sexta-feira, 22 de maio de 2009

O PENSAMENTO DO DIA (Gramsci)

“Quando, individualmente, um elemento da massa supera o senso comum, ele aceita, por este mesmo fato, uma filosofia nova: daí, portanto, a necessidade, numa exposição da filosofia da práxis, da polêmica com as filosofias tradicionais. Aliás, por este seu caráter tendencial de filosofia de massa, a filosofia da práxis só pode ser concebida em forma polêmica, de luta perpétua. Todavia, o ponto de partida deve ser sempre o senso comum, que é espontaneamente a filosofia das multidões, as quais se tratar de tornar ideologicamente homogêneas.”

(Antonio Gramsci – Cadernos do Cárcere, volume 1, pág. 116 – Civilização Brasileira, 2006.)

Intelectuais atacam nome apoiado pelo País à Unesco

Andrei Netto, PARIS
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O filósofo Bernard-Henry Lévy, o Nobel da Paz Elie Wiesel e o cineasta Claude Lazmann pediram que a comunidade internacional evite a escolha do egípcio Farouk Hosny à direção da Unesco. A candidatura é apoiada pelo Brasil. Para os intelectuais europeus, Hosny deu várias provas de antissemitismo nos últimos 15 anos.

Intelectuais europeus pedem ação contra Hosny na Unesco

Chamado de antissemita, ministro da Cultura egípcio é apoiado pelo Brasil

Três dos maiores intelectuais da Europa apelaram em artigo publicado ontem, no jornal Le Monde, em Paris, à comunidade internacional para que interfira nas eleições da Organizações das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e evite a vitória de Farouk Hosny. O ministro da Cultura egípcio é acusado de antissemita pelo filósofo Bernard-Henri Lévy, pelo escritor e prêmio Nobel da Paz Elie Wiesel e pelo cineasta Claude Lanzmann. A candidatura de Hosny recebeu a adesão do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que nega apoio ao brasileiro Márcio Barbosa, atual número 2 da instituição.

O artigo foi intitulado "Unesco: a vergonha de um naufrágio anunciado". O texto tem início com um histórico de sucessivas declarações de caráter preconceituoso feitas por Hosny contra o povo judeu nos últimos 15 anos. Frases como "Israel nunca contribuiu à civilização em nenhuma época, porque nunca fez nada além de se apropriar dos bens dos outros" e "a cultura israelense é uma cultura inumana; é uma cultura agressiva, racista, pretensiosa, que se baseia em um princípio simples: roubar o que não lhes pertence" foram pinçadas pelos três intelectuais - todos de origem judia - entre as manifestações do ministro da Cultura egípcio.

MOBILIZAÇÃO

Com o texto, Lévy, Wiesel e Lanzmann pedem mobilização da comunidade internacional. "Farouk Hosny (...) será o próximo diretor-geral da Unesco se nada for feito antes de 30 de maio, data do encerramento das candidaturas, para impedir sua marcha irresistível em direção a um dos postos de responsabilidade cultural mais importantes do planeta", dizem.

"É evidente: Farouk Hosny não é digno deste papel; Farouk Hosny é o contrário de um homem pacifista, de diálogo e de cultura; Farouk Hosny é um homem perigoso, um incendiário de corações e mentes", prosseguem. "Resta pouco tempo para evitar que se cometa o erro maior da ascensão de Farouk Hosny a este posto eminente."

Lévy, Wiesel e Lanzman pedem ainda ao governo do Egito que retire a candidatura e evite uma provocação "tão odiosa, tão incompreensível" que levaria à destruição da Unesco.

As eleições para a direção geral da organização acontecerão em outubro, mas o prazo para inscrições de chapas se encerra na próxima sexta-feira. Há outros três candidatos à vaga, hoje ocupada pelo japonês Koichiro Matsuura: a lituana Ina Marcuilionyté, a búlgara Irina Bokava e o argelino Mohamed Bedjaoui. Nenhum dos três, contudo, reuniu apoio dos países mais influentes da organização - Estados Unidos, França e Japão - até o momento.

O Brasil é protagonista da campanha mesmo sem candidato. Diretor-geral adjunto nos últimos oito anos, o engenheiro brasileiro Márcio Barbosa tem grande trânsito na organização, mas não recebeu o apoio do Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil, que formalizou o apoio a Hosny.

"Imaginava que essa polêmica fosse ganhar a preocupação internacional, como ganhou. Lamento a situação e continuo acreditando na possibilidade de mudança de posição do Brasil", disse Barbosa ao Estado. Mesmo sem o apoio de Brasília, sua eventual candidatura segue cogitada nos bastidores da Unesco. É forte a articulação para que ele aceite ser candidato representando outro país. "Não queria considerar essa hipótese porque é desagradável. Só tomaria esta atitude se tiver segurança de que o presidente Lula não voltaria atrás", afirmou Barbosa.

Em busca do Plano B

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Como, em política, ninguém prega prego sem estopa, a série de movimentos aparentemente desconexos dos últimos dias mostra que a doença da ministra Dilma Rousseff está colocando a classe política em polvorosa, em busca de uma porta de saída para o impasse da sucessão presidencial. A solução mais óbvia, nem por isso mais fácil, é a possibilidade de Lula vir a disputar um terceiro mandato consecutivo.

Mesmo sem a certeza de sucesso, essa é a única solução que contaria com o apoio maciço da base governista e dos chamados "movimentos sociais", o que daria ao nosso país um ar, digamos assim, "bolivariano", que pode atender aos interesses imediatos desse grupelho político que vive à custa do poder, mas certamente fará muito mal à biografia do líder operário que tem ânsias de se transformar em líder internacional.

Lula já revelou a mais de um interlocutor que pretende criar uma ONG quando deixar a Presidência para levar pelo mundo sua luta contra a miséria, com foco especial na África.

Aceitando a manobra de mudar a Constituição para disputar um terceiro mandato consecutivo, estará abrindo mão dessa atuação nos centros decisórios do mundo para se transformar em mais um dos muitos políticos bananeiros que dominam a cena latino-americana.

Há movimentos mais sofisticados, como a tentativa de reduzir para seis meses o prazo de filiação partidária, o que daria mais tempo para que a real situação física da ministra Dilma fosse avaliada.

E, evidentemente, mais tempo também para que políticos rearranjem o tabuleiro eleitoral. O objetivo mais evidente dessa manobra, capitaneada pelo PMDB, é dar ao governador de Minas, Aécio Neves, mais prazo para pensar na possibilidade de trocar de legenda e disputar a Presidência da República fora do PSDB.

Um corolário dessa medida seria outra, que já foi tentada uma vez sem sucesso: reduzir também para seis meses antes da eleição o prazo para alterações no sistema eleitoral. Os "neoqueremistas" ganhariam mais tempo para suas manobras continuístas.

Da mesma maneira que Lula já não descarta tão peremptoriamente a possibilidade de vir a disputar um terceiro mandato consecutivo, também o governador de Minas Gerais já não nega de bate-pronto a possibilidade de mudar de partido.

Dias atrás, foi convidado pelo PR para se filiar à legenda para disputar a Presidência e não negou essa possibilidade. O PR, aliás, é um bom exemplo de como se encontram perdidos os partidos da base aliada.

Ao mesmo tempo em que oferecem a legenda para Aécio disputar a Presidência, propõem, através do líder mensaleiro Sandro Mabel, a prorrogação de todos os mandatos eletivos, permitindo que Lula permaneça no cargo por mais dois anos.

Ontem, Aécio propôs ao DEM comemorar os 25 anos da Aliança Democrática, criada em 7 de agosto de 1984, que reuniu os dissidentes do PDS ao PMDB para eleger seu avô, Tancredo Neves, presidente da República.

O DEM, como herdeiro da Frente Liberal que deu José Sarney como vice de Tancredo, já aceitou. E é natural que o PMDB também participe dessa que seria uma celebração à arte da conciliação política, que Aécio quer encarnar na sua campanha para disputar a Presidência da República.

É quase nula a chance de o governador de Minas mudar de partido e partir para uma aventura, mas ele está convencido de que tem mais condições do que Serra de unir em torno de seu nome a maior parte dos partidos hoje sob a aliança governista.

Também é bastante reduzida a chance de Lula querer disputar um terceiro mandato consecutivo, mas as pressões de seu grupo político, amplíssimo em múltiplos interesses, pode mudar esse quadro.

Com o julgamento do caso do ex-ministro Antonio Palocci pelo Supremo marcado para o dia 4 de junho, a base governista pode ganhar um alento se ele for absolvido.

Não lavará de sua biografia a suspeita, quase convicção, generalizada, de que ele foi o responsável pela quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa na Caixa Econômica Federal, mas terá uma decisão do Supremo a seu favor para rebater as acusações de campanha.

O que seria um plano B para o caso de a candidatura de Dilma Rousseff não decolar pode perfeitamente se transformar na solução para o impasse em que a base partidária do governo se encontra.

A mais recente pesquisa do Vox Populi que a direção do PT está divulgando em Brasília, que mostra Dilma chegando à casa dos 20% das intenções de voto, é uma tentativa de frear as especulações sobre o plano B.

Seria uma boa notícia, se não houvesse dúvidas não mais sobre a viabilidade eleitoral da ministra, mas sobre sua capacidade física de aguentar uma campanha tão desgastante quanto a de presidente da República, ainda mais por uma não política, que não tem introjetadas no corpo e na mente as vicissitudes desse tipo de campanha.

E é uma péssima sinalização para um plano B. Se a "mãe do PAC", depois de mais de dois anos sendo incensada pelo presidente Lula, não consegue nem mesmo atingir os 30% do eleitorado petista tradicional, é sinal que talvez não haja mais tempo para um novo candidato surgir do bolso do colete.

A não ser que o plano B seja Lula.

A mão do gato

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Nada mais impreciso do que considerar o enterro do voto em lista fechada e do financiamento público de campanhas eleitorais um recuo do Congresso no tocante à reforma política.

Em relação a esse assunto, o Poder Legislativo continua onde sempre esteve: de abraços dados com o atraso, conservador até a medula, mantenedor de um sistema obviamente falido. Não que as referidas propostas, se aprovadas, significassem uma reformulação do sistema eleitoral. Nem de longe.

Isoladas, sem a sustentação em outras mudanças de fato mais modernas, como o voto facultativo e por distritos, tais alterações poderiam produzir deformações. Semelhantes, por exemplo, às ocorridas com a adoção de medidas provisórias, um instrumento do parlamentarismo, no regime presidencialista.

Não é essa a questão. O problema, como sempre, reside na desfaçatez de procedimentos. Há 15 dias, o presidente da Câmara, Michel Temer, anunciou que finalmente o Parlamento daria início ao debate da reforma política.

A base da discussão seria um anteprojeto preparado pelo Ministério da Justiça, do qual foram destacados dois pontos tidos como mais urgentes: o voto em lista fechada e o financiamento público.

Celebrou-se, tanto no Legislativo como no Executivo, o avanço contido nessas medidas, alegadamente destinadas a começar a corrigir as distorções do sistema.

Desconfiou-se, na ocasião, de que o lançamento do tema no ar, assim sem nenhuma convocação do eleitorado ao debate, serviria a outros objetivos: apresentar uma agenda positiva em substituição à pauta dos escândalos de privilégios no Congresso, abrir espaço para a burla da regra da fidelidade partidária, cuja interpretação constitucional do Supremo Tribunal Federal veda a troca de partido sem justa causa e, quem sabe, incluir pelo instituto da desfaçatez algum artifício heterodoxo.

