quarta-feira, 5 de agosto de 2009

No mesmo saco

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Não é razoável imaginar que, experiente como é, o senador José Sarney tenha a esperança de superar a crise política que domina o Senado, e tem nele o catalisador, à base da truculência, a reboque de uma tropa de choque desqualificada para o debate político.

Ainda mais não sendo esse o estilo de fazer política que tem adotado em toda sua longa carreira, pelo menos no plano nacional.

Sua passagem tumultuada pela Presidência da República foi salva justamente pelas marcas características de sua atuação política, a temperança, a convivência com a divergência, a tolerância. Características que ficaram mais valorizadas quando, em plena campanha sucessória, suportou ataques inomináveis desferidos por seus atuais aliados políticos, o próprio presidente Lula e o hoje senador Fernando Collor.

A postura de Sarney na ocasião garantiu a transição para a democracia que lhe reavivou a biografia, agora ameaçada pela revelação de atos, e sobretudo atitudes, desencavados de um passado recente que o condena.

O mais provável é que tenha decidido resistir para não deixar a presidência do Senado sob acusações não esclarecidas, mas nada indica que esteja disposto a se expor a uma investigação aprofundada.

Ao contrário, há indícios evidentes de que joga tudo na presumível não aceitação das representações contra ele pelo presidente do Conselho de Ética, arquivando-as liminarmente, acatando a tese da defesa de que não há qualquer ilícito nos atos que praticou.

Decisão, aliás, antecipada pelo presidente do Conselho de Ética, o senador Paulo Duque, antes mesmo que defesa houvesse. Não indo ao julgamento de seus pares no plenário do Senado, estaria Sarney em condições de continuar no posto sem que sua autoridade seja colocada em xeque? Nada indica que isto venha a acontecer. Portanto, não há uma explicação razoável para o recuo da decisão de se afastar do epicentro da crise afastando-se da presidência do Senado.

Sarney sabe que, quanto mais se expuser ao embate público, mais estará como alvo, ele e sua família, de ataques dos adversários políticos, dedicados a demonstrar que ele não tem condições de se manter à frente do Senado sem desmoralizálo.

E, pelo que já se viu, munição não deve faltar.

Imaginar que em véspera de eleição os 2/3 dos senadores que terão que renovar seus mandatos se sujeitarão a apoiar um político que se transformou em símbolo de tudo de errado que acontece no Senado é fazer pouco da inteligência de Suas Excelências.

Não é com a mudança do presidente que se resolverão os graves problemas éticos e administrativos do Senado, mas, mantendo-se Sarney, não haverá clima para se fazer as mudanças necessárias, mesmo porque o ambiente de guerra continuará a impedir que as ações políticas se desenrolem de maneira objetiva.

Também é intrigante a ênfase com que o Palácio do Planalto assume a defesa do senador Sarney, ficando contra a maioria da bancada de senadores do PT.

O presidente Lula, que é um bom estrategista político, pode estar cego pela arrogância e não estar avaliando bem o passo que está dando. Garantir o apoio do PMDB ao projeto de sucessão que ele montou pode ser decisivo para eleger a ministra Dilma Rousseff, mas será que o ambiente político até outubro de 2010 continuará sendo tão condescendente assim com os que trapaceiam, com os que fazem conchavos políticos tão apequenados quanto os que estão sendo tramados nos bastidores do Senado, às custas da credibilidade da própria instituição? A maioria dos senadores do PT parece não acreditar que o eleitor seja tão facilmente enganável, e mantémse em posição divergente à do governo.

Não é para menos, apenas três senadores têm mandatos que se estendem até 2015: Eduardo Suplicy e Tião Vianna, e o suplente João Pedro.

Os demais estarão disputando um novo mandato em seus estados, e precisam estar minimamente sintonizados com os anseios da sociedade.

Não parecem confiar em que a popularidade do presidente Lula será suficiente para elegê-los, preferem agir por conta própria, posicionandose pela licença de Sarney, na esperança de se equilibrar entre o desejo de Lula e o que consideram ser o desejo da sociedade.

Também o PMDB tem apenas três senadores que permanecerão no Senado até 2015: o próprio Sarney, Jarbas Vasconcellos e Pedro Simon.

Por isso, não há um consenso dentro do partido na sustentação da permanência de Sarney na presidência, embora o líder Renan Calheiros jogue sua vida política nessa manutenção.

Ele, na verdade, é o grande artífice da mudança de estratégia, o mentor da tática agressiva para tentar ganhar no grito a disputa política.

Não quer perder o controle do Senado, que manobra como líder da maior bancada, e qualquer mudança administrativa mais profunda cortará sua influência.

Quando Renan Calheiros fez prevalecer a tese de que o que está em jogo hoje no Senado é a sucessão presidencial de 2010, colocou o presidente Lula obrigatoriamente na defesa da permanência de Sarney na presidência, e criou constrangimentos na bancada petista, que pode ser acusada de inviabilizar a coligação com o PMDB em apoio a Dilma.

Não é preciso ser um grande estrategista político para saber que a propaganda na campanha eleitoral estará infestada de imagens da campanha política de 1989, que muitos consideravam que se repetiria em 2009, com vários candidatos disputando quem iria para o segundo turno. Lula foi para o segundo turno naquela ocasião disputar com Collor por uma quantidade ínfima de votos, que seu adversário imediato, Leonel Brizola, morreu dizendo que foram roubados.

Hoje, todos juntos do mesmo lado têm que responder pelos atos do passado. O ambiente belicoso, truculento, que dominou aquela campanha presidencial está sendo alimentado novamente pelos mesmos que, 20 anos atrás, atacaram Lula de todas as maneiras, envolvendo até mesmo sua filha Lurian nos golpes mais baixos.

Só que desta vez são farinha do mesmo saco.

Escaras de Sarney nos escândalos do Senado

José Nêumanne
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Na abertura de O 18 Brumário de Luís Bonaparte, o velho Karl Marx apropriou-se de uma máxima do mestre Georg Friedrich Hegel, de que a História sempre termina por se repetir, acrescentando que normalmente ocorre como tragédia, mas se repete como comédia. No Brasil, drama e farsa parecem andar sempre de mãos dadas, mesmo quando um prevalece sobre a outra e vice-versa. Não restam dúvidas, por exemplo, de que os escândalos sucessivos que desgastam a já combalida imagem do Senado da República, das cotas de passagens aos atos secretos, terminando com os negócios suspeitos das empresas dirigidas pelo filho do presidente da Casa, resultam da já notória tragédia institucional brasileira. Mas ela também pode provocar momentos capazes de superar a comicidade dos grandes humoristas nacionais, de Martins Pena do teatro imperial a Chico Anysio na televisão desta República atual.

