacificou o Estado em seu apoio, Alckmin, por seu lado, assume uma secretaria de visibilidade e comandará, em São Paulo, a luta contra a crise econômica. Se tiver êxito, terá percorrido boa parte do caminho para viabilizar sua volta ao governo estadual em 2010.

A Secretaria de Desenvolvimento tem sido a encarnação do discurso serrista para enfrentar a crise. Seu plano de trabalho tem o título de Os novos rumos da locomotiva. Nos últimos dois anos, o ex-secretário Alberto Goldman costurou ambiciosos projetos para catapultar o desenvolvimento paulista, uma área que representa para Serra - mais do que a busca do êxito administrativo - o teste para suas teses desenvolvimentistas e a alavanca de seu futuro discurso de candidato presidencial. Alckmin, ex-governador e ex-candidato à Presidência, dá densidade a esse discurso, dizem os aliados de Serra.

A primeira conversa foi no dia 23 de dezembro, quando Serra disse a Alckmin que precisava dele para ocupar a Secretaria do Desenvolvimento e dar vigor à luta contra a crise. Atendia, então, a conselhos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, arquiteto de um entendimento em São Paulo. Do lado de Serra, apenas os secretários Aloysio Nunes Ferreira e Goldman foram notificados do convite. Do lado de Alckmin, ninguém soube, a não ser na semana passada, quando tudo já estava sacramentado.

Parceiros dos dois lados contaram que o acerto entre os dois não teve condicionantes. Serra não cobrou o apoio antecipado de Alckmin a sua candidatura presidencial nem Alckmin disse que almeja voltar ao governo estadual. Mas os dois lados admitem que esses serão desdobramentos "naturais" da aproximação.

Ontem, aliados de Alckmin eram só elogios para Serra, a quem rotularam de "político de porte", capaz de "um gesto grandioso de aproximação". Para um deles, agora São Paulo tem "um discurso único". O ingresso de Alckmin no governo, disse um antigo aliado, "sela o PSDB em São Paulo", um eufemismo para expressar que agora Alckmin fechou as portas aos acenos de Aécio, maior incentivador de sua candidatura à Prefeitura de São Paulo no ano passado.

Não é para menos. A Secretaria de Desenvolvimento é dona de atraente fatia do governo. Comanda a Agência de Fomento do Estado, espécie de BNDES estadual criado para financiar pequenos e médios empresários que acaba de receber um capital de R$ 1 bilhão, propiciado pela venda da Nossa Caixa. Outra fatia importante é o Centro Paula Souza, que dirige as 45 Faculdades de Tecnologia (Fatecs) e 151 Escolas Técnicas (Etecs), presentes em 127 cidades paulistas. Fatecs e Etecs também herdaram recursos da venda da Nossa Caixa.

A secretaria também comanda a Investe São Paulo, agência destinada a atrair investimentos para o Estado, e dirige o projeto dos parques tecnológicos, que cria ambientes de pesquisa para atrair empresas de alta tecnologia. Também está vinculado à secretaria o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), importante centro de pesquisas localizado dentro da Universidade de São Paulo (USP), que dá apoio tecnológico ao setor produtivo.

FHC elogia e diz que indicação mostra ''maturidade'' e ''grandeza'' dos colegas

Julia Duailibi
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Principal cardeal tucano, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou ontem que a indicação do novo secretário paulista de Desenvolvimento mostra "maturidade" e "grandeza" tanto por parte do governador de São Paulo, José Serra, como de Geraldo Alckmin.

O ex-presidente disse ainda, por meio de sua assessoria de imprensa, que o fato "certamente será bem aceito, não apenas pelo PSDB, mas pelos paulistas em geral".

O governador de Minas Gerais, o tucano Aécio Neves, também comentou a indicação feita por Serra. Assim como o governador paulista, o mineiro também tem interesse em disputar o Palácio do Planalto em 2010.

"Geraldo incorpora valores fundamentais a um homem público: seriedade, competência e absoluta transparência em todas as suas ações", disse Aécio, em nota divulgada por sua assessoria.

Sem mencionar Serra, o mineiro completou: "Ganham o governo e o Estado de São Paulo, que passarão a ter um colaborador de altíssimo nível".

Tucanos paulistas apontavam que o desgaste da relação entre Alckmin e Serra poderia contribuir para o projeto político de Aécio. Ressentido em razão do apoio de Serra à reeleição de Gilberto Kassab (DEM) na capital paulista em 2008, Alckmin, que ficou fora do segundo turno, poderia mergulhar na campanha de Aécio.

