quarta-feira, 20 de maio de 2009

Coalizão defensiva

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

A conjugação da incerteza quanto à viabilidade física da candidatura da ministra Dilma Rousseff à sucessão de Lula em 2010 com o descontentamento latente na base peemedebista com as recentes medidas moralizadoras na Infraero, que levaram de roldão um punhado de apadrinhados de gente importante do partido, faz com que o governo permaneça patinando em seu último ano político antes da campanha eleitoral, apesar de toda a popularidade do presidente Lula. O PMDB, uma máquina partidária formidável, tem hoje as maiores bancadas da Câmara e do Senado, a presidência das duas Casas, o maior número de governadores. Mas, na definição do ministro da Defesa, o peemedebista Nelson Jobim, é "uma grande confederação de partidos regionais em dissolução".

Só se une para ocupar os espaços da máquina pública que lhe garantem sempre a hegemonia política, seja qual for o governo. A definição, aceita por todos, de que nenhum presidente consegue governar sem o PMDB faz com que o partido cresça permanentemente seu preço de adesão, e se torne o fiel da balança em situações delicadas como a de agora, com a instalação da CPI da Petrobras.

Dos 11 membros da comissão, oito serão da base governista, o que dá uma margem de segurança teórica bastante boa ao governo. Mas, dos oito governistas, três são do PMDB, ou seja, não são de ninguém. Têm o poder de fazer a maioria se trocarem de lado, o que já aconteceu na famosa CPI dos Bingos, que acabou causando a desgraça política do então todo-poderoso ministro da Fazenda, Antonio Palocci.

A incerteza sobre a saúde da ministra Dilma Rousseff aumenta ainda mais a fluidez do comportamento do PMDB, que já começa a se movimentar em duas direções: um dos seus já anuncia uma emenda para permitir a Lula a disputa do terceiro mandato consecutivo, enquanto outros já se aproximam do PSDB.

Fiel a seu destino, também aí o PMDB se divide entre os governadores José Serra e Aécio Neves. A cada sinal de que o tratamento da ministra-candidata pode ser mais complicado do que o previsto oficialmente, mais nos bastidores se movimentam aqueles que estão acostumados ao poder.

O poder do PMDB cresceu no segundo mandato do presidente Lula, quando ele, num gesto ousado, decidiu incorporar ao governo os dois lados do partido, manobra nunca antes tentada neste país, por absurda ou impossível.

Mostrou-se possível, embora continue absurda, já que a lealdade de políticos assim cooptados é individual, não partidária, e está ligada diretamente à persona política criada pelo presidente Lula.

Sem ele, nenhum compromisso resiste, e as brigas com o PT se acirram. Entre as muitas camadas tectônicas que vão se acomodando nessas disputas, às vezes causando grandes terremotos, está o controle da maioria do Senado.

Ao mesmo tempo em que depende de uma ampla coligação com o PMDB para dar base de sustentação à candidatura de Dilma, o PT quer ampliar sua bancada no Senado para não depender mais do PMDB.

Com essa salada partidária difícil de engolir e a tentativa de fazer uma reforma eleitoral de "meia-sola" para funcionar já na eleição de 2010, fica claro que o futuro governo, seja ele quem for, precisará montar sua própria base partidária em novas formas.

O sonho de fazer um grande partido de apoio ao governo, com a ampliação da base do partido governamental, sempre esteve na cabeça dos tucanos desde a primeiro gestão de Fernando Henrique.

O PSDB, no entanto, nunca foi um partido organizado, e a morte de Sérgio Motta, sua grande força mobilizadora, impediu que se aproveitassem os oito anos de governo para estruturar um partido realmente nacional. Hoje, em sete estados o PSDB não tem um deputado federal que o represente.

Para governar, o PSDB teve que cooptar parcelas do PMDB e se unir a outros pequenos partidos, mas o PFL, que era então um grande partido e com influência no Nordeste, dava ao governo um sustentáculo que o atual DEM não poderá dar.

Já o PT, com uma organização partidária das mais fortes, tentou montar sua base parlamentar cooptando literalmente todos os pequenos partidos e a totalidade do PMDB, o que, se por um lado dá ao governo Lula teoricamente a maior base de apoio que um presidente já teve, por outro lado o obriga a barganhas praticamente intermináveis.

Foi assim que nasceu o mensalão, e é assim que a banda toca até hoje, com a divisão da máquina estatal entre os partidos da base governista.

Os três maiores partidos do país sofrem de problemas distintos: o PSDB tem lideranças individuais e não tem máquina partidária; o PT tem uma máquina partidária azeitada, mas carece de líderes nacionais, que não cresceram à sombra de Lula; e o PMDB é uma máquina partidária fragmentada, com lideranças regionais.

Nunca o PMDB teve tanto poder, e nunca um governo teve tão pouca margem de manobra legislativa, governando a golpes de medidas provisórias.

Como no caso da Petrobras, que tem mais indicados por peemedebistas do que por petistas, sem contar, é claro, com os sindicalistas, que aí o PT é imbatível.

É uma "coalizão defensiva", não para permitir ao governo avanços administrativos, mas para evitar que seja incomodado pela oposição. E mesmo assim a tática falha de vez em quando, como agora na CPI da Petrobras.

Ultrapassada essa primeira etapa da reforma política, provavelmente sem que se consiga aprovar o voto em lista fechada já para a eleição de 2010 - e mesmo que essa reforma "fatiada" seja aprovada -, ficará para o próximo governo levar o novo Congresso a fazer uma reforma política profunda, que deveria ter como base uma reorganização partidária.

Gente desobediente

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Pode ser só impressão, mas o presidente Luiz Inácio da Silva parece um tanto silencioso demais em relação à retomada da ofensiva em prol do terceiro mandato.

Já faz duas semanas - 14 dias exatos - que o senador Fernando Collor deu uma entrevista ao jornal Valor Econômico abrindo nova temporada de manifestações em favor da realização de um plebiscito ou de uma emenda constitucional a ser submetida ao referendo popular, e Lula até agora, nada. Quieto, não deu uma palavra a respeito.

Sua assessoria, sempre célere na distribuição de versões sobre a "irritação" do presidente com isso e aquilo, tampouco se movimentou. Os tradicionais arautos da tese, o deputado petista Devanir Ribeiro à frente da caravana, igualmente se abstiveram de pronunciar suspiro.

Outros personagens assumiram a tarefa. A Collor seguiu-se o deputado cassado Roberto Jefferson, ambos do PTB. Ao PMDB coube dar objetividade ao debate, por intermédio do deputado Jackson Barreto - ex-prefeito de Aracaju, como o atual governador de Sergipe, Marcelo Déda, do PT -, que anuncia para o fim do mês a apresentação de uma emenda constitucional propondo a possibilidade de mais de uma reeleição para presidentes, governadores e prefeitos.

Barreto recolheu, também em silêncio absoluto, as 171 assinaturas de deputados, necessárias à formalização da proposta. Por ela, se o Congresso aprovar a emenda, em setembro a novidade seria submetida a referendo da população. Um ano antes da eleição, a tempo de valer para o que interessa: a presidencial de 2010.

O presidente da República já afirmou reiteradas vezes (em público, diga-se) que não tem o menor cabimento alterar a Constituição para lhe dar a chance de concorrer a um terceiro mandato consecutivo. "Seria brincar com a democracia", disse numa dessas ocasiões.

Chegou, consta, a admoestar o deputado Devanir Ribeiro, seu amigo dos velhos tempos de ABC, quando ele começou a defender aberta e claramente a alteração das regras. Logo após a reeleição disse que seu plano era assar "uns coelhinhos" depois de deixar a Presidência.

Mas, a despeito de toda essa firmeza, sua base aliada não lhe segue as orientações. Ou não as leva a sério. Lula, como se sabe, é daqueles chefes que, nas internas, comanda na base no grito. Mete medo, não deixa espaço para contestações, não admite que o desautorizem.

Consegue tudo, até impor um projeto de candidatura presidencial de baixo para cima, goelas adentro. Só não consegue que os companheiros o obedeçam e parem de criar constrangimentos institucionais, dando a entender que ele poderia compactuar com essa história de terceiro (e por que não um quarto ou quinto?) mandato.

Mal comparando, algo semelhante ocorre com presidentes da Câmara e do Senado. Poderosos, podem fazer a chuva cair e o sol aparecer dentro do Congresso, mas não podem assegurar a lisura da conduta de suas excelências.

No caso do Parlamento, a explicação tornou-se clara ultimamente: o comando não impõe o controle porque compactua com o descontrole.

Em relação ao silêncio do presidente há outras possibilidades: ele pode estar farto de repetir a negativa, pode considerar perda de tempo falar sobre um assunto com prazo de validade vencido, pode preferir ignorar por achar a hipótese inexequível, mas pode também dar margem a que se interprete seu mutismo como sinal de consentimento.

Donde, a conveniência de tal silêncio não se prolongar para que não recenda a licenciosidade.

Mineiramente

O governador de Minas, Aécio Neves, acaba ficando rouco de tanto desmentir o indesmentível: que as cúpulas do PSDB e do DEM há mais de um ano trabalham com a ideia da chapa presidencial puro-sangue com ele como vice de José Serra.

Mas desta vez o governador limitou-se a negar a oficialização do projeto, não a existência dele.

Embora verossímil a negativa de que martelo tenha sido batido, o episódio faz lembrar velha piada mineira pelo próprio Aécio citada para negar sua saída do PSDB.

Dois políticos mineiros se encontram e um pergunta para onde o outro está indo. "Vou para Barbacena."

O primeiro pensa: "Ele diz que vai para Barbacena para eu pensar que ele vai para Lavras, mas ele vai é para Barbacena mesmo."

Sobre uma possível mudança de partido, Aécio interpretou assim a analogia: "Se estou dizendo que vou para Barbacena, não é para despistar, vou mesmo." Ou seja, ficar no PSDB.

No caso da composição da chapa puro-sangue, a questão ficará em aberto até o fim de 2009, quando então se saberá se Aécio Neves vai mesmo para Barbacena ou se desta vez despista e Lavras é, de fato, o seu destino.

Um adendo, apenas. O governador alega que mais produtivo seria o PSDB se aliar a um outro partido. Mas, uma vez que o DEM apoia o plano "puro-sangue" e o PMDB prefere o conforto da dubiedade, não sobram parceiros politicamente significativos.