Difícil é resistir ao riso, por exemplo, quando se toma conhecimento de que o presidente do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), deputado Michel Temer (SP), abandonou o conforto de uma licença para assinar, em cumplicidade com sua substituta no cargo e colega de Câmara, Íris de Araújo, uma nota oficial em que o partido recomenda aos críticos de sua postura que vão embora. E que não demorem, mas o façam "o quanto antes".

O ridículo da proposta mora em todas as evidências elementares de que o PMDB, por mais cínico, venal e submisso que seja ao poder que emprega e às prerrogativas dos cargos federais, se reconhece sem autoridade para expulsar os senadores Jarbas Vasconcelos (PE) e Pedro Simon (RS). Por isso, pede que se imolem no altar do oportunismo por terem cometido o único crime sem perdão no jogo sórdido da política nacional contemporânea: o da coerência com princípios. Se não os expulsou, mas pede que eles saiam, e logo, a cúpula dirigente do partido certamente passou o recibo de que as exceções à regra do fisiologismo mancham a agremiação com a alvura dos compromissos deles com a história dela. Um partido indigno de suas antigas tradições precisa ocultar a própria indignidade poupando os dignos do convívio com ela.
A cúpula dirigente não pode, contudo, ser acusada de incoerência em relação a seu militante mais controverso. A nota oficial emanada das mãos suaves de literato do presidente do Senado a respeito da violação da liberdade de informação pedida pelo filho Fernando e concedida por um protégé, o desembargador Dácio Vieira, é um primor de desprezo à verdade dos fatos e à inteligência das pessoas. Vamos aos fatos: Fernando Sarney é o encarregado dos negócios do clã chefiado pelo pai, que se orgulha de um feito em sua biografia - o de nunca haver processado um jornalista no exercício da Presidência da República -, embora tenha mentido na nota ao omitir que, após ter saído do governo, processou João Mellão Neto, articulista desta página, pedindo reparação por injúria. Indiciado pela Polícia Federal (PF) na Operação Boi Barrica, o filho empresário foi à Justiça reivindicar que o cidadão brasileiro não tome conhecimento das acusações que pesam sobre sua cabeça e, por consequência, mancham a reputação da insigne figura paterna.

Com a ilusão de que, ao não abençoar o impulso censório do filho, conseguirá salvar do incêndio dos escândalos atuais nobres posturas do passado, o presidente do Senado não apoiou publicamente o gesto do censor que gerou, mas também não o desautorizou. O homem que dava valor aos símbolos a ponto de tirar a naftalina dos jaquetões para fazer contraste com os moletons do antecessor, o último general do regime militar, João Figueiredo, não prestou a mínima atenção ao tiro que o filho lhe deu no pé, ao impedir com uma ordem judicial que a sociedade tome conhecimento das denúncias de gestão temerária.

O risível nessa nota escrita e assinada por um varão que faz praça do próprio estilo na escrita é que ele passa por cima de algo muito mais relevante que o decoro no traje de um chefe político no Estado Democrático de Direito: o pundonor no comportamento. O vice-presidente da Associação Nacional de Jornais e responsável pelo Comitê de Liberdade de Expressão, Júlio César Mesquita, lembrou, ao condenar a decisão infeliz do desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que o presidente do Senado é jornalista e proprietário de jornais. Por isso, ao permitir que o filho ressuscite um dos monstros mais abjetos da violação da liberdade do tempo da ditadura militar, à qual Sarney também serviu - a censura à imprensa -, ele permitiu à opinião pública uma dúvida a seu respeito: será o jornalismo, para ele, um ofício ou só uma oportunidade de exercer o mando político?

Mais que os escândalos do Senado, as escaras que prejudicam Sarney e seus pares foram abertas por seus herdeiros e serviçais. Se Fernando Sarney não tivesse conseguido de Dácio Vieira permissão para proibir o noticiário a respeito das dúvidas que a PF tem sobre sua honradez como empresário, o País não tomaria conhecimento de que no Poder Judiciário brasileiro a gratidão ao empregador pode substituir a garantia da imparcialidade do julgador.

Feito desembargador, o ex-funcionário de confiança na gráfica e ex-consultor jurídico do Senado não se considerou impedido por suspeição e cometeu a "afronta à liberdade de imprensa" que dois outros juízes já haviam negado anteriormente. Nada do que puder vir a beneficiar José Sarney em sua permanência na presidência do Senado pelo tempo que conseguir ficar (seja breve ou seja longo) compensará o tiro que o filho lhe deu no pé, ao deixar claro que do jaquetão presidencial ele tirou a naftalina, mas lhe restou o ranço do patrimonialismo coronelista malsão que continua fazendo da política brasileira uma atividade imprópria para gente de bem.

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

Campanha eleitoral em outra galáxia

Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Há uma relevância insuspeita nas conclusões que nos oferecem os dados da pesquisa de intenção de voto encomendada e paga pelo Partido Verde ao Ipespe/MCI, organizações de apuração e análise de informações do cientista político e sociólogo Antonio Lavareda. O PV queria fazer um primeiro teste com o nome da ex-ministra do Meio Ambiente, senadora Marina Silva, na sucessão presidencial. Vinha, há muito, em conversas de aproximação e sondagens, primeiro, com ela própria, depois com um pequeno staff a quem consulta. Muito mais do que foi revelado até agora existe neste levantamento.

Por exemplo, segundo informações divulgadas pelo PV ao jornalista Mauro Zanatta, na edição de ontem do Valor, a depender do cenário, Marina Silva teria de 10 a 14% das intenções de voto. Na hipótese mais alta, em primeiro lugar está José Serra, em segundo Ciro Gomes e em terceiro, empatadas, Dilma Rousseff e Marina Silva, com 14%. Um empate, por sinal, omitido até agora. Já seria demais, levando-se em conta que é uma senadora do Acre, com vida política enraizada naquela lonjura, e uma passagem pelo ministério do governo Lula de onde saiu, digamos, desautorizada em suas ideias, intenções, desejos e projetos, mas apoiada pela opinião pública. Portanto, um contrassenso tendo em vista o fenômeno de popularidade que é o Presidente da República, que a demitiu, e o governo do PT, seu partido.

Nesta pesquisa do PV há, porém, muito mais que isto. Em um cenário com apenas três candidatos, também não revelado até agora, a senadora Marina Silva passa Dilma Rousseff. Serra fica com 37%, Marina com 24% e Dilma com 16%.