Não deu outra. Alegando "divergências" na base governista, a pauta inicial foi arquivada e substituída por uma agenda que revela um pedaço da verdadeira face da reforma pretendida. Muita coisa ainda está obscura, mas o pouco já mostrado confirma as piores suspeitas.

A história de lista fechada e financiamento público não passa de pura conversa fiada. O plano mesmo é criar um ambiente para dar vazão a toda sorte de arranjos eleitorais necessários à conveniência de suas excelências no ano que vem.

Embromação com nome, sobrenome e certidão passada em cartório do céu. Para enfeitar o embrulho, decidiu-se pôr as propostas em votação na semana que vem "mesmo sem acordo".

Isso quer dizer uma simulação de tentativa. Uma vez rejeitadas as propostas pela maioria, vai-se ao que de fato interessa. Por ora, à sugestão do deputado Eduardo Cunha de redução do prazo de filiação para candidatos à eleição de 2010.

Pela regra atual, teriam de decidir seus destinos até setembro próximo. Pela alteração apresentada, ganham tempo até abril e, de quebra, imaginam passar a perna na Justiça Eleitoral.

Reduzido o prazo entre a filiação e a eleição, dificilmente os tribunais conseguirão julgar casos de trocas indevidas de legendas antes do pleito. Consumados os fatos eleitorais, se houver algum problema depois basta alegar que o Judiciário extrapola seus limites e pretende se substituir à vontade do eleitor.

Convenhamos: o que isso tem a ver com reforma política? Qual a relação de causa e efeito entre as deformações existentes e as correções necessárias? Onde fica o eleitor?

No lugar de sempre: do lado de fora de um arranjo meramente eleitoral, de objetivos ainda não completamente esclarecidos, num clima de absoluta maluquice legislativa em que cada um inventa a jabuticaba que quer. Seja apresentada na forma de prorrogação do mandato de Lula, de emenda permitindo mais de uma reeleição, de plebiscito, de referendo, do que for.

E o que será? Ninguém sabe. De evidente há apenas a nítida disposição de embaralhar as cartas já postas na mesa e a sombra da mão do gato pronta para providenciar a redistribuição como melhor convier à ocasião.

Mistura

Considerando que a declaração do presidente Lula sobre a "cura total" de Dilma Rousseff não vale como diagnóstico - prerrogativa exclusiva dos médicos que cuidam da ministra -, só pode ser vista como manifestação de natureza política.

Balinha

A posição do PT na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul em relação à proposta de CPI para apurar o uso de caixa 2 na eleição da governadora Yeda Crusius não servirá como moeda de troca para o PSDB na CPI da Petrobrás no Senado.

Na hipótese de uma oferta improvável, os tucanos alegariam falta de troco, já que as dificuldades da governadora servem como uma luva ao plano de uma aliança PSDB-PMDB em torno do prefeito de Porto Alegre, José Fogaça.

O dom de iludir

Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Se o quadro sucessório a um ano e meio das eleições presidenciais permanece indefinido, o mote da campanha já está dado: 2010 vai ser pautado pela mistificação. À acusação de que pretendem dar um calote nos poupadores, os petistas respondem que tucanos querem levar a Petrobras a leilão.

Ao eleitor que se colocará sob este fogo cruzado urge esclarecer por que partidos que têm como pré-candidatos à Presidência da República políticos como a ministra Dilma Rousseff e os governadores José Serra e Aécio Neves, pautam a campanha presidencial pelo dom de iludir o eleitor.

Foi por ter caído na armadilha da mistificação que o governo apressou-se em apresentar uma solução para a poupança que, além de paliativa, tem custo político e ainda está à mercê de contestação jurídica, pelo desacato à isonomia.

Mandar projeto de lei para o Congresso Nacional mexendo com o instrumento mais popularizado da poupança nacional não é tarefa fácil para presidente em fim de mandato. Mas certamente ser capaz de arbitrar perdas e ganhos é atributo de um governo que quer fazer seu sucessor.

Na solução encontrada, o Estado perde com a renúncia fiscal na tributação dos fundos e uma fatia da classe média perde recurso simples e seguro de guardar poupança. E os bancos perderam o que? Nada. Mas ser inofensivo ao sistema financeiro é muito diferente de dar calote em poupador.

A desonestidade com que o debate tem sido conduzido por parte da oposição não autoriza os petistas a colocar seus sindicalistas na rua para acusar os tucanos de pretender, com a CPI, delapidar o patrimônio da Petrobras quando todo mundo sabe que a privatização hoje está fora dos planos de qualquer partido.

Sim, foi no governo Fernando Henrique Cardoso que um decreto presidencial abriu caminho para que a estatal dispensasse licitações em parte de suas compras. Mas foi o governo Lula quem fez vista grossa para a emenda pemedebista que, acoplada à Medida Provisória 450, estendeu a dispensa ao sistema Eletrobras sem que, neste caso, se pudesse arguir pela necessidade de adequar a empresa aos parâmetros da concorrência internacional.

O presidente tem até o fim do mês para sancionar a MP. Se não vetar o artigo, avalizará a tese de que, a optar pelo bom combate, preferiu se juntar à oposição no jogo da mistificação.

Com o debate obnubilado, perde-se a chance de se conhecerem as reais posições dos partidos com maiores chances na disputa sucessória sobre dois dos principais temas do próximo governo - a política monetária e o pré-sal.

O maior risco é que as cartas estejam sendo embaralhadas precisamente porque ninguém sabe que posições serão tomadas no jogo sucessório. Se o DEM assina em baixo todas as teses de José Serra sobre os erros do Banco Central na crise, fica difícil entender a bateção de cabeça com o PSDB na questão da poupança, quando o presidente do partido foi obrigado a voltar atrás em suas convicções sobre a necessidade de ajustar os mecanismos da correção.

Enquanto a indefinição que é parte do gen do PSDB só tende a se agravar com o pêndulo que gravita entre as opções Serra e Aécio, a doença da ministra também faz balançar uma candidatura que já era dada como certa.

Se é a capacidade de conviver com as incertezas que dita o grau de enraizamento de uma democracia, um bom termômetro está para sair dessas confabulações em torno da lei eleitoral.

Ao se dedicarem ao espetáculo das CPIs e se negarem ao debate que poderia afunilar as opções do eleitor, os partidos aumentam as indefinições do quadro que se apresenta para a sucessão. E tratam de diminuir as incertezas que cercam seu próprio futuro político em 2010.

Com a CPI da Petrobras, já conseguiram tirar os escândalos das benesses das manchetes.

Aprovada a urgência para a reforma política, tratarão de definir as regras que facilitarão sua recondução ao Congresso e janelas de oportunidade para o embarque na candidatura da hora, em 2010. Quanto mais certezas tiverem, pior para o eleitor.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

Uma reforma longe do povo

Coisas da Política :: Mauro Santayana
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Se o presidente Lula ouvir mais a própria experiência, provavelmente irá rever sua posição a respeito da reforma política que a Câmara dos Deputados pretende colocar em debate interno, como balão de ensaio, a partir da próxima semana. Fundada em dois pontos diferentes, o financiamento público das campanhas e as listas fechadas para as eleições proporcionais, a proposta encontra a oposição do bom-senso. O argumento básico é a necessidade do fortalecimento dos partidos políticos. Admitamos que os partidos existentes hoje se fortaleçam com as listas fechadas. Para que isso ocorra, é necessário que existam previamente, com doutrinas, programas e estrutura democrática interna. Mas esse não é o caso.

O nosso sistema partidário dificulta a representação autêntica do povo e garante as bancadas corporativas – que são as que decidem – e em cuja composição os partidos têm pouco poder. As legendas só servem de veículo para que as instituições financeiras, o agronegócio, os empresários da grande indústria, as organizações religiosas e outros grupos elejam seus delegados, dominem o parlamento e mantenham o sistema que os favorece. Assim, na maioria dos partidos, predominam homens sem o menor espírito público, preocupados com seus próprios negócios e com os negócios de seus financiadores. O que interessa à cidadania é contar com um parlamento que legisle com bom senso, tenha como objetivo o interesse nacional duradouro, fiscalize os outros poderes e trabalhe para o bem-estar de todos os brasileiros.

Na raiz da crise está o problema da corrupção. Dizia Brecht que sempre que encontramos um servidor público disposto a receber propinas, estamos encontrando a Humanidade. Seria prudente corrigir o dramaturgo alemão, que entre 1938 e 1939, em seu exílio na Dinamarca, mergulhou no assunto desde os tempos romanos, com o excelente fragmento do romance que não concluiu: Die Geschäfte des Herrn Julius Cesar (Os negócios do senhor Júlio César). Quando encontramos um servidor do Estado que aceita propina, não estamos encontrando a Humanidade, mas, sim, alguém que pertence a uma de suas reduzidas e desprezíveis parcelas.

Muitos acreditam que o financiamento público das campanhas evitará a corrupção, mas é engano. O financiamento público servirá, talvez, e não muito, para amparar os pequenos partidos que dispõem de ideias, e, exatamente por isso, não recebem dinheiro das empreiteiras e bancos. Os grandes continuarão somando recursos externos aos do Estado, porque, em uma disputa eleitoral, vigora a esperança de que, quanto mais dinheiro houver, mais atraente será a campanha, e mais votos serão colhidos.

O sistema de listas fechadas não é, em si mesmo, antidemocrático – desde que condições prévias existam. Uma delas é a organização partidária efetiva, com real democracia interna, que dê, a cada filiado – em dia com suas obrigações – o mesmo direito de voto, nas reuniões prévias para a escolha dos candidatos. Os partidos não podem fortalecer-se pela lei, mas, sim, em si mesmos, em sua constituição, em suas ideias, em seus projetos. Como sabemos, nem mesmo em alguns partidos de esquerda há essa situação.

Estamos diante do fato de que a proposta de reforma que o Congresso examina é orientada pelo casuísmo (para aceitar o abastardamento do termo). Os atuais parlamentares, diante dos escândalos crescentes que desnudaram sua instituição, temem que, em outubro do próximo ano, um vendaval varra as duas Casas. A prevalecer o sentimento atual da cidadania, poucos conseguirão agarrar-se a suas poltronas, diante do turbilhão irado dos ventos. Por isso metem, no mesmo saco, uma "regra de transição", pela qual os atuais parlamentares serão candidatos natos a ocupar as listas fechadas, pela ordem de sua votação na eleição passada. Assim, terão praticamente garantida a reeleição.

Há outras propostas casuísticas. Uma delas é a do terceiro mandato, que o presidente Lula rejeita. O instituto da reeleição para a Presidência foi uma violência contra a República. O terceiro mandato absolveria o procedimento do governo anterior. Outra é a prorrogação dos atuais mandatos, a pretexto da coincidência das eleições até 1912, quando haverá a disputa municipal.

A cada dia se torna ainda mais conveniente a convocação de nova assembleia nacional constituinte, originária e exclusiva, constituída de cidadãos do povo, que se dissolva depois de cumprida sua tarefa, a fim de reconstruir as instituições do Estado.

