sábado, 20 de junho de 2009

O PENSAMENTO DO DIA

"Os governantes autoritários não suportam uma oposição ativa. Aqueles que criticam a impossibilidade de investigar o poder, aqueles que denunciam o nepotismo, aqueles que ousam propor candidatos alternativos vão ao encontro de um mar de problemas".


(Ralf Dahrendorf, sociólogo alemão, 1/5/1929-17/6/2009, publicado por L’Unitá)

Entre dois fogos

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Ao afirmar ontem em Alta Floresta, em Mato Grosso, que não se pode chamar de "bandido" quem desmatou a floresta nos últimos anos, mas ao mesmo tempo dizer que é preciso conscientizar a sociedade de que, hoje em dia, o desmatamento "joga contra o país", o presidente Lula equilibra-se entre o preservacionismo e o desenvolvimentismo, tentando forjar uma posição que não impeça o crescimento econômico, mas não ofenda a comunidade internacional.

Por isso, o Brasil está preparando cuidadosamente uma proposta para levar para a reunião do clima em Copenhague, em dezembro, um elenco de ações que se propõe a fazer, e que deve incluir mesmo algumas ações unilaterais que dispensarão apoios financeiro e tecnológico externos.

As ações devem estar no Plano Nacional de Mudança de Clima, e estão sendo negociadas pelos ministérios das Relações Exteriores, Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente, cujos titulares já fizeram duas reuniões nesse sentido, e uma terceira está para ser marcada.

Já que 65% das nossas emissões de gases de efeito estufa são devidas ao desmatamento, é bem possível que essas ações tenham a ver com a questão. Ainda mais porque, até lá, o governo pode se deparar com as consequências da medida provisória 458, que regulariza a posse de terra na região.

O temor é que a medida provisória de regularização das posses na Amazônia pode gerar, num primeiro momento, um aumento do desmatamento. O governo está convencido, porém, que em médio e longo prazos a medida será benéfica para organizar o crescimento sustentado da região.

Ontem, o presidente Lula enfrentou as críticas das ONGs, afirmando que não falam a verdade quando afirmam que a medida provisória vai favorecer a grilagem de terras na Amazônia.

As contradições da política energética brasileira estão também registradas em recente artigo publicado por dois especialistas brasileiros na "Energy Policy", ("Política Energética", em tradução livre), uma das mais importantes publicações internacionais, que trata a questão da energia por diversos aspectos, dos econômicos e políticos ao meio ambiente.

Joaquim F. de Carvalho e Ildo L. Sauer, ambos professores da Universidade de São Paulo, demonstram que o país tem condições de montar um sistema de fornecimento de energia através de fontes renováveis não poluidoras.

Joaquim Carvalho critica a decisão do governo, anunciada pelo ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, recentemente em Yekaterinburg, na Rússia, de contratar com a Areva, gigante da indústria nuclear francesa, a construção de quatro centrais nucleares semelhantes a Angra II, a um custo de US$5 bilhões, cada uma.

Assim como se espanta com a programação de construção de 68 termoelétricas a combustíveis fósseis, até o ano 2017.

No artigo, eles apontam estimativas que, segundo Carvalho, são referendadas também por pesquisadores da Unicamp e outras universidades, de que um sistema interligado hidro-eólico-térmico (com bagaço de cana) - aproveitando as sinergias provenientes da complementaridade entre as estações chuvosas, as safras de cana e o regime dos ventos -, ofereceria ao país a possibilidade de extrair indefinidamente de fontes renováveis e não poluidoras, toda a energia elétrica que consome, "desde que adotasse, paralelamente, um programa inteligente, voltado para a economia e racionalização do uso da energia, a exemplo do que vêm fazendo os países ditos desenvolvidos".

Com a economia decorrente do fato de que a eletricidade gerada nas hidrelétricas custará apenas 40% daquela gerada nas nucleares, os autores mostram que sobrariam recursos para "financiar o desenvolvimento de reatores nucleares à altura de serem fabricados e montados pela indústria local, inclusive para equipar uma frota a propulsão nuclear, que será indispensável para assegurar o controle da exploração petrolífera e da pesca ao longo dos mais de 8.000 km da Costa Atlântica e Mar Territorial adjacente".

Segundo eles, "qualquer país que disponha de potencial hidrelétrico e capacidade técnica para explorá-lo, procura aproveitá-lo ao máximo".

Na Europa, por exemplo - apesar da alta densidade demográfica -, as hidrelétricas, de grande, médio e pequeno porte, respondem por 17% do suprimento de eletricidade, indo de 99% na Noruega a 12% na França e na República Tcheca, passando por 76% na Suíça, 65% na Áustria, 51% na Suécia etc.

"Vender dez centrais nucleares para o Brasil, que está aproveitando apenas 28% de seu potencial hidrelétrico, é de fato uma proeza extraordinária", ironiza Joaquim Carvalho.

O diplomata Sérgio Serra, nosso embaixador extraordinário para a mudança do clima, participou da reunião de Bonn, uma das preparatórias para a de Copenhague no fim do ano, quando serão definidas as metas que substituirão em 2013 as do Tratado de Kyoto. Segundo ele, embora lentamente, as conversas dos países em desenvolvimento estão indo bem, já havendo até mesmo um texto base, em que vários países já apresentaram emendas.

O Plano de Bali determina que os países devem adotar ações que precisam ser mensuráveis e verificáveis. E devem ser ações apoiadas financeiramente e ter apoio tecnológico dos países desenvolvidos.

O problema é a discussão das metas do substituto do Tratado de Kyoto para os países desenvolvidos, que tem opositores fortes como o Japão, e depende da expectativa pela posição dos Estados Unidos. (Continua amanhã)

Fernanda Cunha - Fim de semana em Eldorado

Confira o Vídeo

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http://www.youtube.com/watch?v=lyhVBspiuUI

Vício insanável

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Praticamente todos os dias o presidente do Senado, José Sarney, é desmentido pelos fatos. A cada tentativa malsucedida de negar uma denúncia de irregularidade, Sarney conta uma nova história a fim de remodelar a versão da véspera.