O ex-governador é visto como um aliado estratégico. Apesar de derrotado na eleição municipal, ainda dispõe de força eleitoral, principalmente no interior, além de razoável articulação na máquina tucana.

Para o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), independentemente de quem for o candidato tucano em 2010, o projeto do partido já sai fortalecido. "A indicação de Alckmin mostra que o mais importante agora é a unidade. Mostra que temos consciência para nos unir e vencer as eleições", declarou Guerra. "Tudo o que a gente não precisava agora era de divisão", completou.

Aliados de Alckmin comemoraram o seu embarque no governo paulista. Na avaliação deles, além de ganhar visibilidade política, o ex-governador passa a ser um candidato de dentro do governo para 2010 e não mais um concorrente à margem. É unânime a opinião de que Serra sai fortalecido desse processo para a disputa presidencial e se coloca ainda como o condutor do processo eleitoral no Estado.

PT tira Busatto de cargo em Canoas

DEU NO ZERO HORA (RS)

Depois de quatro dias de intensas críticas do partido, prefeito anunciou saída de ex-deputado

A pressão do PT contra a nomeação de Cézar Busatto (PPS) para ocupar uma vaga no governo de Canoas derrubou o discurso do prefeito Jairo Jorge (PT) de que não admitiria intromissão do partido em nomeações.

O recuo foi confirmado ontem pela manhã, quando Busatto, ao lado do prefeito, leu uma carta explicando os motivos para recusar – depois de já ter aceito – o convite para compor o secretariado.

A desistência foi anunciada como resultado de consenso entre os dois e ganhou tom de “preservação da governabilidade e de Busatto”, que previa sofrer perseguição e boicotes no trabalho como secretário Especial de Inovação e Projetos Estratégicos. Jairo negou estar se “rendendo” à opinião do PT e fez duras críticas ao comportamento do partido:

– Não me subordino nem concordo. O PT sai com uma imagem que não é boa. Meu gesto as pessoas de bom senso vão entender. O PT que eu desejo não é o PT do isolamento, é o PT que tenha capacidade, sim, de construir um novo bloco político humilde, sem arrogâncias com seus parceiros. A política gaúcha se movimenta nos últimos 15 anos sobre a lógica do paradigma do conflito, do ódio, do nós e eles.

Desde quinta-feira, quando anunciou Busatto como comandante de uma secretaria ligada a seu gabinete, Jairo bancou a decisão, afirmando que não cederia a pressões. Ouviu críticas públicas de líderes como o ex-governador Olívio Dutra e o deputado Raul Pont. Na sexta-feira, recebeu reprimenda do ministro Tarso Genro.

O final de semana começou sob a expectativa de mais pressão por parte da executiva estadual, que convocou reunião para ontem para tratar da nomeação do ex-chefe da Casa Civil do governo Yeda Crusius.

Saída foi negociada domingo à noite

Por volta das 19h de domingo, o prefeito chegou à casa de Busatto, na Capital. Estava acompanhado da mulher, Thais Pena, e do secretário de Relações Institucionais, Mário Cardoso.

O encontro se encerrou por volta da meia-noite, depois de firmado o pacto de que Busatto desistiria da secretaria. Antes de sentar para redigir a nota lida ontem, o ex-deputado serviu ao grupo massa com tomates e vinho cabernet.

– Escrevi até por volta das 4h. Queria fazer antes da reunião da executiva para não parecer uma resposta – explicou Busatto após se emocionar lendo o material e de trocar dois fortes e longos abraços com o prefeito.

Depois de repetir por várias vezes que o convite a Busatto segue valendo, o prefeito disse que ainda está pensando em um nome à altura do dele para assumir a secretaria especial e aproveitou para dar um recado:

– O governo de Canoas nasceu sob o signo da amplitude, nós temos uma política de alianças amplas, estamos governando hoje com nove partidos. Para quem não concorda com a amplitude, a porta é serventia da casa.