Reforma política, finalmente, tem data para ir a Plenário

Brasília
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Mesmo sem consenso, deputados decidirão desfecho de propostas polêmicas

Os líderes partidários da Câmara decidiram colocar em votação na semana que vem, mesmo sem acordo, os dois pontos mais polêmicos da proposta de reforma política: financiamento público de campanha e votação em lista fechada. A estratégia dos líderes é colocar em votação o pedido de urgência para a análise do projeto do deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), que reúne os dois itens. Se a urgência for aprovada, os deputados votam a matéria em seguida. Caso seja rejeitada, a Casa vai desistir de discutir o financiamento púbico de campanha e a votação em lista fechada a tempo de valer para as eleições presidenciais de 2010 – uma vez que as mudanças, pela legislação eleitoral, devem ser viabilizadas até setembro.

A votação da urgência será uma espécie de "termômetro" para avaliar se a maioria dos deputados está disposta a aprovar os dois pontos polêmicos da reforma.

– A discussão foi muito útil, acalorada, com todos desejosos de fazer a reforma. Algumas coisas poderemos viabilizar para as eleições de 2010, outras para a de 2014. A reforma política foi revitalizada – disse o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP). Os líderes partidários tendem a ser mais favoráveis ao financiamento público de campanha, pelo qual os partidos ficariam proibidos de receber dinheiro da iniciativa privada para disputarem as eleições. A polêmica está em torno da lista fechada, modelo em que o eleitor passa a votar no partido, e não no candidato. Caberia à legenda reunir em uma lista os nomes dos seus filiados que serão eleitos para o Legislativo.

– O importante é colocar a proposta em plenário para que possa ser votada – disse o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN). Como a viabilização do financiamento público de campanha sem a lista fechada é mais difícil, os partidos decidiram levar o impasse para o voto. Legendas como o PT, DEM e parte do PMDB são favoráveis à lista fechada. Outras, como o PSB, PTB e PR, prometem se unir contra a aprovação da lista.

– Isso é um tiro na democracia. Os donos dos partidos vão escolher quem vai estar na lista e quem vai ser eleito – disse o líder do PR na Câmara, Sandro Mabel (GO).

Para o líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO), legendas como PCdoB, PSDB e PPS podem ser convencidos a apoiar a votação da lista fechada. – Tiramos a reforma política da UTI e trouxemos para a enfermaria. Vamos apresentar o pedido de urgência e aí será o grande embate no plenário – adiantou Caiado.

O líder do governo na Câmara, deputado Henrique Fontana (PT-RS), comemorou a decisão dos líderes de levarem a disputa para o plenário da Casa. – Alguns são contra a lista fechada, mas a favor do financiamento público. O importante é passar à votação para se compor maiorias – afirmou.

Os outros projetos que compõem a reforma política, como cláusula de barreira e a criação de uma "janela" que permita a troca de partido, vão ser analisadas por uma comissão especial da Câmara. Entre as propostas que serão analisadas pela comissão especial está a proposta do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) que reduz de um ano para seis meses o prazo máximo para a filiação partidária para um candidato concorrer às eleições. O texto elaborado pelo deputado estabelece que o prazo final de filiação partidária passe de setembro do ano anterior às eleições para março do ano da disputa – o que facilitaria a vida de políticos que pretendem trocar de partidos apenas para concorrer em melhores condições nas eleições. (Com agências)

Temer põe à prova popularidade de reforma política em votação

Da Sucursal de Brasília
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Mesmo sem consenso, o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), anunciou que pretende dar, na semana que vem, a última cartada na reforma política.A intenção é votar requerimento de urgência para o projeto do deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) -que trata de financiamento público de campanha e votação em lista fechada (eleitores votariam no partido).

A votação seria um termômetro para avaliar se a maioria aprova a reforma. Para levar o requerimento ao plenário, líderes partidários que representem no mínimo 257 deputados têm que apoiar a ideia. DEM, PT e PC do B (147 congressistas) são favoráveis; PP, PTB e PR, contra.

Nem o próprio PMDB está convencido. Eduardo Cunha (PMDB-RJ) disse que questionará a lista fechada no STF (Supremo Tribunal Federal), sob argumento de que é inconstitucional, pois fere artigo que diz que o sufrágio tem de ser por voto direto.

Ontem, na casa de Temer, líderes se reuniram para discutir alternativas. Sandro Mabel (PR-GO) propôs aumentar o mandato do presidente Lula em dois anos para coincidir todas as eleições -o que foi imediatamente rejeitado pelos líderes.

Espectro do 3º mandato ressurge em Brasília

Brasília
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Quadro de saúde de Dilma estimula discussão na base

Incomodados com as incertezas sobre o estado de saúde da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, dirigentes do PMDB que participaram do jantar organizado pelo partido para analisar o cenário de alianças nas eleições de 2010 começaram a discutir a proposta de emenda constitucional do deputado Jackson Barreto (PMDB-SE) que propõe o terceiro mandato para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Alguns líderes do partido argumentaram que o PT não tem outro nome forte para uma eventual substituição de Dilma e que o ideal seria avançar com a proposta de mais um mandato para o petista.

Barreto explicou a PEC aos correligionários e lembrou que já conquistou o apoio de 188 deputados. O deputado se comprometeu em ampliar o número de assinatura e sustentou que apresenta o texto no final do mês. Segundo relato de peemedebistas, não houve resistência entre os caciques do PMDB ao texto de Barreto.

Principal articulador da proposta do terceiro mandato para Lula, Barreto revelou ontem que conta com o apoio inclusive de parlamentares do DEM e do PSDB para colocar o projeto para tramitar no Congresso Nacional. Das 188 assinaturas que apoiam a PEC que permite o terceiro mandato para prefeitos, governadores e presidente da República, pelo menos dez, segundo o peemedebista, são de tucanos e democratas. O deputado mantém em sigilo, contudo, o nome dos oposicionistas que são favoráveis ao terceiro mandato.

Além da proposta de Barreto, ontem o líder do PR na Câmara, Sandro Mabel (GO), defendeu proposta de unificação das eleições em 2010, o que permitiria ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficar por mais dois anos no poder.

Mabel defende que, ao invés da realização de eleições federais e estaduais em 2010 (para governadores, presidente da República, deputados e senadores), a disputa seja realizada em 2012 junto com a escolha de prefeitos e vereadores. A mudança seria submetida à população por meio de referendo, o que poderia viabilizar a alteração constitucional até setembro deste ano – prazo máximo para mudanças na legislação eleitoral antes da disputa de 2010. Segundo Mabel, a economia com a unificação das eleições seria da ordem de R$ 10 bilhões ao país.

– É antiprodutivo fazer eleição de dois em dois anos. Com o referendo, você aplicaria a mudança rapidamente. Uma mudança de equipe em um momento que o país vai tão bem poderia trazer problemas ao país – argumentou. A proposta do líder do PR seria uma alternativa ao terceiro mandato do presidente Lula, já descartado pelo próprio petista. – A população decide se quer ou não. Se achar que sim, teríamos eleições em 2012, e não em 2010.

Mabel apresentou a proposta aos líderes partidários em meio à discussão da reforma política. O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), reuniu os líderes na residência oficial da Casa para tentar fechar acordo em torno das propostas de reforma política que podem entrar na pauta. (Com agências)

Aécio corteja DEM e é ''lançado'' por Simon

Christiane Samarco, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em visita ao Congresso, governador mineiro ouviu do senador gaúcho que, se estivesse no PMDB, Lula o apoiaria na eleição presidencial

Ao mesmo tempo em que o PMDB articula uma saída legal para permitir trocas de partido a seis meses da eleição, o governador tucano de Minas Gerais, Aécio Neves, corteja o DEM e peemedebistas históricos, como o senador Pedro Simon (RS). Seguido por um pequeno cortejo de parlamentares tucanos, Aécio vestiu o figurino de presidenciável na Câmara dos Deputados, ontem. Distribuiu sorrisos e cumprimentos, saudou antigos colegas e parou para tirar fotografias com assessores técnicos e funcionárias terceirizadas que servem cafezinho.

Na liderança do DEM na Câmara, o governador lembrou a Aliança Democrática, entre PMDB e o embrião do PFL, que deu a vitória a seu avô, Tancredo Neves, no Colégio Eleitoral, em 1985, e propôs um ato para comemorar os 25 anos dessa parceria histórica que ele cultiva em Minas e quer manter na sucessão de 2010. O afago aos ex-pefelistas foi um contraponto à parceria do governador paulista José Serra - com quem disputa a indicação presidencial do PSDB - com o DEM do prefeito da capital, Gilberto Kassab, e do ex-senador Jorge Bornhausen (SC).

Com Simon, que foi ministro da Agricultura de Tancredo, a recepção não poderia ter sido melhor.
"Se eu fosse presidente do PMDB, Aécio estaria no PMDB, seria nosso candidato e o Lula apoiaria", afirmou o senador. Simon fez questão de contar à imprensa o que disse ter ouvido do próprio presidente tempos atrás. "O Lula falou para mim que Aécio seria um grande candidato a presidente se ele entrasse no PMDB e o PT o apoiasse, e eu achei uma grande saída."

Em outra roda de jornalistas, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) contava que Aécio fez o seguinte comentário: "Estou de olho no seu projeto", numa referência à proposta que reduz em seis meses o prazo de filiação partidária para as eleições de 2010.

No encontro com deputados do DEM, Aécio foi recepcionado pelo presidente nacional do partido, Rodrigo Maia (RJ), e pelo líder Ronaldo Caiado (GO). Abriu sua fala elogiando a "ousadia" dos antigos pefelistas, sem a qual a aliança que elegeu Tancredo não seria possível. "O gesto de ousadia de vocês foi o começo de tudo o que estamos vivendo. Minha carreira política começou ali e tenho no DEM meu mais importante aliado", disse o governador, que também fez questão de passar pelo gabinete da presidência da Câmara, para abraçar Michel Temer (PMDB-SP).

COMPANHEIRO
Provocado pelos jornalistas sobre a proposta de Cunha, Aécio afirmou que, "do ponto de vista pessoal", não tem qualquer interesse no projeto. Acrescentou que está muito bem no PSDB e que sua pretensão é disputar as prévias partidárias com o governador paulista. "Serra é companheiro e vamos estar juntos para enfrentar nossos adversários, com quem temos diferenças de visão de mundo e de governo", afirmou.

Aécio disse ainda que fará "tudo" para trazer o PMDB para o projeto tucano. Disse que o partido não só é fundamental à governabilidade, como pode ser decisivo para ganhar uma eleição. A aposta de Aécio é que várias legendas que estão hoje na base do governo não apoiarão a candidatura presidencial petista, por uma razão: "Lula é muito maior que o PT".

PMDB cobra 'plano B' de Lula para a Presidência

Christiane Samarco e Vera Rosa, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O PMDB quer que o governo articule um "plano B" para enfrentar a incerteza política causada pelo tratamento de saúde da ministra Dilma Rousseff, candidata de Lula ao Planalto. A cúpula do partido espera apenas a volta do presidente para cobrar uma alternativa, relatam as repórteres Christiane Samarco e Vera Rosa. Uma aposta seria Antonio Palocci (PT-SP). Outra seria “converter” o tucano Aécio Neves.