Sem Dilma, a carta de Lula 3.0 virá da rua

Elio Gaspari
DEU EM O GLOBO

Adoença da ministra Dilma Rousseff acordou o fantasma de uma emenda constitucional que abra o caminho para Nosso Guia disputar nas urnas um terceiro mandato. Como sempre acontece, essas tempestades nascem na periferia. O projeto, que prevê um referendo popular, virá do deputado Jackson Barreto (PMDB-SE), e há uma semana a proposta foi trazida pelo sindicalista Paulo Vidal, que nos anos 70 antecedeu Lula na presidência dos Metalúrgicos de São Bernardo. Nas suas palavras, com seu estilo:

"Imaginar pura e simplesmente que politicamente seria importante cumprir as normas constitucionais e tirar o Lula da Presidência, eu acho que todos nós temos que repensar isso. (...) A companheira Dilma que me desculpe."

(Num lance pérfido, Lula já contou que, durante a ditadura, "muitos companheiros presos disseram que o Paulo Vidal era quem tinha dedado. Eu, sinceramente, não acredito". Se não acreditasse, não deveria ter dito, sobretudo quando se sabe que, na oficina de ourivesaria stalinista do mito de Nosso Guia, Vidal é colocado no papel de policial.)

Se a candidatura da doutora Dilma Rousseff sair do trilhos, são fortes os sinais de que a carta petista será a emenda constitucional que permita a disputa do terceiro mandato. A manobra exige que até setembro três quintos do Congresso votem a favor da medida, para levá-la a um referendo. Pode-se antever dificuldades no Senado, que já negou essa maioria ao governo no caso da prorrogação da CPMF, mas uma coisa é certa: se a nação petista for para esse caminho, ela não se fará ouvir com maiorias parlamentares, virá com o ronco das ruas.

A expressão "terceiro mandato" trai a abulia política em que se prostrou a oposição. O que Lula pode vir a pedir é o direito de disputar uma terceira eleição. A ideia de "mandato" pressupõe que, podendo disputar, ganha na certa.

O comportamento dos dois candidatos tucanos à Presidência da República diante da opção queremista (ecoando o "Queremos Getúlio" de 1945) é hoje estímulo para o PT. José Serra e Aécio Neves guardam obsequioso silêncio em relação ao assunto. Serra e o PSDB meteram-se numa camisa de força institucional. Um governador de São Paulo e um partido que simpatizam com uma reforma política capaz de criar o voto de lista por maioria simples ficam numa posição girafa se quiserem condenar um projeto de reeleição que vai buscar os três quintos exigidos para as reformas constitucionais para que se realize um referendo.

No caso do governador de Minas Gerais, chega a ser difícil entender por que ele condenaria a manobra queremista, capaz de levá-lo ao melhor do mundos. Primeiro, porque a mudança permitiria sua própria reeleição (refrigério de que Serra já dispõe, caso não queira ir para outra disputa com Lula). Em 2014 Aécio Neves estará livre de seu principal adversário, que se chama José Serra, não Lula.

É possível que Serra, Aécio e grão-tucanato deem pouca importância aos sinais de fumaça que saem da panela do Planalto. Em 1995 muita gente boa da oposição se recusava a acreditar que Fernando Henrique Cardoso mudaria a Constituição para se reeleger em 1998. Deu no que deu, colocando no colo dos tucanos a paternidade do instituto da reeleição.

Elio Gaspari é jornalista.

O risco de os pés entrarem pelas mão

Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Esta é uma fase em que tudo parece dar errado e, sem uma liderança incontestável, forte o suficiente para ter ascendência sobre diferentes facções do partido, não há clareza sobre como será o futuro político próximo e de que maneira chegará lá o PT. O que um partido como este pode fazer nesta circunstância, é uma incógnita, até para a cúpula. Tem demais a perder, e não parece disposto a esperar sentado por um comandante, alguém que possa levá-lo ao porto seguro da manutenção do poder. Pode sair, e parece que já está, atirando para todos os lados.

Pode explorar polos que vão do terceiro mandato para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao vale tudo para desorganizar o recentemente aprumado adversário. Nada lhe assegura certezas nem o fim em bom termo.

Não se trata de um momento semelhante ao que o PT viveu no mensalão, quando seus principais políticos em posição estratégica, no controle do poder nacional, inclusive aquele que o presidiu durante anos até levá-lo à Presidência da República, recolheram-se, abatidos em suas posições de evidência. À época ainda tinha muito tempo para reequilibrar-se, e conseguiu.

Agora é diferente. O PT está no poder, ocupa a máquina pública - há uma estimativa de que estejam com o partido, na veia, 80 mil cargos -, tem as rédeas dos principais instrumentos de governo, como os fundos de pensão, por exemplo, e como já detinha postos de comando em muitas áreas estratégicas da administração federal mesmo antes de assumir a Presidência da República, nada autoriza a conclusão de que tudo perderá se por acaso ficar fora dela por quatro anos. Ao contrário, todos os partidos têm consciência de que se há algo impossível na alternância de poder, hoje, será desalojar o PT do aparelho.

O medo, porém, cresce com a eclosão de novos riscos, leva a situações agudas, como o nervosismo que assoma o partido neste momento e, por sua vez, leva à troca dos pés pelas mãos.

O partido vem mesmo passando por alguns abalos. A doença da ministra Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil e candidata declarada do presidente Lula a sucedê-lo, é o mais forte. Demorou o PT a absorver a indicação mas, uma vez que a aceitou, tomou como sua, preparou agendas estratégicas e passou a ver possibilidade real de êxito da candidatura. Agora, precisou adaptar-se ao aparente revés da doença.

Por mais que saiba que dentro de dois anos a saúde da ministra pode estar cem porcento, os retrocessos da candidatura neste momento desequilibraram o partido. Saiu às cegas para uma guerra particular com o PMDB nos Estados, onde tem e até onde não tem as melhores chances; dilacerou-se para arquivar o pedido de reintegração do executivo do mensalão aos quadros partidários; apavorou-se com a CPI da Petrobras; antecipou, mesmo com o discurso inverso, a volta do debate sobre o terceiro mandato consecutivo para o presidente Lula, algo esperado apenas para o segundo semestre de 2009; e, diante de um acerto preliminar na principal seara adversária, uma trégua com adiamento da disputa da candidatura presidencial do PSDB, atiçou novamente os contendores, a partir de uma estratégia do núcleo petista de Minas, um dos que mais sofrem com a situação política sufocante.

Da alta cúpula do PSDB, aos dois candidatos principais do partido à presidência e seus representantes mais credenciados, esclareceram à exaustão, durante 48 horas a partir do último fim de semana, a natureza das duas conversas entre José Serra e Aécio Neves, potenciais candidatos do partido à sucessão de Lula, para formulação de uma estratégia comum de ação nos próximos meses. Combinaram que ambos continuam pré-candidatos a presidente e devem participar juntos de eventos partidários pelo país até o segundo semestre, quando será feita nova avaliação do quadro político. Se não for possível evitar as prévias, vão realizá-la entre dezembro deste ano e fevereiro de 2010. E ficou claro que a chapa puro sangue, para os dois pré-candidatos, será a pior solução. Serra teria melhores chances na candidatura à reeleição, se perder a indicação da prévia, e Aécio mais perspectivas ficando quatro anos como senador. Até o ex-presidente Fernando Henrique, entusiasta da chapa puro sangue, deixou o projeto em banho-maria desde março último, quando a lançou, diante das reações contrários dos protagonistas.

As explicações não foram eloquentes o bastante para evitar o balão da chapa pura levantado pelos adversários, inflado a partir do acordo existente para um que não vingou ainda. Ponto para o PT, com grande efeito sobre o PSDB que, historicamente, se sai mal nestas situações. Está claro o desinteresse do partido no governo pelo que foi combinado nas hostes adversárias, mas é um tiroteio sem comando, de alvo ainda não muito definido, enquanto tenta arrumar a própria casa e encontrar caminhos.

Colhido pela CPI da Petrobras, o PT foi obrigado também a baixar, mesmo que temporariamente, as armas que começara a manejar na disputa com o PMDB pelo lançamento das candidaturas nos Estados. Este assunto foi o mais delicado da reunião do diretório nacional realizada em Brasília, há uma semana, e de tão polêmico, depois de um mapeamento preliminar, acabou nas mãos de um grupo de trabalho, que vai estudar caso por caso, estado por estado e quiçá município por município. O PT não é de abrir mão de candidatura, ao contrário, mas acha que o PMDB extrapola nos ataques que faz aos cargos do governo, às diretorias de estatais, ao direto às candidaturas. Resolveu, então, dar uma "esfriada" no partido, por ironia no momento em que surgia a nova imposição, a CPI da Petrobras, empreitada que exigirá muito da aliança partidária..

O presidente Lula evita queimar seu braço direito Gilberto Carvalho e adia a definição do novo comando do PT. A hesitação piora a instabilidade do partido e a sensação de fluidez da sua perspectiva política. Existem, claro, lideranças ainda na ativa que viram, na última reunião do diretório, em Brasília, maturidade e equilibrio nas poucas decisões tomadas. Estes políticos concordam, no entanto, que ato contínuo voltou a sensação de vertigem.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Aécio volta à estrada para defender prévias

Patrícia Aranha
DEU NO ESTADO DE MINAS


Próximo encontro do PSDB será em Foz do Iguaçu, em 5 de junho. Prefeito de Curitiba, Beto Richa diz que são "intrigas" os rumores sobre chapa puro-sangue

Depois de classificar de “piada” a possibilidade de formar uma chapa puro-sangue à Presidência da República formada por ele e o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), o governador Aécio Neves se prepara para voltar a pôr o pé na estrada em favor das prévias no partido para a escolha do candidato à campanha do ano que vem. O próximo seminário tucano, que vai reunir, pela primeira vez, os dois presidenciáveis está confirmado para 5 de junho, em Foz do Iguaçu (PR). Maior estrela do partido no Paraná e pré-candidato ao governo do estado, o prefeito de Curitiba, Beto Richa, almoça com Aécio hoje no Palácio das Mangabeiras. Ontem, Richa defendeu a consulta aos filiados como forma de legitimar o processo. “O governador José Serra já aceitou as prévias. Os dois pré-candidatos aceitaram, então o partido todo tem que aceitar”, argumentou.

Para Richa, não há por que acreditar que as prévias possam provocar divisões na legenda. “Tenho conversado com várias lideranças do PSDB e com a base e posso dizer que o partido está unido e ciente de sua responsabilidade. Não vai deixar que questões menores, que não são de interesse público, possam interferir”, defendeu.

O prefeito chama de “intriga” os rumores de que os tucanos pudessem estar articulando uma chapa pura para a disputa ao Planalto. “Não sei de onde surgiu essa conversa, ninguém assume a colocação. O Aécio está colocando o nome dele para disputar da forma mais legítima e tem todas as condições para pleitear as indicações no PSDB”, avalia.