Do auxílio-moradia de R$ 3.800 que negara e depois disse não saber que recebia, à contratação de parentes cuja conta começou com um neto e hoje somam oito familiares, segundo ele contratados à sua revelia, passando pelo completo desconhecimento da existência de atos secretos assinados por um diretor de sua notória confiança, o senador coleciona um compêndio de fábulas.

Compreende-se a saia justa. José Sarney provavelmente considera essa a forma mais correta - talvez a única - de não aumentar o tamanho do estrago.

Só não é compreensível como o presidente do Senado espera que o público avalie esse conjunto de episódios de outra maneira a não ser à luz da seguinte evidência: é absolutamente impossível que ele, e todos os outros integrantes da Mesa Diretora nos últimos anos, não soubessem o que se passava na Casa.

Sob pena de terem incorrido em grave falta de total ausência de responsabilidade com a delegação cega de todos os poderes a dois ou três diretores.

Fica difícil escolher a pior hipótese: a da culpa compartilhada ou a do alheamento completo que equivale a uma confissão de negligência institucional incompatível com o exercício do mandato.

Que o senador José Sarney não saiba o valor do próprio salário, admite-se; que não prive de um convívio familiar próximo o suficiente para conhecer da presença de oito parentes em seu local de trabalho, admite-se também.

Agora, que tenha sido informado só ontem, por meio da declaração do chefe do serviço de publicação do boletim de pessoal do Senado, Franklin Paes Landim, à Folha de S. Paulo, de que não houve "erros técnicos" e sim atos de fato secretos, já é exigir demais da boa vontade da freguesia.

Recapitulando: a denúncia sobre a existência dos atos secretos, descobertos por um grupo de técnicos do Senado, foi publicada há dias pelo Estado. Primeiro soube-se que eram cerca de 300, depois seriam 500 e, finalmente, confirmou-se a edição de 623 atos ao arrepio da obrigatoriedade legal de publicação.

Não houve revogação, a despeito da comprovada ilegalidade, e, para justificar a continuidade da vigência, José Sarney negou o caráter secreto alegando "erro técnico" na falta de publicidade.

Foi desmentido pelo funcionário responsável pelos boletins, que contou ter recebido ordens diretas dos ex-diretores Agaciel Maia (de cuja filha Sarney foi padrinho de casamento na semana passada) e João Carlos Zoghbi.

Só então Sarney admitiu a possibilidade de haver mesmo atos ilegais, mas não admoestou ninguém. Como se estivesse diante de uma suposição e não de provas concretas de irregularidade com cadeia de comando estabelecida, abriu uma (mais uma) comissão de sindicância.

É de se perguntar: por que não mandou averiguar a denúncia logo de início, preferindo negar para recuar quando apareceu uma testemunha. Aliás, se desconhecia os atos, de onde a convicção para a negativa?

Afinal de contas, se não sabia de tantas coisas, se não sabia que recebia auxílio-moradia e o dinheiro entrava na sua conta, se não sabia da contratação de parentes e os parentes estavam lá, natural seria que no mínimo tivesse a curiosidade - para não dizer a acuidade - de conferir se havia, ou não, atos sigilosos.

O presidente do Senado há de convir o quanto é difícil deixar de concluir que houve tentativa deliberada de simplesmente ocultar os fatos.

Também não é fácil evitar a constatação de que continua havendo a intenção de protelar providências, uma vez que, diante de tantas e tão fartas evidências, ocorre-lhe apenas abrir uma sindicância e sequer aventar a hipótese de que existam senadores envolvidos.

Provocado a se manifestar sobre essa possibilidade, limitou-se à formalidade de remeter o assunto à alçada do Supremo Tribunal Federal. Por tratar-se de questão da esfera criminal.

Perfeitamente. Mas, se houve crime, houve também quebra de decoro parlamentar, questão a ser tratada na esfera do Parlamento. Algo de que Sarney sequer cogita.

Pensou na sindicância, numa auditoria externa da folha de pagamento (e o trabalho da Fundação Getúlio Vargas?), em discutir o assunto na semana que vem (e o sentido de urgência que requer a preservação da imagem do Congresso?) com colegas da Mesa e pensou também na criação de um portal de transparência para publicar tudo sobre o Senado "sem negar nenhuma informação ao público".

O que significa que no sítio já existente (www.senado.gov.br) há sonegação de informações a um público que assiste ao espetáculo do vício insanável da mistificação continuada.

Seria de bom alvitre, contudo, que não se invocasse, como fez ontem o presidente a título de justificativa para a lentidão dos procedimentos, o santo nome do Estado de Direito em vão.

Considerações por enquanto ociosas

Wilson Figueiredo
Jornalista
DEU EM OPINIÃO & NOTICIAS

No que pessoalmente lhe diz respeito, o presidente Lula ainda faz cerimônia e resiste formalmente ao terceiro mandato. Não é para menos.

Chega de turismo eleitoral. Assinou o ponto em todas as cinco sucessões presidenciais diretas sob a Constituição de 1988. Perdeu três e venceu duas.

E vive a incerteza de não saber como será visto pelas costas, depois de deixar o governo em boas mãos. A Constituição de 1946 foi aferida em quatro eleições presidenciais desgastantes e passou no teste de carga política, mas não garantiu a normalidade eleitoral. E quando, finalmente, a oposição chegou ao poder, em sete meses o presidente Jânio Quadros deu inflexão pronominal ao verbo defenestrar, saltou pela janela e se mandou.

Não está muito clara a razão pela qual Lula recusa e, ao mesmo tempo, mantém à vista o terceiro mandato, sem o deixar retirar-se da desconversa política. É o primeiro a lembrá-lo assim que começa a ser menos citado. A cada 15 dias, ele próprio a inclui no monólogo sem fim (ao que tudo indica) para colher os benefícios em pesquisas de opinião. A oposição colabora apenas com veemência estridente cujo efeito é o oposto. A aritmética é o limite e, por mais que as pesquisas estimulem o continuísmo, tudo indica o fim próximo. A marca de 100 por cento seria, por um lado, o fim da linha e, por outro, o começo do desconhecido que já conhecemos.