PMDB quer discutir com Lula ""plano B"" para a eleição de 2010

Líder diz que partido defenderá uma alternativa para enfrentar incertezas provocadas pelo tratamento de Dilma

O PMDB não aceita ficar totalmente "pendurado" no projeto da candidatura presidencial da ministra Dilma Rousseff e quer que o governo articule um "plano B" para enfrentar as incertezas políticas provocadas pelo tratamento do câncer linfático a que se submete a chefe da Casa Civil. A cúpula do partido aguarda apenas que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva retorne da viagem internacional, neste fim de semana, para cobrar uma alternativa a Dilma e regras que pacifiquem as disputas entre petistas e peemedebistas nos Estados.

"Há uma inquietação no ar e políticos não podem trabalhar sem ?plano B? ", afirmou o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN). O deputado, ressalvou, no entanto, que a palavra final será do presidente. "Nosso projeto é com Lula e é ele quem tem de dizer se quer um plano B de candidatura."

Dirigentes do partido avaliam que uma das apostas do Planalto está no Supremo Tribunal Federal. O STF pode livrar o ex-ministro da Fazenda e deputado Antonio Palocci (PT-SP) de processo penal no julgamento, marcado para 4 de junho, do caso envolvendo a violação de sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. Independentemente da decisão do STF, que pode abrir espaço para a candidatura Palocci, líderes do PMDB não desistem da ideia de converter o governador tucano de Minas, Aécio Neves, no plano B da sucessão (leia texto na página A6).

Aécio é o principal alvo do projeto do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que reduz de um ano para seis meses o prazo mínimo de filiação para candidatos às eleições de 2010. Como a prévia do PSDB que escolherá o presidenciável está prevista para o ano que vem, Cunha apresentou à direção da Câmara requerimento de urgência para votar o projeto de mudança da Lei Eleitoral. Pela proposta, Aécio terá uma saída política se o PSDB optar pela candidatura do governador de São Paulo, José Serra.

Em conversas reservadas, auxiliares de Lula observam que o PMDB começa a dar sinais de que vai brigar para influenciar o processo de escolha de outro candidato ao Planalto, caso Dilma seja obrigada a sair do páreo.

"Vamos dizer ao presidente, na próxima semana, que a aliança em torno de Dilma não sairá se o PT quiser impor seus nomes para governador", insistiu o líder do PMDB na Câmara. "Queremos entrar em 2010 sabendo o que vamos fazer. Não podemos deixar as coisas para março porque aí não dá tempo de ter um ?plano B?."

Nos bastidores do Planalto o comentário é de que não há empenho pela candidatura de Dilma na seara do PMDB. Para facilitar o casamento de papel passado, o Diretório Nacional do PT baixou resolução, há duas semanas, proibindo lançamento de candidaturas até fevereiro de 2010. O enquadramento atingiu o ministro da Justiça, Tarso Genro, que pretende disputar o governo do Rio Grande do Sul, onde o PMDB quer apoio ao prefeito José Fogaça.

"A prioridade é a aliança nacional e temos a preocupação de não criar fatos consumados", afirmou o presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), que ontem telefonou para o líder do PMDB. "Eu disse a ele que estamos disponíveis para conversar. É só marcar."

Na reunião com Lula, os dirigentes do PMDB querem tratar, por exemplo, da parceria em Minas, segundo maior colégio eleitoral. O ministro das Comunicações, Hélio Costa (PMDB), lidera as pesquisas para a sucessão de Aécio, mas o PT tem dois pré-candidatos: o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, e o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel.

"O PT não pode querer o apoio a Dilma para presidente e fazer o que quiser nos Estados", argumentou Alves. "Se fizer isso, adeus coligação." O PMDB propõe que quem estiver em primeiro lugar nas pesquisas estaduais, até dezembro, seja o cabeça da chapa. O assunto foi o cardápio do jantar que Alves ofereceu na quarta-feira a 30 deputados do partido, incluindo o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima. Na avaliação feita no jantar, a aliança com o governo só será selada se projetos regionais forem respeitados.

Para governo, PMDB quer minar Dilma

Gerson Camarotti e Cristiane Jungblut
DEU EM O GLOBO

Partido incentiva discussão sobre possibilidade de terceiro mandato

BRASÍLIA. Há forte desconforto no Planalto com articulações de integrantes do PMDB para tentar aprovar emenda constitucional que permita o presidente Lula disputar o terceiro mandado. A avaliação do núcleo do governo é que o PMDB trabalha para enfraquecer a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. A tese do terceiro mandato como alternativa para 2010 fragiliza a candidatura presidencial da ministra. O autor da emenda é o deputado Jackson Barreto (PMDB-SE), que está recolhendo assinaturas. Mas auxiliares do presidente Lula já identificaram que esta articulação tem aval dos caciques.

Para o Planalto, foi a forma encontrada por líderes para fortalecer o PMDB não só nas negociações por espaço no governo, como nos debates de 2010. No PT, a reação foi mais forte. O entendimento é que ao tentar desestabilizar a candidatura de Dilma, o PMDB cria condições para uma alternativa e ensaia um discurso para abandonar o palanque petista.

O projeto de lei do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que fixa em até seis meses antes da eleição (no caso, março de 2010) o prazo de filiação dos candidatos, foi visto no governo como estratégia para tentar atrair para o PMDB o governador Aécio Neves (PSDB-MG) e ter uma alternativa no cenário de imprevisibilidade da candidatura de Dilma. Aécio descartou usar essa brecha para mudar de partido.

O líder do partido, Henrique Eduardo Alves (RN), negou o apoio à tese do terceiro mandato, mas pediu uma conversa com Lula assim que ele voltar do exterior:

- Queremos discutir qual é a prioridade do PT. É a candidatura presidencial com o apoio do PMDB? Se não for (discutida) assim, morre ali a aliança.

Ontem, o ministro da Justiça, Tarso Genro, descartou a possibilidade de realização de um plebiscito para permitir a Lula disputar novo mandato:

- As informações que temos é que a Dilma está fazendo um tratamento de quimioterapia, e está respondendo bem. Ela está muito otimista, tranquila e permanece sendo, sem a menor sombra de dúvida, a nossa pré-candidata, a presidente.

Colaboraram Adriana Vasconcelos e Eduardo Rodrigues

No Rio, uma prévia eleitoral

DEU EM O GLOBO

Representantes de centrais sindicais se uniram a dirigentes da União Nacional dos Estudantes (UNE), do Movimento dos Sem Terra (MST) e do PT em passeata no Centro do Rio contra a CPI da Petrobras. Acabou virando um ato político, e os 3 mil manifestantes puxaram o coro "Dilma presidente".

CUT, UNE e MST por Dilma e pela Petrobras

Entidades e petistas protestam contra CPI e atacam Serra e PSDB, no Centro do Rio

Passeata comandada no Centro do Rio pela Federação Única dos Petroleiros (FUP), por petistas e por movimentos sindicais, sociais e estudantis, como CUT, UNE, MST e Sindipetro, reuniu ontem cerca de três mil pessoas para protestar contra a CPI da Petrobras. A manifestação saiu da Candelária, fechou a Avenida Rio Branco, provocando grande confusão no trânsito, e terminou num abraço à sede da empresa, na Avenida Chile. O protesto contra a CPI virou político, com um grupo puxando o coro de "Dilma presidente". E não faltaram ataques ao governador tucano de São Paulo, José Serra, possível adversário da ministra Dilma Rousseff na eleição presidencial de 2010.

Sindicalistas gritaram palavras de ordem contra o PSDB, que propôs a CPI, e Serra:

- Sai, José Serra - bradou um sindicalista no carro de som, puxando o coro "Sai, seu tucano, sai ladrão. Larga a Petrobras, patrimônio da nação".

O prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias (PT), também atacou os tucanos:

- Sabemos o que foram os oito anos do governo FH. Essa crise é fruto da política neoliberal deles. Agora querem atingir a empresa símbolo de orgulho do país. Não vamos tolerar que ninguém jogue lama na Petrobras. Vamos ocupar as ruas para protestar.

O deputado Antonio Biscaia (PT-RJ) fez coro:

- Essa CPI é irresponsável e antipatriota.

Líder do PSDB no Senado, o senador Arthur Virgílio afirmou que a mobilização foi organizada por entidades que recebem recursos públicos. Ele disse ainda que os manifestantes só pensam em eleição e são "cúmplices da corrupção":

- Os tucanos estão é defendendo a Petrobras contra corruptos que estão aparelhando politicamente e economicamente a empresa.

Barganha do PMDB causa indignação

Adriana Vasconcelos e Gerson Camarotti
DEU EM O GLOBO

Os senadores do PMDB Pedro Simon e Jarbas Vasconcelos reagiram indignados à exigência do partido de comandar a Diretoria de Exploração, a mais cobiçada da Petrobras, para controlar a CPI. "É um escândalo! Deveriam, pelo menos, fingir decência", disse Simon. No Planalto, auxiliares do presidente Lula acusaram o PMDB de tentar "o cúmulo da chantagem".

Para Planalto, PMDB faz chantagem

Partido quer diretoria da Petrobras para controlar CPI e é criticado por Jarbas e Simon

Dois peemedebistas que assinaram o requerimento de criação da CPI da Petrobras, os senadores Jarbas Vasconcelos (PE) e Pedro Simon (RS) atacaram duramente o próprio partido por, antes mesmo da instalação da comissão, usar a investigação para tentar ampliar seu espaço de influência dentro da estatal. Auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva também reagiram com indignação às pressões do PMDB para tentar obter o comando da diretoria de Exploração e Produção da Petrobras, a mais cobiçada por todos os partidos da base governista.

Nos bastidores, governistas confirmaram uma nova articulação do PMDB para substituir o geólogo Guilherme Estrella - responsável pelas descobertas das maiores reservas de petróleo no pré-sal - por Paulo Roberto Costa, atual diretor de Abastecimento da empresa. Embora vinculado ao PP, Paulo Roberto teria acertado com os peemedebistas sua transferência.

A substituição de diretores foi descartada ontem por integrantes do núcleo do governo. Um ministro chegou a pôr em dúvida a disposição do PMDB de oficializar essa proposta, que foi classificada na Presidência da República como o cúmulo da chantagem. Estrella, indicado pelo PT, é considerado quase insubstituível. Em Pequim, Lula quebrou o protocolo durante solenidade em que foi homenageado na Praça da Paz Celestial ao apresentar o atual diretor de Exploração e Produção da Petrobras ao presidente da China, Hu Jintao, como o "grande descobridor" da camada de pré-sal.

Mesmo indignado, o senador Jarbas Vasconcelos disse que não se surpreendeu com a notícia.

- Infelizmente, não é um fato novo. Ninguém tem direito de se surpreender com as práticas fisiológicas do PMDB. Ainda mais quando vemos o temor do governo em relação a uma investigação como a da CPI. E o pior é que quem está encurralado acaba se submetendo a qualquer tipo de pressão - disse Jarbas.

"É um escândalo! Estou envergonhado"

Para Pedro Simon, se o governo tiver dignidade, não aceitará esse tipo de chantagem.

- Isso é um escândalo! Sinto-me envergonhado. Eles deveriam pelo menos fingir alguma decência.

Diante das reações, o líder do partido, senador Renan Calheiros (AL), tentou desmentir a informação.

- Isso é um completo absurdo! Não é o tipo de relação que temos com o governo e muito menos com o presidente Lula. Quem espalhou essa informação está tentando denegrir a imagem da bancada peemedebista no Senado.

