segunda-feira, 6 de abril de 2009

PENSAMENTO DO DIA

“É um dever estar ao lado dos trabalhadores, que pedem respeito aos seus direitos e tem medo de perder seu trabalho. Onde há um trabalhador, um pobre ou um desempregado aí, deve estar um progressista.”

( Dario Franceschini, Secretário-Geral do Partido Democrata italiano, sobre a manifestação de rua, em Roma, convocada pelo movimento sindical, sábado passado, em defesa do emprego, em protesto contra a crise mundial, para quase dois milhões de pessoas.)

Perdendo a batalha da memória

José de Souza Martins*
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

A durabilidade da incômoda lembrança do regime militar e do golpe de Estado ocorrido há 45 anos, certamente tem muito a ver com as violações dos direitos humanos e dos direitos políticos dos cidadãos nas prisões arbitrárias, na tortura, nas penas descabidas, nas execuções sumárias, nos banimentos, um legado de feridas incuráveis. Mas tem a ver, também, com um conjunto de fatores intervenientes referidos a conflitividades que não se reduziam ao pretexto do golpe, a de uma ameaça comunista. À medida que o tempo passa, a memória desses fatores e a própria memória de um cotidiano de acomodações autodefensivas em face da violência do regime vão se perdendo. Sobretudo, porque o marco de compreensão que temos do processo histórico brasileiro é redutivo e pobre. Tudo que ultrapassa o bipolarismo de direita e esquerda tem que ser a ele reduzido, senão ficamos confusos e perdidos. Num país em que, historicamente, no Império, eram os conservadores que executavam os projetos dos liberais, não é de estranhar que certas esquerdas façam as vezes da direita e que a direita se proponha a concretizar programas de esquerda. Aqui, tudo parece trocado. Nessa perspectiva pobre e insuficiente, é muito difícil levar em conta a importância que teve nas tensões do regime autoritário o amplo conflito ideológico nos partidos de esquerda; os conflitos entre capitalismos num momento em que o capital se globalizava e se expandia; os conflitos e tensões no interior das diferentes igrejas.

A ditadura militar foi claramente anticatólica, apesar da enorme contribuição que a Igreja Católica dera para a concretização do golpe de Estado com as rumorosas Marchas da Família com Deus pela Liberdade, um clamor de multidões na rua em favor da deposição do presidente Goulart. Tanto a Igreja Católica quanto as igrejas protestantes estavam interiormente divididas, parcelas das próprias hierarquias sensibilizadas pela miséria, pelas injustiças, pela falta de liberdade, pelo colonialismo. Nascia já em meados dos anos cinquenta uma visão moral e religiosa da política, que teria repercussões na África e na América Latina. A Confederação Evangélica do Brasil chegara a lançar um documento sobre “A Responsabilidade Social das Igrejas”, um apelo a que seus fiéis abandonassem o confinamento em que viviam, nas respectivas igrejas, alheias aos sindicatos e à política.

Mesmo naqueles em cuja boca o discurso era radical, a demanda social e política, no fundo era conformista. A demanda de reforma agrária embutia uma demanda de extensão dos direitos trabalhistas ao campo. O que aparecia como luta pelo socialismo, era na verdade uma luta pela superação capitalista do capitalismo retrógrado e colonial. Pouco tempo depois do golpe, veio ao Brasil para uma conferência na Fiesp o subsecretário de Estado americano, Walt Rostow. Sua conferência foi para defender a melhora no nível de renda da população rural pobre para que houvesse uma ampliação significativa do mercado interno, o único modo de incrementar a industrialização do País. Ora, isso não era muito diferente do que as esquerdas haviam defendido antes do golpe. A diferença estava na organização política da mudança e não na mudança pretendida. As esquerdas, com Jango, queriam isso e queriam uma reforma agrária. A ditadura também.

O efeito do golpe foi o de reorientar o curso da história do Brasil. Impôs a opção por um modelo de capitalismo diverso daquele do nacional-desenvolvimentismo, um capitalismo dominado pelo mercado e não pela política. Fechou as portas de um desenvolvimento nacionalista voltado para dentro. A tranca foi prender, confinar, expulsar, banir, matar. É nas entrelinhas das histórias das vítimas dessa opção que podemos ver e compreender o Brasil vencido. Mas foi nele e não no passado que surgiram as bases sociais do que veio a ser a redemocratização. Quase como um símbolo desse truncamento, lembro da figura do General Euryale de Jesus Zerbini que tentou levantar sua guarnição no Vale do Paraíba, nas horas do golpe, para marchar sobre o Rio de Janeiro e fechar o caminho aos golpistas insurretos que vinham de Minas Gerais para consumar a deposição de Goulart. Zerbini foi preso, reformado e privado de seu destino. Exilou-se na Faculdade de Filosofia da USP onde foi fazer o curso de Filosofia. Lembro dele com cadernos e livros nas mãos, sentado numa das cadeiras do corredor, a cabeça branca, esperando o início das aulas da tarde. A maioria daqueles jovens não sabia quem ele era.

Seria imensa deturpação se a memória dos anos cinzentos do regime militar ficasse circunscrita a simplificações ingênuas, esquemáticas e redutivas e nos levasse a exaltar a exceção para esquecer o rotineiro, sofrido e difícil. A busca de heróis a qualquer preço, nesse caso em particular, deixa de lado que houve um exílio interno, dos muitos que nas universidades, nas igrejas e nas fábricas permaneceram tecendo no dia a dia a preservação de valores democráticos, o ideal da justiça social e das transformações sociais e políticas, da luta miúda e surda travada nas salas de aula, à vista de espiões e delatores, nos salões de paróquia, nas privadas e pátios de fábrica em que se sussurrava as mensagens da resistência possível e necessária, em que se forjava a consciência cotidiana das contradições e das injustiças, em que um brasileiro dizia e outro brasileiro escutava.

