segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Independência e Cidadania

Editorial
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

A pátria, a “família amplificada”, na expressão de Rui Barbosa, seria a mãe gentil que descortina a liberdade no horizonte dos filhos – pelo menos é assim na letra do hino que celebra a Independência do Brasil. Mas na passagem de mais um Sete de Setembro, vale questionar se a brava gente brasileira de fato vê distante o tal “temor servil”. A letra de Evaristo da Veiga, escrita, segundo consta, no mesmo dia da famosa declaração de dom Pedro I às margens do Ipiranga, traz como refrão a escolha, então já resolvida, no grito: “Ou ficar a pátria livre/ Ou morrer pelo Brasil”. Passados 187 anos de independência formal, a liberdade forjada na rebeldia de um filho, herdeiro da corte, à época um príncipe com 24 anos incompletos, não foi distribuída a todo o povo. Evocá-la permanece um dever para os que se debruçam sobre a inconclusa tarefa de libertação. A rigor, na transformação dos súditos da monarquia independente, liberta de Portugal, em cidadãos da República, proclamada mais tarde, em 1889, o lema libertário também foi mais um conceito – como em propaganda – do que ideal disseminado pelo desejo ou pela luta.

Se a liberdade se mostra no horizonte que se estende diante da pátria – e portanto diante de todos e de cada um – qual o horizonte permitido a milhões de brasileiros hoje? A persistência de um modelo econômico excludente, abençoado por séculos de governos patrimonialistas, resultou numa das sociedades mais desiguais do planeta. Infelizmente, como é no terreno da desigualdade que brotam as falácias do populismo e do assistencialismo, em diversas ocasiões temos andado para trás, em vez de avançar coletivamente.

Enquanto o quadro desigual perdura, são poucas as razões para comemorações no Sete de Setembro. A educação continua um privilégio, ou pior, uma exceção: as crianças não gostam de ir à escola e os pais não fazem questão, não cobram ensino de qualidade. A escola virou, quando muito, lugar de merenda, para a maioria das crianças. A lição ansiada, sem metáfora, é um prato de comida. A assistência à saúde é dramática na rede pública, e não menos problemática para a classe média, que dispõe dos convênios e da rede privada. Nos surtos de doenças, em crises epidêmicas, o sistema de atendimento vai à beira do colapso, generalizando o terror. Em relação à segurança, quantos cidadãos teriam coragem de dizer que se sentem livres para ir e vir, mesmo nos limites de uma fração da generosa extensão do território nacional? Sair de casa sem medo e voltar sem susto constitui reivindicação antiga da população.

Educação, saúde e segurança são direitos consagrados na Constituição, que fundamentam a liberdade, alicerçam a cidadania e que estão presentes, ao longo da história dos povos, no imaginário da independência. Por tradição, comemoramos a data nacional, como se dá nos Estados Unidos e na França, nos dias 4 e 14 de julho, respectivamente. Mas no Brasil a cidadania pode brindar a independência?

Com 40 milhões de indivíduos encapsulados por um programa governamental de assistência financeira cuja controversa eficácia põe em xeque o próprio significado da liberdade, a “pátria mãe gentil’ parece ceder lugar ao “pai governo”, que não alarga, pelo contrário, faz o horizonte dos beneficiados se estreitar. Acumulam-se as evidências de que se trata apenas de novo símbolo de dependência: o Bolsa Família reafirma essa liberdade viciada, inaugurada pelas capitanias hereditárias. O eco do grito estilizado do príncipe regente, a cavalo, espada em punho, pode não ser a melhor inspiração para a busca de um Brasil mais justo. Mas no País dos contrastes, continua necessária, a ponto de se fazer urgente, alguma forma de rebeldia: desde o antigo paraíso colonial, a aquarela desbota a olhos vistos, e a identidade que se liga à liberdade é menos uma conquista histórica a ser lembrada, do que o sonho de uma nação longe de estar pronta.

Dia da Pátria - O Grito de 2009

DEU EM O GLOBO
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Reforma eleitoral e realinhamento político

Alfredo Sirkis
DEU NO JORNAL DO BRASIL


RIO - Os recentes e recorrentes escândalos, as mazelas cotidianamente expostas da política brasileira têm raiz no nosso sistema eleitoral de voto proporcional, personalizado e que apelidei de “voto jabuticaba”, lembrando aquela velha frase de Tancredo Neves: “Só existe no Brasil e não é jabuticaba, então não presta!”. Não que inexista – longe disso! – corrupção no sistema majoritário distrital anglo-saxão, no proporcional por lista partidária da Espanha e Portugal ou no voto distrital misto alemão. Os escândalos na Câmara dos Comuns britânica, os recentes envolvendo o setor imobiliário espanhol ou aquele famoso, dos anos 90, de financiamento eleitoral envolvendo um estadista do calibre de Helmut Kohl, na Alemanha, atestam isso. Mas sua escala e grau de entropia sobre a vida nacional são sensivelmente menores comparados à catástrofe que temos aqui: todo um sistema de poder fundamentado na noção de que a política é uma carreira individual, que cada político é uma entidade em si mesmo. Os partidos são meras legendas de abrigo de operadores com redutos individuais cujo somatório – e não a identificação do eleitorado com programas ou propósitos – confere aos partidos maior ou menor “espaço”. Já “espaço” é tudo aquilo que serve à reeleição: cargos comissionados, controle sobre contratos e serviços públicos, corrupção para manter centros assistenciais com clientelas eleitorais cativas e, até, compra direta e descarada de voto.
Esse sistema fabricará incessantemente os Jaderes, Renans, ACMs e Sarneys da vida cuja estigmatização individual não produzirá, por si só, nenhuma mudança sistêmica.