Prática é mudar regra em ano eleitoral

Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Está pronto o texto da reforma política do governo Lula. O ministro Tarso Genro (Justiça) pensava em enviar o projeto ao Congresso depois de amanhã ou na próxima semana. O presidente recomendou esperar a eleição para as Mesas do Senado e da Câmara. A proposta modifica três dezenas de artigos da lei eleitoral, acata sugestões para "retirar criminosos do processo político", mexe nas regras para a eleição de 2010, mas passa ao largo da questão da duração do mandato do presidente, assunto que monopolizou os primeiros debates da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

À primeira vista, o projeto do governo e aquele que começou a tramitar na Câmara no fim do ano passado nada têm a ver um com o outro. O projeto dos deputados é que trata do mandato presidencial e do fim da reeleição, assuntos sobre o qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva volta e meia surpreende. Agora, por exemplo, o presidente afirma ser contrário ao fim da reeleição, depois de passar uma vida pregando o contrário (cabe dizer que seria difícil Lula se opor a uma instrução da qual se beneficiou). Ele insiste que é contra o terceiro mandato, mas na Venezuela defende o direito de Hugo Chávez de concorrer indefinidamente.

Os dois projetos devem se (con)fundir no Congresso. E o jogo do PT parece nebuloso.

No primeiro lance, tentou deixar aberta uma brecha para que o assunto ficasse sem regulamentação. PSDB e DEM reagiram por suspeitar que se tratava de uma manobra para criar um vácuo legal e permitir ao partido, se a relação de forças permitir, reivindicar o terceiro mandato para Lula. A reação nervosa do PT levou demistas e tucanos a concluir que suas suspeitas eram acertadas. Além disso, é mais ou menos consensual na Câmara que o fim da reeleição com a fixação de um - e apenas um - mandato de cinco anos não passa porque não interessa aos prefeitos e governadores que têm direito a disputar mais um período de governo.

O projeto governista é dividido em três "eixos". O primeiro leva o título de "Fortalecimento dos Partidos Políticos e Equilíbrio Eleitoral" e trata da lista fechada de votação e do financiamento público de campanha. O capítulo seguinte chama-se "Diminuição da Fragmentação Partidária". Cuida das coligações, da cláusula de desempenho e da fidelidade partidária. Por fim, o eixo "Redução da Criminalidade no processo Eleitoral" aborda os casos de inelegibilidades e cria um novo tipo de crime eleitoral, a "Captação Violenta de Sufrágio", e estabelece "novos parâmetros para o combate a condutas que comprometem o soberano direito ao voto".

O projeto, redigido após audiência pública, acolhe a interpretação de fidelidade partidária da Justiça Eleitoral, mas estabelece exceções para que os políticos possam mudar de partido sem perder o mandato. Uma é a filiação "visando à criação de novo partido político". Outra é a criação da "janela" pela qual os parlamentares podem saltar de um partido para o outro nos 30 dias anteriores ao término do prazo para a realização das convenções partidárias - ou seja, o mês de maio, de vez que o período das convenções para a escolha dos candidatos é de 1º a 30 de junho do ano da eleição.

O projeto também "estabelece que o prazo para filiação partidária para quem estiver no exercício do mandato se encerrará na data limite para a realização das convenções partidárias que escolherão os candidatos (30 de junho)". Na prática isso significa que um governador de Estado como Aécio Neves, de Minas Gerais, querendo ser candidato a presidente poderá trocar de legenda até 30 dias antes da eleição; mas um ministro como Henrique Meirelles ou Tarso Genro, que estão sem mandato eletivo, teriam de se filiar um ano antes.

"A proposta busca pôr fim ao "troca-troca" entre partidos que se dá, na maioria dos casos, por questões meramente fisiológicas", diz o texto preparado pelo Ministério da Justiça.

O capítulo sobre as coligações modifica regras previstas para as eleições de 2010. Uma delas diz respeito ao tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão destinado às coligações partidárias. O texto determina "que a coligação disporá, unicamente, do tempo de rádio e televisão destinado ao partido com o maior número de representantes na Câmara dos Deputados". Na prática, isso significa que se o PT capturar o PMDB para sua chapa, em 2010, o PSDB ficará em larga desvantagem no tempo de rádio e televisão - as duas siglas detêm as maiores bancadas e o maior tempo no horário eleitoral.

A maior parte das propostas do governo já está em discussão no Congresso. Algumas, com a mudança do sistema de votação para listas fechadas (o eleitor deixa de escolher um candidato para votar numa lista preparada pelos partidos) estiveram próximas de ser aprovadas na Câmara, mas foram barradas pela desconfiança de que beneficiariam o PT. Os partidos pequenos também resistem à cláusula de barreira, embora as condições exigidas para que essas siglas se viabilizem tenham sido reduzidas: um por cento dos votos válidos em eleição Câmara dos Deputados, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados com o mínimo de meio por cento do votos em cada (a antiga lei previa 5%).