Mais uma vez, a volta ao começo.

Desta vez o presidente estava no exterior e, mesmo assim, reincidiu na dialética de recusar a sexta candidatura sem calcar a mão. Bastou-lhe admitir em princípio, como normal, o terceiro mandato para um presidente indeterminado que, ao fim e ao cabo, vem a ser ele próprio. Lula considera “assimilável” o terceiro mandato, “se for feito democraticamente”. Qual seja, a via plebiscitária. Em lugar de um passo à frente, dois atrás. Na contradição em que galopa, o presidente não perdeu a oportunidade de lembrar, passando de um pólo a outro, que “os primeiros ministros ficam, na Europa, 16 ou 18 anos”. A insistência presidencial em confundir presidente e primeiro ministro não leva em conta a diferença essencial entre presidencialismo e sistema parlamentar de governo. Nem lhe fica bem. É por aí que ele pode se perder, ou se achar, se lhe der na veneta desfraldar a bandeira do parlamentarismo que é, no Brasil, sinal de crise como sintoma e plebiscito à vista como medicação.

Quem sabe Lula converteria o imprevisível na oportunidade a ser preenchida por um debate didático que lhe arrancasse o espanto do personagem de Molière, quando ficou ciente de que era um prosador simplesmente porque não fazia versos. O princípio da exclusão resolve dificuldades teóricas. Depois de dois mandatos insatisfatórios, o presidente levaria um susto se o ministro da Justiça lhe dissesse a queima-roupa que, para compatibilizar mandatos de presidente e de primeiro ministro, o caminho mais curto, passando pela Constituição, é desfraldar a bandeira do parlamentarismo numa batalha eqüestre e pedestre travada no Congresso, onde a oposição montou a obstrução para escorar o dilúvio. Lula poderia então optar entre ser presidente ou primeiro ministro num regime de natureza parlamentar à brasileira. Com o temperamento rouco e o viés turístico do mandato presidencial, estaria bem servido no regime de gabinete, por 16 ou 18 anos, antes de aposentar-se uma segunda vez na vida.

Falta a Lula o anjo da guarda para orientá-lo nas oportunidades de ser o que sempre apenas pareceu. Ou de assumir o que sempre quis parecer, qual seja, parlamentarista sem se dar conta de que se desencontrou do endereço do gabinete, evidentemente por culpa da oposição. No caso da defesa que faz do plebiscito como instrumento de governo, não lhe disseram que o voto primário – sim ou não - não passa de falso respeito que o instinto autoritário nem disfarça em relação à democracia. Alguém no PT devia alertá-lo de que popularidade nem sempre tem o aval da democracia.

Hitler e Mussolini foram populares até o fim. Eleitos, usaram e abusaram do plebiscito, e nem de longe suspeitaram que pudesse ser infiltração democrática. Plebiscito não oferece o perigo de fazer o jogo da democracia de onde ela tenha sido banida. Ao contrário, faz de conta que é eleição o que não passa de manobra. Ambos, Hitler e Mussolini, serviram-se de plebiscitos para iludir democratas de boa fé e má formação. Plebiscito não passa de baile de máscaras.

Nada de plebiscito. Por trás das pesquisas, os números dizem que 47% dos brasileiros em idade eleitoral querem, implicitamente, Lula por mais tempo. Mas, mostram também que 49% recusam-lhe outro mandato. É um bom sinal que, a esta altura de uma sucessão em caminhada no vácuo, o terceiro mandato ainda esteja inferiorizado na preferência de cidadãos que se manifestam sob garantia de anonimato. Ele também faz parte dos que acham insensato o terceiro mandato, embora a ambigüidade oscilante o exponha ao assédio do plebiscito. Na sua inesgotável hesitação entre a reeleição e o risco de escancarar a porteira, Lula acha que o Brasil deve mandar às urtigas o terceiro mandato, mas deferir aos eleitores a decisão prévia nas urnas: se o eleitorado quiser o terceiro, que agüente com todas as conseqüências. É o que está subentendido na apologia presidencial do plebiscito: é a forma eficiente de auto-destruição da democracia. Na ambivalência das suas relações com a imprensa, mordendo e soprando, ele acredita que a democracia agradeceria se os meios de comunicação escrita se limitassem a servir os fatos com tempero insosso da objetividade, “e não a criá-los”. E desistisse de “ser porta-voz de pensamento político”.

Nem percebeu que acabava de propor, de forma sibilina, o que se chamava de censura e que continua disposta a exterminar a democracia pelas costas como Brutus fez com a ameaça de tirania em Roma.

Lula acerta uma na mosca

Coisas da Política :: Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


A notícia política mais importante do mês, ou do ano, foi divulgada, com 12 dias de atraso, graças à argúcia do cronista Leandro Mazzini, no Informe JB de ontem: o presidente deu uma volta por cima do picadinho das fofocas para voltar a defender a convocação de uma Assembleia Constituinte para o debate e a aprovação de uma reforma política para valer, que corte pela raiz a desmoralização do Legislativo, com o ponto final na série de escândalos do pior Congresso de todos os tempos. Não é necessário excluir o dos quase 21 anos da ditadura militar do rodízio dos cinco generais-presidente, pois Congresso sem liberdade de imprensa, com cassação de mandatos, recesso punitivo, tortura e prisões sigilosas, é um arremedo grotesco, que não se deve esquecer como lição que nunca ensina coisa nenhuma.