E não adianta aos apressados em desmontar o retrato do momento comparar estes índices com outros que surgirem por aí, caso entidades desandem agora a fazer levantamentos sucessivos para incluir o novo nome da agenda eleitoral, como é de praxe. O cotejo só faz sentido se a pergunta apresentada ao eleitor for exatamente a mesma. No caso do PV, foi solicitada uma opção entre "o governador de São Paulo, José Serra, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e a senadora e ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva". Todos muito bem identificados.

Uma correção a respeito da pesquisa do PV: ela é apenas quantitativa. Os eleitores não fazem considerações a respeito das razões de seu voto, nem avaliam qualitativamente os candidatos apresentados. Assim, comentários como os que atribuem a Dilma Rousseff uma imagem "desenvolvimentista atrasada", e identificam Serra como "defensor da indústria paulista", são avaliações políticas, discutidas no partido durante a prospecção da candidatura de Marina Silva, e não resultado de pesquisa qualitativa.

Em 24 horas com a pesquisa do PV circulando já se ouviu juízos de todo tipo, da conjetura pobre de sempre, de que esta pesquisa não tem valor pois é coisa do Serra para desestabilizar a candidatura Dilma, às avaliações mais sérias. Uma, que Marina não deixaria 30 anos de PT por uma aventura de campanha presidencial pelo PV. Mais, o presidente Lula não deixaria que ela saísse do partido e, para isto, mensageiros doces seriam enviados na frente, depois os amargos para a pressão antipática, e por fim iria ele próprio fazer o apelo ao coração. Lula poderia, também, pedir que ela fique no PT até uma avaliação mais à frente da candidatura Dilma, podendo a senadora se transformar, caso Dilma não reaja, na nova candidata in pectore.

Algumas suposições negativas podem se concretizar, embora os sinais, hoje, são de que Marina Silva está muito mais sensível ao convite do PV do que já esteve ao longo desses meses de conversações. Porém, seja qual for o desfecho, e não importa mesmo, neste momento, o mundo das concretudes, o sopro trazido pela pesquisa do Partido Verde remete o mundo político a pelo menos três convicções.

As eleições de 2010 não estão definidas nem para a largada. A sucessão é uma obra aberta, sujeita a chuvas, trovoadas e novidades no elenco de candidatos. Esta, a primeira certeza.

Número dois: neste eleitorado de Marina Silva estão, sim, votos de opinião que abandonaram, decepcionados, as urnas do PT e do PSDB. Mas entre eles encontram-se, sobretudo, eleitores fiéis do presidente Lula. As pesquisas mostram que o prestígio do presidente é excepcionalmente elevado e não se abala significativamente em nenhuma circunstância. Mas o aprofundamento das análises técnicas destes levantamentos revela indícios de que esses eleitores que admiram Lula, até demais, ainda não enxergaram uma simetria convincente entre ele e sua candidata Dilma Rousseff. Boa parte desta alta intenção de voto em Marina Silva, muito provavelmente, segundo as análises políticas do partido, é de pessoas encantadas com o presidente Lula que ainda não foram conquistadas por Dilma. E a história pessoal de Marina guarda, para o eleitorado, similitudes com a história de Lula.

Está aí, identificado, o espaço de crescimento para a candidatura Marina.

Uma terceira certeza é que, com Marina, a campanha eleitoral jamais deixará de tratar dos altos temas, os programas, o projeto de país. É só disso que ela fala e isto é o que pensa e faz. É inadmissível uma campanha presidencial em 2010 sem um extenso e profundo debate sobre a economia sustentável, por exemplo. Principalmente a partir da crise mundial, a discussão tem que dirigir seu foco para a sustentabilidade não só econômica como de todas as políticas públicas: educação, transportes, agricultura, habitação, petróleo. Ah, o petróleo...Apontam os analistas técnicos do partido que a emissão de carbono do pré-sal é altíssima, um combustível fóssil cuja substituição seria proposta em qualquer campanha eleitoral. No governo do PT, a preocupação com o desenvolvimento sustentável foi zero. Numa campanha de Marina Silva a presidente, o programa é o que importa, e a preocupação com o desenvolvimento sustentável será dez.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Imagens do lodaçal

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - Primeira imagem: Luiz Inácio Lula da Silva abraça Fernando Collor de Mello.

Ajuda-memória: Fernando Collor de Mello vem a ser aquele cidadão que, além de ter sido o único presidente afastado do cargo por falta de decoro em um país em que o decoro é artigo raríssimo, pagou a uma mulher para dizer na televisão que seu adversário (justamente Lula, naquele momento) quis obrigá-la a abortar da filha que ambos tiveram (Lurian).

Esse tipo de atitude é tão indecente, indecorosa, delinquencial que desqualifica qualquer pessoa para a vida pública (a rigor, também para a vida privada).

Não é, portanto, passível de perdão. Lula até poderia aceitar o apoio de Collor para fazer parte da maioria governista. Aceitou o apoio de tantos outros desqualificados que, um a mais, um a menos, nem se notaria.

Daí, no entanto, a abraçá-lo publicamente e a elogiá-lo vai uma distância que, percorrida, desqualifica também a vítima de antes.

Segunda imagem, a de ontem: Fernando Collor de Mello cumprimenta José Sarney.

Ajuda-memória: Fernando Collor de Mello vem a ser aquele cidadão que com maior virulência atacou o governo Sarney, a ponto de chamá-lo de ladrão, pelo que jamais pediu desculpas.

Sarney nunca escondeu o profundo rancor que sentia pelo seu desafeto, que, aliás, só se elegeu porque era o mais vociferante crítico de um presidente que batia recordes de impopularidade.

Ao abraçar Collor e aceitá-lo na sua tropa de choque, Sarney implicitamente dá atestado de validade aos ataques do Collor de 1989 e, por extensão, junta-se a ele na lama.

Que Collor, o indecoroso com condenação tramitada em julgado, ressurja com os mesmos tiques e indecências de antes compõe à perfeição o lodaçal putrefato que é a política brasileira.

Serra ironiza alianças de Lula no Senado

Catia Seabra e Vinicius Queiroz Galvão
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Em reunião, governador de SP, democratas e tucanos avaliaram como positiva a crise para sua candidatura à Presidência
Para tucano, mudanças na relação entre indivíduos da política brasileira de 90 para cá é fascinante; "Isso é coisa para tese de mestrado"
Um dia depois de discutir com aliados o efeito positivo da crise no Senado para sua candidatura à Presidência, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), ironizou ontem o que chamou de mudanças na relação entre os indivíduos na política da década de 90 para cá.

Nos anos 90, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se opunha ao hoje presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e ao ex-presidente Fernando Collor de Mello (AL). Hoje, conta com os dois na sua base de sustentação. Serra, porém, não citou seus nomes.