Fogo amigo Richa admite até que as especulações possam ter sido fomentadas dentro do partido. “Podem ser adversários internos ou de outros partidos. Mas o boato prejudica apenas momentaneamente. É até bom que isso tenha acontecido para que estejamos preparados para futuras colocações indevidas. Já estaremos vacinados”, afirmou. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que esteve com Aécio no sábado e pernoitou no Palácio das Mangabeiras anteontem, também descartou qualquer possibilidade de acordo para formação de uma chapa pura.

O secretário-geral do PSDB, deputado Rodrigo de Castro, lembra que os rumores surgiram depois do primeiro seminário organizado pelo partido, em João Pessoa, na Paraíba, quando Aécio recebeu o apoio dos principais líderes dos partidos aliados, como o presidente do DEM, deputado federal Rodrigo Maia, e do PPS, Roberto Freire. Seria o primeiro encontro dos dois presidenciáveis do partido, mas Serra não compareceu, alegando problemas de agenda. “Toda vez que o governador Aécio aparece bem posicionado, surge um boato. Por isso mesmo, ele tem que rebater firme as especulações e é isso que está fazendo, com a cabeça fria, para afastar qualquer especulação”, afirmou. Rodrigo de Castro acredita que antes do próximo encontro do partido, em Foz do Iguaçu, o modelo das prévias já deve estar desenhado. Depois do Paraná, os tucanos se reunirão em Fortaleza.

Temer vai propor voto majoritário

Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), resolveu propor a adoção do voto majoritário nas eleições para deputado federal, deputados estaduais e vereadores, no lugar do sistema proporcional uninominal. A fórmula transformaria os estados em superdistritos eleitorais e será apresentada na quinta-feira, na reunião de líderes que vai discutir o encaminhamento da reforma política. Pelo sistema idealizado por Temer, seriam eleitos os mais votados, de acordo com o número de vagas, mais ou menos como ocorre nas eleições ao Senado.

A reforma encaminhada ao Congresso pelo Ministério da Justiça não prevê a mudança do sistema proporcional para o distrital. Propõe apenas o voto em lista fechada, o financiamento público de campanha, a flexibilização da fidelidade partidária, o fim das coligações eleitorais e a cláusula de barreira. A fórmula de Temer é uma variedade de voto distrital, assunto que começa a ser discutido na Câmara, onde há pelo menos três projetos de voto distrital. O mais recente é uma proposta de emenda à Constituição do deputado Roberto Magalhães (DEM-PE), propondo a adoção do voto distrital misto. É um meio termo entre a eleição por listas fechadas e a votação uninominal.

“O voto distrital misto concede ao eleitor dois votos, um voto no distrito, majoritário, e outro voto na lista fechada, organizada pelos partidos”, explica Magalhães. Para o parlamentar, o debate sobre a mudança do voto proporcional uninominal para o voto em lista fechada, que gerou grande polêmica na Câmara e rejeição da opinião pública, estimula o debate sobre o voto distrital misto. Para ser aprovada, uma emenda constitucional exige apoio de mais de três quintos dos deputados, ou seja, 301 votos.

Há grande predisposição de mudança no sistema eleitoral por causa da posição dos líderes de cinco partidos, PMDB, PT, DEM, PPS e PCdoB, que defendem o voto em lista fechada. A proposta rachou os partidos, mesmo havendo predisposição à mudança do sistema de eleição dos deputados. Há mais duas propostas de mudança do sistema eleitoral: uma propõe o voto distrital puro, de autoria do deputado Arnaldo Madeira, e outra o “distritão”, do deputado Mendes Thame (PMDB-SP). Madeira critica a proposta de reforma que está sendo apresentada pelo deputado Ibsen Pinheiro, que articula a aprovação do voto em lista fechada e do financiamento público de campanha na Câmara: “Não é uma reforma política, é uma proposta que afasta ainda mais o eleitor.”

O voto distrital misto é o sistema alemão adotado após a II Guerra Mundial. Há controvérsias se a sua adoção necessita de emenda. “Alguns juristas consideram que o voto proporcional permanece no sistema distrital misto. Porém, preferi a emenda constitucional porque meu projeto combina o voto proporcional com o sistema de listas e o voto nominal no distrito”, explica Magalhães. A fórmula de Temer é simples: cada partido apresenta sua lista, são eleitos os mais votados, independentemente da votação total de cada partido. Mas quem trocar de partido, perde o mandato.

Para todos os gostos

Há várias modalidades de voto distrital, que também é visto como alternativa ao tradicional sistema proporcional uninominal, mas requer uma emenda à Constituição brasileira.

Distrital Puro

· Adotado nos Estados Unidos, na Inglaterra e em alguns países da comunidade britânica, subdivide os colégios eleitorais em vários distritos ou circunscrições, nos quais os eleitores elegem de forma majoritária um representante, ficando os candidatos derrotados de fora do parlamento.

Distrital Misto

· Adotado na Alemanha, a metade dos deputados é eleita pelo sistema distrital puro e a outra metade pelo sistema proporcional, adotando-se a modalidade de lista e não o voto uninominal.

Distritinho

· Os estados são divididos em regiões com igual número de representantes, nas quais os deputados são eleitos pelo voto proporcional uninominal.

Distritão

· Adota-se o sistema distrital puro, elegendo dois, três deputados ou até cinco deputados. Foi adotado no Império, por meio do sistema de círculos, cada um com três vagas no parlamento. Na República Velha, o mesmo sistema foi adotado, ampliando para cinco o número de votos, que poderiam ser cumulativos. Ou seja, cada eleitor faz a sua lista e vota em até cinco candidatos.

Majoritário

· O eleitor vota em qualquer candidato de qualquer partido, mas somente são eleitos os mais votados. É o sistema adotado para eleição dos senadores.

Yo pissaré lãs calles nuevamente

Pablo Milanés e Victor Manuel
Confira o video

Clique o link abaixo
http://www.youtube.com/watch?v=u436OUA6phU

Prazo para Dilma e Aécio

Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Um projeto de lei apresentado ontem na Câmara é o casuísmo mais bem maquinado até agora sobre a eleição do ano que vem. O objetivo da proposta é simples: reduzir de um ano para seis meses o prazo mínimo de filiação partidária para interessados em disputar cargos em 2010.

A proposta produz dois resultados práticos para os políticos:

1) Fim da fidelidade partidária. Hoje, quem troca de partido perde o mandato. Com o prazo de filiação reduzido para seis meses antes da eleição, haverá pouco tempo para a Justiça Eleitoral afastar os eventuais infiéis de suas cadeiras. O risco de punição cai quase a zero. Os políticos ficam livres. Poderão entrar na disputa eleitoral filiados à sigla que bem entenderem;2) Eliminação do chamado "setembro negro". Os possíveis candidatos de 2010 têm de fechar pré-acertos sobre coligações até o final de setembro próximo -quando se encerra o prazo de filiações. Para os políticos pragmáticos -a esmagadora maioria-, é muito mais cômodo esperar até abril do ano que vem. Já estará então mais claro quais serão os candidatos competitivos a presidente e a governador.

Até o início da noite, PMDB, PT, PP e PR estavam de acordo em fazer o projeto tramitar em regime de urgência. É um passo enorme. Parcelas consideráveis do PT e do PSDB se beneficiam da redução do prazo de filiação. Os petistas, porque darão mais tempo a Dilma Rousseff, no momento submetendo-se a quimioterapia.

Entre os tucanos, a ala ligada a Aécio Neves ganharia seis meses de prorrogação para tomar uma decisão sobre o rumo em 2010.

Como se trata de um projeto de lei ordinária, o texto passa com apenas 129 votos a favor. Por fim, mas não menos relevante, o autor da ideia é um especialista em bastidores da Câmara, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Doença causa apreensão no PT

DEU EM O GLOBO

Petistas temem que especulações enfraqueçam as chances de Dilma

SÃO PAULO e BRASÍLIA. Em declarações oficiais, a direção do PT diz que nada muda e que a ministra Dilma Rousseff continua sendo a candidata.

- Temos certeza de que em no máximo quatro meses ela estará prontinha para a campanha - diz o secretário nacional de Organização do PT, Paulo Frateschi.

Em conversas reservadas, porém, o PT admite que o ressurgimento da tese do terceiro mandato consecutivo para o presidente Lula é mais danoso para a candidatura de Dilma do que a doença.

- O que mais nos prejudica é a volta dessa história de terceiro mandato - diz Frateschi.

Para os petistas, a volta das especulações sobre um novo mandato de Lula passam à população a ideia de que nem o PT acredita na vitória de Dilma.

Embora Lula tenha dado respostas claras quanto à impossibilidade do terceiro mandato, o PT espera uma nova manifestação dele sobre o assunto para evitar que a oposição continue explorando o tema para fragilizar a pré-candidatura de Dilma.

Embora o assunto seja proibido no PT, as especulações sobre o plano B ganharam força ontem.

No Congresso, companheiros de Dilma no PT e na base se recusam a admitir um eventual afastamento, licença ou a desarticulação da candidatura. Alguns dizem que uma licença seria o mesmo que jogar uma pá de cal na candidatura. O que petistas e aliados defendem, agora, é uma redução na exaustiva agenda país afora. A surpresa foi maior e mais preocupante porque, no anúncio da doença, os médicos foram enfáticos ao afirmar que seria um tratamento preventivo, que não impediria a ministra de continuar suas atividades normais.

- A preocupação agora é que a ministra tenha uma agenda mais leve após a quimioterapia - disse a nova líder do governo no Congresso, senadora Ideli Salvatti (PT-SC).

Entre os aliados, especificamente no PMDB, a avaliação é que o governo está numa encruzilhada: se começar a pensar em plano B, acaba com a candidatura de Dilma. Mas, se não fizer nada, corre o risco de ver a base "debandar". Na opinião de um aliado, o governo antecipou o debate e agora está numa sinuca.

Carne forte

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

Em toda fusão que forma uma empresa com grande poder de mercado aparecem dois argumentos: o de que o Brasil precisa de grandes empresas nacionais e o de que as sinergias impedirão as demissões. Depois todas demitem, e a Ambev virou belga. Nildemar Secches, da Perdigão, e Luiz Furlan, da Sadia, garantem que no caso da Brasil Foods será diferente.

Furlan pede que não se compare esse caso com o da Brahma-Antarctica, que criou a Ambev.

- Não vale a comparação. Nós temos 50 mil acionistas brasileiros, pessoas físicas e jurídicas, bem implantados no Brasil. Quantas latinhas elas vendiam no exterior antes de se juntar? Nenhuma. Quanto nós vendemos? Cerca de US$5 bilhões em 110 países, 45% do faturamento.