Mudar essa lógica e adotar um sistema de voto distrital misto ou proporcional por lista poderia, eventualmente, propiciar uma vida política mais programática, um serviço público menos clientelista e uma governabilidade mais estável. Uma eventual maioria parlamentar não teria mais que ser obtida pela “negociação” individual com um baixo clero parlamentar.

As campanhas tornar-se-iam tremendamente mais baratas, os partidos representariam alguma coisa mais que meros grupamentos de pessoas se acotovelando atrás de voto. O debate político poderia girar mais em torno de problemas e soluções. Outras mazelas surgiriam. É previsível, por exemplo, que haja corrupção, favoritismo ou nepotismo, internamente aos partidos, em torno da confecção das listas eleitorais durante convenções.

Mas tais práticas deixariam os partidos responsáveis muito mais expostos à pronta punição coletiva pelo voto. Não me iludo. Não haverá tão cedo mudança no sistema eleitoral porque os atuais deputados parlamentares não desejam alterar o sistema pelo qual foram eleitos e porque certos formadores de opinião, equivocadamente, consideram sistemas adotados por democracias mais adiantadas, como o voto proporcional por lista ou o ditrital misto, sinônimos de “tungar” o eleitor do direito de votar no “seu” candidato individual – na maioria das vezes nosso bom e velho provedor de assistencialismo.

O voto proporcional “jabuticaba” produziu esse quadro de alianças anômalo de dois partidos com propostas de governo na realidade não muito diferentes, o PSDB e o PT, que, fortemente polarizados, buscam no mundo do atraso e do clientelismo suas alianças de governo e delas resultam prisioneiros. Essas duas vertentes da social-democracia, à brasileira, contribuíram para uma melhoria do quadro econômico e social, nos últimos 15 anos, mas atingiram o limite de seu paradigma comum no que diz respeito a duas questões fundamentais: a sustentabilidade ecológica-econômica e a sustentabilidade institucional. No momento que boa parte do mundo se sensibiliza pela urgência de alterar profundamente seu modelo de desenvolvimento, adotar padrões de redução drástica de emissões de carbono, investir em energias limpas, preservar a biodiversidade e encará-la como um grande potencial econômico, rediscutir mobilidade, urbanismo, reciclagem; aqui vivemos ainda a hegemonia de um desenvolvimentismo dos anos 60, predador de recursos naturais, fomentador de desperdícios e destruidor de ecossistemas. O lucro imediato dita caminhos que a médio prazo levam a grandes impasses e tremendos prejuízos coletivos.

A proposta verde busca um futuro compromisso histórico capaz de, mais adiante, ajudar a aproximar essas duas vertentes da social-democracia, hoje polarizadas, separá-las de sua dependência ao atraso e propor-lhes uma nova agenda por uma sociedade ecológica, social e institucionalmente sustentável. Para que isso seja possível todo um corpo de novas ideias precisa ser exposto e oferecido como alternativa política no debate da campanha presidencial. Além de uma economia verde, um novo modelo de desenvolvimento sustentável, defendemos um novo modelo político-eleitoral lançando as bases sistêmicas para uma vida política menos corrupta, clientelista e assistencialista, um serviço público “lipoaspirado” de empreguismo, cargos comissionados de provimento eleitoreiro.

Buscaremos uma aliança de governo, programática, assentada num realinhamento histórico das duas vertentes hoje rivais da social-democracia sob uma égide verde de sustentabilidade ambiental, social e política. Essa é uma das ambiciosas motivações para a eventual candidatura de Marina Silva à Presidência.

* Alfredo Sirkis é vereador do Rio de Janeiro e presidente do Partido Verde-RJ.

Memórias de Heliópolis

Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Vivo em Brasília há mais de uma década por dever de ofício, mas passei parte considerável de minha infância e adolescência no ABC, em São Caetano do Sul, o "C" da região do ABC.

Nos anos 70, a diversão dos meninos sem opção de lazer nas poluídas tardes sulsancaetanenses era subir até o "barrocão", o morro separando São Caetano de São Paulo. Só existia um edifício, o hospital Heliópolis. Em volta, vários campos de futebol de terra. Era chegar e jogar.

O ambiente bucólico oferecia também uma mina de água. Os anos foram passando. Os campos, rareando. Chegaram os barracos. Depois, as horrendas microcasas populares construídas por Jânio Quadros. E alguns prédios malfeitos, como pombais, edificados sobre os antigos campinhos. Hoje, Heliópolis é a maior favela de São Paulo. Na apuração de Laura Capriglione, ontem na Folha, pode ter até 125 mil habitantes. Dá a impressão, errada, de estar ali há um século. Há 35 anos quase não existia. Como toda favela, floresceu no vácuo da ausência do Estado.

Uma garota de 17 anos morreu baleada em Heliópolis num tiroteio envolvendo policiais de São Caetano. A população reagiu. Incendiou carros. Alguns enxergaram nos atos o dedo de traficantes.