Estamos perdendo a batalha da memória cotidiana do período ditatorial, um cotidiano alterado pela necessidade da vigilância permanente, da desconfiança e do medo. Ela está sendo perdida para o novo oficialismo, que reconta a história contemporânea do Brasil seletivamente, desinteressado em relação ao fato de que a redemocratização foi ganha na retaguarda e não na vanguarda apenas. Foi ganha nos insistentes e persistentes movimentos sociais que se multiplicaram e expressaram a resistência mais do povo ao autoritarismo, não raro muito longe das fragmentadas ideologias de compreensão circunscrita aos iniciados.

*José de Souza Martins, Sociólogo, Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, é autor de Retratos do Silêncio, Coleção “Artistas da USP”, Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008; Reforma Agrária: o Impossível Diálogo, Edusp – Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000; Exclusão Social e a Nova Desigualdade, Editora Paulus, São Paulo, 2007; Sociologia da Fotografia e da Imagem (Editora Contexto, 2008); A Sociedade Vista do Abismo (Novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes sociais), Editora Vozes, Petrópolis, 2008; A Sociabilidade do Homem Simples (2ª edição revista e ampliada, Contexto, 2008); A Aparição do Demônio na Fábrica (Editora 34, 2008.

Crise ameaça hegemonia do PMDB

Raymundo Costa e Raquel Ulhôa, de Brasília
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Há dois meses no comando do Legislativo, o PMDB atravessa uma crise que ameaça paralisar o Congresso e o bom desempenho do partido nas eleições de 2010. A crise é mais grave no Senado, onde o presidente José Sarney (AP), precocemente enfraquecido, não consegue dar uma resposta definitiva às denúncias que minam a autoridades dos senadores e põem em xeque o modelo patrimonialista de gestão do Parlamento. A sucessão presidencial e nos Estados alimentam um racha que pode desestabilizar de vez a já minguada maioria do governo Luiz Inácio Lula da Silva no Senado.

Em fevereiro, o PMDB conquistou a hegemonia no comando do Congresso, depois de sair também como o grande vitorioso das eleições municipais de 2008. Na Câmara, um acordo com o PT levou à eleição tranquila do deputado Michel Temer (SP) para a presidência. No Senado, o PT se juntou ao PSDB contra a candidatura de Sarney. O pemedebista venceu, mas a eleição deixou sequelas. Nem bem sentou-se na cadeira, Sarney teve de abrir mão de um antigo colaborador: Agaciel Maia, ex-diretor-geral do Senado e dono de uma cinematográfica mansão no Lago Sul, um bairro nobre de Brasília, que não registrara em seu nome.

Daí até a revelação de que o Senado abrigava 181 diretorias, inclusive uma de garagem, foi um passo. A burocracia, fiel a Agaciel e aos próprios privilégios, sentiu-se atacada. Também os derrotados na eleição que Sarney venceu não aceitaram o resultado. Na quinta-feira, quando o Senado conseguiu votar, a duras penas, projetos importantes como a Lei dos Precatórios, uma nova denúncia abalou as bases na quais procurava-se assentar a retomada da rotina: o senador Tasso Jereissati (CE), tucano de primeira linha, usava sua cota de passagens para alugar jatinhos.

Os senadores cobram providências de Sarney, mas também o PMDB se mostra perplexo com a inanição de seu presidente de honra: da atual bancada de 19 senadores, 17 vão tentar a reeleição em 2010 e sentem-se ameaçados pela crise. Mas não só eles. Dois terços das 81 cadeiras do Senado estarão em disputa. A normalidade interessaria, portanto, a todos, mas não é bem assim: a situação saiu de controle. Senadores do PT e do PSDB, por exemplo, anteveem dificuldades para se reeleger e "alimentam o caos", para de alguma maneira tirarem proveito na eleição.

O PMDB, em geral, não vê saída a curto prazo para a crise. O que preocupa o Palácio do Planalto, pois se trata da ala - o grupo do Senado - mais ligada ao governo e já comprometida com a candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Além disso, pemedebistas acham que se o presidente da Câmara, não se viabilizar como vice na chapa de Dilma, fica mais difícil a aliança do PMDB com o PT. Isso porque a sorte de Temer ficará nas mãos do ex-governador Orestes Quércia, hoje aliado do governador de São Paulo e eventual candidato tucano a presidente, José Serra. Nunca é demais lembrar que Michel Temer entrou na última vaga de deputado federal por São Paulo, nas eleições de 2006.

O tucano José Serra, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o presidente do diretório do PMDB de São Paulo, Orestes Quércia, têm procurado colocar panos quentes na crise - não interessaria a eles o acirramento da disputa neste momento, quando o PMDB, embora majoritariamente com Lula, ainda não se definiu com relação à sucessão presidencial de 2010.

A crise no Congresso, de fato, pode afetar as alianças eleitorais do próximo ano para presidente, como acreditam alguns senadores. Mas é mais fácil que o contraditório nos Estados determine quem vai com quem na primeira eleição presidencial sem Lula na cédula, desde 1989. Está nas mãos de Dilma, a candidata preferida de Lula, um levantamento segundo o qual há pelo menos cinco Estados em que a união PT-PMDB é considerada "caso insolúvel": São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Pernambuco e Mato Grosso do Sul.

Há dificuldades também em Minas, onde o ministro das Comunicações, Hélio Costa, assumiu a dianteira das pesquisas, mas a cabeça da chapa ao governo é reivindicada tanto pelo ex-prefeito Fernando Pimentel como pelo ministro Patrus Ananias (Desenvolvimento Social). No Rio de Janeiro, o PMDB não abre mão da reeleição do governador Sérgio Cabral, mas o prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias (PT), pretende se lançar ao cargo. Até no Pará há dificuldades no relacionamento da governadora Ana Julia (PT) com o cacique pemedebista Jader Barbalho, que pretende voltar ao Senado.

No olho do furacão, o que preocupa os pemedebistas é que até agora não há um disgnóstico claro do que precisa ser feito para reabilitar o Senado com a opinião pública. Nas reuniões da bancada do PMDB, várias propostas são feitas, mas de forma dispersa e sem continuidade. "Há um desnorteamento", diz um integrante da bancada no Senado.