Temas polêmicos é o que trata da inelegibilidade. O texto prevê que ficarão inelegíveis "os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão colegiada ou em decisão de primeira instância transitada em julgado por falta de recurso do réu, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem 3 (três) anos seguintes". O projeto afirma que isso "retira criminosos do processo político".

Com o projeto, Lula quer cumprir uma promessa de campanha, quando considerou prioritária a reforma política. Mas acha que o Congresso não se entenderá sobre o assunto. Pode ser. A prática em ano eleitoral, no entanto, tem sido mudar a regra do jogo.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

A encrenca de 2010

José Eli da Veiga
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Não é muito arriscado prever que no segundo turno da eleição presidencial de 2010 a candidatura ungida por Lula será enfrentada por aquela que for articulada pela aliança tucano-demo. Tal cenário poderia ser enfraquecido por uma eventual resposta positiva do TSE à consulta do deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) sobre a possibilidade de que deputados federais fundadores de nova legenda carregassem consigo porções de horário gratuito de rádio e TV, assim como de parte dos fundos partidários. Todavia, como é muito improvável que isso ocorra, o que se impõe neste momento é uma reflexão sobre as circunstâncias em que se desenrolaria esse novo episódio da inevitável polarização PT-PSDB.

A campanha da candidatura situacionista certamente se concentrará na glorificação do PAC e da rede de proteção social em que se destaca o programa Bolsa Família, combinada com aguerrido ataque a uma aliança cuja inclinação privatizadora seria ameaça a tais façanhas. Impedida de rejeitar a parte mais substantiva do argumento, a oposição terá que fazer de tudo para convencer os eleitores de que mesmo essa simples plataforma teria gerado muito mais resultados se as organizações estatais tivessem sido administradas com mais compostura, longe da sanha das oligarquias sindicais e do clientelismo. E como os dois mais prováveis candidatos abominam juros altos, terão que se segurar para não fazer dueto contra uma das mais sagazes decisões anti-petistas de Lula: conceder razoável independência ao Banco Central.

Essa imensa proximidade programática das candidaturas que provavelmente disputarão o segundo turno de modo algum significa que os partidos que liderarão os dois lados sejam farinhas no mesmo saco. Ao contrário, só se aprofunda o contraste social entre PT e PSDB como principais representantes do povão e das camadas médias. Ambos tangidos a tecer alianças com agremiações e caciques vinculados às mais altas esferas. Todavia, em 2010, como hoje, não haverá diferenças substanciais entre os projetos que poderão ser apresentados por cada uma dessas duas farinhas. Procurarão adotar as retóricas mais amigáveis a suas respectivas bases sociais, mas para dizer essencialmente a mesma coisa: que são os campeões do quarteto desenvolvimentista: rápido crescimento, redução do desemprego, menos pobreza e menor concentração de renda.

Ficará inteiramente de fora desse debate o que é mais importante para aquele longo prazo que costuma ser chamado de estratégico: a qualidade do crescimento. Os dois lados já deixaram bem claro que para eles só interessa que o PIB aumente, sejam quais forem as razões. E talvez não possa ser exibida prova mais eloqüente do que esse Plano Decenal que acaba de ser proposto pelo Ministério de Minas e Energia. Que jamais teria sido divulgado sem o acordo da gerência do PAC, e que também não sofreu a mais leve crítica da oposição tucano-demo. Simplesmente porque a construção até 2017 de 68 termelétricas movidas a combustíveis fósseis certamente contribuiria para turbinar o PIB, com efeitos positivos sobre emprego e pobreza, e sem grande risco de mais concentração de renda.

Todavia, esse é um plano que está na mais flagrante contramão da história, pois só acrescentará dificuldades à necessária transição para uma economia de baixo carbono. Para fazer com que neste século o Brasil se torne um dos principais protagonistas semi-periféricos do desenvolvimento sustentável, seria necessário um planejamento energético que fosse exatamente o inverso desse Plano Decenal. Mais do que isso, seria necessário um programa de governo que em vez de acelerar o crescimento a qualquer preço - razão de ser do PAC - desencadeasse um processo no qual o estilo desse crescimento passasse a ser virado do avesso.

As duas candidaturas com potencial de segundo turno nem de longe podem admitir o que mais interessa: que a capacidade de conservação ecossistêmica em breve se mostrará muito mais decisiva para o bem-estar da sociedade do que meteóricos aumentos de um resultado contábil tão enganador quanto o PIB. E ambas rejeitam a perspectiva de um crescimento mais lento que possa encontrar nessa capacidade de conservação as mais decisivas alavancas do desenvolvimento: ampliação do acesso à saúde, ao conhecimento científico-tecnológico e a empregos decentes.