Se a notícia chegou ao JB com atraso, ela andou escondida dos repórteres políticos num intrigante surto de amnésia coletivo. O conselho ou proposta de Lula foi passado aos líderes aliados num jantar na residência oficial do presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP), dia 8, uma segunda-feira em que o Congresso também não trabalha na semana inútil de quatro dias, das terças às sextas-feiras. Lula fala pelos cotovelos, dando asas à imaginação e com o toque de vaidade de quem sabe que é fluente e ouvido com atenção. No "projeto para valer", contornou habilmente as críticas ao Congresso para sustentar a urgente necessidade de uma reforma política.

Se o apoio interessado do presidente é o dado mais importante para a viabilidade da reforma política, a traquitana andou no Congresso, com a cata de assinaturas, além das três centenas já garantidas, para uma proposta de emenda constitucional propondo a Constituinte exclusiva, para 2011, portanto depois das eleições para presidente, senadores, deputados federais e estaduais. O prazo de oito meses é uma esperta exigência para impedir que a inana se prolongue até que se esgote a verborragia dos 81 senadores e 581 deputados federais.

Alguns temas recorrentes são inevitáveis, como financiamento público de campanha, a maluqueira da lista fechada em que o eleitor votaria numa relação de candidatos – ou não votaria, no protesto do voto em branco – o voto distrital e outras obviedades.

Se a proposta de convocação de uma Constituinte de emergência para uma escovadela em regra no Congresso é oportuna e urgente, a pauta que se impõe como prioridade absoluta é a da moralização do mais democrático e o mais impopular dos poderes, recordista em toda as pesquisas de opinião pública. E a desconfiança é uma nódoa na expectativa de uma reforma política que não fuja mas enfrente os desafios éticos, responsáveis pela sua impopularidade.

Seria pedir muito, sonhar com olhos fechados, numa faxina na lista das mordomias, das vantagens, da verba indenizatória, da semana de quatro dias inúteis, das nomeações de parentes, agregados, cupinchas, cabos eleitorais para sinecuras em que a única obrigação é sacar o salário mensal para jogar na bolsa.

Desde a mudança da capital, em 21 de abril de 1960, pelo presidente JK, do Rio para Brasília em obras, que a decadência dos três poderes, em níveis diversos, só aumenta ano após ano. E o Congresso, mais exposto e mais cobrado, rolou de escada abaixo até o vexame dos últimos feitos, com o jogo de empurra das CPIs da Petrobras e das ONGs e a crise inacreditável do velho Senado, que parece que ficou caduco.

O deputado José Genoino (PT-SP) facilitou a convocação da Constituinte em 2011, com o golpe mortal na ideia do terceiro mandato. Relator da esdrúxula proposta de emenda constitucional que permite ao presidente da República, governadores e prefeitos disputarem um terceiro mandato consecutivo, entregou, na quinta-feira, o seu parecer à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em que sustenta a inconstitucionalidade da manobra para mudar as regras no meio do jogo. O relator adverte para a urgência da votação do seu parecer antes do recesso de julho. E acredita que terá a maioria dos votos para aprovar o seu parecer.

O líder do governo, deputado Henrique Fontana (PT-RS), foi cumprimentá-lo com uma frase lapidada: "O terceiro mandato tem nome e sobrenome: Dilma Rousseff".

Um recado que carimba o apoio do presidente Lula e arrasta o do PT.

Piscou

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Viu como às vezes funciona a pressão da opinião pública? O presidente do Senado, José Sarney, aquele que dizia que a crise não é dele, mas do Senado, piscou três vezes.

Primeiro, na entrevista que concedeu à Folha. Não funcionou. Depois, em discurso no plenário da Casa. Não funcionou. Ontem, deu a piscadela definitiva ao anunciar algumas tímidas medidas para escapar do imbróglio em que ele e o Senado se meteram.

É pouco? É. Pode nem ir adiante se a mídia se distrair? Pode. Pode acontecer de serem punidos apenas funcionários, graduados ou nem tanto, em vez de senadores, especialmente os graúdos?

Pode

Mas é mais do que o "não sei", "não vi", "não há atos secretos" (embora os atos tampouco sejam públicos).

Limpar a política brasileira, mesmo que seja um tiquinho, só se fará assim, na pressão, na marcação individual. Para o meu gosto, aliás, a incrível sucessão de escândalos deste ano, tanto no Senado como na Câmara, demandaria no mínimo uma marcha como a que se fez anteontem em São Paulo contra a reitora da USP e contra a presença da polícia no campus.

Não estou dizendo que a reitora seja farinha do mesmo saco dos políticos ou que a manifestação tenha sido de anjos impecáveis. Não. O que estou dizendo é que, ou a maioria assume de uma boa vez que a rua é onde se marcam posições e se buscam soluções, ou ficaremos eternamente resmungando na internet contra os maus políticos, os baderneiros e por aí vai.

Entendo perfeitamente a dificuldade de organizar manifestações contra os senadores. Não há um só grupo partidário que esteja disposto a encabeçá-las ou ao menos aderir a elas.

E a sociedade civil parece atordoada, incapaz de reagir a não ser teclando, em casa mesmo, o e-mail de alguém para desovar o seu protesto, que cairá no silêncio.

Lula: quem desmatou a Amazônia não é bandido

Chico de Góis
DEU EM O GLOBO

Ao discursar em Alta Floresta, Mato Grosso, no lançamento de um programa de regularização de propriedades rurais na Amazônia, o presidente Lula afirmou que não se pode chamar de bandidos os produtores rurais que no passado desmataram a região. Ele lembrou as dificuldades enfrentadas pelos primeiros desbravadores da Amazônia, que enfrentaram doenças como a malária: “Ninguém pode ficar dizendo que alguém é bandido porque desmatou”, disse. Lula defendeu mudanças no modelo de desenvolvimento da região: “Agora, desmatar joga contra a gente, vai nos prejudicar no futuro”. O presidente também contestou as críticas de ONGs à MP 458, que autoriza a venda de terras públicas na Amazônia, e negou que ela vá incentivar a grilagem. Em São Paulo, o diretório nacional do PT aprovou resolução contra mudanças no Código Florestal, defendidas por parte do governo.