Questionado sobre a troca de farpas protagonizada na véspera no Senado, onde Collor fez enfática defesa de Sarney, simplesmente alfinetou:

"Não é que não tenha as minhas opiniões. Não vou entrar [no assunto]. Agora, realmente ver as mudanças na política brasileira de 90 para cá, na relação entre indivíduos, é fascinante. Isso é coisa para tese de mestrado e de doutorado".

Na noite de segunda-feira, o impacto da crise esteve na pauta da reunião de Serra com tucanos e democratas.

A avaliação dos participantes foi a de que Lula se dedica à contenção da crise, em vez de se lançar na campanha da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. A retração de Lula alivia a pressão sobre Serra para que se declare candidato agora.

"Parecia que o governo ia passar um trator sobre nós. O governo vivia uma fantasia e, agora, caiu na realidade", afirmou o vice-governador Alberto Goldman (PSDB).

Serra, no entanto, desconversou quando o líder do DEM no Senado, Agripino Maia (RN), sugeriu que levantasse munição para a CPI da Petrobras. Segundo um participante, o governador paulista disse que essa não era sua área de atuação durante o governo FHC.

Na reunião, também foi avaliada a composição nos Estados onde DEM e PSDB enfrentam problemas, como Rio Grande do Norte e Maranhão.

Ontem, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também abordou a crise. Segundo ele, "os diálogos nos jornais são de arrepiar, são de envergonhar. Ontem [segunda-feira] foi terrível. Aquilo mostra falta de compostura", disse.

Lula é "o nome" de tudo o que o Senado e a democracia estão sofrendo, diz Freire

Valéria de Oliveira
DEU NO PORTAL DO PPS


Freire: no Senado existe uma tropa de choque cujo chefe é Lula.

Sem querer se ater aos atores coadjuvantes da crise, o presidente do PPS, Roberto Freire, acusou o presidente Lula de ser "o nome" de tudo o que o Senado e a democracia estão sofrendo neste momento no país. "Lula é Sarney, Lula é Collor, Lula é Renan e quem mais chegar, desde que tenha o mesmo naipe", afirmou.

Freire fez as declarações ao analisar a primeira sessão do Senado, na qual a dupla Renan/Collor defendeu, aos gritos, a permanência de Sarney na presidência, enquanto Pedro Simon (PMDB-RS), na tribuna, apelava para que ele renunciasse. O presidente da República, analisa o presidente do PPS, continua a manter Sarney no comando do Senado e perdeu "a compostura e a medida das coisas para atingir esse objetivo".

Mafiosos

Freire insiste em que "no Senado existe uma tropa de choque cujo chefe é Lula". Essa tropa, analisa, "usa métodos próprios de mafiosos, que incluem retaliações, apresentação de dossiês; como se chantagem pudesse presidir relacionamentos em um parlamento republicano". Para Freire, tudo isso tem a ver com o apoio "próprio de comparsas", que Lula faz com Sarney.

O presidente Lula, afirma Freire, para manter Sarney, não se importa com o nível de degradação política que o país está assistindo. "O desserviço que esse governo está prestando ao país é impressionante; não apenas por aparelhar o Estado, mas também por enxovalhar os valores que uma sociedade democrática tem".

Na avaliação do presidente do PPS, se pode dizer que a crise é fruto da imoralidade reinante no Senado; de atos de determinados funcionários e dirigentes do Senado, dos principais líderes e das Mesas do Senado, dos senadores. "Entretanto, tudo isso estaria mais bem encaminhado e o país não estaria assistindo a essa tragédia se tivesse um presidente da República que cuidasse, minimamente, de respeitar as instituições e a República".

Freire acredita que se assim fosse, Lula não teria feito o que fez com o PT, seu próprio partido. "A bancada está incapaz até de se reunir. Ficou muda, fugiu da sessão em que Simon pediu a saída de Sarney e enfrentou a tropa de choque do Planalto e de Sarney. A responsabilidade é apenas do PT ou tem a ver com o presidente da República?".

"A crise só será resolvida se a sociedade reagir não apenas a Sarney e sua tropa de choque, mas também a quem manda em tudo isso, que é Lula", avalia Freire.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil

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FH diz sentir vergonha da crise no Senado

DEU EM O GLOBO

SÃO PAULO. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse ontem sentir vergonha dos problemas no Senado e de seus reflexos, como o bate-boca entre os senadores do PMDB Pedro Simon (RS) e Renan Calheiros (AL), anteontem. Para o expresidente, a crise na Casa aumenta na sociedade a sensação de que a classe política cuida apenas de si e afasta do eleitor a percepção de que um parlamentar deveria representá-lo.

— Os diálogos nos jornais de hoje (ontem) são de arrepiar, são de envergonhar. Foi terrível.

Aquilo mostra falta de compostura — disse o ex-presidente, em palestra na entrega do prêmio Marcas de Confiança.

Embora não tenha se manifestado sobre a tese de renúncia do senador José Sarney, o expresidente deu sinais de que essa poderia ser uma saída: — Não vou entrar nessa questão, porque eles vão ter que resolver lá. Mas é preciso um esforço para acabar com essa crise, e, se for às custas de renúncias, as pessoas precisarão entender — disse ele.

Serra defende fim do cargo de vice

Ricardo Galhardo
DEU EM O GLOBO


Governador tucano também propõe extinção dos suplentes de senadores

SÃO PAULO. O governador de São Paulo, José Serra, um dos pré-candidatos tucanos à Presidência da República, defendeu ontem a extinção do cargo de vice.

Segundo Serra, com os avanços tecnológicos que permitem ao titular governar à distância, o vice se tornou desnecessário.

Serra propôs que, em caso de afastamento ou morte do titular, sejam realizadas novas eleições.

Outra opção, segundo ele, seria o Congresso eleger o sucessor, dependendo do tempo de mandato restante.

— Na revisão constitucional, no início dos anos 90, defendi não ter mais vice. O Chile não tem, outros países não têm. No caso de morte, deveria ter uma nova eleição ou, dependendo da época, o próprio Congresso poderia eleger alguém para completar o mandato — disse Serra, ontem, em entrevista ao “Programa do Jô”.

Alguns dirigentes tucanos têm defendido uma chapa presidencial encabeçada por Serra, com o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), como vice.


O próprio governador paulista, porém, admitiu que sua ideia de extinguir o cargo de vice não tem futuro.

— É o tipo de coisa que não vai mudar nunca porque facilita as alianças políticas — admitiu Serra, que deixou a prefeitura paulista nas mãos do vice, Gilberto Kassab (DEM), para concorrer ao governo em 2006.

O governador defendeu também o fim dos suplentes no Senado, depois que o apresentador exibiu um trecho do bateboca entre os senadores Fernando Collor de Mello (PTBAL) e Pedro Simon (PMDB-RS).