O líder do PT, senador Aloizio Mercadante (SP), disse desconhecer qualquer reivindicação do PMDB na Petrobras. Em sua opinião, não há sentido para o governo substituir um técnico que teve uma atuação fundamental na descoberta das reservas do pré-sal por motivação partidária:

- Se a CPI for para estimular esse tipo de interesses, fará muito mal à Petrobras e ao Brasil.

O fato é que os partidos da base governista ainda não conseguiram se entender sobre a melhor estratégia de atuação na CPI. Por isso, adiaram para a próxima terça-feira a indicação de seus representantes na comissão. Renan, por exemplo, é contra a proposta de Mercadante de indicar os líderes aliados para compor a CPI.

- Não acredito que seja a melhor tática. A consequência será transportar o debate da CPI para o plenário.

Mas Mercadante não descarta a possibilidade de se indicar para a CPI. Segundo ele, há uma pressão de sua bancada para isso. Renan aguarda a volta do presidente Lula ao Brasil para acertar as indicações do PMDB para a CPI da Petrobras. O partido terá direito a três vagas de titular e duas de suplente, assim como o bloco de apoio ao governo.

UM CIDADÃO DESACREDITADO

COLUNA PINGA-FOGO
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

O ex-deputado estadual comunista Hugo Martins, o “Guri”, recebeu ontem o título de cidadão recifense. No discurso, revelou ter quase declinado da homenagem por se encontrar “descrente nas instituições políticas e em sua capacidade de transformar a sociedade”. Guri é um dos fundadores do MDB.

Ilusões de ótica, de ética e oposição

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Crise, Petrobras, BNDES, PAC etc. são temas relevantes, mas oposição os "ama ou deixa" ao sabor de marolas midiáticas

A "MAROLINHA" foi por algumas semanas um mote da oposição, que fazia troça barata e rasa com a propaganda lulista de que o Brasil estaria vacinado contra a crise (em parte, a conversa governista da "marolinha" era também alheamento da realidade). Tão barata era a chacrinha oposicionista que PSDB, DEM e anexos já deixaram o mote de lado -como a crise não fez o estrago social e político esperado de imediato, mudaram de assunto.

A seguir, apenas por uns dias, de modo desorientado, canhestro e vergonhoso, a oposição tentou de fazer do imposto sobre a poupança o seu novo cavalinho de batalha. Mas o assunto míngua, até inesperadamente. Faz menos de uma semana, trataram de fazer da CPI da Petrobras seu estilingue contra o paredão da popularidade do governo. Mas, entre outros reveses, a oposição começou dividida mesmo na proposição da CPI. O PSDB queria morder, e o DEM, por vício e rabo preso históricos, quer assoprar. Para entornar o caldo, o maior beneficiário da CPI pode vir a ser o PMDB, que passa a dispor de um novo instrumento de chantagem contra o governo Lula.

Mas tanto a crise econômica como a poupança e a Petrobras, para nem falar da associação do BNDES com empresas quebradas em aventuras cambiais ou da lerdeza do investimento público (PAC), são assuntos sérios demais para serem abandonados pela oposição, que "ama ou deixa" tais problemas ao sabor de marolas e modas midiáticas.

A crise econômica se desenrola no Brasil de modo um tanto imprevisto. Faz pouco tempo, ainda se debatia se a desvalorização do real seria crítica, causando até inflação, ou se o déficit em conta corrente seria perigoso. Bem, o problema agora parece ser o da volta do real forte; o déficit externo minguou. A crise não provocou aumento de tensão social, ao menos por ora, mas tampouco é marolinha. A princípio, concentrou-se mais na indústria extrativa e exportadora, mas, lenta e regularmente, espalha-se para o mundo "real".

O desemprego não parece aumentar. Mas a evolução do emprego formal é a pior desde que se tem registro. A criação de empregos nas maiores regiões metropolitanas tende a zero, como divulgado ontem pelo IBGE (a taxa de desemprego só não aumentou porque mais gente desistiu de procurar trabalho). Dados indiretos do nível nacional de emprego indicam aumento do desemprego. A massa salarial ainda cresce (na comparação anual), mas em ritmo menor a cada mês, assim como as vendas do comércio.

"Nunca antes" a economia reagiu tão bem a um tumulto financeiro global, decerto. A melhoria discreta da distribuição de renda e as transferências sociais amorteceram bastante tanto os impactos econômicos como sociais da crise. Mas muitos efeitos da recessão serão sentidos.

Uma CPI da Petrobras é necessária faz tempo. Mas, além de tentar encontrar um papel que comprometa o lulismo, o que pretende a oposição? Vai investigar também interesses privados e públicos que se cruzam na estatal? Por falar nisso, vai discutir a política do BNDES? Vai auditar o PAC a sério? Vai inquirir o governo sobre sua lerdeza? Enfim, a oposição vai fazer apenas chacrinha ou, enfim, vai se apresentar como alternativa política séria ao país?

Não há o que segure

Celso Ming
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A valorização do real é inevitável. O Banco Central (BC) seguirá na sua política de compra de dólares, como continuará negando que a intervenção tenha por objetivo segurar as cotações no câmbio.

O Banco Central amontoará ainda mais reservas e não conseguirá reverter a tendência, porque ela é firme. Os dólares chegarão ao País, como já vem acontecendo, de muitas formas: Investimentos Estrangeiros Diretos (IED); aplicações no mercado de ações; inversões no mercado de renda fixa; financiamentos a empresas brasileiras. Ou, em vez de entrar, não irão embora como ocorreu nas crises do passado.

Chegará o dia (e o volume) em que não valerá a pena seguir estocando reservas, especialmente na paisagem de incerteza sobre o futuro do dólar. E bem antes será preciso saber lidar com a abundância de moeda estrangeira.

Há as propostas simplesmente reativas e as que sugerem forte mudança na política econômica adotada. Entre as reativas estão as de sempre: controlar a entrada de capitais; limitar aplicações de estrangeiros em Bolsa; derrubar fortemente os juros.

Barrar a entrada de capitais em pleno processo de globalização não parece fazer sentido. O governo precisa de recursos para o PAC; a Petrobrás necessita de centenas de bilhões de dólares para o pré-sal; as empresas brasileiras terão de abastecer-se de crédito externo. Aplicações de estrangeiros em ações de empresas brasileiras podem ser feitas na Bolsa de Nova York e cerceá-las por aqui não tem cabimento num momento em que as empresas brasileiras se preparam para fazer lançamentos públicos de ações para se capitalizar.

A ideia de flexibilizar, digamos assim, as regras do sistema de metas de inflação e derrubar impiedosamente os juros faria parte de uma proposta de nova política econômica, que lembra o atual modelo argentino. Trata-se de uma espécie de movimento de desvalorização forçada do real.

Consiste em levar o BC a comprar dólares com reais e, em vez de retirá-los por meio de emissão de títulos, deixá-los no mercado. Os juros cairiam em consequência da abundância de recursos na economia. Quem defende essa posição - e entre estes parece estar o governador paulista, José Serra - dá um salto no escuro quando chega a esse ponto. Reais em excesso que proviessem do pagamento pela compra de dólares produziriam inflação.

O que fazer com ela? Defensores da posição de um câmbio desvalorizado, como o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira, não aceitam a conclusão. Dizem que não haverá inflação e, se houver, será preferível à forte valorização do real.

Na Argentina, onde esse modelo está em vigor, as estatísticas são descaradamente manipuladas para esconder a inflação. É uma situação que parece insustentável. Investimentos estão sumindo, há desabastecimento, a população compra dólares, a economia está malparada e o produtor argentino vai perdendo competitividade do mesmo jeito.

Se não é por aí, também não está claro por onde será. Não há resposta pronta para a tendência de forte valorização do real.

Um ajuste terá de vir. Se a carga tributária paga pelo produtor caísse na mesma proporção em que cai o dólar, a capacidade de resistência do produtor seria muito melhor. Mas o governo só pensa naquilo...

Confira

Mal das pernas - Ontem, a Standard & Poor?s, uma das mais importantes agências de classificação de risco, avisou que os títulos de dívida da Inglaterra podem ser rebaixados.

Isso significa que o rombo fiscal da Inglaterra ameaça sua capacidade de pagar dívidas. O problema é que a maioria dos países ricos está na mesma situação: Estados Unidos, Japão, Espanha, Itália...

Boa parte da baixa do dólar no câmbio internacional aconteceu porque crescem as dúvidas sobre a capacidade de a economia americana honrar seus compromissos. Essas dúvidas tendem a aumentar mais.

Dólar furado

Panorama Econômico :: Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


O dólar cai porque está entrando mais dinheiro de investidores externos, as empresas brasileiras voltaram a captar no exterior, as commodities estão subindo. Os motivos são muitos e mostram que os sinais se inverteram. Depois de meses de fluxo cambial negativo, o fluxo ficou positivo. Qual o risco? Que o movimento fique exagerado se todos acreditarem que o susto passou.

Foi por isso que o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, fez o alerta ontem contra o excesso de euforia. Da mesma forma que o pânico, a euforia produz movimentos de manada que podem exagerar uma tendência. Isso aumenta muito a volatilidade e ela pode deflagrar um novo momento de crise.

Mas alguns dos motivos de queda do dólar são melhoras sólidas. E não são apenas brasileiras. Veja o gráfico abaixo. De 17 de março até ontem, a conta já registra que o dólar caiu 10% frente ao real, 15,6% frente ao rand sul-africano e 4,7% diante do peso chileno. O que há de comum entre Brasil, África do Sul e Chile é que os três países são exportadores de commodities e elas voltaram a se valorizar. O índice CRB, que mede o valor das commodities, subiu 12% nesse período.

O economista-chefe da Ativa Corretora, Arthur Carvalho, acha que o dólar se desvaloriza em função da diminuição da aversão ao risco mundial, porque isso traz os investidores, que fugiram do país desde o fim do ano passado, quando a crise se agravou após a quebra do banco americano Lehman Brothers.

Isso significa um forte ingresso de moeda americana por meio da Conta de Capitais (investimentos em bolsa, investimentos estrangeiros diretos e títulos do Tesouro brasileiro), dos Adiantamentos de Contrato de Câmbio (ACC), que estão se normalizando para as empresas exportadoras, e também pelo anúncio de captação de recursos por parte de empresas brasileiras no exterior.

- Com essa inversão de cenário começa a acontecer, também, um forte viés especulativo a favor do real. Ou seja, na medida em que os investidores olham para frente e veem um cenário de entrada de dólares, há uma tendência de venda da moeda americana - explicou Carvalho.

Foi contra isso que o presidente do BC alertou ontem, o exagero da tendência provocada por movimentos especulativos. Mesmo assim, diante do contexto de crise, Carvalho não acha muito provável que o dólar caia para a casa de R$1,80. O mais provável, segundo ele, é ficar oscilando entre R$2 e R$2,10, mesmo que ele chegue a romper a barreira dos R$2. O problema é que a crise não acabou, apenas melhorou de expectativa.

Para Sérgio Vale, da MB Associados, outro fator que influencia é o fato de que o Brasil não fez um afrouxamento muito grande da política fiscal e, ao mesmo tempo, ainda pode utilizar muito a política monetária para enfrentar a crise. Isso tem dois efeitos positivos sobre os investidores: primeiro, que as contas públicas estão menos desajustadas que em outros países e, segundo, que juros altos significam alta rentabilidade nos investimentos em títulos públicos.