Tanto Nildemar quanto Furlan, com os quais eu falei ontem, usam o argumento da necessidade de formação de grandes grupos nacionais.

- País sem marca não tem futuro. Todos os países emergentes nos últimos anos investiram na formação de grandes empresas nacionais. Veja só o que a Espanha fez com a Telefónica e o Santander - diz Furlan.

O fato é que, por mais que o país queira e precise de grandes empresas, o argumento nacionalista não pode justificar negócios, nem flexibilizar regras. Nildemar garante que não é isso que o novo grupo quer.

- Vamos respeitar todas as regras do Cade e manter as operações segregadas até o julgamento do caso. Temos argumentos técnicos para defender a operação da crítica de concentração de mercado. Em alguns setores, como frango in natura, pode chegar a 30%. Mas não haverá grande concentração.

Segundo eles, o mercado brasileiro tem pelo menos 30% de informalidade e, por isso, eles não estão nos dados oficiais de participação de mercado. Dizem que querem é crescer internamente nos segmentos de processados e derivados de carne, aumentando a base de consumidores.

- Nos EUA, esse segmento tem 40% do mercado de carnes, aqui, tem 15% - conta Nildemar.

Furlan lembra que o Brasil tem espaço para crescer através da inclusão de novos consumidores, e diz que a empresa sempre apostou nisso.

- Nossa fábrica em Vitória de Santo Antão, em Pernambuco, tem capacidade de produzir 450 mil quilos por dia de alimentos. Precisamos de pelo menos um milhão de consumidores para tudo isso - diz Furlan.

Eduardo Roche, chefe de análise da Modal Asset, acha que a Perdigão pagou um preço justo pela Sadia, cerca de R$6,04 por ação. Mas ele acha que até o fim de julho, prazo para o lançamento de ações, esse valor pode ser um pouco prejudicado. Ele conta que ainda está sendo avaliado pelo mercado o valor da sinergia das empresas, com estimativas entre R$2 bilhões a R$4 bilhões.

Haverá concentração forte em alguns segmentos, como aves, embutidos e congelados. Mas é difícil saber como será a postura do Cade. O Brasil não tem uma jurisprudência lógica no assunto. O mesmo órgão que impôs à Colgate a punição de tirar a marca Kolynos do mercado por quatro anos foi o que aceitou a fusão da Antarctica e da Brahma, que gerou mais concentração do que na pasta de dente. Depois, o Cade interferiu na compra da Garoto pela Nestlé.

Segundo uma advogada especializada em Direito Concorrencial, o processo de análise dos impactos que a fusão terá sobre os consumidores deve levar cerca de um ano, até a decisão do Cade. Essa demora é prejudicial aos consumidores porque a união acaba virando fato consumado. E, além disso, o sistema brasileiro de defesa da concorrência é lento e tem instâncias demais.

O que a Sadia e a Perdigão terão que fazer agora é definir em quais segmentos possuem produtos em comum e quais são as participações de mercado de cada empresa. Depois disso, a Secretaria de Acompanhamento Econômico e a Secretaria de Direito Econômico emitirão pareceres sobre os dados apresentados pelas empresas. Só então o Cade decidirá.

Os dois executivos garantem que não se pensa em demissões e, sim, em contratações. Mas isso é dito inicialmente por todos os grupos que se fundem, ou em todos os casos de compra de uma empresa por outra. Para sustentar suas afirmações, Nildemar e Furlan dizem que eles querem é crescer, aumentando a presença nos mercados internacional e nacional, e apostando tanto em novos hábitos de consumo, quanto em novos consumidores.

- Isso se faz investindo, e não fechando fábricas. O fechamento tem um impacto violento. Vamos mandar gente para fora pra burro, para abrir mercados. Já estamos em 110 países, e os dois grupos juntos têm fábricas na Holanda, Inglaterra, Rússia, Romênia - diz Nildemar.

Outro clássico movimento nestes momentos é embrulhar-se na bandeira nacional e pedir um dinheiro subsidiado ao BNDES, para consolidar a operação em nome do Brasil grande. A nova empresa garante que vai fazer uma oferta inicial de ações e que o BNDES pode até subscrever, mas não há um pedido especial ao banco. O tempo dirá se essa será uma operação diferente das outras.

O gene estatal da grande empresa

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Afora múltis, maiores exportadoras são estatais ou tiveram mãozinha do Estado, como deve ter a Brasil Foods

A LISTA DAS maiores empresas exportadoras do Brasil revela muito do que foi e ainda é a formação e a propriedade do grande capital no país. As três líderes na exportação são ou foram estatais, criadas pelo Estado quando não havia investimento privado em seus setores:

Petrobras, Vale e Embraer (se algumas dessas empresas vieram a se tornar monopolistas ineficientes, ou quase isso, é outra história). Outras quatro das maiores exportadoras de 2008 são processadoras e "tradings" de commodities agrícolas (soja e outros grãos, álcool, açúcar, laranja, algodão). Trata-se de múltis como Bunge (4º lugar), ADM (5º), Cargill (8º) e Louis Dreyfus (13º), que tiveram a perspicácia, digamos, de investir nos frutos da produtiva agricultura tropical brasileira, outra iniciativa em grande parte tocada pelo Estado. Isto é, trata-se da pesquisa da Embrapa, da universidade e outros institutos públicos.

Sadia e Perdigão, ora fundidas ou algo assim, ocupavam respectivamente o 6º e o 11º lugar nesse ranking. A Sadia foi uma iniciativa privada "tout court", a princípio obra do pequeno empreendedorismo. A Perdigão, mais ou menos, mas mais adiante tornou-se paraestatal, digamos, de posse de fundos de pensão de estatais. Agora, o BNDES admite oficialmente o segredo de polichinelo de que vai comprar ações da futura nova empresa. O banco estatal vai assumir, pois, o papel de sócio que vai capitalizar a nova companhia, que começa abalada pela dívida deixada pelos desastrosos prejuízos da Sadia com aventuras cambiais.

Deixem-se de lado, por ora, a conveniência e a oportunidade da eventual participação do BNDES na Brasil Foods. Interessa aqui notar mais um caso da participação do Estado na criação, nas fusões e na ascensão de várias empresas "top" do país.

A maior produtora de carnes do mundo, a JBS-Friboi (21º do ranking), é tão grande devido em parte ao auxílio financeiro de seu sócio BNDES. O banco estatal é ainda sócio do frigorífico (e empresas de alimento) Bertin (26º). O BNDES também deu o "maior apoio" à compra da Aracruz (27º) pela Votorantim (sócia do banco estatal), parte de um grupo também prejudicado pelos derivativos cambiais catastróficos.

A Braskem (23º), petroquímica da Odebrecht, é sócia da Petrobras. A Suzano (22º) tem participação de um fundo de pensão paraestatal (Previ). Há outros "cases" de origens estatais. A ArcellorMittal (com empresas no 12º e 25º lugar) era a estatal Companhia Siderúrgica de Tubarão. A Alunorte (18º), foi um projeto da ditadura, da então estatal Vale com os japoneses (ainda é da Vale e sócios). A Samarco (8º), mineradora de ferro, é da Vale e da BHP.Entre as outras 30 maiores exportadoras, que fizeram 43% do valor das exportações do país no ano passado, a maioria é de multinacionais (cinco montadoras de veículos, a Shell, a Motorola e a Caterpillar).

Certamente a capacidade empresarial privada transformou dinossauros estatais em empresas de ponta. Outras empresas da lista acima, muitas delas familiares, foram socorridas pelo Estado quando tropeçaram ou precisaram crescer. Mas, examinando o ranking da exportação, veem-se genes estatais em quase todos os pedigrees da grande empresa nacional -e até no das múltis.

Tucanos dizem que PT faz terrorismo

DEU EM O GLOBO

"Repugna-me ver a utilização de argumentos de má-fé", diz FH, em nota

BRASÍLIA e SÃO PAULO. Os líderes do PSDB se uniram ontem para rebater as acusações do PT de que, por trás da CPI da Petrobras, os tucanos estariam encampando a estratégia de desvalorizar a estatal e, em seguida, propor sua privatização. Para o presidente do partido, Sérgio Guerra (PE), o governo e o PT estão mentindo e fazendo terrorismo, como fizeram na campanha eleitoral de 2006, para tentar evitar investigação séria:

- O PT e o governo Lula mentem. Inventam. Difamam para fazer terrorismo. É a postura, como diria o presidente Lula, de gente irresponsável.

O líder da bancada tucana, Arthur Virgílio (AM), usou a tribuna para protestar contra o PT:

- Que conversa fiada! Eu quero é tirar a Petrobras de mãos indevidas, que estão tratando com falta de zelo o dinheiro público.

Em nota, o ex-presidente Fernando Henrique chamou de repugnante a acusação dos petistas. Lembrou que, no debate sobre a quebra do monopólio do petróleo, disse ser contra a privatização. "Por isso mesmo, repugna-me ver a utilização de argumentos de má-fé, atribuindo ao PSDB a intenção de privatizar a Petrobras, quando o partido, como qualquer brasileiro decente, deseja apenas saber se há ou não deslizes graves na administração da companhia. Se os há, que sejam apurados, e os responsáveis punidos. Se não, melhor. Em qualquer caso, o que não convém é a continuidade de suspeitas, essas sim, danosas à empresa e a seu valor de mercado."

Fernando Henrique lembra que foi no seu governo que a Petrobras se tornou uma companhia de expressão internacional. "Os contratos de concessão, as reservas de área mantidas pela Petrobras, e as associações entre esta empresa e várias companhias, brasileiras e estrangeiras, foram responsáveis pelos sucessos que continuam a ocorrer, como a descoberta do campo de Tupi e do pré-sal, em área licitada no ano 2000", afirmou.

Collor: de vítima a algoz numa CPI

BRASÍLIA. "O passado é página virada". É assim que o ex-presidente e senador Fernando Collor - que já enfrentou as consequências de uma CPI - diz encarar o fato de que assumirá, agora, o papel de investigador. Indicado pelo PTB para compor a CPI da Petrobras, ele afirma que trabalhará para uma investigação séria.
Em 1992, uma CPI mista do Congresso deflagrou o processo de impeachment que levou Collor a perder a Presidência e seus direitos políticos por oito anos. A CPI investigava denúncias de Pedro Collor, irmão do então presidente, sobre um esquema de corrupção comandado por Paulo César Farias, o ex-tesoureiro de Collor.