Segundo Serra, no caso de afastamento do titular, também deveria haver nova eleição.

O governador procurar evitar comentários sobre os últimos acontecimentos no Senado.

Mas, ao ver Collor defendendo o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), não resistiu:

— Realmente, ver as mudanças na política brasileira de 90 para cá, na relação entre indivíduos, é fascinante, é coisa para uma tese de mestrado.

Serra, que foi senador, disse que o número de funcionários no Senado cresceu muito nos últimos 15 anos e citou uma piada da época em que era parlamentar.

— Já naquela época diziam que se todo mundo que trabalhava fosse ao Senado não caberia nas dependências da Casa

PSDB vai bem no NE, diz Serra

Silvia Amorim
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Um dia depois de acertar com a cúpula do PSDB e do DEM duas visitas ao Nordeste até setembro, o governador José Serra (PSDB) justificou ontem as viagens a outros Estados como "uma atenção especial ao Brasil". Serra negou que as incursões façam parte de uma pré-campanha para a disputa presidencial de 2010. "Tem um folclore, que vira e mexe é repetido na imprensa, de que o PSDB está mal no Nordeste. Não é o que as pesquisas mostram. Mesmo as que incluem meu nome hoje dão uma larga vantagem (ao PSDB)", disse.

Serra viaja para a Bahia na segunda-feira, onde participará de evento com o governador baiano Jacques Wagner (PT). Depois, seguirá para um encontro organizado por DEM e PSDB.

Marina Silva estuda trocar PT por PV

Isabel Braga, Brasília
DEU EM O GLOBO

A senadora e ex-ministra Marina Silva (PT-AC) confirmou ontem que foi convidada pelo PV para disputar pelo partido a Presidência da República em 2010, como informou a coluna Panorama Político. Ela disse que está avaliando a proposta.

Marina pode deixar PT e disputar Presidência

Senadora estuda convite do PV e não descarta concorrer à sucessão de Lula, enfrentando a ministra Dilma

ENTREVISTA Marina Silva


Pela primeira vez, a senadora Marina Silva (PT-AC) admitiu a possibilidade de deixar o PT, partido no qual milita há 30 anos. Como publicou ontem a coluna Panorama Político, do GLOBO, o convite de filiação ao PV, formalizado pelo partido semana passada, está sendo analisado por ela. A decisão não está tomada, mas será anunciada em breve, garante Marina. O PV quer ter Marina como candidata a presidente da República, ano que vem, numa disputa que pode complicar a candidatura da ministra Dilma Rousseff, que tem o apoio do PT e do presidente Lula. Ex-ministra do Meio Ambiente do governo Lula, Marina afirma que não serão questões eleitorais que nortearão sua decisão.

O GLOBO: Como recebeu o convite do PV?

MARINA SILVA: A Executiva veio a Brasília, fez o convite dentro da atualização programática, à luz do desafio do desenvolvimento sustentável.

Obviamente ouvi mais do que falei. Ninguém tinha a expectativa de que eu pudesse dar uma resposta de imediato. Tenho 30 anos no PT, minha filha mais velha tem 28 anos; antes de ser mãe eu já era do PT. Falei que iria pensar, conversar com pessoas, a começar pelos meus companheiros do Acre, e é o que estou fazendo. Estou avaliando à luz dos desafios que são os mais importantes para o Brasil, dentro da perspectiva do que sempre acreditei e defendi na minha vida.

O convite balançou a senhora?

MARINA: Não é questão de balançar ou não. Aos 51 anos, você tem que pensar naquilo que é a contribuição que pode estar deixando. É isso que me mobiliza. Não sou política profissional, não faço cálculos. No Senado é a forma que tenho de continuar com as causas em que acredito.

Não teria espaço para isso dentro do PT?

MARINA: A questão de desenvolvimento sustentável é um desafio enfrentado por todos os países e economias. Lamentavelmente, ao longo desses anos todos, os partidos políticos não levaram isso como algo estratégico.

Não é algo que não está em apenas um partido, não está em nenhum. Não se trata de crítica (ao PT). No Brasil já avançamos no marco regulatório, temos que colocar em prática.

A defesa do presidente Sarney pelo governo Lula pode influenciar sua decisão?

MARINA: Não. Estou fazendo uma reflexão do que penso para o mundo e para o país. Envolve algo de natureza maior, ainda que as questões ligadas à conjuntura e que se traduzem na crise do Senado têm levado a questionamentos. Nesse caso, a bancada tem uma posição e as disputas feitas são legítimas. A bancada tem sido muito acolhedora comigo, tanto no caso da MP 458 (regularização fundiária) e agora em relação ao afastamento do presidente Sarney.

O PV diz ter pesquisa em que a senhora aparece com 12% das intenções de voto para presidente da República. Isso pesa na decisão? Será candidata?

MARINA:
Não estou condicionando minha reflexão a questões de pesquisa, em absoluto. É uma reflexão com uma visão de país, de mundo.

Com quem a senhora conversou depois do convite?

MARINA: Liguei para o (Aloizio) Mercadante, para comunicar o convite. Ficamos de conversar.Falei com o (Eduardo) Suplicy, com o Binho (Marques, governador do Acre), com o Jorge Viana.Tenho nos companheiros uma trajetória de vida

'Vou segurá-la no PT'

DEU EM O GLOBO

Berzoini fará apelo para que senadora fique

BRASÍLIA. A decisão da senadora Marina Silva (PT-AC) de refletir sobre o convite de filiação ao PV animou os integrantes da legenda verde e preocupou os petistas. O presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), disse que vai conversar com a senadora e fazer um apelo para que ela fique no PT. Além de perder um nome histórico, de expressão até fora do país, o partido ainda correria o risco de ter uma outra mulher disputando a eleição presidencial contra a ministra Dilma Rousseff, em 2010.

— Vamos procurá-la para ouvi-la, pela amizade que temos.

Antes de mais nada, de uma eventual candidatura dela à Presidência, preocupa a saída dela do PT. Não vejo nenhuma divergência programática de fundo. Marina faz parte da história do PT — disse Berzoini. — Se depender de mim, vou segurála no PT. Mas, para casar, precisa a decisão de duas pessoas. Para separar, só de uma.

Entre os integrantes do PV, o fato de Marina ter se mostrado disposta a pensar na mudança de partido deu fôlego a um desejo antigo.

Desde que Marina deixou o Ministério do Meio Ambiente e manifestou sua insatisfação com a política ambiental, políticos do PV a procuraram para pôr a legenda à disposição.

Marina prontamente rechaçou a ideia. Desta vez, diante do convite formal, a ministra balançou.