No fundo, o que mais há de comum entre as candidaturas que disputarão o segundo turno são três fortíssimos pressupostos compartilhados pela maior parte dos economistas e, por decorrência, por praticamente todos os políticos. O primeiro é tomar o PIB como a melhor medida de desempenho econômico. O segundo é supor que seja linear a relação entre aumentos do PIB per capita e o desenvolvimento, mesmo que um indicador tão grosseiro quanto o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) já evidencie as disparidades que podem ocorrer entre nações, e em períodos diversos em um mesmo país. E o terceiro é acreditar que o crescimento seja sempre econômico, como se não existissem custos de oportunidade que, ignorados ou desprezados, o tornam anti-econômico.

Nem sequer dúvidas sobre esses três dogmas afetarão as potenciais candidaturas para o segundo turno de 2010. Impossível, portanto, que assumam o desafio de ruptura mediante programa concentrado em estratégias simultâneas de descarbonização e de conservação ecossistêmica necessárias para tornar sustentável o desenvolvimento. Ao contrário, os dois lados enfatizarão a necessidade primordial de reduzir juros para que se acelerem os aumentos do PIB, e para que parcela crescente da arrecadação possa ser usada na expansão da rede de proteção social.

Em suma, tudo indica que - malgrado as excelentes qualidades individuais dos favoritos - no segundo turno de 2010 ocorrerá uma daquelas esquisitas encrencas históricas em que a escolha do eleitorado se fará entre a peste e o cólera, para usar a feliz tirada do saudoso padeiro francês Jacques Duclos (1896-1975), um dos mais admiráveis heróis da resistência antinazista.

José Eli da Veiga é professor titular do departamento de economia da FEA-USP e co-autor do livro para jovens "Desenvolvimento sustentável: que bicho é esse?" (Autores Associados, 2008)

Emprego em troca de alívio fiscal

Chico de Gois, Luiza Damé e Ronaldo D"Ercole
DEU EM O GLOBO

Lula promete a sindicalistas que novas desonerações terão vagas como contrapartida

Numa reunião de cerca de três horas com dirigentes das seis maiores centrais sindicais do país, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu ontem que as novas desonerações de tributos em estudo pelo governo terão como contrapartida a manutenção dos empregos. Ou seja, as empresas só poderão se beneficiar da redução de impostos e contribuições - a principal das medidas solicitadas pelas entidades ao governo - se garantirem que não demitirão pessoal. O assunto será discutido nos conselhos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), formados por trabalhadores e empresários.

Participaram do encontro Força Sindical, CUT, CGTB, CTB, Nova Central Sindical e UGT, além de cinco ministros de Estado: Dilma Rousseff (Casa Civil), Carlos Lupi (Trabalho), Paulo Bernardo (Planejamento), José Pimentel (Previdência) e Luiz Dulci (da Secretaria-Geral da Presidência). O Palácio do Planalto não se manifestou sobre as declarações dos sindicalistas.

- O presidente vai se dedicar, no resto do mês, a discutir a crise. Ele disse que haverá mais desoneração, mas com contrapartida de emprego. O governo vai estudar os setores, o ministro Lupi está vendo onde há necessidade (das medidas de desoneração) - disse o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho.

Para o presidente da CUT, Artur Henrique, é preciso que o governo jogue mais duro para garantir crédito e, com isso, emprego:

- Este tal de mercado livre é que enfiou a gente nisso - declarou.

Na próxima semana, afirmaram os representantes das centrais, serão apresentadas novidades a respeito do seguro-desemprego. As entidades defendem a extensão do benefício para dez meses, contra os cinco meses atuais. Um participante da reunião revelou que o ministro do Trabalho sugeriu que a expansão das parcelas seja vinculada a cursos de qualificação pagos pelo FAT.

No encontro, o presidente também declarou, ainda de acordo com os sindicalistas, que o principal problema do governo para enfrentar a crise econômica é a falta de crédito e os juros altos. Lula adiantou que amanhã irá se reunir com representantes de bancos públicos e privados para tratar do assunto e ver como reduzir o spread (diferença entre o custo do dinheiro para instituições financeiras e o quanto elas cobram para emprestar para consumidores e empresas), com a intenção de facilitar o crédito, que continua escasso.