A previsão é que a crise não tenha solução rápida e ponha a perder um projeto que o próprio Lula havia delineado para o PMDB, em 2009, véspera de ano eleitoral: uma repaginação da imagem do partido, corroída por episódios como a disputa renhida por cargos, exemplificada pelas ações do deputado Eduardo Cunha (RJ) nas nomeações para Furnas e seu fundo de pensão, ou o escândalo que levou o senador Renan Calheiros (AL) a renunciar à presidência do Senado, em 2007. Escândalo, aliás, que ainda hoje permeia as disputas no Senado e agrava o desgaste na imagem do PMDB.

Acuado, o PMDB nem sequer recorreu ao "achado" de Temer que permite a ele e a Sarney desafogar as pautas da Câmara e do Senado, independente do "trancamento" provocado por medidas provisórias não votadas. Em vez de "ir para o enfrentamento com a oposição, Temer preferiu esperar por uma palavra definitiva do Supremo Tribunal Federal (STF).

Socorro aos municípios

EDITORIAL
DEU NO ZERO HORA (RS)


As dificuldades financeiras enfrentadas por muitos municípios brasileiros, particularmente os que dependem dos repasses de verbas federais, hoje em queda, são reais e precisam ser enfrentadas. No momento em que a questão se transforma em prioridade da Câmara dos Deputados, porém, o risco a ser evitado é de que as providências atropelem a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o que ocorreria se fosse autorizada qualquer ajuda sem observância ao rigor desse dispositivo.

Uma das consequências da crise financeira mundial e de suas sequelas no Brasil foi a drástica redução dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios, resultado da queda na arrecadação federal. O dramático dessa redução é que ela afetou com gravidade centenas de municípios entre os mais pobres do país. Por uma distorção histórica, permitiu-se a criação de municípios que só conseguem sobreviver graças aos recursos que a União lhes repassa, situação que incide sobre cidades de todos os Estados do país, de Norte a Sul. Sem condições financeiras para organizar e manter suas estruturas administrativas e prover os serviços que são de sua atribuição, tais municípios foram criados irresponsavelmente. Para cumprirem suas funções, dependem crucialmente da ajuda que vem dos cofres federais. Sempre que tais recursos escasseiam, prenuncia-se uma crise. Como agora. Segundo estimativas da Confederação Nacional dos Municípios, os repasses do primeiro trimestre deste ano foram de R$ 11,9 bilhões, R$ 1,7 bilhão menos que no mesmo período de 2008.

São reduções significativas, especialmente para as cidades que estruturaram seus serviços, tendo em vista a injeção sistemática desses recursos. Trata-se de uma questão grave, que exige um enfrentamento responsável, sem cair na tentação de usar o problema dos municípios para demagogias eleitoreiras. Como o próximo ano é de eleições, o momento é propício para que deputados e senadores façam acenos irresponsáveis. É preciso que, também nessa questão, prevaleçam o bom senso e o espírito público. A compensação para os municípios prejudicados pela desoneração do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados, concedida pela União, particularmente na compra de automóveis, tornou-se um dever. Afinal, de cada cinco municípios do país, quatro têm estrita dependência desses repasses e vão precisar do socorro que está sendo articulado em Brasília. É fundamental que, na construção de uma proposta de ajuda, se mantenham as conquistas que já se incorporaram à própria saúde financeira dos municípios, em especial as da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Eleitoral e eleitoreiro

Fábio Wanderley Reis
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Temos visto, no período recente, a imprensa a tomar com insistência o tema da "antecipação" da campanha eleitoral de 2010. Em conexão com ele, surge a questão de até que ponto esta ou aquela atividade dos candidatos potenciais ou dos titulares de cargos governamentais, com destaque para o presidente da República, seria atividade de campanha exercida fora dos prazos legais e passível de denúncia.

Na medida em que há leis que tratam de regular as campanhas, não é irrelevante se elas são ou não cumpridas. E é bom, em princípio, que disponhamos de uma Justiça Eleitoral guiada pela preocupação de assegurar que o processo eleitoral se desenvolva de modo apropriado. Mas são muitas as dificuldades envolvidas, e é duvidoso que nossos dispositivos legais a respeito sejam suficientes para contorná-las. Veja-se, em nosso vocabulário político, a fluidez da linha que separa o "eleitoral" supostamente legítimo do depreciativo "eleitoreiro" - e o fato de que este último é aplicado não só a práticas de campanha como tal, mas às próprias ações administrativas dos governos.

Ora, se temos democracia e eleições e se estas ocorrem com frequência, o empenho de separar o eleitoral do vil eleitoreiro é problemático. A democracia eleitoral requer que o eleitor seja informado do que faz o governo e possa usar essa informação como critério importante de sua decisão de voto. O grande argumento em favor da possibilidade de reeleição, inclusive no caso de cargos executivos, é justamente o de que o eleitor possa recompensar ou punir, com seu voto, o desempenho prévio dos titulares que se recandidatam. Embora possa haver bons motivos para restrições à possibilidade de reeleição para certos cargos, o princípio geral em jogo vale, de modo muito mais amplo, nas relações entre eleitores e partidos ou, em geral, entre eleitores e alternativas políticas diversas que se confrontem. Seja como for, é evidente a impropriedade de pretender que a comunicação relevante só venha a ocorrer em certo momento: num sentido importante, administrar democraticamente é, por definição, fazer campanha eleitoral.

Mas é também evidente que se acha em questão algo mais do que comunicação mais ou menos intensa, a saber, o conteúdo da comunicação e seu significado para os eleitores. Estudos sobre o funcionamento do Legislativo conduzidos nos Estados Unidos há tempos destacam o papel exercido pela "conexão eleitoral", envolvendo a suposição "realística" de que os parlamentares estão interessados antes de mais nada em sua própria reeleição e prontos, em razão disso, a favorecer o clientelismo e o chamado "pork barrel". O problema é como combinar a atenção realista aos interesses dos eleitores, dos quais se esperam retribuições eleitorais, com o empenho de evitar o estreito particularismo de tais extremos e seus correlatos negativos.