É raro no Brasil haver manifestações coletivas iradas. Quando os protagonistas são de baixa renda, logo alguém atribui o fato ao crime organizado. Como se pobre não soubesse reclamar sozinho. Muitos, certamente a maioria dos moradores de Heliópolis revoltados, eram só cidadãos de bem incomodados com o descaso do Estado. Protestos violentos são sempre condenáveis.
Manifestações de repúdio podem ser pacíficas e vigorosas ao mesmo tempo. Os campinhos de terra não voltam mais na divisa entre São Paulo e São Caetano, mas o Brasil ficará melhor quando mais brasileiros se indignarem como os de Heliópolis.

Geisel e Lula

Carlos Alberto Sardenberg
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Não foi por acaso que parte da esquerda brasileira se encantou com a política econômica do presidente Ernesto Geisel, na década de 70. O general, que trazia uma bronca dos americanos, a qual caía muito bem para o figurino, tinha uma visão de economia muito ao gosto do que se chamou de ala desenvolvimentista da América Latina: o Estado comanda as atividades econômicas, investindo, financiando, subsidiando, autorizando (ou vetando) os negócios e a atuação de empresas, determinando ainda quais setores devem ser estimulados. Mais ainda: com a força das estatais e seus monopólios, o governo organizava empresas para atuar em determinadas áreas.

O presidente Geisel, como se vê, tinha mais poderes do que o presidente Lula. Todos os setores importantes da economia estavam nas mãos de estatais, de modo que o controle era mais direto. Além disso, havia o AI-5, instrumento de poder absoluto. Quando o presidente dizia a um empresário ou banqueiro o que deveria fazer, a proposta, digamos assim, tinha uma força extra.

Lula, mesmo com menos poderes, tenta fazer do mesmo modo. Geisel era o dono da Vale. Lula não é, mas pressiona os atuais controladores da mineradora para que ajam deste ou daquele modo.

Geisel montou empresas, como as famosas companhias da área petroquímica, tripartites, constituídas por uma companhia estrangeira, uma nacional privada e uma estatal, na base do um terço cada. Aliás, convém notar: não faltaram multinacionais interessadas. O capital não se move por ideologia, mas por... dinheiro. Devia ser um bom negócio entrar num país sem competição e com apoio do governo local.

Do mesmo modo, as multinacionais do petróleo vão topar (ou não) o novo modelo de exploração do pré-sal não por motivos políticos, mas pela possibilidade de ganhar (ou não) dinheiro. E pela segurança do negócio.

De certo modo, o ambiente todo era mais seguro no tempo de Geisel. Não havia como se opor às determinações do presidente. Fechado o negócio com o seu governo, estava fechado. Com o Legislativo, o Judiciário, partidos e imprensa manietados, como se opor ou mesmo discutir?

Hoje, o presidente Lula tem as limitações de um regime democrático, além de seu poder econômico ter sido muito reduzido depois das privatizações e da rearrumação da ordem econômica. Ainda assim, tem instrumentos poderosos, como o BNDES, e a possibilidade de manipular a carga tributária, aumentando e reduzindo conforme seu interesse neste ou naquele setor.

Ora, o financiamento do BNDES, por ser subsidiado pelo contribuinte brasileiro, é o mais vantajoso da praça. Num país de carga tributária tão elevada, qualquer redução dá uma vantagem enorme ao setor beneficiado. Assim, em vez de se concentrar em seu negócio, pode ser mais útil para o empresário fazer o lobby em Brasília.

De certo modo, Lula até organizou essa ida a Brasília, ao pôr representantes dos empresários no Conselhão (o Conselho de Desenvolvimento) e em diversos comitês, como este mais recente, de avaliação da crise.

Geisel fortaleceu a Petrobrás, da qual, aliás, havia sido presidente. Verdade que a esquerda não gostou dos tais contratos de risco de exploração de petróleo, criados pelo presidente numa tentativa de atrair mais capitais. Mas não funcionou. O que funcionou foi a enorme expansão da Petrobrás, que então já era dona exclusiva do monopólio do petróleo.

Geisel levou-a à petroquímica, ao comércio externo e ao varejo dos postos de gasolina. Com privilégios. Geisel reservou para a estatal a instalação de postos de gasolina em determinadas estradas e áreas.

O presidente Lula trata de devolver à Petrobrás privilégios que perdeu com a Lei do Petróleo de 1997.

Outra coisa comum aos dois governos é o apreço por obras grandiosas. Não é por acaso que Lula tenta retomar alguns programas de Geisel, como as usinas nucleares.

Mas há aí uma grande diferença. Geisel fazia, punha os projetos na rua, como a Ferrovia do Aço, o programa nuclear (feito com os alemães, para bronca dos americanos) e tantos outros. Mais fácil, claro: não tinha licença ambiental, não tinha Ministério Público, nem sindicatos, nem juízes para parar obras na base de liminares.

Hoje, Lula tenta driblar esses "estorvos", mas vai tudo mais devagar.

E - quer saber? - pode até ser bom para o País. O estrago será menor. Porque, esse é o resultado geral, o governo Geisel deixou uma ampla coleção de cemitérios fiscais e empresariais. Enquanto o Brasil conseguiu financiamento externo - com os bancos internacionais passando para os países em desenvolvimento os petrodólares, a juros baratos -, o modelo ficou de pé.

Com a crise mundial dos anos 70 - com inflação e recessão, consequência da alta dos preços do petróleo, de alimentos e, em seguida, do choque de juros - a fonte secou e o Brasil quebrou.

Resultaram estatais tão grandes quanto ineficientes. Lembram-se das teles? Havia a Telebrás e uma estatal federal em cada Estado. E uma linha fixa de telefone, em São Paulo, custava US$ 5 mil.