- Se as políticas são sólidas e os juros são elevados, nada mais natural do que esse investidor vir para cá - explicou Vale.

Um cenário mais otimista na recuperação econômica mundial também sustenta a alta das commodities. Afinal, se a recuperação acontecer mais rapidamente, o consumo de matéria-prima será maior e os preços tendem a subir mais.

André Sacconato, da Tendências Consultoria, também acha que um dos grandes motivos da alta do dólar é que o Brasil tem juros altíssimos, no mar de juros baixos no mundo. Ele também explica que o país sofreu menos com a crise na comparação com outros emergentes, como Rússia, México e Índia, abrindo espaço para a vinda de investidores estrangeiros.

Além disso, os chineses estão tentando diminuir sua exposição a títulos americanos e dólar. Isso ajudou o Brasil de dois modos: primeiro, porque valorizou os produtos que o Brasil exporta e, segundo, porque aumentou a demanda por esses produtos.

Por enquanto, o BC compra dólares e recompõe suas reservas. Os exportadores que sofreram com o dólar baixo, e depois se encrencaram no mercado futuro pela alta abrupta da moeda, agora olham preocupados para a queda, com o temor de que isso reduza sua rentabilidade. O dólar pode não ter o valor que já teve, mas ainda é a moeda para a qual todos olham.

Entendendo a dinâmica do real

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A alta do real é difícil de ser controlada; o BC pode apenas modular a valorização via compras da moeda americana

NA ÚLTIMA quarta, o Banco Central comprou mais de US$ 1 bilhão para evitar uma valorização significativa do real. No momento seguinte à realização do leilão, nossa moeda retomou o caminho de alta, flertando com a cotação de R$ 2,00. Apenas uma piora nos mercados internacionais na parte final do dia -e que continuou ontem- evitou que essa fronteira simbólica fosse cruzada. Mas, se o otimismo permanecer, será uma questão de tempo para que o mercado teste novamente o Banco Central.

Com o expressivo fortalecimento do real -quase 10% neste mês-, volta ao debate a questão da taxa de câmbio no Brasil. Como sempre, as questões econômicas acabam por radicalizar as posições dos analistas.

De um lado, estão os que defendem uma intervenção agressiva do BC para anular esse movimento e culpam os juros elevados por tudo o que está acontecendo. De outro, estão os que dizem que em um regime de metas de inflação a taxa de câmbio deve variar livremente seguindo as forças de mercado.

Não vou entrar no mérito dessas duas posições. Quero apenas dividir com o leitor da Folha meu entendimento sobre as forças que estão atuando no câmbio neste momento. Acredito que vivemos uma dinâmica nova, criada principalmente pelo otimismo com que os mercados internacionais veem hoje a economia brasileira. Passar pela crise em condições satisfatórias foi fundamental para consolidar essa avaliação.

Credenciado por isso, o real mudou de qualidade e passou a fazer parte de um seleto grupo de moedas emergentes.

Essa cesta flutua em função da força ou da fraqueza da moeda americana nos mercados, medida principalmente em relação ao euro e ao iene japonês. Em setembro, quando a falência do Lehman Brothers colocou o sistema financeiro mundial à beira do precipício, houve corrida ao dólar.

Naquele momento de pânico, ele foi visto como moeda refúgio dos capitais financeiros e como proteção de patrimônio em geral. O resultado foi uma desvalorização generalizada da maioria das moedas, principalmente as dos emergentes. O real foi apanhado por essa tormenta e perdeu quase 40% de seu valor. O mesmo ocorreu com o won coreano, o peso mexicano, a lira turca e outras moedas emergentes. Mesmo o euro e a libra inglesa perderam valor.

Em meados de março, com a volta de certa dose de confiança em relação à recuperação da economia mundial, esse movimento começou a ser revertido. Os dólares acumulados nos dias de pânico estão sendo reciclados, provocando uma mudança na sua valorização dos últimos meses.

A contrapartida desse movimento é o fortalecimento das demais moedas, principalmente algumas ligadas às economias que se portaram bem na crise, como o real.

Nossa moeda está sendo procurada de maneira intensa por investidores ansiosos em diversificar seus investimentos. Uma nova onda de entrada de capitais está ocorrendo e, se não acontecer uma reversão das expectativas em relação à economia mundial, deve continuar. Esse movimento é difícil de ser controlado sem uma coordenação entre bancos centrais, pois não é localizado apenas no Brasil. O BC pode apenas modular a valorização via compras da moeda americana no mercado, pela colocação dos chamados "swaps" cambiais reversos e por uma redução mais agressiva da taxa de juros Selic. Tentar administrar o valor do real sem levar em consideração essa nova dinâmica pode custar muito caro.

Luiz Carlos Mendonça De Barros, 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil

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Sonho Impossível

Maria Bethânia
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A canção brasileira para encher os olhos

Lauro Lisboa Garcia
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2

Simonal, Titãs, Vanzolini, Raul: a atual tendência é de documentários musicais

Durante um bom tempo a memória da música brasileira ficou relegada a certos nichos, como museus e acervos particulares. A partir de meados dos anos 1990, o mercado editorial passou a investir com mais dedicação em biografias e songbooks de grandes nomes e vertentes da MPB. Com igual intensidade o cinema abraçou o filão nesta década. Sempre se fez filmes sobre música brasileira, mas atualmente há uma tremenda "ebulição", como diz Walter Carvalho, que está rodando um documentário sobre Raul Seixas. Hoje estreiam na cidade Versificando, de Pedro Caldas, e Patativa do Assaré - Ave Poesia, de Rosemberg Cariry (leia críticas ao lado). O forte de Patativa do Assaré (1909-2002) era o verso falado, mas ele também foi cantador e teve pelo menos dois importantes poemas musicados: A Triste Partida - grande êxito na voz de Luiz Gonzaga (1912-1989) - e Vaca Estrela e Boi Fubá, propagado por Fagner, clássicos sobre o flagelo da seca no Nordeste e a triste sina dos retirantes. Além desses, há outros dois documentários musicais nacionais em cartaz: Simonal - Ninguém Sabe o Duro Que Dei, de Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal, e Titãs - A Vida Até Parece Uma Festa, de Branco Mello e Oscar Rodrigues Alves.

O crítico Amir Labaki, idealizador do festival É Tudo Verdade, diz que os filmes mais procurados do evento são os relacionados a música, como Simonal, exibido em primeira mão na edição de 2008. Em 2004, detectando uma tendência de crescente interesse do público por esse tipo de produção, Labaki organizou a mostra retrospectiva Ver a Música. "Fizemos uma pesquisa com cineastas e críticos de música para eleger os dez clássicos brasileiros do gênero", lembra. Maria Bethânia, a preferida dos documentaristas (leia abaixo), estrelava dois dos títulos eleitos.

"Nessa retrospectiva a gente afirmou que há uma tradição importante no cinema brasileiro de fazer retratos ligados à música, desde Nelson Cavaquinho, feito por Leon Hirszman em 1969. Mas cadê o documentário sobre Pixinguinha? E João Gilberto? Apesar de ter uma tradição, não há grandes documentários apresentando esses personagens para o grande público", diz o crítico. "Há ainda um continente a ser descoberto, este País é riquíssimo em música. Então, hoje, que a produção em geral do documentário cresceu, é natural que se haja um número maior de filmes desse gênero sobre música."

Além disso, Labaki aponta um dado importante de mercado que é o filme sobre Vinicius de Moraes, de Miguel Faria Junior, de 2005. "Vinicius é o documentário brasileiro de maior sucesso recente. Conseguiu mais de 250 mil pessoas em salas de exibição, o que para documentário brasileiro nos últimos 15 anos é um número bastante forte. Além disso, deve ser um dos que mais venderam DVD. Nelson Freire (de João Moreira Salles) não foi grande sucesso em sala, mas também vendeu bem em DVD."

Para Roberto Berliner - realizador do premiado A Pessoa É Para o Que Nasce (sobre as Ceguinhas de Campina Grande) e sócio da produtora TV Zero, que realizou Simonal -, o importante para despertar maior interesse do público é retratar artistas que tenham uma boa história para ser contada. "O filme de Martin Scorsese sobre os Rolling Stones, Shine a Light, foi um fiasco de bilheteria. Eram shows muito bem filmados, com as melhores câmeras, tudo perfeito, com tudo pra dar certo. E não deu. Porque só a música não basta. Sem uma história forte não rola."

O que não falta para o cineasta Walter Carvalho, que codirigiu Cazuza - O Tempo Não Para, com Sandra Werneck, é componente dramático na biografia de Raul Seixas (1945-1989). "É um personagem trágico, muito complicado. Por isso dei o nome do filme de O Início, o Fim e o Meio, tirado de uma música dele. Não queria terminar o filme como ele terminou", conta. Ele já entrevistou 54 pessoas e retoma a empreitada no segundo semestre.

Carvalho acredita que haja uma "coincidência" nessa ênfase do cinema brasileiro atual em contar a história de cantores, grupos e compositores. Mas aponta também como fator importante as facilidades tecnológicas, com suportes eletrônicos digitais, para se trabalhar com os arquivos de imagens e na própria filmagem complementar.

Ele ainda não viu Waldick - Sempre no Meu Coração, mas diz que adorou que Patrícia Pillar o tenha feito. "Imagina se ela fosse esperar conseguir patrocínio para fazer um filme em 35 mm, em 16 mm. Não faria. O fato de poder contar com uma tecnologia mais acessível - pelo menos na captação, depois você se vira -, possibilitou que ela se aproximasse de Waldick Soriano." Carvalho lembra que desde as expedições de Mario de Andrade (1893-1945) pelo Nordeste, já havia "uma vontade de trazer a questão da música popular" do Brasil.

Wladimir Carvalho, irmão de Walter, volta suas lentes para o rock de Brasília, centrado em Renato Russo. Tom Jobim, Humberto Teixeira, Herbert Vianna, Bezerra da Silva, Novos Baianos, Nana Caymmi, Elza Soares, Demônios da Garoa e Miltinho estão entre os retratados em outras produções (leia quadro ao lado). Daqui a duas semanas entra em cartaz Um Homem de Moral, de Ricardo Dias, sobre o compositor e cientista Paulo Vanzolini. Em junho também chegam às telas o ótimo Lóki, de Paulo Henrique Fontenelle, sobre o mutante Arnaldo Baptista, e Cantoras do Rádio, de Gil Baroni e Marcos Avellar, com Carmélia Alves, Violeta Cavalcanti, Carminha Mascarenhas e Ellen de Lima.

A linguagem predominante no setor é dos documentários de longa-metragem, mas há também os curtas (leia na página ao lado) e biografias dramatizadas em caprichadas produções, como Noel - Poeta da Vila, de Ricardo Van Steen (recém-lançado em DVD para venda), e Cazuza - O Tempo Não Para. O maior sucesso nesse setor foi 2 Filhos de Francisco, a tocante história da dupla sertaneja Zezé Di Camargo e Luciano filmada por Bruno Silveira. Lançado em 2005, o filme foi visto por 5,4 milhões de espectadores, campeão de bilheteria absoluto do gênero.