Vimos há pouco Jarbas Vasconcelos em denúncia veemente do caráter "eleitoreiro" de toda uma linha administrativa ou de política pública como tal, com a caracterização do programa Bolsa Família como "o maior programa de compra de votos do mundo". Qual a sugestão a depreender daí quanto à forma correta de conceber e executar políticas públicas e democráticas, em que a compra de votos não ocorresse? Certamente a de uma administração orientada com exclusividade por complexos programas de longo prazo, presumivelmente acompanhados do convite a que, ao tomar suas decisões de voto, os eleitores (em particular, é claro, a maioria de eleitores carentes, onde as eleições se ganham ou perdem) venham a situar-se sofisticadamente diante de tais programas, ponderando a articulação entre o curto e o longo prazo nas ações governamentais e em seus efeitos e apoiando os seus proponentes. Isso redunda em martelar de novo a velha tecla do anseio pela "política ideológica".

Mas as objeções são várias. Em primeiro lugar, essa demanda latente e meio surpreendente por ideologia como fator de decisão política sofisticada se choca com certa difundida avaliação positiva (justamente contra velha retórica ideológica de esquerda) do pragmatismo que supostamente leva, por exemplo, as eleições municipais a serem decididas por eleitores atentos aos ganhos imediatos que as diferentes propostas lhes oferecem. Além disso, o longo prazo não é senão uma sucessão de prazos curtos, e há urgências a serem atendidas até como condição de que se possam perseguir objetivos mais remotos (sem falar, quanto a um programa como Bolsa Família, das condicionalidades que a ele se ligam e de sua relevância direta para considerações de longo prazo). Finalmente, não há como deixar de reconhecer que os eleitores alcançados pelas políticas em questão e movidos eleitoralmente por elas são, de fato, como consequência de suas carências, os menos capazes de deliberação sofisticada sobre assuntos político-eleitorais: depois de séculos de produzir e manter uma sociedade desigual, cabe pretender cobrar sofisticação e paciência dos menos iguais, especialmente num quadro em que o que se vê entre os mais iguais é o oposto, com ganância, imediatismo e corrupção?

Anos atrás, Philip Converse resumiu em rica análise ("Popular Representation and the Distribution of Information", 1990) constatações reiteradas sobre a má distribuição da informação sobre política e suas consequências normativamente negativas para a ideia de representação. Usando a metáfora de "sinal" versus "ruído" nas relações entre representantes e bases eleitorais, Converse salientava a sugestão de que os sinais tendem a vir sobretudo das bases socio-economicamente favorecidas e mais informadas, com a implicação de que os menos favorecidos e informados seriam parcialmente "disenfranchised", ou excluídos da representação.

Mas há um sinal inequívoco a emanar destes últimos, justamente o que diz respeito a suas carências e urgências. Vale propor que tal sinal seja ignorado?

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

Ópera do malandro

Fernando de Barros e Silva
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Pelo andar da carruagem, com direito a foto ao lado da rainha e elogios a céu aberto de Barack Obama, Luiz Inácio Lula da Silva ainda acaba recebendo o Prêmio Nobel. Não o da Paz, mas o de Literatura, pelo conjunto da obra, na ausência de um de Artes Cênicas, que lhe conviria melhor.

Não há por que discordar do político mais popular do mundo -Lula é mesmo o cara. Primeiro propagou a ficção da "marolinha" e dela desembarcou sem explicações. Depois responsabilizou os "brancos de olhos azuis" pela crise. Assoprou e mordeu, falou duro ou macio, disse "A" e seu contrário, sempre conforme as conveniências. Agora, Lula tira nova casca e emerge do G20 como uma liderança, acolhido com honrarias no clube dos poderosos.

Se o colegiado supranacional contra a catástrofe mundial tivesse de escolher seu urso de pelúcia, Lula seria o melhor candidato.

Ao paparicar o operário que chegou lá, o mundo rico expia a sua culpa sem correr riscos adicionais.

Quando não se sabe bem o que fazer, mas qualquer mudança radical parece fora do horizonte, a falta de convicções pode ser uma virtude. No caso de Lula, é também um expediente de sobrevivência.

Ao dizer que ele é "boa pinta", Obama está a um passo de fazer, na figura de Lula, o elogio do jeitinho brasileiro -da nossa eterna vocação para acomodar conflitos, da arte nacional e malandra de ziguezaguear entre o sim, o não e o talvez.

Menos do que o fim do Consenso de Washington celebrado por Gordon Brown, talvez estejamos assistindo à sua "brasilianização".

O tema da "brasilianização do mundo" tem sido um tópico recorrente da sociologia. Quem, por aqui, recenseou suas várias dimensões num ensaio corrosivo foi o filósofo Paulo Arantes ("A Fratura Brasileira do Mundo", do livro "Zero à Esquerda"), que, ainda em 2001, dizia: "Na hora histórica em que o país do futuro parece não ter mais futuro algum, somos apontados, para o mal ou para o bem, como futuro do mundo". O colapso em curso tornou essa comédia ainda mais atual.

A China oferece capitalismo com ditadura

Carlos Alberto Sardenberg
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

É para reparar: uma força essencial na salvação do capitalismo é a República Popular da China, dirigida pelo Partido Comunista. O Fundo Monetário Internacional (FMI), guardião do capitalismo, precisa de capital e quem mais pode fornecer é o Banco do Povo da China, montado que está em reservas de US$ 2 trilhões.

Cumprindo esse papel, o presidente chinês, Hu Jintao, compareceu à reunião do G-20 (grupo que reúne as 20 maiores economias do mundo, entre desenvolvidos e emergentes) levando uma mala de dinheiro e uma sacola de conselhos econômicos e políticos. Os econômicos tinham endereço: os Estados Unidos. Foi divertido. Hu disse que o FMI deveria exercer mais supervisão sobre os países que emitiam moeda de reserva, de modo a garantir que mantivessem sólidas políticas.