Lula anistia desmatadores do passado
PRESSÃO SOBRE A AMAZÔNIA
Ao lançar programa de regularização de terras na Amazônia, presidente também critica ONGs

LULA, entre Minc e Blairo Maggi, um dos maiores plantadores de soja do país: o ministro do Meio Ambiente, que já acusou o governador de desmatar, ontem era só elogios

Ao lançar o programa Terra Legal e Mutirão Arco Verde, que prevê a regularização de 296 mil imóveis rurais na região da Amazônia Legal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu ontem quem desmatou a Floresta Amazônica no passado, referindo-se aos desbravadores que colonizaram a região.

- Ninguém pode ficar dizendo que alguém é bandido porque desmatou - defendeu, observando, porém, que agora a prática deve ser diferente:

- Tivemos um processo de evolução, e agora precisamos remar ao contrário. Temos que dizer para as pessoas que, se houve um momento em que a gente podia desmatar, agora desmatar joga contra a gente, vai nos prejudicar no futuro.

No discurso, Lula se refere às dificuldades que os desbravadores da região enfrentaram:

- Não podemos nunca nos esquecer de que nos anos 70 foi feita uma reforma agrária neste país e que muita gente foi induzida a vender as pequenas propriedades que tinha, ou mesmo as que não tinha, no Sul do país, e se embrenhou por este Brasil afora para construir cidades como Alta Floresta. Hoje, é fácil a gente vir aqui e fazer críticas, mas a gente não sabe quantos pegaram malária aqui.

Lula, que já chamou os usineiros de heróis, esta semana saiu em defesa do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), dizendo que ele "não pode ser tratado como uma pessoa comum", e até do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, defendendo sua controversa reeleição.

Na terra de Blairo, Minc é vaiado

As declarações foram feitas no palanque em que estavam o governador Blairo Maggi, um dos maiores produtores de soja do país, que teve discussões com a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva e com o atual, Carlos Minc. Marina e Minc já acusaram Blairo de não impedir a derrubada de árvores em Mato Grosso. Mas, ontem, Minc - que foi vaiado pelas 3 mil pessoas presentes - elogiou Blairo.

- No passado tivemos desencontros, e agora temos um grande encontro, o Mato Grosso Legal - disse Minc, referindo-se a um programa estadual de regularização de terras.

Lula também rebateu as críticas de ONGs que afirmam que a medida provisória 458, que autoriza a venda de terras públicas da Amazônia sem licitação, vai facilitar a grilagem. O Congresso já aprovou a MP, com alterações, mas Lula ainda não o sancionou. A medida provisória permite a compra de terras por empresas privadas. Para Lula, ONGs mentem ao chamá-la de "MP da Grilagem":

- Tenho um profundo respeito pelas ONGs, mas não sou obrigado a concordar com o que elas dizem.

Para Lula, o projeto não incentiva a grilagem de terras "em hipótese alguma". Ele lembrou que a MP foi resultado de acordo no Congresso e disse que tem até dia 25 para decidir se sancionará a lei com ou sem vetos:

- Independentemente de mudar qualquer coisa, posso dizer que as ONGs não estão dizendo a verdade quando dizem que a medida provisória incentiva a grilagem de terra.

O programa lançado ontem pretende regularizar, em três anos, 296 mil imóveis de até 15 módulos fiscais (cada um equivale a cerca de 76 hectares) ocupados por posseiros. Foram escolhidos os municípios que mais desmatam. A regularização, que hoje demora cinco anos, levará 120 dias.

Opacidade dos poderes

Cesar Maia
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

OS ATOS NÃO publicados no Senado levantaram discussão sobre a transparência do setor público em todos os níveis.

O artigo 37 da Constituição estabelece que "a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência". O caso do Senado fere diretamente o princípio da publicidade, afetando os da legalidade, da impessoalidade e da moralidade. Com base no artigo 37 da Constituição, há que se perguntar como isso ocorre nas demais instâncias nele indicadas.

Em primeiro lugar, basta que se leiam os "Diários Oficiais" dos Poderes e das três instâncias dos governos. É comum que atos administrativos relativos a processos muitas vezes complexos sejam publicados nos "DO" com um simples "autorizo", "defiro" ou "indefiro", ao lado de seus números, por parte das autoridades, superiores ou subordinadas.

Nem sempre os interessados têm acesso direto às razões. A elas têm acesso o Tribunal de Contas e o Ministério Público. Os que querem exercer o seu discreto direito constitucional de acesso ao conteúdo dos atos para avaliá-los nunca conseguem. Esse vazio regulamentador sobre o conteúdo dessas publicações deveria ser coberto por uma legislação complementar federal, relativa ao princípio da publicidade.

Há casos ainda mais graves, que surgem quando há uma lei regulamentando um fato específico e essa lei é simplesmente ignorada. Por exemplo, em relação à LRF -Lei de Responsabilidade Fiscal.

Dispositivos que impedem repasses administrativos da União a Estados e municípios que não observem em série as vinculações constitucionais à saúde e à educação, ou que não apresentem lei regulamentando tributos criados, são simplesmente ignorados. Mais de dez anos depois, o dispositivo que inclui entre as despesas de pessoal os serviços terceirizados é esquecido, e os governos vão terceirizando e, com isso, "reduzindo" as despesas de pessoal.

Em 1998, foi aprovada a lei 9.717, que estabeleceu normas e limites sobre as despesas previdenciárias estatais. É ignorada, seja em relação a limites, seja em relação à criação dos fundos de aposentadoria, seja em relação às obrigações patronais dos poderes.

Sublinhe-se que a União se sente imune à LRF e à lei 9.717 e nem trata delas em relação a suas responsabilidades fiscais. Isso para não falar dos precatórios de Estados e municípios, que geram insegurança jurídica geral. Os casos de opacidade dos atos do Senado podem ser um bom momento para rever todas as opacidades, por publicidade ou não regulamentação das leis.