Mantega defende juro alto do BB e culpa BC

Eduardo Rodrigues e Gustavo Paul
DEU EM O GLOBO

Um almoço com o presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, foi suficiente para que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, aceitasse as explicações para a alta de juros do BB após a troca de seu comando, em abril, por ordem do presidente Lula. Mantega disse que o novo comando do BB "não merece puxão de orelhas" e, pelo contrário, vem fazendo um bom trabalho. E justificou-se: os dados do Banco Central, que apontam a subida das taxas, são truncados.

O Senado americano aprovou, por larga maioria, lei que impede administradoras de cartões de crédito de subir os juros de forma abusiva.

Mantega engole juro alto do BB

Ministro cobra explicação do presidente do banco, aceita justificativa e diz que dados do BC são truncados

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, teve ontem o primeiro encontro de trabalho com o recém-empossado presidente do Banco do Brasil (BB), Aldemir Bendine, e cobrou explicações para o aumento, entre os dias 14 de abril e 5 de maio, dos juros médios praticados pela instituição federal nas quatro modalidades de crédito para consumidores acompanhadas semanalmente pelo Banco Central (BC). A evolução das taxas do BB foi mostrada ontem pelo Bendine assumiu a presidência do BB no dia 23 de abril com a missão de forçar a queda dos juros cobrados pelo banco. Ele substituiu Antonio Lima Neto, que entrou em rota de colisão com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Fazenda e o BC por não ceder à pressão para uma redução mais agressiva das taxas no auge da crise, entre outubro e dezembro.

- É claro que eu cobrei explicações. Nós almoçamos juntos, e enquanto eu almoçava ele explicava - afirmou o ministro.

Mas Mantega aceitou as explicações de Bendine:

- Não foi necessário dar puxão de orelha, porque eles merecem elogios. O desempenho da nova equipe é muito bom. O Banco do Brasil está expandindo crédito e cobrando juros mais baixos do que os outros líderes do sistema. Eles estão cumprindo os objetivos que estabelecemos.

Segundo o ranking do BC, a taxa média mensal do cheque especial subiu de 7,92%, em 15 de abril, para 7,98% em 5 de maio. Já a do crédito pessoal passou de 2,31% para 2,52%. O custo do financiamento de veículos aumentou de 1,65% para 1,79%.

O único item acompanhado que não aumentou sistematicamente desde 15 de abril, quando estava em 2,09% mensais, foi a taxa da aquisição de bens. Chegou a 2,66% no encerramento de abril, mas recuou a 2,52% na primeira tomada de maio.

Câmara aprova cadastro positivo

Para Mantega, os dados divulgados pelo BC são truncados e abordam apenas algumas linhas de financiamento enquanto, na verdade, as taxas do BB estariam em queda. O ministro lembrou que a instituição cobra juros menores que outros grandes bancos do mercado (com exceção da Caixa), oferece prazos mais longos para pagamento e tem expandido o volume de crédito em um ritmo maior do que os concorrentes. Mas disse que a cobrança sobre a direção continuará:

- Ainda não é tanto quanto eu gostaria. Eu gostaria que eles aumentassem (o volume das concessões) e baixassem mais ainda as taxas correntes.

Coube a Bendine dar uma explicação técnica sobre discrepância entre o ranking do BC e a trajetória dos juros praticados pelo BB. Ele garantiu que o BB não aumentou os juros em nenhuma modalidade em 2009. O banco opera com taxas mínimas e máximas em cada linha, mas a taxa cobrada de cada tomador é calculada com base no histórico individual e nas condições do contrato. Após afirmar que não contesta o ranking, argumentou que a média ponderada das operações publicada pelo BC não leva em conta uma série de variáveis, como prazos dos contratos, perfil de risco e a linha de crédito:

- Ampliamos os prazos de financiamento de uma série de linhas. Com prazo mais dilatado, é natural que o impacto dos juros seja maior do que se você tomar em um prazo mais curto.

Além disso, o aumento na média dos juros cobrados também seria reflexo de um crescimento no número de empréstimos para pessoas com maior risco de inadimplência.

A presidente da Caixa, Maria Fernanda Coelho, disse ontem, no XXI Fórum Nacional, que os bancos públicos são aliados fundamentais do governo no combate à crise. Ela lembrou que a Caixa já reduziu os juros cinco vezes este ano e garantiu que as taxas"vão continuar caindo, como o spread (diferença entre os juros pagos pelos bancos ao captarem recursos e o que é cobrado do cliente)".

A Câmara dos Deputados aprovou na noite de ontem por 307 a 79 votos o projeto que cria o Cadastro Positivo de consumidores, um banco de dados que centralizará as informações dos bons pagadores do país. Enviado pelo governo em setembro de 2005, o texto é considerado pela equipe econômica uma ferramenta importante para redução dos juros e do spread no país.

Com esse cadastro, bancos e financeiras poderão medir o grau de endividamento total do consumidor e seu histórico de pagamento, pois todos os financiamentos concedidos serão registrados. Para valer, o projeto ainda precisa passar pelo Senado e ser sancionado pelo presidente Lula.

Para o Ministério da Fazenda, com essa ferramenta em mãos, os bancos vão disputar os bons clientes, oferecendo taxas menores, jogando-as para baixo. Segundo o relator do projeto, deputado Maurício Rands (PT-PE), a medida resolve uma distorção do sistema brasileiro de proteção ao crédito, que usa apenas dados negativos como parâmetro. Instituições como Serasa e Serviço Nacional de Proteção ao Crédito (SPC) oferecem ao mercado de crédito e de varejo informações se um indivíduo ou firma está ou não com uma dívida em atraso.

- Na prática, os bons pagadores acabam pagando pelos maus devedores - disse Rands.

O projeto também disciplina o cadastro negativo, que é o banco de dados dos maus pagadores. O registro de uma pessoa como má pagadora, por exemplo, deverá ser comunicado previamente. A notificação tem que ser feita via AR (aviso de recebimento). Ou seja, o consumidor terá que assinar um documento dos Correios antes de ser incluído no cadastro negativo.

No cadastro positivo, o consumidor deverá autorizar expressamente a inclusão de seu nome.

Colaborou: Liana Melo

E Meirelles prevê mais desemprego...

Liana Melo
DEU EM O GLOBO

De forma surpreendente, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, abandonou ontem o discurso da política monetária e disse estar preocupado com a taxa de desemprego no país. No segundo semestre, disse, a crise global fará o número de desempregados subir e voltar aos níveis de 2007. Na véspera, o governo comemorara a criação de 106 mil vagas em abril, o triplo do registrado no mês anterior. De acordo com o IBGE, a taxa média de desemprego em 2007 foi de 9,3%. No ano seguinte, em 2008, caiu para 7,9%. Em março deste ano, último dado disponível, ficou em 9%, após atingir o menor patamar histórico, de 6,8%, em dezembro passado.

Meirelles: "Desemprego é preocupante, estamos retrocedendo 2 anos"

Presidente do BC alerta que a partir do meio do ano trajetória de emprego deve ser comparável à de 2007

Um dia depois de o governo anunciar a criação de 106 mil novas vagas de emprego em abril - três vezes mais que no mês anterior - o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, admitiu estar preocupado com os dados de desemprego no país. A crise financeira global, disse, vai provocar um retrocesso no mercado de trabalho, que deverá retomar os níveis de 2007 no segundo semestre. Os dados de emprego de abril são do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).

- A previsão do índice de desemprego no segundo semestre vai levar a uma trajetória, a partir do meio do ano, comparável à de 2007. É preocupante, já que estamos retrocedendo dois anos. Mas não devemos esquecer que existem países que dados de desemprego comparáveis às das décadas de 40 e 60 - disse Meirelles, que esteve ontem, no Rio, participando do XXI Fórum Nacional.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa média de desemprego em 2007 foi de 9,3%. No ano seguinte, em 2008, este percentual caiu para 7,9%. Em março deste ano, último dado disponível, ficou em 9%, após atingir o menor patamar histórico, de 6,8%, em dezembro passado.

Alguns economistas já vinham alertando para o aumento da taxa de desemprego em 2009. Analistas não descartam a possibilidade de a taxa de desemprego voltar a dois dígitos, ou seja, acima dos 10%.

Apesar de sua preocupação quanto ao mercado de trabalho, Meirelles reafirmou que o Brasil tem todas as condições de sair "mais forte da crise econômica".

O presidente do BC comentou ainda que até o fim do ano a dívida pública brasileira deverá girar em torno de 38% do Produto Interno Bruto (PIB, a soma dos bens e serviços produzidos no país). O mercado, por sua vez, comentou ele, está trabalhando com projeções que giram entre 37,5% até cerca de 39%.

Governo socorre empresas que apostaram com câmbio

Samantha Lima
Da Sucursal do Rio
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Ajuda do BNDES à Sadia ocorre depois de socorro a Votorantim e Aracruz

Luciano Coutinho defende apoio à nova "empresa global que poderá multiplicar a exportação e o desenvolvimento do país"

Pela primeira vez, o BNDES admitiu oficialmente a possibilidade de entrar no capital da Brasil Foods. O presidente do banco, Luciano Coutinho, afirmou ontem que a instituição deve comprar ações da empresa recém-criada na oferta que ela pretende realizar para captar R$ 4 bilhões no mercado.

"Nós deveremos participar do processo, mas antes vamos estudar o assunto para ver em que escala deveremos participar. Pode ser que o mercado reaja muito bem à oferta, e nossa participação venha a ser mínima", disse Coutinho, ao deixar o 21º Fórum Nacional, no BNDES, no Rio.

Desde que surgiram rumores sobre o negócio, no início do ano, cogitava-se a possibilidade de o BNDES entrar como sócio ou fornecer linha de crédito para tornar o negócio viável.Esse será o terceiro caso público em que o banco público injeta recursos em empresa que teve pesadas perdas com apostas financeiras erradas, criticadas pelo governo.Em 2008, a Sadia anunciou prejuízo recorde de R$ 2,5 bilhões, em boa parte devido às perdas com derivativos cambiais em setembro, no auge da crise, quando o dólar disparara.Em janeiro, o BNDES apoiou a fusão entre a Votorantim Celulose e a Aracruz com empréstimo inicial de R$ 600 milhões para que os Ermírio de Moraes, controladores do grupo Votorantim, comprassem a participação na Aracruz.