Ora, o dólar é a moeda de 65% das reservas mundiais. Só os chineses têm mais de US$ 1 trilhão em títulos denominados em dólares - e, por isso, têm manifestado preocupação com os imensos déficits que o governo americano está abrindo para combater a crise. Como se sabe, déficits e dívidas enfraquecem as moedas.

Eis outra ironia: os chineses estão dizendo que os americanos precisam de mais austeridade e ortodoxia em sua política monetária.

Talvez por isso, o presidente Hu tenha dito que o FMI deveria começar a pensar em outras moedas de reserva, não vinculadas a governos nacionais.

Esses assuntos tiveram destaque nas reuniões internacionais, mas passaram batido os conselhos políticos sugeridos pelo primeiro-ministro Wen Jiabao.

Disse ele que o governo chinês havia dado uma resposta pronta e abrangente à crise, montando inclusive um amplo pacote de gastos, de modo muito eficiente. É uma prova, completou, da superioridade do modelo chinês de governar.

Sem qualquer constrangimento, Jiabao, comparando os sistemas, criticou o modo ocidental, por causa dos processos que exigem muita negociação e sucessivas aprovações.

Ou seja, o primeiro-ministro defendeu a ditadura contra a democracia. Na China, o governo, quer dizer, o Partido Comunista, decide e acabou. O pacote estava definido, anunciado e iniciado semanas antes da reunião do Congresso do Povo, que deveria discuti-lo, ou melhor, aprová-lo.

Enquanto isso, nos Estados Unidos, cada vez que o governo Barack Obama precisa fazer alguma coisa - socorrer o sistema financeiro, por exemplo, ou a General Motors - precisa ir ao Congresso pedir a autorização e o dinheiro.

Não é nova a tese de Jiabao. Já se discutiu muito por estes lados, nos anos 70 e 80, que, em certas circunstâncias, ditaduras são mais eficientes na política econômica, nem importando se seriam ditaduras de direita ou esquerda.

A tese morreu, ou ficou adormecida, porque as ditaduras dessa época terminaram em fracassos - inclusive o regime chinês de Mao, cuja revolução cultural deixou o país na miséria, depois de um banho de sangue.

Mas, se vários países caíram na democracia, a China seguiu na ditadura. A turma de Den Xiao Ping liquidou os herdeiros de Mao, assumiu o poder e iniciou a nova era, que permitiu a chegada do capitalismo.

Com o fim do socialismo no mundo todo, a coisa ficou mais simples. É tudo capitalismo na economia, com democracia ou com ditadura na política. Não é tudo assim, preto no branco. Há zonas cinzentas, democracias com restrições ou ditaduras com relaxamentos. Mas as categorias básicas são essas mesmas.

Assim, Cingapura, por exemplo, que era uma ditadura de direita, agora é igual à China, dita de esquerda. Agora é tudo capitalismo com ditadura e forte intervenção do Estado.

É o que os chineses estão oferecendo como mais eficiente. Considerando o enorme valor que a democracia tem para o Ocidente, é evidente que eles não esperam que seu conselho seja sequer recebido.

Sua intenção é outra - barrar as pressões que o Ocidente faz para que a China inicie algum tipo de abertura. Essas pressões, é verdade, já foram mais fortes. A China chegou a sofrer sanções depois do massacre na Praça da Paz Celestial, em 1989. Com o tempo e com a ascensão do poder econômico da China, essas pressões foram diminuindo, diminuindo, até que praticamente desapareceram. De vez em quando algum governante defende o povo do Dalai Lama, mas é só.

E hoje, do alto de sua montanha de dólares, de seu PIB de mais de US$ 4 trilhões (o terceiro do mundo), o presidente Hu Jintao e o primeiro-ministro Wen Jiabao estão dizendo: chega dessa conversa, nosso sistema é assim mesmo e é o melhor. E vamos cuidar do capitalismo.

De todo modo, para não deixar margem a outras interpretações: há, sim, países capitalistas que vão muito bem com suas democracias, mesmo com os demorados e complexos processos eleitorais, legislativos e judiciários.

E quanto à eficiência do sistema chinês, falta uma opinião essencial, a do povo chinês.

Salvem o FMI!

Outra ironia da semana foi a do presidente Lula. Ele mesmo a fez. Notou como era engraçado que ele, depois de ter passado boa parte de sua vida carregando cartazes com "Fora FMI", agora participasse de um esforço de salvar e reforçar o FMI.

O Brasil do governo Lula vai emprestar dinheiro para o FMI cumprir seu papel de resgatar países em dificuldades e manter de pé o sistema financeiro. Melhor assim, não é mesmo?

*Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

Economia em baixa, desemprego em alta

João Sabóia
DEU NO VALOR ECONÔMICO

É fundamental acompanhar de perto a geração de renda e a evolução do mercado de trabalho

O mercado de trabalho brasileiro apresentou nos últimos anos um comportamento que poderia ser considerado como excepcional: a geração de empregos com carteira de trabalho assinada no quinquênio 2004/08 atingiu mais de 7 milhões. Apesar das dificuldades do quarto trimestre do ano passado, 2008 ficou dentro do padrão médio observado no período. Ao se compararem os últimos cinco anos com o ocorrido em 2000/03, verifica-se que a média anual de geração de empregos com carteira assinada mais que dobrou, passando de 663 mil para 1415 mil anuais (ver gráfico).

Infelizmente, os bons números ficaram para trás e é preciso enfrentar a nova situação surgida em 2009, quando a economia brasileira dificilmente apresentará taxa de crescimento positiva do PIB e o mercado de trabalho sofrerá as consequências inevitáveis da recessão econômica.

Os primeiros números de 2009 já divulgados causam preocupação. Após quedas do desemprego ano após ano desde 2004, a situação no início de 2009 aponta para as dificuldades a serem enfrentadas. Em fevereiro, a taxa de desemprego levantada pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE voltou ao mesmo patamar de fevereiro de 2008 (8,5% e 8,7%, respectivamente). Talvez o mais preocupante seja o fato de que na Região Metropolitana de São Paulo, a principal do país, a taxa de desemprego de fevereiro último (10%) já superava com folga o valor de fevereiro de 2008 (9,3%).