Com orçamento bem mais modesto e dependentes da vontade dos distribuidores, os documentários não seguem a mesma tendência. "Mas Simonal teve um boca a boca muito forte, foi ?comprado? pela imprensa e está indo bem de bilheteria, principalmente no Rio. Com isso, de alguma maneira as pessoas passam a olhar o documentário de maneira diferente", diz Berliner. "Simonal teve uma repercussão que raros documentários brasileiros têm e conseguiu uma inserção de mercado também raríssima, com exibição em mais de dez salas em São Paulo", aponta Labaki. Para Berliner "é muito saudável tudo isso que está acontecendo". "Porque estamos dando a esses artistas o espaço nobre que eles mereciam." colaborou Luiz Zanin Oricchio

MPB Nas Telas

EM CARTAZ

Patativa do Assaré - Ave Poesia, de R. Cariry

Simonal - Ninguém Sabe o Duro Que Dei, de Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal

Titãs - A Vida Até Parece Uma Festa, de Branco Mello e Oscar R. Alves

Versificando, de P. Caldas

PARA ESTREAR

Cantoras do Rádio, de Gil Baroni e Marcos Avellar

Um Homem de Moral (Vanzolini), de Ricardo Dias

Lóki (Arnaldo Baptista), de Paulo Henrique Fontenelle

Herbert de Perto, de Roberto Berliner e Pedro Bronz

Onde a Coruja Dorme (Bezerra da Silva), de Marcia Derraik e Simplício Neto

O Homem Que Engarrafava Nuvens (Humberto Teixeira), de Lírio Ferreira

O QUE VEM POR AÍ

A Música Segundo Tom Jobim, de Nelson Pereira dos Santos

Melodies Between Worlds (Nana Caymmi), de Georges Gachot

O Início, o Fim e o Meio (Raul Seixas), de Walter Carvalho e Evaldo Mocarzel

Filhos de João - Admirável Mundo Novo Baiano, de Henrique Dantas

Maysa - Quando Fala o Coração, de Jayme Monjardim

DESTAQUES EM DVD

Noel - O Poeta da Vila, de Ricardo Van Steen (foto)

O Mistério do Samba, de Carolina Jabor e Lula Buarque de Hollanda

Brasileirinho - Grandes Encontros do Choro Contemporâneo, de M. Kaurismäki

Fabricando Tom Zé, de Décio Matos Jr.

Cartola - Música Para os Olhos, de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda

Paulinho da Viola - Meu Tempo É Hoje, de Izabel Jaguaribe

Nelson Freire - Um Filme Sobre Um Homem e Sua Música, de João Moreira Salles

Vinicius, de Miguel Faria Jr.

Cazuza - O Tempo Não Para, de Sandra Werneck e Walter Carvalho

Maria Bethânia - Música É Perfume, de G. Gachot

2 Filhos de Francisco, de Breno Silveira

Maria Bethânia é a predileta dos cineastas

Lauro Lisboa Garcia
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2

A mais documentada das cantoras fala de sua relação com o que se filma sobre ela

Diretores de teatro têm experiências memoráveis de trabalhar com Maria Bethânia. Fauzi Arap, Gabriel Villela e Bia Lessa que o digam. Mas os cineastas parecem não ficar atrás. Dentre as grandes personalidades da música brasileira, ela é a cantora mais contemplada com documentários. Isso desde Bethânia Bem de Perto (de Eduardo Escorel e Julio Bressane) e Saravá (do francês Pierre Barouh), ambos de 1969. Outro gringo que se encantou com a cantora foi Georges Gachot, que realizou Maria Bethânia - Música É Perfume, em 2005. Além desses, está disponível em DVD Pedrinha de Aruanda, de Andrucha Waddington.

Com a mesma intensidade que vem produzindo um CD (ou dois) atrás de outro, a presença de Bethânia nas telas não para aí. Além de dois filmes sobre os Doces Bárbaros (o de Jom Tob Azulay em 1976 e o de Andrucha em 2002), ela aparece em documentários mais recentes, dando depoimentos como em Vinicius, ou discutindo a relação entre música e letra em Palavra (En)Cantada, de Helena Solberg.

Para quem gosta, ela acha que fazer cinema deve ser prazeroso. "Mas ao fazer Quando o Carnaval Chegar, com Cacá Diegues, quase morri, era estranhíssimo", lembra, rindo. "Eu, Chico (Buarque) e Nara (Leão), quando fomos à casa de Cacá brindar o fim das filmagens, falamos: nunca mais a gente faz isso", conta. "A gente ria muito da gente o tempo inteiro." Cacá dizia a ela que no cinema tinha de "fazer pequeno", porque na tela tudo vira grande demais. "Sou uma mulher cheia de gestos que, como dizia Flávio Império, se levantar a mão fura o telhado. Imagina eu fazendo cinema. Dona Tizuka Yamazaki me convidou agora para fazer uma pajé num projeto deslumbrante dela. Queria demais fazer, mas falei adeus, cinema", diz, bem-humorada.

Não tendo de interpretar personagem para as câmeras é outra história. "Foi muito lindo, comovente, cantar Motriz em Pedrinha de Aruanda, na gare onde eu e Caetano pegávamos a motriz em Santo Amaro. Toda essa coisa da minha terra é muito poético na minha cabeça." Assim como não costuma ouvir muito os próprios discos, Bethânia diz que não gosta de se ver filmada. "Tem flashes do Gachot, como aquele amanhecer sobre o túnel com minha voz, que eu adoro. Mas nem meus DVDs eu assisto. Aprovo o áudio e caio fora."

Ela diz que fica feliz de ver o cinema mais voltado para a música hoje. "A música no Brasil tem uma penetração como nenhuma outra expressão artística. É natural isso. E de um tempo para cá, o cinema começou olhar para a música de uma maneira mais cinematográfica mesmo. Depois do sucesso de 2 Filhos de Francisco e Cazuza, isso ficou mais à vista."

Haneke filtra o veneno do mundo

Luiz Carlos Merten, Cannes
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2

Le Ruban Blanc flagra a violência de forma implícita e terrível, por ser sutil, e leva o cineasta a ser forte candidato a prêmios

Existem autores que são reconhecidos como ?queridinhos? dos programadores de grandes festivais. Todos os filmes de Lars Von Trier passaram aqui em Cannes, integrando diferentes seções do festival. Os de Michael Haneke também, mas, ao contrário de seu colega dinamarquês, o cineasta austríaco nunca ganhou a Palma de Ouro. Prêmios do júri, de direção, só falta a Palma para Haneke. Este pode ser o ano da consagração, até por que na presidência do júri está uma ?fidèle? do diretor, a atriz Isabelle Huppert, que ganhou seu segundo prêmio de interpretação em Cannes num filme de Haneke, A Professora de Piano. Mas a verdade é que Isabelle não precisará fazer muita força se quiser premiar Haneke.

Das Weisse Band (Le Ruban Blanc) pode muito bem ser o melhor filme de Haneke, o que poderá parecer uma afirmação temerária, principalmente para quem já aprecia o cineasta. O filme, segundo a própria produtora - Margarete Menégoz, da Losange Films -, marca uma mudança importante. Haneke não precisa mais mostrar a violência - graficamente - para continuar falando nela. Seu novo filme marca o retorno do cineasta ao idioma alemão. Passa-se na Prússia e começa em 1913. O próprio Haneke define Le Ruban Blanc - "O filme trata do sistema repressivo de educação que alicerçou o nazismo." A história, propriamente dita, passa-se nesse lugarejo cuja calma é perturbada por sucessivas tragédias.

A primeira atinge o médico que cavalga, a caminho de casa. Ele sofre o que parece um acidente, mas na verdade foi uma tentativa deliberada para matá-lo. Seguem-se manifestações variadas de violência, incluindo ataques a crianças, uma delas portadora da síndrome de Down. A infância é venenosa como o mundo adulto, o médico é, na intimidade, um monstro. Haneke não renunciou à sua visão derrisória da humanidade, mas depois do remake norte-americano de Funny Games ele não precisa mais ?filmar? a violência. Ela é implícita, e mais terrível - justamente por ser sutil. Le Ruban Blanc é extraordinariamente bem-feito e interpretado. A fotografia em preto e branco é deslumbrante. O elenco é impecável e as crianças são - que adjetivo empregar? - incríveis. Imagine uma série de Fernandas Montenegros dos 7 aos 70 anos, em todas as fases da vida.

Posto que o festival já se aproxima do final, pode-se pensar na premiação. Um prêmio de direção, senão a Palma de Ouro, seria bem-vindo para Haneke, mas existe o filme de Jacques Audiard, o preferido de toda a imprensa aqui na Croisette - Un Prophète tem o maior número de cotações máximas no quadro da imprensa nacional (francesa) e estrangeira. A Palma para Pedro Almodóvar? Por mais belo que seja, Los Abrazos Rotos está longe de ser uma unanimidade. A maioria da crítica está acusando o grande diretor espanhol de se repetir. Bobagem - ele não se repete mais do que todo grande autor fiel a si mesmo. A Palma para Alain Resnais? Embora Les Herbes Folles tenha conseguido unir publicações rivais como Cahiers du Cinéma e Positif em torno do autor - ambas consideram o filme obra-prima -, o novo Resnais desconcerta, para dizer-se o mínimo. A história da mulher cuja bolsa é roubada e do homem que encontra sua carteira é uma série de acasos que vão se encadeando. Resnais trabalha na filigrana, possivelmente interessado em provar que se pode fazer grande cinema a partir de nada. Les Herbes Folles baseia-se num livro de Christian Gailly (L?Incident). O próprio Resnais afirma não possuir um método. "Faço os filmes como eles me vêm. Carrego vagas lembranças da escola surrealista e da escrita automática, mas, no geral, trato de fazer com que o inconsciente predomine sobre o consciente." Les Herbes Folles é divertido, inteligente, esplendidamente realizado. A ducha de água fria é o final, que desconstrói toda a graça. A dúvida, aqui, é crucial - mas, afinal, o que Resnais quis dizer com seu novo filme? Para entrar em detalhes, seria preciso contar o final, o que não é o caso. Aguarde o lançamento para entrar na discussão.

Na Croisette

Se eles estavam representando, merecem o Oscar. Brad Pitt e Angelina Jolie desembarcam em Cannes sob os rumores de uma separação iminente. Uma revista francesa alimenta o escândalo na capa de sua edição desta semana. Angelina traiu Brad com uma mulher. O affair teria sido testemunhado pelo guarda-costas da estrela, que anuncia um livro, possivelmente best-seller. Rumores à parte, eles fizeram o número do casal apaixonado na escadaria do palais, durante a montée des marches de Inglorious Bastards, o novo Tarantino. O próprio Quentin sabe como dominar o tapete vermelho. Ele dançou, na entrada do palais, com sua estrela francesa, Mélanie Laurent. Mais uma Palma de Ouro para ele? Existem críticos - muitos - apostando que sim.

Cannes também é glamour e todo mundo sabe disso. O dono da grife de roupas de luxo Ed Hardy resolveu comemorar seu aniversário numa festa de arromba. O bilionário francês Christian Audigier, nascido em Avignon, é um vitorioso no mercado americano. Ele conta sua história no livro My American Dream, lançado ontem. Para comemorar 51 anos, Audigier fez uma festa exclusiva para 3.500 convidados, que incluíam personalidades como Lenny Kravitz, Michael Jackson (sim), Prince e Sharon Stone.