Na operação das empresas de celulose, o BNDES ainda se comprometeu a participar de oferta de ações a ser realizada em breve. O aporte total chegará a R$ 2,4 bilhões por 26% da nova companhia, tornando o banco controlador, junto com os Ermírio de Moraes. Tanto Votorantim Celulose como Aracruz haviam tido perdas superiores a R$ 2 bilhões com derivativos cambiais.Quando essas perdas tornaram-se públicas, o governo havia afirmado que não ajudaria a salvar empresas "que especularam no mercado cambial". "É um problema delas, porque especularam de forma pouco recomendável", disse Lula na ocasião. "O governo não vai cobrir o prejuízo, nem um tostão", afirmara o ministro Guido Mantega (Fazenda).

A captação é essencial para a Brasil Foods, pois permitirá reduzir o elevado endividamento da companhia. A sinalização do BNDES indica, na prática, um comprador potencial praticamente garantido em meio à crise.

Coutinho não quis dizer quanto o BNDES planeja adquirir em ações da BRF, mas defendeu a empresa. "Será uma empresa global, com presença em vários mercados, que poderá multiplicar a exportação e o desenvolvimento do país."

Ele disse que o banco não pensa em condicionar a participação do BNDES a cláusulas que impeçam a empresa de vender seu controle para estrangeiros, como ocorreu com a AmBev.

"Espero que isso não aconteça, mas não podemos interferir na livre iniciativa."

Em relação à manutenção de empregos após a fusão, Coutinho reconhece que a empresa possa precisar passar por ajustes num primeiro momento. Por isso, diz que não pretende impor restrição a demissões em troca do aporte.

Fundo de pensão do BB atuou para a união

Pedro SoaresDa Sucursal do Rio
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Uma das mentoras da estratégia de unir as gigantes Perdigão e Sadia numa só empresa, a Previ (fundo de pensão do Banco do Brasil) está presente atualmente no capital de um grande número de empresas líderes em seus setores.

E em parte delas participa ativamente da gestão das companhias, como Vale, CPFL Energia, Oi (resultante da fusão com a BrT) e agora na recém-criada BRF (Brasil Foods).A Previ, apurou a Folha, estava numa situação desconfortável na Sadia. Tinha 7,3% no capital, mas não tinha presença no bloco de controle.

O fundo viu na crise que abateu a Sadia -combalida pelas aplicações em derivativos que geraram prejuízo bilionário- uma oportunidade de estar no comando de uma nova megaempresa do setor de alimentos resultante da fusão. Isso porque na Perdigão o fundo já era um dos controladores, com 14,1% do capital total.

Foi uma lógica parecida que moveu a Previ em costurar acordo com os sócios privados da Oi e da Brasil Telecom, o BNDES e os demais fundos de pensão que tinham participação nas empresas -Petros e Funcef. Após a fusão, os fundos de pensão e o BNDES ficaram com 49,9% da nova empresa e participam das decisões.

Um especialista que preferiu o anonimato diz que a Previ, em alguns casos, mantém ou faz determinados investimentos para atender a interesses do governo. Ele cita o próprio caso da Oi, já que era vontade declarada do governo manter sob o controle nacional uma tele e fortalecê-la diante de uma possível ameaça de aquisição por um grupo estrangeiro.

De um certo modo, diz, também é o caso da Vale, na qual a Previ é a maior acionista, indica o presidente do conselho e influencia algumas decisões estratégicas da empresa.Não que as empresas não sejam bons investimentos para o fundo, diz o especialista, mas muitas vezes a Previ poderia diversificar mais seu portfólio e reduzir a participação em algumas empresas -desse modo, o risco também é menor.

Procurada, a Previ informou que nenhum diretor estava disponível nem respondeu aos questionamentos da reportagem enviados por e-mail.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil

Clique no link abaixo

Safra

Graziela Melo

Chega
A
Safra
Da
Laranja

Da
Manga
Do
Abacaxi

Mas...

Nenhuma
Safra
Me
Engana

A CERVEJA

É
Soberana

Não
Obstante

O
XIXI...


RJ, 17/02/2004

A filósofa, a atriz e a grandeza de ser mulher

Ubiratan Brasil, RIO
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Simone de Beauvoir, um ícone do feminismo, ganha a voz e a força de Fernanda Montenegro

Um único facho de luz ilumina a atriz sentada em uma cadeira, destacando sua camisa social branca, uma calça preta mas, sobretudo, seus grandes e hipnotizantes olhos. Durante aproximadamente uma hora, Fernanda Montenegro empresta o corpo ao monólogo Viver sem Tempos Mortos, que estreia amanhã para convidados e no sábado para o público, no Teatro Anchieta do Sesc Consolação, em São Paulo.

Trata-se de uma montagem que se destaca em sua carreira de seis décadas. Sem maneirismos nos gestos ou na voz, Fernanda limita os movimentos para concentrar nas falas a narração de uma série de reflexões sobre a vida e a obra de Simone de Beauvoir (1908-1986), a filósofa e escritora francesa, que se transformou em ícone do feminismo e parceira de outro célebre pensador, Jean-Paul Sartre.

"O privilégio está em ouvir a palavra", diz ela, com aquela voz que se tornou característica graças ao timbre e à facilidade com que é modulada. "O (diretor) Felipe Hirsch fez várias experiências de cenário até descobrir que nenhum elemento em cena é mais importante que o discurso de Simone."

Fernanda conversou com o Estado no Rio, em Copacabana. É uma mulher esbelta e elegante, próxima dos 80 anos (completa em outubro), que utiliza um discurso articulado e entremeado por um humor malandro, que compete mas é derrotado por uma profunda bondade.

Longe dos palcos desde 2001, quando encenou Alta Sociedade, a atriz retorna na pele de uma das pensadoras mais influentes do século 20. Inicialmente, Fernanda planejava dividir a cena com o ator Sergio Britto, no papel de Sartre. Mas logo ele estreou A Última Gravação de Krapp/Ato sem Palavras 1, em cartaz no Sesc Santana, e abandonou o projeto.

"Sergio Britto ficou nos braços do Beckett e eu, nos da Simone", brinca ela. "O projeto nasceu de uma vontade de trabalharmos juntos, mas como o acaso criou ali uma separação, eu não quis desperdiçar as várias horas de leitura e envolvimento. E, novamente o acaso me fez encontrar um patrocinador, a Mapfre, que tinha justamente a intenção de apostar em um projeto cultural educacional teatral para zonas menos favorecidas."

Viver sem Tempos Mortos faz parte do projeto Caminhos da Liberdade, que inclui palestras, documentários, debates, exposições e livros. Uma forma de desdobramento social, que permitiu a Fernanda apresentar o espetáculo, muitas vezes sem cobrar ingresso, em áreas mais carentes do subúrbio carioca antes de chegar a São Paulo. É por isso também que as quartas-feiras serão dedicadas à exibição de um documentário e de uma palestra com o historiador Jorge Coli.

No palco, Fernanda não interpreta Simone de Beauvoir, mas uma espécie de porta-voz, que também discursa em primeira pessoa. "Selecionei diversos textos e cartas. Não sei como tinham tempo para escrever tanto, afinal já existia telefone na época", ironiza. "Muita coisa podia ser resolvida com um telefonema. Na verdade, era o exercício pleno da comunicação, que incluía desde tarefas banais, como descer para comprar uma baguete, até a discussão de um novo livro de filosofia."

A atriz, que descobriu o trabalho de Simone com O Segundo Sexo, publicado em 1949 e que rapidamente se transformou na Bíblia do movimento feminista, apaixonou-se pela completa adesão do casal francês à filosofia. "É difícil apontar a fronteira entre vivência e teoria", comenta. "A vida deles ainda é espantosa, especialmente porque ainda hoje se discutem os mesmos valores de homem e mulher. Sem o trabalho de Simone e de Sartre, provavelmente não teria existido a contracultura ou até mesmo Woodstock. Talvez nem mesmo movimentos de recuo, como o surgimento dos yuppies nos anos 1980, homens tão fechados em si mesmos."

Fernanda Montenegro percebeu que, com O Segundo Sexo, a escritora francesa racionalizou e organizou avaliações do feminino que já despontavam na obra de escritoras como George Sand e Virgínia Woolf. "Ela construiu um sistema para se olhar esse fenômeno."

Para a atriz, Simone tinha uma inquietação menos dirigida que Sartre. "Ele era racional, apolíneo, enquanto ela era dionisíaca, com vivências mais dolorosas e zonas demoníacas dentro dela", comenta. "Os homens buscam as grandes causas, as grandes conquistas, os grandes pulos e impulsos. A mulher também traz isso, mas de forma incubada, interiorizada."

As qualidades, porém, não impedem que Simone sempre seja vista à sombra de Sartre. Em 1960, quando o casal visitou o Brasil a convite de Jorge Amado, a imprensa da época ironizava o sucesso das palestras dela - tudo era consequência do interesse gerado pela presença dele. "Quando Sartre morreu, seu enterro atraiu cerca de 50 mil pessoas. Já Simone foi homenageada por representações de movimentos femininos de diversos países. Não foi apenas a comoção de uma nacionalidade, mas de conquistas que trouxeram a presença real de um trabalho transferido para dezenas de organizações ligadas ao feminino, das mais radicais às mais brandas."

Mesmo com um perfil de uma revolucionária, Simone era uma mulher discreta, com roupas sem criatividade, vestuário de uma professora de província, sentando-se com propriedade, coluna reta e com um turbante que lhe dava o contorno devido ao rosto. "Ainda assim, até hoje a França a trata como uma boa puta, uma licenciosa", diz Fernanda.

O importante, segundo a atriz, é evitar um equívoco semântico, em que a palavra ?feminista? possa significar o oposto do machismo, a supremacia da mulher sobre o homem. "Simone dizia não esperar que as mulheres tomassem o poder dos homens. ?O que quero é que elas destruam a ideia de dominação?", afirmava.

O comando incomoda-se com a presença feminina. Fernanda conta ter ouvido que, nas comissões parlamentares do governo, criadas para apurar irregularidades, os homens preferem não trabalhar com mulheres. "Não é que elas não se vendem, mas é mais difícil."

A volta ao teatro acontece depois de um período dedicado especialmente ao cinema. "Desde 1952 e até 2002, vivi diariamente no palco, com pausas apenas para o nascimento dos meus filhos", conta. "Mas em todos os meios, o que me interessa é a dramaturgia. O que me incentiva é descobrir que mulher vai me caber em cada projeto. E Simone de Beauvoir é uma figura imensa, da qual me aproximo de forma modesta."

Simone, A Verdadeira Filósofa

Ubiratan Brasil
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / CADERNO 2

Ao longo de seus 78 anos de vida, Simone de Beauvoir participou de tantos acontecimentos marcantes que, para narrá-los em livro, necessitou de quatro volumes. Nascida em Paris, em 1908, ela sempre foi incentivada a escrever pelos pais, que a estimulavam o desejo de conquistar o mundo através do tempo e do espaço.