Resultaram também empresas mistas e privadas absolutamente ineficientes, as produtoras das carroças, que só vendiam alguma coisa aqui dentro porque era proibido importar. De computadores e carros a macarrão. Só quando o comércio externo começou a ser aberto, no governo Collor, a gente soube o que era um verdadeiro espaguete.

Não foi por azar que tivemos uma década perdida, com inflação descontrolada, contas públicas falidas, dívida externa não financiável e empresas incapazes, que só existiam à sombra do dinheiro e da proteção do Estado. Ou seja, com o dinheiro do contribuinte.

Convém pensar nisso quando Lula, por exemplo, força o Banco do Brasil a ampliar o crédito e reduzir os juros na marra ou quando leva o BNDES a financiar cada vez mais bilhões. Os bancos públicos já quebraram mais de uma vez. O Brasil também.

*Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

Até Maluf defende e declara apoio a ex-ministro

Vera Rosa, BRASÍLIA
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O PT ainda não bateu o martelo sobre o candidato ao governo de São Paulo, mas já tem apoio fora de casa garantido se quem estiver no páreo for o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci.
"Eu hoje me sinto comunista", ironiza o deputado Paulo Maluf (PP-SP), que num passado não muito distante era inimigo dos petistas.

"Estou à esquerda do PT e apoio Palocci, um homem injustiçado pela mídia." Alvo de vários processos e denúncias de corrupção, Maluf diz que a imprensa precisa "aprender" que Justiça não é só para condenar. "É também para inocentar e Palocci foi inocentado. Não interessa se por 5 a 4, 6 a 3 ou 9 a 0. O que interessa é que ele foi absolvido." O deputado não acredita que o ex-ministro tenha mandado quebrar o sigilo do caseiro Francenildo Costa e diz estar disposto a conversar com o PT para fechar uma coligação em São Paulo.

"Não há mais problema ideológico", constata Maluf, ao explicar por que se sente um "comunista".
"O PT defendeu com tal voracidade os bancos e os juros altos que, perto dos petistas, todo mundo afirma que estou à esquerda." Em feijoada que ofereceu a amigos para comemorar seus 78 anos, na quarta-feira, Maluf disse que Palocci precisa ser elogiado porque conseguiu "mudar" o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Lula ia ser o Fidel Castro do Brasil, mas nos surpreendeu.
Ele mudou, graças a Deus", insistiu o "anarquista" Maluf.

Entre os comensais, políticos do PT.

Sem consenso, Senado vota censura à internet

Adriana Vasconcelos
DEU EM O GLOBO

BRASÍLIA. O Senado vai tentar concluir amanhã a votação da reforma eleitoral. Um dos relatores da proposta, o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), reafirmou ontem a disposição de alterar o texto votado na semana passada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) que restringe a cobertura jornalística de campanhas eleitorais na internet. Ele quer deixar claro que apenas debates promovidos na rede ficarão sujeitos às regras hoje impostas às emissoras de rádio e TV. A mudança para acabar com a censura na internet, porém, ainda não tem consenso. O líder do DEM, José Agripino (RN), por exemplo, é contra a alteração do texto.

- Acho que essa censura tem de ser mantida, até porque, no mundo dos blogs, há muita gente sendo financiada por governadores, presidentes de assembleias. É um perigo. Se não coibirmos, essas pessoa vão influenciar o resultado das eleições - justificou Agripino.

Azeredo ainda não fechou o texto que apresentará em plenário, mas disse que as mudanças foram negociadas com colegas e deputados, já que o projeto voltará à Câmara.

- Minha intenção é fazer uma emenda indicando que o artigo só seria aplicado em caso de debates. Isso livraria blogs, charges, sites de relacionamento e artigos assinados de qualquer restrição - disse Azeredo.

Álvaro Dias (PSDB-PR) apresentou emenda de plenário eliminando as restrições.

Eu quero é sossego

Violão: Zé Paulo Becker; Bandolin: Luiz Barcelos; Bateria: Carlos Cesar; Violão: Caio Márcio
Gravado no Bar Semente (Lapa/RJ)
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O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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''O patrimonialismo tem de acabar''

Sonia Racy
Direto da Fonte
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Para Eduardo Giannetti da Fonseca, os governantes precisam parar de ver o poder como um bem para seu uso particular

No Dia da Independência, o Brasil tem o que comemorar? Segundo Eduardo Giannetti da Fonseca, sim. "No quadro da América Latina, o Brasil se diferencia para melhor". Enfurnado por 40 dias em Minas para acabar seu próximo livro - sobre o cérebro humano -, o economista vê na atual onda de crises do País uma antecipação da luta sucessória "e do natural desaquecimento de um governo e m fim de mandato". E o caso Sarney? "Existe um modo de fazer política chamado patrimonialismo, no qual o governante acha que é o dono do poder. Isso tem de acabar".

Giannetti é um otimista. Acha que "o melhor do Brasil está por vir" - numa comparação, por exemplo, com a Inglaterra, cuja glória maior acredita estar no passado, com os Shakespeare, Darwin ou Newton. Mas faz uma advertência: "Nenhum outro país foi país do futuro por tanto tempo." A seguir, trechos da entrevista:

O estado atual da política brasileira o preocupa? Sim. Gostaria de ver a política brasileira capaz de atrair gente de grande potencial de liderança, capacidade intelectual, mas não é o que acontece. Como professor, percebo um enorme interesse dos jovens pela política.. Mas a atual onda de crises é, de certo modo, uma antecipação do quadro sucessório e do natural desaquecimento de um governo em fim de mandato.