O anticristo é ele mesmo, o diretor Lars Von Trier

Luiz Carlos Merten, Cannes
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2

Defensor e adepto ferrenho das novas tecnologias, diretor é hostilizado ao se negar a explicar seu filme

Lars Von Trier conversa com um grupo de jornalistas no Hotel du Cap. É preciso se deslocar até Cap d?Antibes, e ir ao Eden Roc, um dos jardins mais exclusivos do mundo, onde uma cabana não pode ser alugada por menos de 10 mil euros por dia, para conversar com o autor dinamarquês. Lars esconde-se? Seu novo filme, Anti-Christ, era uma das atrações anunciadas do festival que vai chegando ao fim. Ele poderá até bisar a Palma, que já recebeu por Dançando no Escuro, mas se isso ocorrer a premiação poderá repetir vaias históricas na história de Cannes. A coletiva de Anti-Christ foi marcada pela agressividade da imprensa internacional contra o diretor. É possível montar uma entrevista só com as perguntas formuladas pelo repórter do Estado.

Sem dúvida que você deveria esperar uma reação apaixonada do público de Cannes. Só que essa reação terminou sendo muito agressiva. Havia gente quase querendo bater em você na coletiva. Esperava isso?

Sempre fui muito bem recebido aqui no festival. Na própria Dinamarca muita gente diz que há uma história de amor entre esse festival e eu. Já trouxe aqui filmes que despertaram paixão e ódio e Anti-Christ se presta à polarização. Um filme de horror, com cenas intensas. Achei que talvez as reações fossem mais viscerais, mas esperava que fossem civilizadas. Muita gente me acusa de haver feito um filme irracional, mas isso é nada perto da barbárie das reações.

É muito desconcertante que você se recuse a interpretar o filme para a imprensa. O próprio título é um enigma. Por que agir assim?

O título é o mais fácil de explicar, embora, para dizer a verdade, minha explicação não vá esclarecer muita coisa. Até onde me lembro, o livro de Nietzsche sempre esteve na minha cabeceira, no meu escritório, mas nunca o li. Talvez a ideia seja essa. Roubo o conceito do Anticristo de Nietzsche, mas assim como não li o livro dele não creio que deva dar explicações racionais para o que se passa na tela. Ninguém pede a músicos, pintores, escultores que expliquem sua criação. Só no cinema. Fiz minha parte, vocês façam a de vocês. O filme é da crítica, do público. Cada um interprete como quiser.

OK, vou lhe sugerir uma interpretação pessoal. A última década foi marcada pela via do digital que você apontou em Dançando no Escuro, vencedor da Palma de 2000. Na verdade, o Anti-Cristo é você, Lars, que veio matar o cinema tradicional.

Realmente, os últimos dez anos têm sido marcados por um avanço considerável das tecnologias digitais, seja na captação ou exibição de imagens. Tudo está acontecendo muito rapidamente e se eu prossigo nessa via é por que acho que ela não tem retorno. Não adianta lamentar a morte da película. O futuro do cinema já chegou e é irreversível. Não vejo nenhuma possibilidade de volta. A película vai virar peça de museu, a mídia está mudando, já mudou. Não adianta lamentar o que se perdeu. Acho que é mais interessante avaliar os ganhos e encontrar a nova forma de contar histórias com as ferramentas que as novas tecnologias nos oferecem.

Haneke faz ensaio sobre a gênese do terrorismo

Silvana Arantes
Enviada Especial a Cannes
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / Ilustrada

Em Cannes, diretor diz que tema de "The White Ribbon" não se aplica só ao nazismo

Filme exibido ontem na disputa pela Palma de Ouro aborda violência e abusos em vilarejo alemão antes da Primeira Guerra Mundial

Na reta final da disputa pela Palma de Ouro do 62º Festival de Cannes, o diretor austríaco Michael Haneke fez ontem uma retumbante entrada na competição, com "The White Ribbon" (a fita branca).

Além de dirigir, Haneke roteiriza o longa, que foi rodado em preto e branco e tem duas horas e meia de duração.

A história gira em torno de uma comunidade protestante de um vilarejo na Alemanha, pouco antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial.O uso de uma fita branca é imposto pelo pastor da região aos seus filhos adolescentes, como símbolo do ideal de manter, na vida adulta, a pureza e a ingenuidade da infância.

Pureza e ingenuidade, no entanto, não são uma constante no cotidiano dos moradores, sacudido por uma série de acontecimentos violentos.

A despeito do rigor e da severidade de princípios dos líderes adultos do povoado (o barão, o professor, o médico e o pastor), até mesmo as crianças são envolvidas nas agressões, de caráter moral e sexual.

Haneke definiu o filme como um ensaio sobre o surgimento "das diversas formas de terrorismo", a partir da premissa de que, "quando se erige um absoluto como princípio, ele acaba se tornando desumano".

O diretor disse que não gostaria que "The White Ribbon" fosse associado pelo público só ao nazismo e à história alemã, já que o tema "se aplica a todas as sociedades e fanatismos, seja de direita, seja de esquerda".

No filme, os personagens se inquietam com a possibilidade de que os acontecimentos trágicos que os atingem sejam uma punição aos seus atos pecaminosos. Haneke contou que um dos títulos que ele considerou dar ao filme foi "A Mão Direita de Deus".

"Tendo crescido num ambiente judaico-cristão, é impossível não ter noção da culpa. Isso não é algo que eu tenha inventado", disse ele.

A opção pelo preto e branco, segundo o diretor, corresponde ao fato de que "as imagens do período, toda a iconografia do final do século 19 e início do século 20 é em preto e branco".

Narrativa contida

Chama a atenção em "The White Ribbon" a narrativa rigorosa e contida adotada por Haneke, em contraste com suas obras marcadas pela reflexão sobre a construção da imagem ("Caché") e pela representação acentuada da violência ("Violência Gratuita").

"Eu sempre procuro encontrar uma equação adequada [da mise-en-scène] ao tema que é representado", afirmou ele.

A seleção das crianças que atuam no longa consumiu seis meses e 7.000 testes. "Era muito importante encontrar crianças que correspondessem fisicamente às imagens que conhecemos do período", disse Haneke. "Mas, embora a aparência física seja importante, obviamente o fundamental é o talento", ponderou.

O desempenho do elenco de "The White Ribbon" é um entre seus muitos pontos fortes. Por ser considerado amigo da atriz Isabelle Huppert - que ele dirigiu em "A Professora de Piano"- e por ter apresentado um filme relevante na competição, Haneke é apontado por numerosos jornalistas que cobrem este Festival de Cannes como favorito à Palma de Ouro.

A decisão do júri presidido por Huppert será conhecida neste domingo, quando ocorre a entrega dos prêmios.

Ontem, durante a entrevista coletiva de Haneke, um jornalista lhe perguntou se ele já se sente com o prêmio nas mãos. Sacolejando a cabeça, o cineasta respondeu apenas: "Você quer me matar".

Tons descoloridos para uma vila

Carlos Heli de Almeida
Cannes
DEU NO JORNAL DO BRASIL / Caderno B

‘A faixa branca’, sobre os meses que precederam a Primeira Guerra, é aplaudido em Cannes

O Festival de Cannes conheceu ontem o mais sério candidato à Palma de Ouro de sua 62ª edição. O drama Das weisse band (A faixa branca), do alemão naturalizado austríaco Michael Haneke (A professora de piano, de 2001), foi exibido em sessão antecipada para a imprensa na noite de quinta-feira para uma plateia fascinada e aturdida com quase três horas de rigor plástico e narrativo. Rodado em tons de preto-e-branco deslumbrantes, o filme descreve o cotidiano dos moradores de uma minúscula vila do interior do país ao longo dos meses que precederam a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Escrita pelo próprio Haneke, cineasta que ganhou reputação internacional como autor de elaboradas representações da violência humana (Código desconhecido, O vídeo de Benny), o filme acompanha a escalada de autodestruição de uma comunidade protestante, eventualmente abortada pela eclosão do conflito mundial. É narrado em tom de crescente mistério e interpretado de forma impecável por adultos e – mais surpreendente ainda – pelo enorme elenco que encarna crianças e adolescentes.

"Não é sobre fascismo"

Resta saber se o fato de Isabelle Huppert, presidente do júri deste ano, ter trabalhado com Heneke em A professora de piano, com o qual ganhou o prêmio de Melhor Atriz, compromete a vitória do diretor.

Das weisse band abre com um grave acidente de cavalo envolvendo o médico da cidade. É o início de uma série de incidentes estranhos envolvendo as principais famílias da região – todas numerosas – que inclui a de um severo pastor, a de um rico barão e a de seu capataz. Aos poucos, o espectador é apresentado a todos esses núcleos familiares da vila que, até então, viviam harmoniosamente entre si. O mais conservador é justamente o do pastor protestante, que impõe regime de restrições e punições estarrecedoras aos filhos. Um deles, suspeito de práticas masturbatórias, é obrigado a dormir atado à cama.

Os filhos faltosos do pastor passam a usar uma faixa branca – que simboliza pureza, no caso a falta dela – no braço, até que o pecado seja satisfatoriamente perdoado.

– Essa vila é uma espécie de microcosmo de uma sociedade que desapareceu depois da Primeira Guerra. A ideia era criar um grupo de crianças e jovens sobre o qual valores absolutos foram impostos. Quando impostos, princípios absolutistas tornam-se desumanos, e estes se transformam em terrorismo – explicou Haneke na coletiva de imprensa do filme. – Das weisse band é, portanto, não um filme sobre fascismo, mas sobre a origem de todo o tipo de terrorismo, que é um problema geral.

A história é narrada por um professor da vila, como se, no futuro, se esforçasse para lembrar sobre os fatos que o levaram a deixar a comunidade. A estonteante fotografia em preto-e-branco é de Christian Berger, que trabalhou em quase todos os filmes do diretor.

– Optei pelo p&b por várias razões. A primeira delas é que toda a iconografia referente ao período em que se passa a história, o início do século 20, é em preto-e-branco. Segundo, adoro p&b e, sempre que posso, tento tirar vantagem dele. Terceiro, eu buscava evitar o naturalismo nesse filme, e encontrei no preto-e-branco a voz narrativa que procurava, um certo distanciamento criativo – justificou o diretor.

O outro filme do dia, À l’origine, de Xavier Gainnoli, terceiro concorrente francês, mereceu aplausos educados, embora não tenha agradado à maioria. Livremente inspirados em acontecimentos reais, recria a história de um ex-detento que se passa por um representante de uma milionária empreiteira e, com a ajuda de uma comunidade do Norte da França abalada pelo desemprego, retoma o projeto de construção de uma rodovia, abandonada anos atrás por pressões de ambientalistas.

Empreiteiro de mentira

A trama refaz o percurso de Paul (François Cluzet), vigarista que sai da prisão e aplica golpes para sobreviver. Depois de uma fracassada tentativa de reconciliação com a ex-mulher, cruza o caminho de pessoas interessadas em concluir a obra milionária, que traria dividendos. Paul assume a identidade de um empreiteiro e lidera a empreitada, mas o plano ganha dimensões sem controle, mudando a vida de todos os envolvidos – inclusive a do protagonista.

– O personagem ganha a confiança das pessoas e, num determinado momento, ele se sente responsável por elas, não quer decepcioná-las – diz o diretor, que esteve em Cannes em 2007 com Quando estou amando. – A perspectiva de alguém que assume a responsabilidade sobre as pessoas que acreditam nele me deixou bastante curioso. São valores que deveriam ser preservados por todos aqueles que dependem da confiança dos outros, como os políticos.