E quais seriam as perspectivas para o resto do ano? Certamente, bastante preocupantes. Conforme pode ser verificado no segundo gráfico, devido a características sazonais da economia e do mercado de trabalho, a taxa de desemprego costuma crescer ao longo do primeiro semestre, voltando a cair no segundo. O crescimento da taxa mensal pode se encerrar mais rapidamente, como em 2004, 2005, 2007 e 2008, ou mais adiante no ano, como em 2003 e 2006.

Tendo em vista as dificuldades da economia neste ano, o mais provável é que já em março a taxa de desemprego tenha superado o valor do mesmo mês em 2008 e que continue a crescer e se distanciar pelo menos até meados do ano. A dimensão do aumento vai depender, de um lado, de como a economia se comportará nos próximos meses e, de outro, de como as pessoas reagirão às dificuldades encontradas no mercado de trabalho. Usualmente, quando as condições de emprego pioram, há uma tendência de que parcela da população economicamente ativa (PEA) se retire, reduzindo a pressão sobre o mercado de trabalho. Caso contrário, a taxa de desemprego poderá crescer muito. A tendência verificada desde novembro de 2008 tem sido de redução da PEA.

Dados da Pesquisa Industrial Mensal (PIM) divulgados recentemente pelo IBGE são bastante desanimadores, mostrando que em pouquíssimos meses o setor foi para o fundo do poço. Apesar do esforço feito pelo governo para minimizar os estragos, a indústria deverá levar muito tempo para retomar o nível de 2008. Atualmente, encontra-se em um nível de produção de cinco anos atrás. Seus reflexos sobre o nível de emprego são conhecidos e têm sido amplamente divulgados pela mídia.

Um segundo aspecto central a ser destacado no mercado de trabalho é a evolução do nível de rendimentos. Apesar das dificuldades dos últimos meses, o nível médio de rendimentos captado pela PME no último mês de fevereiro ainda encontrava-se 4,6% acima do observado no mesmo mês do ano passado. A média encontrada foi de R$ 1.321, enquanto a mediana não passou de R$ 748. Cabe notar que o recente ajuste do salário mínimo nacional para R$ 465 deverá proteger parcialmente os rendimentos na base da pirâmide nos próximos meses.

Para verificar os efeitos realimentadores do mercado de trabalho sobre a economia, a variável mais importante da PME a ser observada no momento é a massa de rendimentos, que informa a capacidade de consumo da população. A massa de rendimento real efetivo em janeiro de 2009 (último dado disponível) ainda encontrava-se 6,3% acima do nível de janeiro de 2008. Nos próximos meses, entretanto, os ganhos deverão definhar, quando comparados com os bons resultados de 2008.

Apesar da abertura da economia brasileira nas duas últimas décadas, ela continua relativamente fechada, dependendo em grande parte do mercado interno. Na medida em que o setor externo da economia está parcialmente bloqueado pela crise internacional, não resta ao país outra alternativa a não ser contar com o potencial de seu mercado interno, que certamente representa uma das principais vantagens nesses tempos de incertezas. A realização deste potencial, entretanto, requer que o nível de renda interna permaneça satisfatório, sendo fundamental um acompanhamento de perto do processo de geração de renda e da evolução do mercado de trabalho nos próximos meses.

João Saboia é diretor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Quase 40% pretendem demitir em São Paulo

Marcelo Rehder
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Cortes devem atingir 14,3% dos funcionários nos próximos meses

Duas em cada cinco indústrias de São Paulo pretendem demitir empregados nos próximos meses. Em média, os cortes deverão atingir 14,3% do quadro de pessoal. A má notícia vem de uma pesquisa inédita realizada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que ouviu 586 empresas entre os dias 17 de fevereiro e 17 de março.

A sondagem, no entanto, aponta uma desaceleração no ritmo das demissões. Do total de empresas pesquisadas, 47% informaram que já tinham dispensado, em média, 18,7% dos funcionários desde outubro de 2008, quando os efeitos da crise financeira mundial começaram a se acentuar sobre o País. Aquelas que pretendem promover mais demissões, e que representam 38% da amostra, dizem que o corte agora será menor, ao redor de 14%.

Para o diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da Fiesp, Paulo Francini, o pior pode já ter passado, mas a crise continua a causar estragos na atividade e no emprego industrial. "É mais ou menos como um alicate apertando o dedo", compara Francini. "Quando a pressão alivia um pouco, o sujeito diz oba, o pior já passou, mas o alicate continua apertando o seu dedo."

A pesquisa revela que o porcentual das empresas que têm planos de demitir é maior entre as que já dispensaram trabalhadores nos últimos meses. Nada menos que 56% dessas empresas dizem que vão promover novos cortes, enquanto apenas 20% das que ainda não tinham demitido agora planejam fazer ajustes de pessoal.

"A onda de uma crise não atinge todas as empresas com a mesma intensidade a ao mesmo tempo", explica Francini. "A extensão foi maior que o imaginado e muitas empresas sentem necessidade de fazer um novo ajuste, enquanto outras só começam a tomar providências agora porque a onda chegou mais tarde para elas."

O tamanho do estrago apareceu nos números do nível de emprego divulgados mensalmente pela Fiesp. Até fevereiro, as empresas do setor fecharam 236,5 mil postos de trabalho,o que corresponde a um corte de quase 10% no número de empregos que existia no Estado em setembro de 2008.

O "facão" não poupou nenhum setor industrial.O corte foi maior na indústria de produtos alimentícios, que demitiu cerca de 78 mil trabalhadores, o equivalente a uma redução de 20% no nível de emprego. O número, no entanto, deve ser analisado com cautela, pois sofreu forte influência das demissões do setor sucroalcooleiro. Por causa da sazonalidade do plantio e corte da cana-de-açúcar, as usinas contratam milhares de trabalhadores ao longo do ano e costumam demitir a maioria deles em novembro e dezembro.