Em 1929, conheceu, na Sorbonne, Jean-Paul Sartre, que ficara impressionado com a beleza, a inteligência e a voz rouca de Simone. Quando os dois prestaram o exame final de filosofia, Sartre tirou o primeiro lugar e Simone o segundo, mas os membros da banca estavam convencidos de que "a verdadeira filósofa era ela".

Iniciaram um relacionamento no qual a monogamia e a mentira não tinham lugar. Sartre acreditava que acima de serem amantes, eram escritores, portanto, necessitados de conhecer a alma humana a fundo, somando experiências individuais que deveriam ser contadas, um ao outro, nos mínimos detalhes.

Em 1943, Simone lançou seu primeiro livro, o romance A Convidada, e, no ano seguinte, o ensaio Pirro e Cinéias, no qual sustenta que, na ausência de um Deus que garanta a moralidade, cabe ao indivíduo criar laços com seus pares por meio de ações éticas. Eram os vestígios da doutrina existencialista.

Em 1949, publicou os dois volumes de O Segundo Sexo que, ao falar sobre o corpo da mulher e a sexualidade feminina, causou grande escândalo.

Também depois da guerra, ao lado de Sartre e Merleau-Ponty, fundou Les Temps Modernes, uma das maiores arenas do debate político e social. Simone lançou no total 29 obras de diversos gêneros. Morreu em 1986, em Paris, e foi enterrada junto de Sartre.

Frases para sempre

Em seis décadas de vivência no palco, nos sets de filmagem e nos estúdios de televisão, Fernanda Montenegro colecionou personagens que a marcaram intimamente, a ponto de ainda hoje, mesmo passadas décadas, ela se lembrar de frases que dizia durante esses trabalhos. A pedido do Estado, a atriz selecionou algumas falas que ainda acompanham sua vivência: "A vida é dura, galera, e nela tenho remado muito."

INTERESSES CRIADOS, DIREÇÃO DE ALBERTO DAVERSA, EM 1957

"O trem de ferro é um coisa mecânica, mas atravessa a noite, a madrugada, o dia e, por fim, se reduz apenas a um sentimento."

DONA DOIDA, UM INTERLÚDIO, DIRIGIDO POR NAUM ALVES DE SOUZA, EM 1987

"A gente demora muito para aprender."

AS LÁGRIMAS AMARGAS DE PETRA VON KANT, DIRIGIDO POR CELSO NUNES, EM 1982

"...Disse Vera, puta da vida."

É..., DIRIGIDO POR PAULO JOSÉ, EM 1977. ("ESSA EXPRESSÃO DE EXASPERAÇÃO AINDA ME DIVERTE MUITO")

"É demais, mamãe, é demais..."

A MORATÓRIA, DIREÇÃO DE GIANNI RATTO, EM 1955. ("É UMA FRASE QUE TEM VALOR ESPECIAL PARA MIM, POIS, QUANDO ENFRENTO SITUAÇÕES DIFÍCEIS, REPITO ESSAS PALAVRAS, COMO SE FOSSEM UM MANTRA")

''Eu não queria só chegar, fazer o espetáculo e ir para casa''

Ubiratan Brasil
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / CADERNO 2

Fernanda agora é artista de 'projetos', não só de peças: toda quarta ela quer que o público vá debater obra de Simone


O projeto Caminhos da Liberdade inclui, além do monólogo Viver sem Tempos Mortos, a exibição todas as quartas-feiras, a partir das 20 horas, do documentário Uma Mulher Atual, que Dominique Gros dirigiu em 2007. A estreia acontece hoje e a entrada sempre será franca.

Em seguida, acontecerá uma palestra com o historiador Jorge Coli seguido de debate do qual Fernanda Montenegro também deverá participar. Como complemento, o Teatro Anchieta será tomado por uma exposição de fotos, livros e cartas de Simone de Beauvoir.

"Trata-se de um projeto de aproximação cultural, que rendeu ótimos frutos", comemora a atriz, satisfeita com a série de espetáculos que apresentou em diversas comunidades carentes do interior do Rio de Janeiro. Um projeto de diversificação cultural para áreas menos favorecidas. "Eu não queria só chegar, fazer o espetáculo e ir para casa."

Ali, ela comprovou que a sensibilidade humana está aberta para qualquer comunicação artística. "Não acredito que um tocador de cavaquinho do subúrbio carioca não vá entender um bandolim de Vivaldi, mesmo que ele nunca tenha lido uma nota. O chamado (horrivelmente) periférico é capaz de se sensibilizar com a Fuga, de Bach."

Os debates foram, em sua maioria, marcantes. Fernanda lembra-se de um momento, em São Gonçalo, quando uma mulher teve a entrada barrada porque queria entrar com um bebê. "De repente, ela disse a frase que lhe abriu todas as portas: ?No lugar em que eu posso entrar, meu filho também pode?. Como impedir seu acesso?"

E, ao longo da conversa pós espetáculo, a mesma mulher, com o filho mamando agarrado ao peito, comprovou ter entendido a essência do discurso de Simone. "Em um determinado momento, ela contou que cria os filhos sem a ajuda de nenhum homem. ?Então, sou uma mulher livre?, concluiu, o que me deixou emocionada."

A atriz percebeu que a filósofa francesa despontava como a responsável por abrir a mente de cada um presente. "Era uma plateia diversificada, pois professores e estudiosos do comportamento humano também estavam presentes."

Se as mulheres se interessavam pela liberdade, os homens do público preferiam tratar da sexualidade. Em mais de uma oportunidade, Fernanda ouviu comentários masculinos impressionados com o fato de Simone, mesmo tendo conseguido atingir o orgasmo completo com amantes, decidia voltar para Sartre, que não lhe oferecia nada na cama. "Nesse aspecto, Simone era entendida pelas mulheres como submissa, negando sua coragem de correr atrás da felicidade e da liberdade", observa a atriz.

A execução do projeto foi favorecida por leis de incentivo, ferramentas hoje indispensáveis. "A política nos levou às mãos do Estado. Hoje em dia, a bilheteria não tem expressividade. Antes, vivíamos independentes, conseguindo crédito nos bancos", comenta Fernanda, descrente de que as modificações na Lei Rouanet possam melhorar substancialmente a situação. "Desde a Lei Sarney, não era preciso fazer uma nova - bastava fazer ajustes, acertar os nós. Mas, cada governante sempre quis ter a sua própria lei, o que nos deixa na mesma situação."

Famílias comuns e dolorosas surpresas

Beth Néspoli
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / CADERNO 2

Nas duas peças reunidas em Dueto da Solidão, o autor Sérgio Roveri aborda com rara concisão tragédias ocultas no cotidiano

Muitos espectadores e artistas brasileiros de teatro e cinema certamente ainda se lembram da Dona Solange. Solange Maria Teixeira Hernandes foi diretora do Departamento de Censura Federal e seu nome e assinatura apareciam no certificado de liberação obrigatoriamente exibido na tela do cinema, antes que a Constituição de 1988 acabasse com a censura prévia no Brasil.

Atores e diretor riem com a lembrança da temida senhora trazida à baila pela reportagem do Estado ao ocupar um solitário lugar na plateia durante uma tarde de ensaio do espetáculo Dueto da Solidão. Intimista, integrado por dois textos curtos de Sérgio Roveri, Ensaio para Um Adeus Inesperado, de 35 minutos, e A Noite do Aquário, de 45, a montagem estreia hoje no Sesc Vila Mariana para apresentações somente às quartas-feiras.

A peça de abertura foi escrita em 2008, a mais recente criação desse representante da nova safra de dramaturgos paulistas, autor de peças como O Encontro das Águas, Andaime e Abre as Asas Sobre Nós, que vem aprimorando sua escrita, já vencedor de um prêmio Shell, em 2007. No diminuto tablado da sala de ensaio, bastam as primeiras palavras da atriz Clara Carvalho para mudar o estado de atenção e dissipar de vez a imagem da censora do ambiente. Olhando diretamente para o público, a atriz/personagem começa por falar da aparência de um queijo, um detalhe à mesa, na manhã em que seu filho, de 22 anos, suicidou-se, no quarto, sem deixar um bilhete de despedida.

Sem dúvida um início impactante. E não ter medo do tema tabu da morte é o primeiro mérito desse espetáculo. O suicídio, a dor da perda e o ritual que a segue, tudo é tratado nessa peça de feliz concisão sem eufemismos, mas também sem morbidez. As recordações da mãe se alternam com as do filho (Leonardo Miggiorin). São apenas quatro narrativas de cada um.

"Gosto dessa peça porque fala de superação", diz o diretor da montagem, Sérgio Ferrara. Impossível não ficar comovido na última cena, na qual fica claro, sem pieguismo, que sempre é possível sorrir novamente. "O bom é que essa superação se dá de um jeito humano e cotidiano, sem ser banal. Ela não fica feliz porque escreve um best-seller ou faz um grande gesto", comenta Clara. "Construí essa mulher a partir de muitas mães que viveram situação semelhante", diz Roveri. "Na minha opinião, essa personagem se supera porque ela não nega a dor. Ela vive todos os rituais de despedida, chega a esquecer o filho mais novo, visita o inferno. Mas a vida continua."

Clara também é mãe na segunda peça, que tem curva dramática inversa, a tragédia no fim. De início parece que estaremos diante de uma variação da história do filho pródigo. José (Gustavo Haddad) volta à casa materna, situada numa ilha que abriga um porto em estado de falência, prestes a fechar de vez. A ação se passa em 1965 e ele volta para um resgate: quer salvar a mãe e o irmão (Chico Carvalho) da degradação e do isolamento. "Claro que há uma ilha também metafórica aí", diz Sérgio Ferrara. "Gosto especialmente desse estado de precariedade dos personagens de Roveri. "São pessoas em busca de felicidade, com atitudes surpreendentes."

"É necessário afrontar a memória", diz Almodóvar

Pedro Almodóvar e Penélope Cruz em Cannes; em "Los Abrazos Rotos", ela interpreta uma atriz por quem um diretor de apaixona
Silvana Arantes
Enviada especial a Cannes
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / ILUSTRADA


Diretor apresenta "Abrazos Rotos", filme em que protagonista tenta apagar o passado


Ao falar sobre "Los Abrazos Rotos", diretor faz paralelo com a forma como a Espanha lida com as marcas da ditadura franquista
O diretor espanhol Pedro Almodóvar refilmou seu grande sucesso "Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos" (1987).