Esse problema começou lá atrás, com José Dirceu, depois Palocci... Mas agora a crise se instalou porque o PT se sentiu atropelado pelo PMDB, que o presidente Lula fez presidir o Congresso. Pois PSDB e DEM sozinhos não teriam poder para isso.

Essa deterioração pode levar a uma chavização, algo mais duro... No quadro da América Latina, o Brasil se diferencia para melhor. E Lula teve um comportamento impecável, diante da possibilidade de uma mudança na Constituição para viabilizar o terceiro mandato. O que poderia complicar seria mudar a regra no fim do jogo. Tudo indica que isso não vai acontecer.

Do que depende para acontecer? Vivemos num país onde a lei não é aplicada. No Japão eles se suicidam, na Inglaterra vão pra casa, aqui fica essa aura de impunidade... O brasileiro é pior que outros povos? Tem muita coisa aí. O que é preciso é não confundir a ordem constitucional, que é permanente, com o jogo político-partidário. Se essas duas coisas se misturam, o País entra numa encrenca séria. A ordem constitucional se tornar objeto de disputa circunstancial do jogo partidário, isso não pode, em nenhuma hipótese. Daí a importância de um Judiciário independente.

E o Judiciário funciona a contento? Acho que estamos muito melhor, nesse aspecto, do que vizinhos como Venezuela, Bolívia ou a própria Argentina. O Brasil hoje é internacionalmente percebido com um país bem ordenado, apesar da confusão do nosso jogo político.

Os povos precisam de regras, a natureza humana não é suficiente para criar um ambiente harmônico? Não é suficiente. Precisamos de regras, porque ninguém pode julgar em causa própria. Você não pode julgar, a cada vez, se vale a pena ou não mentir. Normas de convivência, aceitas por todos, devem estar acima de tudo. E com punições para quem as violar.

Muitos dizem que o brasileiro acha que lei é para os outros... Já estava no Noel Rosa a expressão "levar vantagem". Um matemático, von Neumann, o criador do computador, tem uma anedota ótima sobre a diferença entre o inglês, o alemão e o italiano. Pro inglês, tudo é permitido, exceto o que é proibido. Pro alemão, tudo é proibido, exceto o que é permitido. Para o latino, tudo o que é proibido é permitido.

É assim que funcionamos? Aqui temos mais dificuldades de assimilar o acordo sobre regras impessoais. Veja o nosso trânsito. Imagine se cada um julgar que sua urgência de chegar a algum lugar lhe dá o direito a transgredir certas normas. É o que você vê nas ruas. Ora, as normas são claras: não importa a pressa que você tenha, todo mundo vai ter que respeitar a lei, para o sistema funcionar.

No Senado, José Sarney age como se tivesse certos direitos porque está lá há 30 anos. E essa mentalidade é geral na casa. Esse é um modo de fazer política chamado patrimonialismo. Um sistema no qual o governante é o dono do poder e acha que pode usufruí-lo como bem entende. Isso tem de acabar. Nesse jogo, fica subjacente a ideia de que todos fazem o mesmo . Aí vem a tropa de choque do Sarney dizendo: "Se vocês forem até o fim vamos revelar o que sabemos..."

E até Fernando Gabeira, tido como dos mais éticos, admitiu que tinha avançado o sinal... E o PT, nisso tudo, montou uma máquina eleitoral inacreditável. São mais de 40 milhões de pessoas recebendo o Bolsa-Família. E agora criaram o complemento disso no Sudeste, que é o Minha Casa, Minha Vida. É clara a complementaridade desses dois programas, apresentados como quase uma propriedade de um grupo. Eu fico preocupado em ver o governo comemorando "mais 500 mil pessoas incorporadas ao Bolsa Família". Deviam é discutir por que mais de 40 milhões de brasileiros dependem de transferências de renda para manter um mínimo de dignidade.

Ainda assim, o brasileiro é mais feliz que outros povos? É difícil fazer comparações internacionais. O próprio termo "felicidade" é entendido de maneira diferente em cada lugar. Mas muitos viajantes já registraram aqui sua surpresa ao encontrar, numa população que vive precariamente, uma alegria de viver incrível.

Os brasileiros tivemos um período ditatorial e voltamos à democracia com pouquíssimo sangue. Há dois elementos que nos caracterizam no continente. Primeiro, a diferença entre o português e o espanhol - o português é mais sentimental, menos dramático. Outro elemento fundamental é a presença da cultura negra na nossa vida. Outro dia me dei conta de que os três maiores gênios universais da cultura brasileira vieram dela - Machado de Assis, Aleijadinho e Pelé.

Daqui a 20 anos, como você vê o País? Morei oito anos na Inglaterra. É um país onde o jovem, por mais que sonhe, não consegue conceber que as melhores coisas ainda estão por vir. Eles já tiveram, no passado, glórias como Shakespeare, o império, Darwin, Newton. O Brasil é exatamente o contrário. Aqui a gente tende a ver que o melhor ainda está por acontecer. O centro de gravidade do Brasil é o futuro.

Sempre dizem que somos o País do futuro. Sim, nenhum outro país foi país do futuro tanto tempo.

E como você vê o quadro eleitoral de 2010, com a entrada da Marina? Fiquei feliz com a disposição da Marina de entrar no páreo. É uma pessoa muito correta e vai trazer uma pauta ambiental muito importante. Mesmo que não tenha chances concretas de ganhar, ela valoriza a eleição ao entrar na disputa. Também acho que uma coisa boa que aconteceu, lá atrás, foi a maturidade com que foi feita a transição do FHC para o Lula. Torço muito para que isso permaneça. Para que, seja quem for o eleito, se mantenha a serenidade de uma transição compartilhada, cooperativa.