Total de famintos chegará a 1 bilhão

Jamil Chade
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Com a crise, cerca de um milhão de pessoas por semana ingressam no exército de famintos, segundo a FAO

A crise econômica fará com que o número de famintos ultrapasse, pela primeira vez, a marca de 1 bilhão de pessoas em 2009. A estimativa, publicada ontem, é da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO).

Segundo a entidade, toda semana cerca de 1 milhão de pessoas ingressam nesse exército de famintos. Por isso, já não se acredita mais que será cumprida a meta de redução da fome pela metade até 2015.

Em 1996, quando a FAO contava 840 milhões de famintos, as Nações Unidas se comprometeram a reduzir esse número para 420 milhões até 2015. "Pela primeira vez na história da humanidade, 1,02 bilhão sofrerão de desnutrição em todo o mundo", lamentou o diretor da FAO, Jacques Diouf.

Uma das opções da ONU é adiar a meta para 2025. Mas isso ainda significa o fracasso das estratégias da ONU e das cúpulas que trataram do assunto. A FAO anunciou ontem que convoca para novembro uma reunião de chefes de Estado para tratar do assunto e conseguir investimentos para a agricultura. Diouf acredita que essa será a forma de superar a fome.

Para a a diretora do Programa da ONU para Alimentos, Josette Sheeran, apenas 1% do dinheiro dado aos bancos nesta crise financeira já resolveria o problema. Mas, sem verba suficiente, a FAO está sendo obrigada a cortar os alimentos distribuídos em Uganda, na Etiópia e em outros países pobres.

"Tenho só 25% do orçamento necessário para alimentar os mais necessitados", disse a diretora, acrescentando que precisa de US$ 6 bilhões, um terço do que receberam as empresas automotivas nos Estados Unidos.

Segundo ela, entre 1969 e 2000 a proporção de famintos no mundo passou de 37% da população mundial para 18%. Hoje, está em 15% e em expansão. "Essa tendência de queda foi revertida", disse ela. A FAO define como subnutrida a pessoa que ingere menos de 1,8 mil calorias por dia.

O aumento do número de famintos começou em 2008, em razão da crise de alimentos. A atual recessão fez com que as remessas de dinheiro dos imigrantes para as famílias diminuíssem, além de secar os investimentos e as doações.

O resultado foi o aumento de mais de 100 milhões no número de famintos em 2008 e é o que se prevê para este ano. O aumento previsto é de 11%. Em termos absolutos, o diretor da Divisão de Desenvolvimento Econômico Agrícola da FAO, Kostas Stamoulis, insiste que essa é a primeira vez na história que o mundo tem tantos famintos.

A constatação da FAO é que o mundo vive uma contradição, já que 2009 terá uma das maiores safras agrícolas da história. "Não há falta de comida, há falta de acesso. O problema não é um desastre natural nem de safra. O problema é econômico. É o resultado do desemprego, da queda de renda", afirmou Diouf.

Segundo Josette, o problema é que a crise alimentar não foi superada nem com a recessão nem com a queda dos preços de produtos agrícolas. Nos países mais pobres, os alimentos continuam 80% mais caros que há dois anos. Numa média mundial, o preço é 24% acima do que estava em 2006. Nesta semana, a FAO relevou que os preços das commodities devem aumentar entre 10% e 30% nos próximos dez anos.

Outro alerta da FAO é que a fome pode voltar a ser um fator de insegurança. "A fome é um risco real para a paz", disse Diouf. "Um faminto tem três opções: protestar, migrar ou morrer de fome."

AMÉRICA LATINA

Segundo a FAO, o fenômeno do aumento da fome é global e a América Latina será muito afetada. A região deverá contar com 53 milhões de famintos este ano, 12,8% mais que em 2008. Na Ásia, que tem hoje 642 milhões de famintos, verá esse número crescer 10,5% %. A África vem a seguir, com mais 11,8% e um total de 265 milhões.

Os países ricos continuam com uma parcela dos famintos, cerca de 15 milhões. Mas, pela primeira vez em 40 anos, terão aumento de 15,4%, em razão do desemprego em massa decorrente da recessão, sobretudo nas grandes cidades. Mas os agricultores também estarão entras as vítimas.

ANTIGAS SOLUÇÕES

O que mais incomoda a FAO é que planos, estratégias e programas para acabar com a fome são conhecidos. "O que temos hoje é um problema político, de falta de prioridade. Os líderes mundiais precisam tomar decisões corajosas de erradicar a fome", defendeu Diouf.

A razão do recado do diretor da FAO é que falta apenas um mês para a reunião de cúpula dos chefes de Estado e de governo do grupo dos países mais ricos, o G-8, na Itália.

Há 30 anos, 20% de toda a ajuda dada pelos países ricos aos pobres ia para o setor agrícola. Hoje, essa taxa é de apenas 3%. A FAO sugere que seja estabelecido uma prioridade de governos para que invistam na pequena agricultura nos países em desenvolvimento, onde estariam 2 bilhões de pessoas.

"Essa é a uma crise de proporções épicas. Não está na hora de cortes nos investimentos para o pequeno agricultor. Precisamos de uma maior produção", disse Josette.

Outra insistência é para que governos passem a adotar estratégias de criação de redes sociais para aqueles que passam fome. Segundo Josette, 80% da população mundial hoje não tem nenhuma ajuda social se perder a renda.

Mas Matthew Wyatt, consultor do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola, alerta que a recessão colocou novas restrições para os orçamentos dos governos, o que pode ampliar o problema da fome.

"Nunca tivemos em números absolutos tantos famintos no mundo como hoje. Esses dados são chocantes e esperamos que choquem os líderes", disse. Ele sugere que pacotes de estímulo criados por governos deem uma atenção especial a pequenos fazendeiros.

Curso parado no ar

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


O que acabou foi a reserva de mercado. Não acabou a necessidade de qualificação, de aprendizado, de domínio da técnica, de acumulação do conhecimento para ser jornalista. A profissão não é trivial. O fim da obrigatoriedade do diploma deixou alguns colegas perplexos, confirmou a convicção de outros, mas ficou mal entendida a questão da formação do jornalista.