O deputado Zequinha Sarney (PV-MA) diz que pesquisas qualitativas e quantitativas mostram que a candidatura de Marina é competitiva: — Estamos animados. Eu diria que a candidatura da Marina seria a garantia de uma discussão, na campanha presidencial, sobre o que há de mais moderno, a nova economia de baixo consumo de carbono, o novo padrão de consumo e de produção, a nova economia que o mundo precisa.

Logo depois de receber o convite, Marina ligou para o líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante (SP): — Ela ajudou muito a construir o partido, ajudou o Lula a chegar onde chegou.

(Ela tem divergências) Assim como eu tenho. Não é um embate entre pessoas, mas entre propostas.

Cerco à mídia venezuelana é condenado, menos no Brasil

Janaína Figueiredo* e Bernardo Mello Franco Buenos Aires e Brasília
DEU EM O GLOBO


O ataque à TV Globovisión e o fechamento de 34 rádios na Venezuela receberam críticas de entidades como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA e a Sociedade Interamericana de Imprensa e até de governantes pró-Chávez, como o paraguaio Fernando Lugo. Já o governo Lula, por meio do assessor da Presidência Marco Aurélio Garcia, defendeu Chávez. "Se acabou (a liberdade de imprensa), deve ter sido depois que eu saí. O que ouvi em programas de TV sendo dito sobre o presidente da Venezuela não está no gibi", disse Garcia, recém-chegado da Venezuela. Sob pressão, Chávez mandou prender a líder da invasão da Globovisión, e o Congresso adiou a discussão do projeto sobre delitos na mídia.

Chávez é criticado, mas Brasil alivia

Entidades deploram ataques à liberdade de expressão, enquanto Marco Aurélio Garcia ironiza

Entidades internacionais de defesa dos direitos humanos e da liberdade de expressão fizeram ontem sérias críticas à ofensiva do governo do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e de seus partidários contra a imprensa independente do país. A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), a Associação Internacional de Radiodifusão (AIR), a Anistia Internacional e até mesmo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (CIDH) questionaram o fechamento de 34 emissoras de rádio, anunciado sexta-feira, e o ataque de partidários de Chávez ao canal de TV Globovisión, ocorrido anteontem. Numa voz dissonante, o governo brasileiro defendeu o presidente venezuelano.

A CIDH fez ontem suas mais fortes críticas ao governo Chávez. “A CIDH em reiteradas oportunidades expressou sua séria preocupação com a situação da liberdade de expressão na Venezuela”, diz a entidade. “O fechamento de 34 emissoras de rádio, a ameaça de mais fechamentos, as agressões a jornalistas e ataques a meios com linha editorial crítica, e o recente projeto de lei (de delitos midiáticos) representam graves limitações ao livre exercício da liberdade de expressão na Venezuela.” A SIP afirmou que o governo Chávez está impedindo o trabalho de meios independentes e pediu aos governos democráticos da região que se expressem sobre a situação venezuelana. “Em todos os níveis, o governo venezuelano está adotando medidas legais e judiciais para fazer desaparecer a imprensa crítica”, alertou.

Já a AIR — que representa 17 mil emissoras privadas de rádio e TV do mundo inteiro — assegurou em nota que “o regime autoritário venezuelano aumenta suas ações de hostilidade e violência contra meios livres e independentes”.

Segunda-feira, um grupo de membros do UPV, um partido chavista, rendeu com pistolas seguranças da Globovisión e atirou bombas de gás lacrimogêneo. Um segurança e uma policial ficaram feridos, e dois funcionários tiveram um princípio de asfixia. Ontem, a dirigente chavista Lina Ron, que participou do ataque, foi presa.

Chávez afirmou que ela se entregou à Justiça, dizendo que a Globovisión era um inimigo: — Ela está detida. Não há alternativa, ela violou a lei. A companheira Lina Ron prejudicou a revolução. Ela fez o jogo a favor do inimigo

Debate sobre lei de imprensa é suspenso

Até o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, manifestou sua preocupação.

— Somente a diversidade de pensamentos de esquerda, de centro ou de direita pode garantir uma democracia autêntica — declarou o presidente paraguaio, que considerou equivocada “a decisão do governo venezuelano de fechar meios de comunicação”.

Já o assessor especial do presidente Lula para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, negou ontem que a Venezuela viva um clima de intimidação à imprensa e ironizou as críticas ao comportamento do presidente Hugo Chávez em relação aos meios de comunicação.

Ao ser perguntado se a liberdade de imprensa tinha acabado na Venezuela, Garcia, que passou os últimos dias no país vizinho e se encontrou com Chávez na segunda-feira, reagiu com ironia.

— Se acabou, deve ter sido depois que eu saí.

O que eu ouvi em programas de TV sendo dito sobre o presidente da Venezuela não está no gibi, como se dizia antigamente. Então eu não seria categórico a esse respeito — disse Garcia.

O assessor de Lula evitou se manifestar sobre a ofensiva do governo venezuelano para fechar emissoras de rádio e TV que fazem oposição ao governo.

— Eu desconheço os aspectos jurídicos, as iniciativas que foram tomadas. Seria muito precipitado da minha parte, sem o conhecimento da lei de concessões, que é diferente em cada país, emitir uma opinião sobre isso — desconversou.

Por sua vez, a Assembleia Nacional da Venezuela decidiu ontem suspender a discussão sobre o projeto de lei sobre “delitos midiáticos”.

Semana passada, a deputada Rosario Pacheco, vice-presidente da Comissão de Meios do Congresso, não só antecipara o debate parlamentar como defendeu a realização de uma consulta popular sobre o projeto.

O deputado Juan José Molina, do partido opositor Podemos, assegurou que a decisão do chavismo de suspender a discussão prevista para ontem “parece ser uma estratégia para acalmar as críticas internas e externas”.

— Por enquanto o projeto não será tratado, é só o que sabemos — disse Molina.

O deputado opositor lembrou que os próprios chavistas anteciparam o debate, que finalmente foi cancelado.

O projeto prevê condenações de até quatro anos de prisão para quem cometer um delito midiático, sem criar regras claras

*Correspondente

Para Ricupero, País foi ''megalomaníaco''

João Paulo Charleaux
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

É um erro apresentar-se como alternativa aos EUA na região, diz embaixador

Ao irritar-se com a possível ampliação da presença militar americana na Colômbia, o governo brasileiro revelou "um desejo megalomaníaco de oferecer aos países da América do Sul um falso dilema: ou os EUA ou eu (Brasil)", disse ao Estado o diplomata Rubens Ricupero, que foi embaixador do Brasil em Washington e assessor de três presidentes brasileiros.