Colaboração
Doris Bicudo
Gabriel Manzano Filho
Pedro Venceslau
Marilia Neustein

O pré-sal e a nação

Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Ao criticar FHC, Lula errou porque deu a um problema que deve unir a nação um viés político-partidário

AO CRITICAR o governo Fernando Henrique Cardoso no lançamento dos projetos do marco regulatório do pré-sal, o presidente Lula errou porque deu a um problema que deve unir a nação um viés político-partidário. Errará também a oposição se adotar uma posição contrária ao cerne de um plano que é do maior interesse nacional.

Se a regulação do pré-sal continuar sob a legislação atual ou for malfeita, essa bênção da natureza pode se transformar em uma maldição, porque significará que não soubemos neutralizar a "doença holandesa" associada à abundância de petróleo. O governo compreendeu esse fato, e, nesses dois anos, realizou os estudos necessários para evitar esse mal. As três decisões que constituem o cerne de seu plano são a opção pelo sistema da partilha, a criação da Petro-Sal e a criação de um fundo soberano para receber os recursos da partilha.

Asseguradas essas três coisas, o Brasil terá a flexibilidade necessária para neutralizar a "doença holandesa" e promover o desenvolvimento nacional. A opção pelo mecanismo da partilha, em vez do das concessões, está correta porque os riscos das empresas serão pequenos, e porque esse mecanismo facilita à nação se assenhorear das "rendas" do petróleo (os ganhos decorrentes da maior produtividade dos recursos naturais), ficando para as empresas exploradoras os lucros -os ganhos que dão retorno ao investimento e à inovação. A legislação em vigor, de 1997, usou o mecanismo da concessão porque naquela época o risco era grande e o tema da "doença holandesa" não estava na agenda nacional.

Diante dos fatos novos, porém, não faz sentido apegar-se a ela.

O conservadorismo local, entretanto, está acusando os quatro projetos de "nacionalistas" e "estatizantes"? Quanto ao primeiro epíteto, não é acusação, é elogio. Os cidadãos dos países ricos são todos nacionalistas -tão nacionalistas que não precisam usar essa palavra para se distinguir uns dos outros. Por isso, seus ideólogos podem usar essa palavra de forma pejorativa procurando, assim, neutralizar o necessário nacionalismo econômico dos países em desenvolvimento. E o que dizer do epíteto de "estatizante" porque cria a Petro-Sal? Isso também não faz sentido. O Brasil já passou a fase em que o papel do Estado é o de realizar investimentos nas indústrias de base. O setor privado já tem suficiente capital para isso e é reconhecidamente mais eficiente e mais inovador do que o setor estatal em produzir nos setores competitivos da economia. A Petro-Sal será uma pequena empresa 100% estatal; não será operacional, mas proprietária das reservas. Através dela poderemos ter o sistema de partilha com alíquotas flexíveis dependendo do preço internacional do petróleo.

Mas não será o plano "eleitoreiro"? Será se o PSDB insistir em se opor a suas proposições básicas. Não é a posição do governador José Serra, mas poderá ser a de muitos representantes do partido, que, se criticarem o cerne do plano, estarão se identificando com os interesses das empresas petrolíferas internacionais. E, assim, fortalecerão eleitoralmente o candidato do governo. Há certos problemas que não permitem tergiversação. O Brasil já sofre os males da falta de neutralização da "doença holandesa" oriunda das exportações de ferro e de produtos agropecuários. Se também não souber evitar a sobreapreciação muito maior que será proveniente de um pré-sal mal regulado, o processo de desindustrialização em marcha se acelerará, e seu desenvolvimento econômico estará definitivamente prejudicado.

Luiz Carlos Bresser-Pereira , 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

Governo afrouxa controle sobre prefeituras e ONGs

Leila Suwwan
DEU EM O GLOBO

Em ano pré-eleitoral, o governo editou portaria que permite a prefeituras e ONGs assinarem contratos para receber verbas federais mesmo se estiverem inadimplentes. A medida possibilita aos ministérios prorrogar, sem limitações, o prazo para a prestação de contas. Primeiro a tirar proveito da flexibilização, o Ministério das Cidades prorrogou por mais 120 dias convênios pendurados desde o ano passado. O procurador da República Marinus Marsico, que atua junto ao Tribunal de Contas da União, criticou a medida: “A portaria vai tornar mais fácil a vida das ONGs e dos municípios e dificultar ainda mais a fiscalização. O controle dos convênios, que já é muito difícil, ficará quase impossível." O Ministério do Planejamento negou que vá afrouxar a fiscalização.

Verba mais fácil para prefeituras

Às vésperas das eleições, governo afrouxa exigência de prestação de contas e alega "melhoria de gestão"

Em ano pré-eleitoral, o governo federal abriu uma brecha para flexibilizar ainda mais a celebração de convênios e contratos para repasse de recursos a prefeituras e ONGs inadimplentes. Uma portaria editada há 12 dias permite que cada ministério prorrogue - pelo tempo que desejar, e sem limitação - o prazo para cumprimento das exigências de prestação de contas do uso de verbas federais. Na prática, a portaria permite às prefeituras assinar e divulgar atos e ainda manter as verbas reservadas no Orçamento da União. Caso contrário, os contratos com órgãos federais deveriam ser extintos, e os beneficiados não poderiam mais receber os repasses da União.