Eu amava o curso de História. Ele foi interrompido pela prisão. Quando pude voltar à universidade, já trabalhava em jornal há três anos. Fiz comunicação por obrigação, para ter o diploma, e detestei o curso. Aprendia jornalismo nas redações. Achava meus professores distantes da realidade e aquele ritmo da faculdade lento para a dinâmica nervosa da redação. Já Alvaro Gribel, que trabalha aqui na coluna, saiu do seu curso de comunicação com melhor impressão.

Esta semana, nas primeiras horas após a decisão do Supremo, recebi e-mails e telefonemas desconsolados. Uma antiga colega me pergunta o que deve escrever nos cadastros em que se questiona o nível educacional: "Superior inválido?" Jovens jornalistas acham que foram enganados, que poderiam ter feito outros cursos. Estudantes não sabem se continuam. Vestibulandos estão ainda mais confusos.

Calma gente. Nada mudou na verdade, apenas acabou a reserva de mercado que estabelecia barreiras inaceitáveis a pessoas com competência, conhecimento específico, especialização. As empresas insistiam, mas havia constrangimentos legais para ex-jogadores de futebol atuarem como comentaristas esportivos, ou médicos, advogados e economistas que ajudam no jornalismo de precisão.

Nas minhas décadas de redação conheci brilhantes jornalistas que fizeram e que não fizeram o curso; e incompetentes também dos dois grupos. É conhecido o caso de que os dois jornalistas do Watergate não tinham curso. Fora do jornalismo, também há casos eloquentes de pessoas que abandonaram os cursos que faziam e tiveram enorme sucesso: Bill Gates e Steve Jobs, por exemplo. Não se pode concluir daí que estudar é irrelevante porque o talento pessoal resolve tudo. Por isso, acho que essa divisão entre a torcida a favor do diploma e a torcida contra deixa algo parado no ar: como formar jornalistas?

Os ministros do STF expressaram uma visão desatualizada do jornalismo. Ele não é só literatura e arte. A definição romântica fazia mais sentido em outros tempos. Apesar de termos no nosso jargão a expressão "cozinha do jornal", o paralelo com a culinária é impreciso.

Não é também uma daquelas técnicas banais que se aprende num manual de sete lições. Existem vários jornalismos, é difícil definir como ele é exercido atualmente nas várias mídias, nas ferramentas mutantes, nas regras que permanecem, no toque pessoal e intransferível, na rapidez irrecorrível, na tradução do complexo, no talento indispensável.

O medo de que "qualquer um" possa ocupar os postos é mais corporativista do que real. Não se pode improvisar uma redação com a complexidade de um produto que, em jornal impresso, de manhã não tem nada, de noite tem que estar pronto; na televisão, exige que o repórter grave a reportagem enquanto apura, e que editores em ilhas sincronizem imagens e áudios numa corrida contra o relógio; no online, o produto é instantâneo.

A tecnologia criou novas possibilidades para os "não" jornalistas. O citizen journalism e o i report, em que pessoas registram e postam o que só eles viram, enriquecem o jornalismo. A mídia social só ameaça as tiranias - como se vê no Irã - porque testemunha o que os jornalistas não puderam ver.

Os cursos sempre foram imperfeitos e incompletos. Mesmo assim, os estudantes tem lá uma iniciação que será útil quando eles entrarem de fato no cotidiano de uma redação. Os jornais e emissoras de TV e rádio hoje montam verdadeiros cursos para os estagiários, mas partem de uma base que foi dada pela universidade.

O fim da obrigatoriedade do diploma abre o debate interessante sobre a melhor formação do jornalista. No jornalismo econômico, ele tem que entender economia mas não pode virar um protoeconomista, prisioneiro dos preciosismos e jargões que só fazem sentido para o gueto. Economistas, sociólogos, advogados, cientistas precisam capturar a forma de transmitir o conhecimento deles de forma clara. E agora mais do que nunca é necessário o profissional que fique nas fronteiras do conhecimento e editorias, que fale de economia sabendo das mudanças climáticas; de política, entendendo as restrições fiscais, de cultura vendo as nuances sociais.

Acabou a obrigatoriedade do diploma, não acabou a necessidade de formação do jornalista. Os cursos de graduação e pós-graduação continuam a existir nos Estados Unidos mesmo sem haver a obrigatoriedade. Alguns com prestígio mundial, como os da Columbia. Na Alemanha, as emissoras de televisão selecionam profissionais de varias áreas e os treinam em cursos internos.

O importante é que do jornalista será exigido tanto formação, quanto talento; tanto técnica, quanto inovação. Parte disso será obtido em cursos de formação, parte será nas redações. Quem entender que a hora é de estudar menos, ficará para trás.

Fora das sombras

Paul Krugman
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Oplano da administração Obama para a reforma financeira faria o que tem que ser feito? Sim e não. Sim, o plano taparia alguns buracos na regulação. Mas como descrito, não acabaria com os incentivos que tornaram a crise atual inevitável.

Vamos começar com as boas notícias.

O nosso atual sistema de regulação financeira vem de uma época quando tudo o que funcionava como um banco parecia um banco. Enquanto você regulava edifícios de mármore com fileiras de bancários, as coisas estavam sob controle. Mas hoje você não precisa parecer um banco para ser um banco. Como Tim Geithner, o secretário do Tesouro, disse em um discurso citado no ano passado, a atividade bancária é qualquer coisa que envolva financiar ativos arriscados e relativamente sem liquidez no longo prazo com obrigações de curto prazo. Exemplos: Bear Stearns e Lehman, ambos os quais financiavam investimentos arriscadas principalmente com empréstimos de curto prazo.

Como Geithner demonstrou, em 2007 mais da metade do sistema bancário americano, nesse sentido, era controlada por um "sistema financeiro paralelo" composto por instituições desreguladas.
Esses bancos que não eram bancos, notou o secretário, eram "vulneráveis a um tipo clássico de golpe, mas sem proteções que os bancos instituíram para reduzir riscos".