Já os fabricantes de veículos automotores, reboques e carrocerias, por exemplo, sentiram a retração da demanda e dispensaram 25,5 mil empregados (-10,2%). Da mesma forma, a indústria de produtos de borracha e de material plástico colocou na rua 15,5 mil trabalhadores e o setor de confecções e artigos do vestuário mandou embora 11,8 mil trabalhadores. Entre os menos afetados, estão os empregados dos laboratórios farmacêuticos, que fecharam apenas 120 vagas, e da indústria de produtos químicos (780 dispensas).

Responsáveis por algo como 40% do Produto Interno Bruto (PIB)industrial brasileiro, as empresas do setor instaladas no Estado empregam hoje cerca de 2,350 milhões de pessoas.

Quem socorre o G20?

Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Os países ricos, ao fornecerem recursos via FMI para os pobres pagarem suas dívidas, protegem seus próprios bancos

A FINAL NÃO houve surpresas no comunicado oficial do G20. Os chefes de governo concordaram sobre três pontos: a) reconheceram que a crise originou-se na desregulação dos mercados financeiros e decidiram re-regular e aumentar a supervisão desses mercados a nível nacional e internacional, no segundo caso com a criação de uma nova instituição -o Conselho de Estabilidade Financeira; b) reconheceram que a crise bancária se transformou em uma crise de crédito e, em seguida, em uma crise de demanda e se comprometeram a aumentar o gasto fiscal; e c) decidiram aumentar os recursos das agências financeiras multilaterais, principalmente do FMI.

As duas primeiras orientações são consensuais. Em relação à primeira, o problema será o de definir o que e como regular. Ou a nova regulação proíbe a prática de inovações financeiras que aumentam a opacidade das operações e elevam seu nível de risco com o objetivo de aumentar sua rentabilidade ou de nada adiantará. Os governos também se dispõem a regular o sistema de incentivos aos financistas de forma que estes deixem de ser compensados por resultados no curto prazo que prejudicam os de longo prazo. Ótimo, como também excelente que decidam afinal limitar o espaço dos paraísos fiscais e a supervisionar as agências de risco. Vamos ver agora como cumprem o prometido.

Em relação às políticas fiscais expansionistas, também não há dúvida. O problema será saber o quanto caberá às reduções de impostos (que interessam os ricos) em comparação com o aumento de despesa e, em relação a estas, o quanto será destinado aos investimentos públicos (que interessam às empresas) e o quanto à despesa social (que interessa aos pobres).

Já o grande aumento dos recursos ao FMI está longe de ser consensual.Por que tomar essa decisão beneficiando uma organização que foi uma das responsáveis por essa crise ao estimular, em vez de refrear, os países em desenvolvimento a incorrer em déficits em conta corrente (a política de "crescimento com poupança externa") levando-os a repetidas crises de balanço de pagamento?

Confesso que minha pergunta é retórica, porque sei a resposta. Ela é pertinente porque não faz sentido premiar culpados, mas o problema aqui é outro: é proteger os bancos internacionais que não se limitaram a especular com inovações financeiras -também emprestaram irresponsavelmente a países em desenvolvimento. Depois da sucessão de crises de balanço de pagamentos que enfrentaram nos anos 1990, muitos países aprenderam a não incorrer em déficits em conta corrente. Houve, entretanto, alguns desavisados que incorreram em grandes déficits e agora estão quebrados.

É preciso, portanto, socorrê-los.

Mas socorrer especificamente quem? São mesmo os países ou são os maravilhosos bancos dos países ricos que financiaram esses déficits ou essa política de crescimento com poupança externa? Para alguns países em desenvolvimento, pode ser preferível o socorro à quebra, mas, para outros, a moratória branca e a obtenção de um substancial desconto seria preferível.Para os países ricos, porém, não há dúvida de que fortalecer o capital do FMI é necessário.

Dessa forma, aparentarão estarem protegendo os pobres, mas, na verdade, ao lhes fornecer recursos para pagarem suas dívidas, estarão protegendo seus próprios bancos -aqueles bancos arrogantes e seus economistas ainda mais arrogantes que, até há pouco, ensinavam ao mundo os princípios da racionalidade econômica.

Luiz Carlos Bresser-Pereira, 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

Siderúrgicas brasileiras desligam quase metade dos altos-fornos

Irany Tereza
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO (ontem
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Indústria do aço atinge seus menores níveis de utlilização da capacidade instalada, com seis fornos parados

A produção de aço no Brasil desceu, no primeiro bimestre de 2009, ao menor nível de utilização de capacidade instalada de sua história. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS), apenas 47,5% do parque siderúrgico foram mantidos em produção plena em janeiro e fevereiro. Historicamente, o setor registrava índices que beiravam o uso quase integral, sempre acima de 80%.

O tombo é reflexo direto de outro fato inédito: a parada simultânea de seis dos 14 altos-fornos das grandes usinas integradas do País, fato impensável antes do agravamento da crise financeira global. O alto-forno é o coração de uma siderúrgica. De lá sai o ferro-gusa, material básico na fabricação das placas, vergalhões e tubos de aço. O desastre só não atinge proporções maiores por causa da recente reativação das encomendas do setor automotivo, embalado pelos efeitos benéficos da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

No primeiro semestre do ano passado, empurradas pela crescente demanda industrial doméstica e pelo aumento também das exportações, as siderúrgicas planejavam investir US$ 45,7 bilhões até 2013. Hoje, a situação é diferente. Nos dois primeiros meses do ano, as vendas internas caíram 47,8% em relação ao mesmo período de 2008, e as externas também despencaram: -51,6%. Pelas estimativas do IBS, dois terços dos projetos propostos no período pré-crise estão sendo postergados ou mesmo cancelados.