CUT inicia atos contra demissões

Segundo os sindicalistas, Lula disse que vai chamar os 50 maiores investidores para saber por que suspenderam investimentos programados. Os representantes das centrais disseram que o governo manterá a proposta de reajuste de 12%, ou 5,7% de aumento real do salário mínimo, elevando-o para R$465 a partir de fevereiro. Lula disse ainda que convocará governadores e prefeitos das capitais para discutir ação conjunta.

Sindicatos ligados à CUT começam hoje uma série de manifestações em defesa do emprego e contra a redução de salários. Serão realizadas assembleias e manifestações em frente a fábricas de cidades com grande concentração de trabalhadores, como São Bernardo do Campo, no ABC, Sorocaba e Taubaté, no interior paulista.

A central defende a redução temporária da alíquota do INSS patronal, de 20% para 14%, nos setores mais atingidos pela crise. A CUT vai pedir audiências com governadores para discutir desoneração do ICMS.

País teve maior perda de vagas em 16 anos

Geralda Doca e Camila Nobrega
DEU EM O GLOBO


Só em dezembro, foram 654 mil postos eliminados, o dobro em relação a 2007

BRASÍLIA e RIO. O Ministério do Trabalho confirmou ontem o fechamento de 654.946 vagas em dezembro, mostrando que a crise financeira internacional atingiu em cheio o emprego formal no país. O saldo - diferença entre contratações e demissões - foi o pior para meses de dezembro desde o início da série histórica, em 1992, e mais do que dobrou em relação ao mesmo período de 2007, conforme noticiou O GLOBO, em primeira mão, na semana passada. O efeito da turbulência foi generalizado entre os setores da economia, com impacto maior na indústria da transformação, que eliminou 273.240 postos no mês passado, no pior desempenho para o período no atual governo.

Foi o segundo mês seguido de dispensas pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho, já que em novembro o saldo líquido ficara negativo em 40.821. Apesar disso, em 2008, o Brasil gerou 1,452 milhão de empregos, numa desaceleração em relação ao 1,617 milhão de vagas registradas em 2007.

Um dos motores do emprego ao longo de 2008, a construção civil teve fechamento líquido de 82.432 vagas em dezembro, mais do que o triplo do verificado em igual mês de 2007. O segmento de serviços foi responsável pela extinção de 117.128 empregos, quase três vezes mais do que os 40.795 apurados em dezembro de 2007.

Tradicionalmente empregador em dezembro, devido às compras de Natal, o comércio registrou no mês passado saldo negativo de 15.092, contra um desempenho positivo de 30.129 em dezembro de 2007. Na agricultura, as demissões superaram as contratações em 134.487.

A assistente administrativa Flávia Carvalho, de 50 anos, foi demitida em dezembro, após nove anos em uma loja do Norte Shopping:

- Fiquei surpresa. A empresa precisava reduzir gastos. O gerente me disse que a empresa precisava reduzir os gastos por causa da crise e que, como meu salário era alto para a função, precisaria me demitir. Outras pessoas já haviam sido mandadas embora antes de mim.

Lupi responde a desafio do presidente da Fiesp
O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, defendeu medidas para enfrentar o desemprego na indústria, como a redução do IPI do setor. Ele disse que só o ramo de alimentação foi responsável por um saldo negativo de 109.696 contratações no mês passado. Não por menos, os três estados que mais demitiram em dezembro têm grandes parques industriais: São Paulo (285.532); Minas Gerais (88.062) e Paraná (49.822). No Rio, foram eliminados 19.342 postos. Outros subsetores, como calçados, borracha, fumo, couros e mobiliário fecharam o ano com saldo negativo. Essas áreas também seriam beneficiadas.

- O grande foco é a indústria. Precisamos trabalhar para definir políticas públicas para essa área - disse Lupi, para quem janeiro e fevereiro serão meses fracos do ponto de vista de geração de emprego, mas que não impedirão a criação de 1,5 milhão de postos em 2009.

Lupi respondeu ainda ao presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, que o desafiou na semana passada a mostrar empresas que tomaram recursos públicos mas estariam demitindo. Ele apresentou uma lista com setores beneficiados com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) em São Paulo entre janeiro de 2006 e março de 2008: foram R$2,977 bilhões, sendo que a indústria de transformação, a que mais demitiu em dezembro, ficou com R$1,157 bilhão.

- Ele não pediu uma lista pública? Então, estou mostrando - disse Lupi.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1214&portal=