"Há duas áreas onde nós não poderíamos nos apresentar como alternativa aos EUA. Uma é a economia. Outra, a defesa", disse. "O Brasil compra muito pouco dos países vizinhos e tem saldos comerciais muito grandes na região. Já os EUA, compram muito. Hoje, não somos capazes de substituir a importância que os americanos têm na economia latino-americana."

Segundo ele, o mesmo acontece na área militar. "Eu desejo que o Brasil seja grande e lidere, mas a realidade é que nós não podemos, por exemplo, dar o apoio militar que os EUA dão atualmente à Colômbia. Isto é irreal", disse.

Ricupero acredita que a ampliação do acordo militar com os EUA é "uma questão de sobrevivência interna para a Colômbia", que há 40 anos enfrenta uma guerra civil com grupos guerrilheiros locais de esquerda e de direita.

Apesar de considerar a reação brasileira "extemporânea", Ricupero disse que o presidente colombiano, Álvaro Uribe, também errou ao não expor antes seus projetos aos países da região.

"A visita que ele está fazendo agora aos países da Unasul deveria ter sido feita muito antes. Não porque ele seja obrigado - a Colômbia é soberana -, mas porque evitaria todo o problema que estamos vendo agora."

O embaixador também lembrou que o Equador não foi forçado a explicar a cessão da base militar de Manta, usada pelos EUA no passado.

Apesar do debate público sobre o acordo entre Washington e Bogotá, o embaixador Rubens Barbosa, que comandou as embaixadas em Londres e Washington, entre 1994 e 2004, e hoje é consultor, acredita que a reação dos países da região já era esperada e "as consultas mútuas estão ocorrendo dentro da normalidade".

"Se você olha de perto, não há novidade. Os americanos estão há anos na Colômbia. Eles têm presença em todas as regiões do mundo. Como perderam uma base no Equador, simplesmente buscaram compensar isto na Colômbia", disse. "O que mudou, além da proposta de um aumento de contingente, é a pressão que Hugo Chávez exerce na região e as acusações mútuas entre Caracas e Bogotá."

Uribe acusa o governo venezuelano de ter entregado armas às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). A Venezuela, por sua vez, fechou acordos militares com os russos e se aproximou do Irã. "Ninguém protestou quando Chávez insinuou que a Rússia poderia instalar bases militares na Venezuela. Por que o Brasil não pediu explicações nesse caso?", questionou Barbosa.

"Hasta cuando"

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Não tenho dúvidas sobre Hugo Chávez. Ele tem espírito totalitário, não tem qualquer respeito pelas instituições democráticas e está desmontando, uma por uma, todas as bases de um regime de liberdade na Venezuela. A minha dúvida é em relação ao Palácio do Planalto e ao Itamaraty: até quando eles defenderão Chávez? Até quando eles dirão que os crimes de Chávez são coisas “deste tamanhinho”.

O fechamento de emissoras de rádio e televisão, as ameaças físicas e administrativas contra jornais e jornalistas, e a nova lei de “delitos midiáticos” são provas mais do que suficientes do caráter perigosamente ditatorial do governo de Hugo Chávez. Mas nos seus onze anos de poder ele já fez muito mais. Mudou a Constituição várias vezes; governa por decretos; reformou a Justiça para controlá-la; confisca as empresas que lhe convém pelos motivos que inventa; formou uma milícia maior do que as Forças Armadas e com esta força particular ameaça seus adversários.

A lei de delitos midiáticos, que será examinada por um Congresso domesticado por Chávez, é uma ameaça a todos.

Basta ler o projeto. O texto fala em “informação oportuna, veraz e imparcial”; diz que não estão submetidos a ela apenas os jornalistas, mas também “os conferencistas, os artistas ou qualquer pessoa que se expresse através de qualquer meio”. Diz que são delitos passíveis de prisão as “ações ou omissões que atentem contra a paz social, segurança, independência da nação, ordem pública, estabilidade das instituições, a saúde mental e moral pública, que gerem sensação de impunidade ou de insegurança”.

Pune também com prisão quem “manipule ou tergiverse a notícia, gerando falsa percepção dos fatos”. A lei, ambígua e imprecisa, não engana quem já viveu uma ditadura: é uma forma de tornar crime qualquer crítica ao governo, qualquer notícia que o desagrade.

É uma intimidação a todos. Como diz o jornalista venezuelano Teodoro Petkoff em editorial no seu combativo e miúdo “Tal Cual”: é uma revogação da Constituição.

Chávez só respeita as eleições que ganha. Em 2007, fez plebiscito em que pedia aprovação para várias mudanças.

Como perdeu a consulta, implantou na marra todas as mudanças que queria. Quando perdeu eleições em Caracas recentemente, retirou poderes da prefeitura e tomou órgãos do município.

Financiar, armar e dar passe livre para terroristas que atuam em outro país é crime.

O governo de Chávez faz isso com a Colômbia, mas o chanceler Celso Amorim disse, na entrevista que concedeu a Eliane Cantanhêde, da “Folha de S.Paulo”, que o episódio das armas suecas vendidas à Venezuela e encontradas com as Farc é uma coisa “deste tamanhinho”. As Farcs sequestram inocentes e os mantêm em situações desumanas, como é impossível ignorar, diante do relato já feito pelos que são libertados.

Um governo apoiar um grupo armado que em outro país sequestra e tortura é, para o governo brasileiro, uma coisa menor.

A tradição diplomática brasileira nunca foi de ter dois pesos e duas medidas quando se trata da relação com vizinhos. Agora tem. A Colômbia é tratada com a severidade necessária quando não informa a natureza do acordo que faz para as bases americanas na região.

Mas qualquer ação de Chávez é tratada com displicência conivente.

Chávez já interfere abertamente na política interna de países da região e montou uma rede de governos comandados de Caracas aos quais fornece dinheiro e a tecnologia de solapar bases democráticas de suas sociedades.

Rafael Correa é um desses aprendizes de feiticeiro que disse que o governo vai tomar “várias” emissoras de rádio e televisão.

A Globovisión já enfrentava, quando eu a visitei, em Caracas, há seis anos, o mesmo tipo de ameaça que sofre hoje. Já havia sido vitima de um ataque de chavistas com bombas e granadas em suas instalações. Uma das TVs estatais, a VTV, que também visitei, já era, naquele tempo, um cabide de militantes, onde não se fazia nada parecido com jornalismo. De lá para cá, Chávez escalou e não há dúvida de que ele quer fechar a Globovisión, que vive sendo encurralada por todos os múltiplos braços do estado totalitário que ele montou.

O Brasil não pode interferir em assuntos internos da Venezuela, por suposto. Mas deve defender princípios e valores democráticos que estão sendo ameaçados na região, pode condenar a interferência de Chávez em assuntos internos de outros países, deve reagir com firmeza à denúncia das armas da Suécia.