"O setor nunca viveu um momento como este, mesmo em grandes crises, como a de 2001. Normalmente, um mercado compensava o outro. Se a demanda doméstica não era suficiente, a indústria siderúrgica redirecionava a produção à exportação e vice-versa. Este ano, não há compensações. E enquanto outros países recorrem a medidas para inibir importação de aço, o Brasil mantém o benefício da alíquota zero de importação para muitos produtos", diz o vice-presidente executivo do IBS, Marco Polo de Mello Lopes.

Os altos-fornos das siderúrgicas - equipamentos colossais, a maioria com altura em torno de cem metros - são periodicamente parados para manutenção. É uma tarefa técnica pesada de limpeza de instalações e troca de peças, que até bem pouco tempo consumia seis meses de trabalho. Atualmente, pode ser feito entre um mês e meio e três meses. Mas, mesmo concluída a operação, alguns altos-fornos não têm sido reativados. O retorno à atividade agora é uma questão mercadológica, não operacional.

É o caso, por exemplo, de um dos dois altos-fornos da usina da Gerdau Açominas, em Ouro Branco (MG). O forno foi abafado em 15 de dezembro e a retomada operacional estava prevista para o último dia 15. A Gerdau informou, no entanto, que só o aumento da demanda ditará o prazo para a reativação.

Para André Macedo, técnico do Departamento de Indústria do IBGE, a ociosidade do setor siderúrgico reflete o marasmo industrial que acompanha os efeitos da crise. "Esse é um setor que alimenta outros segmentos da indústria. Está intimamente ligado ao maior ou menor dinamismo da produção industrial. E, pelo que podemos observar, há uma capacidade perdida", diz ele.

De setembro de 2008 a fevereiro deste ano, enquanto a indústria geral amargou a queda histórica de 16,9%, a metalurgia (puxada pelo setor siderúrgico) acumulou recorde negativo de 29,2%, segundo cálculo de Macedo. No mais tradicional estilo de uma coisa puxa a outra, essa é a consequência da queda vertiginosa da produção de equipamentos industriais e da trava na construção civil. Os dois segmentos, junto com o setor automotivo, são responsáveis por 80% das vendas internas das siderúrgicas. Mas enquanto o efeito da redução do IPI foi imediatamente sentido, o pacote habitacional do governo não terá o mesmo impacto para os fabricantes de aço. Casas populares, o foco do programa, consomem pouco o produto.

Crise devolve 563 mil às classes D e E

Fernando Dantas
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO (ontem)

Dados das seis maiores regiões metropolitanas mostram reversão no crescimento da classe C

O Brasil registrou em janeiro reversão abrupta no crescimento da classe C, formada por quem tem renda familiar entre R$ 1.100 a R$ 4.800 por mês. Só no primeiro mês do ano a retração econômica fez um total de 563 mil pessoas cair para as classes D e E em seis regiões metropolitanas (São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife). De janeiro de 2003 a dezembro de 2008, a participação da classe C na população total dessas seis regiões, onde mora um quarto dos brasileiros, tinham crescido de 43% para 53,8%. Em janeiro, recuou para 52,6%. Os cálculos são do pesquisador Marcelo Néri, da Fundação Getúlio Vargas. Com base em dados preliminares ainda não consolidados, ele avalia que em fevereiro a situação ficou estável, sem uma recuperação expressiva das perdas do mês anterior, mas tampouco sem agravamento da deterioração. “Foi só em janeiro que soou o alarme de que, na área social, a crise não era apenas uma marolinha, embora ainda não esteja caracterizado que seja um tsunami”, afirma Néri. (págs. 1, B1 e B3)

Crise devolve 563 mil à baixa renda

O ano de 2009 começou com uma reversão abrupta no crescimento da classe média - incluindo a classe C, a classe média popular - que caracterizou boa parte do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Somente em janeiro, a classe C nas seis maiores regiões metropolitanas do País perdeu 11% do seu crescimento no governo Lula. No mês, um total de 563 mil pessoas caiu da classe C para as classes D e E nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife.

Somando-se as classes A e B à C, a redução nas regiões metropolitanas chega a 765 mil, e é exatamente igual ao aumento das classes pobres, a D e a E. O crescimento da classe C é uma marca do governo Lula e também um fenômeno global causado pelo boom econômico encerrado em setembro do ano passado, especialmente em países como a China e a Índia. As classes A e B, por sua vez, incluem o que normalmente se considera como classes média e média alta no Brasil.

As seis regiões metropolitanas representam apenas um quarto da população, e, portanto, o recuo da classe média em janeiro deve ter sido muito maior do que as 765 mil pessoas. Porém, segundo Marcelo Neri, do Centro de Política Social (CPS) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que fez os cálculos, não é possível extrapolar os números para a população como um todo.

A ameaça ao crescimento da classe média é reforçada por cálculos do pesquisador Ricardo Paes de Barros, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que indicam que a crise tende a atingir principalmente as pessoas mais educadas no Brasil, o que, dada a baixa média educacional do País, inclui a classe C, além da A e B.

O recuo em janeiro na participação da classe C no total das seis regiões metropolitanas foi de 1,2 ponto porcentual, saindo de 53,8% em dezembro de 2008 para 52,6%. De janeiro de 2003, início do governo Lula, até dezembro de 2008, a parcela da classe C cresceu 10,8 pontos porcentuais, de 43% para 53,8% na população total das regiões metropolitanas.

As classes A e B, por sua vez, cresceram de 11,2% da população nas regiões metropolitanas para 15,3%, de janeiro de 2003 a dezembro de 2008, e recuaram para 14,9% em janeiro. Já as classes pobres, D e E, diminuíram de 45,8%, no início do governo Lula, para 30,9% em dezembro de 2008. Em janeiro, elas subiram a 32,4% - um avanço de 1,6 ponto porcentual, que desfaz, em um mês, um naco de 11% da redução das classes pobres desde 2003.

Segundo Neri, a reversão de janeiro é "muito preocupante", embora fevereiro indique alguma melhora.

Carinhoso

Pixinguinha / Braguinha
Canta: Mariza Monte/ Paulinho da viola
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