A portaria flexibilizou as regras editadas pelo próprio governo em 2008. A regulamentação dos convênios estabelece a necessidade de a prefeitura estar adimplente e apresentar plano de trabalho, licença ambiental e prova de regularidade fundiária. Mas, é permitido deixar todos esses itens para cumprimento posterior à assinatura dos contratos. Apenas as liberações financeiras ficam travadas, à espera do atendimento das exigências. Isso impede, por exemplo, o redirecionamento dos recursos federais para outras ações.

A mudança na regra foi editada por portaria interministerial, assinada pelos ministros Paulo Bernardo (Planejamento), Guido Mantega (Fazenda) e Jorge Hage (Controladoria Geral da União) e publicada no Diário Oficial da União de 26 de agosto. Permite que cada pasta prorrogue o prazo para cumprimento das exigências, com as devidas adequações no plano de trabalho. Não ficou claro que tipo de mudanças podem ser feitas. Em tese, até o local do projeto poderia mudar.

A situação de espera para cumprimento de exigências em um convênio não impede a prefeitura de assinar outros contratos com o governo federal. Antes mesmo dessa portaria, projetos do PAC e ações sociais já estavam excluídos da exigência de adimplência nas prestações de contas.

Medida é fruto de pressão política

O Ministério das Cidades foi o primeiro a tirar proveito da flexibilização e concedeu mais 120 dias para convênios pendurados desde o ano passado. Já garantiu a continuidade de projetos datados de 2008, que totalizam R$56,3 milhões - muitos deles financiados por emendas parlamentares. Apesar de se tratar de recursos públicos, o ministério mantém a lista das prefeituras ou bases eleitorais beneficiadas em sigilo. A assessoria alega que o objetivo é "evitar problemas políticos".

O governo sequer sabe o impacto potencial da medida, fruto de pressões políticas de prefeitos, parlamentares e ministros. No momento, o Sistema Nacional de Convênios (Siconv) não permite pesquisar quantos contratos estavam ameaçados de cancelamento por falta de prestação de contas.

Um dia depois de prorrogar os prazos, o ministro das Cidades, Márcio Fortes, comemorou o feito durante uma oficina de gestão pública em Bauru (SP), em 28 de agosto. Ele pediu aos prefeitos que já se preparem para o PAC 2.

- É importante que os prefeitos já comecem a preparar, junto com seus técnicos, novos projetos para que as obras evoluam ainda mais rápido - disse Fortes.

De acordo com dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), o Ministério das Cidades utilizou esse mesmo tipo de prorrogação antes da implantação das novas regras para convênios e repasses, em 2008. Em 2006, enquanto debatia a questão com o Tribunal de Contas da União (TCU), editou a portaria 202 para garantir a validade de mais de 1,7 mil contratos que deveriam ser suspensos por falta de cumprimento das condições estipuladas. Na época, isso abrangia mais de R$1 bilhão em recursos. Em 2007, a portaria 232 prorrogou os efeitos da primeira.

O PAC-Cidades também foi objeto desse tipo de flexibilização. Em junho deste ano, porém, a pasta avisou que não haverá mais prorrogações para os projetos de saneamento e habitação assinados entre janeiro de 2007 e junho de 2008, e que ainda estavam com prestações de contas pendentes.

O Ministério do Planejamento não informou que pastas pressionaram pela mudança nas regras. Citou apenas "diversas consultas". E negou que a medida pudesse afetar a fiscalização. "O governo decidiu dar mais flexibilidade aos ministérios para decidir quando aceitar o cumprimento das condições. Isso, no entanto, não significa redução no controle, apenas há uma melhoria na gestão dos diferentes casos", diz nota da assessoria.

De acordo com a Controladoria Geral da União (CGU), a iniciativa de mudança foi do Planejamento. "A CGU não recebeu diretamente as reivindicações dos ministérios com dificuldades em cumprir os prazos". A decisão dos prazos foi repassada às pastas devido às especificidades de cada setor.

Os convênios e repasses voluntários da União são uma antiga dor de cabeça do governo, e há resistências para a implantação de novas normas moralizadoras. Esse instrumento movimenta mais de R$40 bilhões por ano. Uma das principais falhas era a falta de checagem das prestações de contas, o que levou o governo a arquivar, em 2007, todos os processos dos contratos de menos de R$100 mil. Porém, a pilha de processos sem análise continua se acumulando na Esplanada.

No meio do caminho, crise e eleições

Cássia Almeida, Aguinaldo Novo e Ronaldo D"Ercole
DEU EM O GLOBO

Retração nos investimentos do setor industrial, que só devem crescer em 2011, representa entrave à recuperação da economia

A crise ficou para trás, e setores fortemente atingidos pela recessão mundial, como o siderúrgico, já aumentaram em mais de 50% sua produção este ano no Brasil. Num comportamento desigual entre os setores, a economia brasileira deve ter crescido perto de 2% de março a junho - o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) será divulgado na próxima sexta-feira. Economistas acreditam que a produção voltará aos níveis anteriores à crise já neste trimestre. Mas a maior preocupação, tanto da equipe econômica do governo quanto de analistas, é com os investimentos, que só devem se recuperar em 2011.

Julio Gomes de Almeida, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), estima em 10% a queda dos investimentos, retração que seria anulada em 2010:

- Mas ficaríamos empatados no mesmo patamar por dois anos. É como se tivéssemos nadado, nadado, para chegar ao mesmo lugar.