Pode e deve avaliar melhor o tamanho dos crimes cometidos por Hugo Chávez.

A economia não passa incólume por esse turbilhão. A Venezuela vem sofrendo um perigoso esvaziamento econômico como consequência dos sucessivos ataques de Chávez a empresas. A inflação é a maior da região, uma das maiores do mundo.

Prova de que a violência política não traz ganho econômico, pelo contrário, os investidores precisam de estabilidade das regras.

Não tenho dúvidas de que a Venezuela terá sequelas durante uma geração pela violência que sofre agora. A minha dúvida é em relação ao governo brasileiro. Ele não vê tudo isso, ou concorda com esses métodos e propósitos?

Com Alvaro Gribel

Garcia faz papel de porta-voz de Chávez

Denise Chrispim Marin, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em reunião com general, assessor relata versão de venezuelano sobre armas

Embora responda como assessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Marco Aurélio Garcia reservou parte do seu encontro com o general Jim Jones, assessor de Segurança Nacional da Casa Branca, para desempenhar o papel de porta-voz do governo de Hugo Chávez, da Venezuela.

Garcia apresentou a Jones os argumentos que ouviu de Chávez, anteontem, sobre o episódio do desvio de armas do Exército venezuelano para as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Bogotá disse ter encontrado armas suecas vendidas à Venezuela com as Farc e, em resposta, Caracas congelou as relações diplomáticas com a Colômbia.

Segundo o assessor, Chávez deve convocar hoje uma entrevista para defender que as armas seriam foguetes antitanques e, portanto, não adequadas às ações da guerrilha. O líder venezuelano deverá sustentar que a cooperação de seu governo com o da Colômbia é constante, citando nomes de rebeldes colombianos presos pela Venezuela. Essas informações foram adiantadas por Garcia ao general americano.

"A nosso juízo, está na hora de uma ação mais diplomática e menos midiática", afirmou o assessor, que advertiu Jones sobre o fato de que a conexão entre os EUA e alguns países da América Latina ainda é "muito tênue" e precisa ganhar maior intensidade.

Ao relatar sua visita a Caracas, Garcia valeu-se de um tortuoso argumento para defender que não há restrições à liberdade de imprensa na Venezuela. "Se acabou (a liberdade de imprensa) deve ter sido depois que eu saí. Porque o que eu ouvi ser dito em programas de televisão do presidente da Venezuela não está no gibi, como se dizia antigamente", afirmou, ao ser questionado sobre o ataque de aliados de Chávez ao canal opositor Globovisión. Mas ele foi mais cauteloso sobre o projeto de lei que previa prisão para quem cometesse "delitos midiáticos": "Desconheço os aspectos jurídicos. Seria precipitado dizer algo sem saber como funciona a lei."

Brasil cobra assessor de Obama sobre bases

Letícia Sander
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Jim Jones admite que assunto foi "mal encaminhado" e diz que instalações servirão só para fins humanitários e combate ao tráfico

Americano, que se reuniu com Jobim e Garcia, não dá sinais, porém, de que país vá recuar da ideia de ampliar presença militar na Colômbia

Em visita ao Brasil, o assessor de Segurança Nacional do presidente dos EUA, Barack Obama, general Jim Jones, ouviu ontem do governo brasileiro que a presença americana em bases na Colômbia soa como um "resquício da Guerra Fria", nem um pouco benéfico à relação dos EUA com os demais países da região.

Jones, segundo a Folha apurou, não deu sinais de que poderá haver recuo no acordo com a Colômbia, mas reconheceu que o assunto foi "mal encaminhado" e que faltaram esclarecimentos prévios que pudessem dissipar dúvidas sobre a natureza e o alcance das bases, alvos de polêmica na região desde que negociações neste sentido foram anunciadas, no mês passado.

A visita de Jones já estava acertada previamente, mas, devido ao mal-estar diplomático, a questão das bases ganhou relevo nas discussões. O americano tratou do tema tanto com o ministro Nelson Jobim (Defesa) quanto com o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia. Hoje, o tema deve voltar à pauta em reunião de Jones com o chanceler Celso Amorim.

Ao longo do dia de ontem, Jones também se reuniu com os ministros Edison Lobão (Minas e Energia) e Dilma Rousseff (Casa Civil) para falar sobre energia.Segundo Garcia, o americano circunscreveu o objetivo das bases a ações de caráter humanitário e de combate ao narcotráfico. Ele também disse que não haveria aumento no contingente militar americano, e que as bases ficariam sob controle da Colômbia.

"Mas, como vocês sabem, cachorro que foi mordido por cobra tem medo até de linguiça", disse o assessor de Lula em entrevista, ao comentar as explicações ouvidas.

Garcia negou que o acordo americano com a Colômbia represente uma ameaça à soberania do Brasil, mas acrescentou: "Não me parece que perto da fronteira de uma região como a Amazônia, que muitas vezes é objeto de cobiça internacional, seja positivo o estabelecimento de bases cujo alcance e cujos objetivos não estão para nós ainda muito claros".

Apesar do tom de cobrança, o assessor de Lula deixou claro que não há interesse em estabelecer um "foco de tensão" em relação à questão. Ele elogiou o périplo do presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, à região -ele estará em Brasília amanhã, depois de passar ontem pelo Peru e ter visitas marcadas para hoje a Argentina, Chile e Paraguai. Disse que na conversa com Uribe, o governo brasileiro tentará dissuadi-lo de não ir à reunião da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) na próxima segunda em Quito, em que a questão das bases será tratada.

"O Uribe teve sensibilidade para se dar conta de que o clima na região não está bom. É um gesto de humildade, positivo, que demonstra que ele se deu conta de que as coisas não foram bem comunicadas e fará isso", afirmou Garcia.

No primeiro dia de compromissos oficiais no Brasil, Jones disse que o tema das bases não interferirá no "progresso" da amizade e cooperação entre EUA e Brasil em relação a questões de interesse comum na área de segurança.

Além da questão das bases, Jones ainda ouviu de Garcia uma cobrança por maior firmeza em relação a Honduras.

Venezuela

O assessor de Lula, que retornou ontem de viagem à Venezuela, ironizou a capacidade dos lança-foguetes apreendidos com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e que foram de propriedade do Exército venezuelano -"são armas antitanques, não anti-helicópteros, e que eu saiba os tanques não estão combatendo ainda na selva colombiana". Também disse que Chávez apresentaria hoje lista extensa de guerrilheiros presos pelo Exército venezuelano e entregues à Colômbia.

Elba Ramalho e Geraldo Azevedo - Frisson

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