A nova versão tem o título "Chicas y Maletas" (garotas e malas) e é o filme dentro do filme "Los Abrazos Rotos" (abraços rompidos), com o qual Almodóvar concorre à Palma de Ouro no Festival de Cannes.

"Não se trata de uma auto-homenagem. Escolhi "Mulheres..." porque não precisava pagar direitos autorais", disse ontem Almodóvar, após a exibição de seu filme à imprensa.

E também porque "todos os personagens [de "Abrazos Rotos'] trabalham no cinema, e eu precisava de uma comédia, o gênero que mais contrastava com a vida deles, que é bem dramática", afirmou o cineasta.

O diretor de "Chicas y Maletas", Mateo Blanco (Lluís Homar), apaixona-se, durante as filmagens, pela atriz Lena (Penélope Cruz). O amor é recíproco, mas Lena é casada com o magnata Ernesto Martel (José Luis Gómez), que produz o filme, num estratagema para manter o domínio sobre ela.

Tanto o longa de Blanco quanto sua relação com Lena terminam tragicamente, e ele apaga esse período da vida, assumindo a identidade de Harry Caine, pseudônimo com o qual assinava roteiros e livros.

Almodóvar fez um paralelo entre a atitude de Blanco e a forma como a Espanha lida com marcas da ditadura franquista e afirmou entender que, "às vezes, é preciso esquecer para avançar". Mas disse que a Lei da Memória Histórica de seu país deveria ser mais efetiva, pois "há um momento em que é preciso afrontar a memória, como faz o personagem".

Blanco/Caine recupera sua história e sua autoestima quando retorna ao próprio filme. Dessa forma, o personagem encarna o que talvez seja a maior certeza de Almodóvar: "O cinema aperfeiçoa a vida".

Como em 2006, quando veio a Cannes com "Volver", também de Almodóvar, a atriz Penélope Cruz definiu o trabalho com o diretor como "um privilégio". Ela disse que, em "Abrazos", foi "mais difícil fazer os blocos de comédia, porque a comédia é delicada e precisa, sobretudo nas mãos de Pedro".

Ele afirmou que rodar "Chicas y Maletas" foi "uma volta às origens, a um tempo em que fazia cinema com muito mais humor" e disse ter-se sentido "confortável e inspirado".

"Volver" rendeu a Cruz e às demais integrantes do elenco feminino um prêmio coletivo de interpretação em Cannes.

Vou, mas posso voltar

"Vou embora na sexta, para não dar a impressão de que estou esperando um prêmio", disse Almodóvar. "Mas estou disposto a voltar no domingo [dia da premiação], mesmo que seja para entregar o troféu ao melhor ator ou diretor."O cineasta afirmou que "está mudando" uma das marcas de seu cinema, que é a primazia de "personagens femininas fortes e inexpugnáveis" ao lado de "homens débeis e escuros".

"As personagens masculinas me intimidam, porque eu sou a referência. Mas, cada vez mais, terei personagens masculinas. Só que as que me ocorrem são horríveis. No entanto, como sou um médium das histórias que escrevo, terá de ser assim."

Almodóvar ao alcance da Palma

Luiz Carlos Merten, Cannes
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / CADERNO 2

Los Abrazos Rotos é uma declaração de amor do diretor a Roberto Rossellini

Pergunte a qualquer um dos jornalistas espanhóis presentes na Croisette e eles porão mais fé no filme de Isabel Coixet, o outro concorrente espanhol à Palma de Ouro. Na Espanha, o novo filme de Pedro Almodóvar foi recebido a pedradas. Los Abrazos Rotos passou ontem pela manhã para a imprensa. Se não é o melhor Almodóvar - convenhamos que não é fácil, nem para ele, superar os pináculos de Carne Trêmula, Tudo Sobre Minha Mãe, Fale com Ela e Volver -, o filme é muito bom. Almodóvar fez outro filme para dialogar com gêneros que lhe falam ao coração, o melodrama e o filme noir. Como ele próprio já disse aqui, Los Abrazos Rotos conta uma história de amor louco que se abre para vários temas - ciúme, poder, culpa -, mas, no limite, se fosse preciso condensar tudo isso num só conceito o diretor não teme apresentá-lo.

"Todos os meus filmes, de uma maneira ou de outra, tratam do cinema e expressam meu amor por essa mídia. Só que Los Abrazos Rotos é a minha definitiva declaração de amor pelo cinema." Como sempre, ele se refere a um filme em particular e, dessa vez, é a Viagem na Itália, o clássico pós-neorrealista com que Roberto Rossellini deu forma definitiva à desdramatização do roteiro que é uma das pedras de toque do cinema moderno. A cena escolhida, e que Penelope Cruz e Luis Homar veem na TV, é aquela em que a dupla de protagonistas, George Sanders e Ingrid Bergman, assiste à exumação do casal que morreu abraçado, devorado pela lava do Vesúvio. O diretor do filme dentro do filme, Homar, acredita que estava abraçado com Penelope quando houve o acidente de carro que lhe tirou a visão e custou a vida da mulher. Sua memória é falsa, mas muita coisa em Los Abrazos Rotos não é aquilo que parece ser. O título vem de um foto que mostra o casal abraçado e que é rasgada durante a evolução da trama.

Ocorrem mais coisas nos 10 ou 15 minutos iniciais de Los Abrazos do que na totalidade dos filmes já vistos aqui em Cannes, com exceção do drama carcerário francês Um Prophète, de Jacques Audiard. Almodóvar parece querer submergir o espectador num redemoinho de informações. Logo no começo, há um diálogo formidável - o diretor conversa com o garoto que o assiste e, eventualmente, é seu corroteirista. É bom acrescentar que o diretor, ao perder a visão, assumiu a identidade de seu duplo, escondendo-se por trás de um pseudônimo. Eles falam sobre a possibilidade de um filme de vampiros e discutem como seria a cena de sexo entre uma vampira e um sujeito que a sugadora de sangue teme morder. O sexo é falado (e hard core), mas a questão, na essência, é - como resistir a uma entrega completa, irresistível, irracional, no cinema ou na vida?

Na história, Homar se envolve com Penelope, mas ela é amante de um industrial poderoso que não aceita a rejeição da mulher. O amor é louco, possessivo, dedicado (como o da produtora que teve um filho com o diretor, mas ele não sabe) e ainda existem personagens como o outro diretor, gay, que quer destruir a imagem do pai opressor mas se comporta pior do que ele. A cena-chave passa-se numa escadaria. Pedro Almodóvar é capaz de ficar horas citando cenas de escadarias - em clássicos de Douglas Sirk, Alfred Hitchcock, Victor Fleming etc, sem falar na mãe de todas as cenas de escada da história do cinema, em O Encouraçado Potemkin, de Sergei M. Eisenstein.

Belo como é o filme de Almodóvar, a imprensa especializada em Cannes já se interroga sobre suas possibilidades de ganhar, enfim, a Palma. Por enquanto, o favorito no quadro de cotações é Ken Loach (cinco cotações máximas no quadro da crítica na revista Le Film Français, que circula aqui uma edição diária). O inverso é representado por Anti-Christ, de Lars Von Trier, com oito (oito!) bolas pretas. Almodóvar tem chance de levar sua Palma? Ainda faltam os novos filmes de Alain Resnais, Michael Haneke e Quentin Tarantino, entre os autores pesos pesados. Marco Bellocchio pode ser uma alternativa com seu Vincere.

O filme que o próprio diretor italiano define como melodrama verdiano retoma a tendência operística que já estava no seu longa de estreia, De Punhos Cerrados, em meados dos anos 60. Conta a história do filho esquecido do Duce e da mulher que Benito Mussolini tentou apagar da história oficial. Vincere pode parecer um título estranho - Mussolini usava muito a palavra -, mas se alguém vence no filme é justamente a personagem de Vittoria Mezzoggiorno. Mulher do Duce, num casamento não reconhecido, ela se recusa a aceitar a rejeição. Na primeira parte, como amante desprezada, ele parece só inconveniente, por mais que Benito a tenha utilizado. A virada do filme ocorre quando a máquina do Partido Fascista resolve eliminar essa mulher e o filho proibido. Embora o próprio Bellocchio se refira a Verdi e ao melodrama, a história desse filho oculto tem algo de O Homem da Máscara de Ferro, de Alexandre Dumas. O diretor usa material filmado e de época e recorre à música para criar um universo operístico (às vezes de ópera-bufa, considerando-se a personalidade do Duce). Com Bellocchio, a Itália está fazendo boa figura em Cannes 2009.

Humor e união em filme do Ken Loach de ''esquerda''

Luiz Carlos Merten, Cannes
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / CADERNO 2

O diretor britânico Ken Loach está de volta a Cannes, e com uma comédia que está sendo considerada a delícia do festival. Looking for Eric foi uma proposta do próprio ex-jogador francês Eric Cantona, astro do time inglês Manchester United, que queria explorar no cinema a relação de idolatria que os fãs têm com ele. Loach e seu roteirista Paul Laverty criaram uma história com alguns pontos de contato com a de Sonhos de Um Sedutor, de Herbert Ross, em que Woody Allen era assombrado por seu ídolo, Humphrey Bogart.

Seu novo filme é uma decorrência do episódio de A Cada Um Seu Cinema, que já era declaração de amor ao futebol?

Não necessariamente, mas quem pensava que aquilo era uma piada com certeza se enganou. O futebol é muito importante, socialmente, sociologicamente. Tem gente que vive a semana inteira na expectativa de ver seu time jogar. Quando Eric nos propôs o filme, Paul e eu condicionamos o sim a encontrar uma história que nos agradasse. É a história de dois Erics, o grande Eric, o jogador, e o pequeno, um carteiro fracassado. E a ideia era justamente fazer com que os dois interagissem. No futebol, você pode discutir o caráter empresarial, a cartolagem, mas o esporte em si oferece momentos de brilho individual de grandes jogadores, celebra o esforço coletivo, o time. Nosso filme se baseia nesse conceito.

O velho Ken Loach de esquerda foi quem criou a ideia de o passe de Eric Cantona para um colega fazer o gol ser mais importante do que os gols que ele próprio faz?

Paul Laverty passou dias conversando com Eric para formatar uma história e ele próprio considerou aquele passe um de seus momentos gloriosos. Mas não conseguimos a imagem do passe que ele deu para Ryan Giggs e usamos outro passe, para Irwin. A ideia, de qualquer maneira, me interessa, claro. A solidariedade, o grupo. Estou feliz com meus dois Erics e com a acolhida do público e da crítica em Cannes. Já havia humor em outros filmes meus, mas esse é especial. É bom buscar outras vias para passar a mesma ideia de união para resolver os problemas.