Mesmo aceitando a ideia de que o pior da crise global já passou, o setor industrial como um todo prevê lenta recuperação da produção e, por tabela, dos investimentos. Estima-se que o nível de utilização da capacidade instalada - abaixo de 80% desde dezembro - leve pelo menos mais um ano para voltar ao patamar pré-crise (entre 83% e 86%, dependendo do indicador). Só depois disso, afirmam os empresários, seria possível pensar em novos investimentos.

- A economia deixou de apresentar retração, mas o buraco aberto pela crise ainda não foi superado - diz o gerente de política econômica da Confederação Nacional da Indústria, Flávio Castelo Branco, que prevê queda de 9% para a taxa de Formação Bruta de Capital Fixo (investimento) neste ano.

Como a demanda caiu muito, a indústria está com capacidade ociosa - o que foi citado pelo Comitê de Política Monetária (Copom) ao manter, semana passada, a taxa de juros em 8,75%. Portanto, o setor não precisa ampliar seus investimentos. Além disso, as indústrias construíram novas fábricas, que começam a ficar prontas. Ou seja, mais capacidade de produção.

- E há a incerteza política com as eleições. A tendência é o empresário se retrair e esperar o quadro político se desenhar - diz Sergio Vale, economista da MB Associados.

Linha do BNDES pode ajudar indústria

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou semana passada que a economia teria crescido entre 1,8% e 2% no segundo trimestre. Na equipe econômica, essa euforia é compartilhada, mas há atenção especial para a retomada dos investimentos - que sustentaram mais de 24 meses de expansão do PIB, até o terceiro trimestre de 2008. A Formação Bruta de Capital Fixo, dizem técnicos, deverá reagir entre julho e setembro, na carona da redução de juros pelo BNDES.

O número será decisivo para que a economia cresça, em 2009, entre 0,7% e o 1% previsto no Orçamento da União. Se o patamar se confirmar, a economia "estará girando acima de 4,5% quando 2009 acabar", diz uma fonte.

Francisco Faria, economista da LCA Consultores, prevê um "Pibão" em 2010. A consultoria projeta expansão de 4,9%, otimismo repartido por outros analistas de mercado.

- Ano que vem será o ano do Pibão, mesmo com o comportamento desigual. O setor de máquinas e equipamentos só agora começa a sair do fundo do poço. Porém a construção civil tem reagido - diz Faria.

Incentivos fiscais, aumento do salário mínimo e do Bolsa Família farão o Brasil crescer 0,9% em 2009. Assim, a expectativa de Vale, da MB Associados, é de expansão de 0,2% este ano:

- Sem os incentivos, acreditamos que o PIB ficaria 0,7% menor este ano. A política anticíclica poderia ter sido feita com mais incentivos fiscais e investimentos públicos e não com gasto fixo, como o aumento do salário mínimo. Mas houve efeito claro na economia.

Esses incentivos, principalmente na construção civil, permitiram que a indústria carioca de sondas Maquesonda recuperasse suas vendas. Ainda assim, ela adiou para 2010 os investimentos previstos para este ano, de R$15 milhões. Já a Piraquê, voltada para o mercado interno, não sofreu com a crise: suas vendas aumentaram e ela está contratando.

- O setor de alimentos se beneficiou com a queda no preço das commodities. As pessoas deixaram de comprar eletrodomésticos e evitaram sair. Assim, sobrou recursos para comprar alimentos supérfluos, como biscoito recheado - diz o diretor Alexandre Colombo. - Vamos investir de R$15 milhões a R$20 milhões no biênio 2009/2010.

A produção industrial brasileira, que desabou 20% entre outubro e dezembro, recupera-se lentamente. Entre janeiro e junho, cresceu 7,9%, nem a metade da perda de 2008. Já em julho houve expansão de 2,2%, bem acima da média mensal do primeiro semestre, de 1,2%. Mas Leonardo Carvalho, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), espera queda em torno de 7% no ano.

Importante termômetro do ritmo dos investimentos na economia, o setor de máquinas e equipamentos (bens de capital) fechou os sete primeiros meses do ano com faturamento 24,3% menor que o do mesmo período de 2008, segundo a Abimaq, entidade que reúne os fabricantes. O setor aposta suas fichas na linha especial para a aquisição de bens de capital, criada pelo BNDES no fim de julho, para recuperar parte das perdas.

- Certamente essa linha vai promover uma antecipação de investimentos, porque é improvável que o governo vá prorrogá-la - diz o economista André Rebello, gerente do Departamento de Pesquisas da Fiesp.

Maior fabricante nacional de máquinas-ferramentas (tornos e centros de usinagem) e grande fornecedor de outros setores da indústria, a Romi, de Santa Bárbara D"Oeste (SP), viu as encomendas sumirem entre o fim de 2008 e o início deste ano. Mas os pedidos começaram a voltar em abril.

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e os projetos de estatais, principalmente a Petrobras, também têm alimentado a produção de alguns setores da indústria.

- As empresas que têm contratos de concessão, como as de energia elétrica ou as operadoras de rodovias, têm obrigações a cumprir e não podem atrasar as obras - diz Paulo Godoy, presidente da Abdib, entidade que representa a indústria de base.

Hino da Independência do Brasil -

Bom dia!
Hoje é dia da Pátria!
Vale a pena ouvir
Letra: de Evaristo Ferreira da Veiga
Música: D. Pedro I
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