Com a queda do Lehman, aprendemos o quão vulneráveis os bancos eram: um golpe no sistema derrubou a economia mundial. Uma coisa que a reforma financeira precisa fazer, então, é trazer os bancos que não são bancos para fora das sombras.

O plano Obama faz isso atribuindo ao Federal Reserve o poder de regular qualquer grande instituição que considere "sistemicamente importante" – ou seja, capaz de criar caos se quebrar – seja um banco tradicional ou não. Tais instituições estariam obrigadas a manter quantias altas para cobrir perdas e quantias elevadas para cobrir demandas de credores.

E o governo teria a autoridade de cercar tais instituições se parecessem insolventes – o tipo de poder que a Corporação Federal de Seguros de Depósitos tem em relação aos bancos tradicionais, mas que está em falta em relação a instituições como o Lehman e a AIG.

Bons sinais, mas e o problema maior de excessos financeiros?

O discurso de Obama que detalhou o plano descreveu o problema sublinhado bem. Wall Street desenvolveu uma "cultura de irresponsabilidade", disse o presidente. Quem emprestava não segurou seus empréstimos, e sim os vendeu para investidores que não entendiam o que compravam.

– Enquanto isso – disse Obama – compensações executivas não condizentes à performance de longo prazo ou mesmo à realidade não recompensavam a falta de cuidado.

Infelizmente, o plano não corresponde ao diagnóstico.

É verdade que a proposta da nova Agência de Proteção Financeira ao Consumidor ajudaria a controlar os empréstimos abusivos. E a proposta de que quem empresta terá que manter 5% dos empréstimos proporcionaria algum incentivo à responsabilidade com empréstimos.

Mas 5% não é suficiente para deter parte dos empréstimos arriscados, dadas as recompensas a executivos que agendam lucros de curto prazo. Então, o que precisa ser feito em relação a tais recompensas?

O sumário executivo das propostas da administração destaca "práticas compensatórias" como causa-chave da crise, mas em seguida falha em dizer qualquer coisa relativa a essas práticas. A versão longa diz mais, mas o que diz é uma descrição do que deveria acontecer, em vez de um plano para acontecer.

Além do mais, o plano diz pouco de substância sobre reformar as agências de classificação de risco, cuja disposição em aprovar securitizações duvidosas desempenhou papel importante em criar a bagunça em que estamos.

Em resumo, Obama tem uma visão do que deu errado, mas, fora a regulação dos bancos das sombras – o que não é pouco –, o plano rema na questão de como evitar que tudo aconteça novamente, e deixa as decisões difíceis para o futuro.

Tenho consciência da realidade: passar a reforma pelo Congresso não será fácil. E, mesmo como está, o plano Obama é melhor que nada.

Mas para corresponder à própria análise, Obama precisa atingir as agências de classificação de risco e, ainda mais importante, ser mais específica sobre a reforma da forma pela qual banqueiros são pagos.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil

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Diabolic Suggestions DPS - Serguei Prokofiev

Piano Frederic Chiu
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PPS lamenta morte de Marcos Jaimovich

DA REDAÇÃO
DEU NO PORTAL DO PPS

Faleceu nesta sexta-feira (19), pela manhã, na cidade do Rio de Janeiro, aos 88 anos, o dirigente comunista Marcos Jaimovich, que deu rica contribuição para a arquitetura e para a atividade intelectual no Brasil, simultaneamente nos seus quase 70 anos de militância ininterrupta no PCB/PPS. Ele deixou viúva a jornalista Claudia Richer, e órfãos três filhos, sendo duas filhas do seu primeiro matrimônio. Não haverá ato de despedida fúnebre, e seu corpo será cremado, na segunda-feira, dia 22, às 9 horas e 15 minutos, no Crematório do Caju.

Desde a Escola Nacional de Belas Artes, na antiga capital da República, nos anos 1940, ele se incorporou à União da Juventude Comunista, sendo um destacado e dedicado militante, logo se tornando um dos seus dirigentes. Com a extinção, em 1957, da UJC, ele foi designado para a Seção Juvenil do Comitê Central do PCB, juntamente com Zuleika Alambert e Givaldo Siqueira, aí permanecendo até o golpe militar de 1964. Além de colaborar com a organização e interlocução de intelectuais no Comitê Cultural do PCB tanto quanto com os militantes judeus, foi o principal responsável pela montagem do V Congresso, em 1960, no Rio, e do VIII, em 1987, em Brasília.

Desenvolveu papel importante na organização das delegações brasileiras que participaram de vários Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, em capitais européias, sobretudo nos anos 1960 e 1970.

Na sua atividade profissional, sempre se constituiu uma espécie de braço direito do arquiteto Oscar Niemeyer, não apenas coordenando suas obras em Brasília, mas após o golpe, no exterior, dirigindo o escritório dele em Paris, articulador de obras sobretudo na Argélia, na Itália e na França. Ele foi um dos principais responsáveis pela concepção e lançamento da revista Módulo, editada no Rio desde os anos 1950, a única no Brasil e uma das pouquissimas existentes no mundo para tratar questões de Arquitetura.

Homem simples, sem afetação, adorava construir e manter amizades, era muito fraterno, generoso e solidário com todos, tendo outra característica modelar que era assumir corajosamente suas posições políticas, nem sempre coincidentes com a maioria da direção comunista, de que exemplo maior foi se manifestar contra a invasão da Checoslováquia pelas tropas do Pacto de Varsóvia, em 1968.

O desaparecimento de Marcos Jaimovich deixa não apenas a marca de uma ausência de difícil substituição, mas o legado de um cidadão que soube bem cumprir a missão política a que jogou, na maior parte de sua vida, todo o peso de sua inteligência e de sua sensibilidade.

Em nome da direção nacional do PPS, o presidente Roberto Freire enviou telegrama de condolências à família enlutada.