quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Mulheres e terror

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Uma das mais instigantes palestras na XX Conferência da Academia da Latinidade que se realiza no Cairo foi a de Mia Bloom, professora de Assuntos Internacionais da Universidade de Geórgia, em Atenas, sobre a crescente importância do papel da mulher no terrorismo.

Os números são reveladores: aumentou de 8, em 2007, para 32, em 2008, o número de atentados suicidas levados a efeito por mulheres no Iraque.

O crescimento da participação de mulheres-bomba não está limitado a um grupo específico, ressalta a professora: esse padrão tem sido repetido não apenas em organizações seculares e nacionalistas, como também entre movimentos religiosos.

O comportamento dos grupos islâmicos terroristas, que inicialmente resistiam a usar mulheres em seus atentados, recusando torná-las mártires, mudou completamente, segundo as pesquisas de Mia Bloom, autora do livro “Morrendo para matar: a sedução do terror suicida”. Mesmo a AlQaeda, no Iraque, está usando mulheres crescentemente em seus atentados.

Segundo ela, a visão tradicional que atribuía a participação de mulheres a outras causas que não políticas, como depressão ou influência de um homem, está completamente ultrapassada.

Os estudos da professora Mia Bloom, que é membro do Council of Foreign Relations, entidade não partidária, com sede em Nova York, considerada a mais influente em matéria de relações internacionais nos Estados Unidos, mostram que “organizações terroristas inovadoras” estão explorando com sucesso os estereótipos ocidentais em relação às mulheres.

A violência feminina, que é vista como “aberrante e desnaturada”, tem se tornado uma maneira de as mulheres contribuírem “para o bem da nação”. Segundo Mia Bloom, as terroristas são mais “letais”, matando em média quatro vezes mais pessoas que os homens, em parte porque não são submetidas a vistorias com a mesma intensidade, e têm mais facilidade para penetrar nos alvos.

Por serem mais valiosas em termos de propaganda, as mulheres-bomba são consider a das cada vez mais uma estratégia vencedora pelas organizações terroristas, e hoje são mais necessárias do que nunca.

Segundo a professora Mia Bloom, os líderes dos movimentos terroristas fazem cálculos de custo-benefício para selecionar táticas, alvos e os operadores que são mais eficientes, e é nesse contexto que eles exploram estrategicamente os estereótipos femininos.

“O ‘útero explosivo’ tomou o lugar do ‘útero revolucionário’, que produzia e apoiava jovens extremistas, à medida que as mulheres crescentemente se tornaram terroristas suicidas”, escreve a professora.

No Iraque, de acordo com fontes militares americanas citadas por Mia Bloom, a Al-Qaeda está utilizando cada vez mais mulheresbomba, porque elas usam normalmente roupas islâmicas longas e negras, que podem esconder explosivos, e são mais difíceis de serem revistadas.

“Se as tropas invasoras dos Estados Unidos ou da Inglaterra revistam uma mulher invasivamente na fronteira ou em pontos de revista à procura de armas ou explosivos, isso vai sem dúvida provocar raiva na população masculina local.

A honra e a castidade de suas mulheres estarão em risco, e a reação negativa vai sem dúvida fazer com que a população civil se volte contra as tropas internacionais”.

Além disso, ressalta a professora, “revistar mulheres invasivamente sempre as coloca em risco, e os militares tendem a abusar de seus poderes”. Ela cita casos ocorridos em Sri Lanka e Turquia, onde revistas levaram à violação de mulheres pelos soldados e, em consequência, elas se alistaram em organizações terroristas.

Mia lembra que há uma série de bem documentados casos de mulheres no Iraque sendo abusadas sexualmente por soldados, individualmente ou na prisão de Abu Ghraib, o que tem encorajado uma propaganda da AlQaeda que atribui essas violações a um objetivo da ocupação, transformando-as em uma política do imperialismo ocidental para humilhar o mundo muçulmano.

“Qualquer abuso das mulheres pode acionar um mecanismo de radicalização e mobilização da população local pelo movimento terrorista, e o aumento da participação das mulheres nessas organizações”, diz ela.

Mas, adverte Mia Bloom, o reverso também é verdadeiro: se as mulheres ficam livres de uma revista rigorosa, tornam-se armas perigosas.

Na análise da professora, “as mulheres-bomba se tornaram a última palavra em instrumento da guerra psicológica — ninguém sabe quando ou onde vão atacar, e é crescente a ansiedade provocada, à medida que mais e mais mulheres explodem pelo mundo afora”.

Mas, mesmo com a participação das mulheres sendo cada vez mais importante para os movimentos terroristas, mesmo naquelas organizações em que elas têm a autoria da maioria dos atentados, raramente há mulheres na liderança, nota Mia Bloom.

Não há uma razão evidente para isso, mas o fato, analisa a professora, é que a participação na violência não cria mais oportunidades para as mulheres daquelas sociedades.

A professora da Universidade da Geórgia acredita, porém, que um fato mais grave está acontecendo no Iraque, à medida que as mulheres estão sendo cada vez mais revistadas por outras mulheres, para evitar constrangimentos, verdadeiros ou artificiais.

Segundo os estudos de Mia Bloom, os grupos terroristas têm se dedicado a recrutar dois novos alvos: crianças, especialmente meninas, e pessoas que ou são obrigadas a se tornarem suicidas ou mesmo não sabem que estão sendo usados para esse fim.

A perspectiva da professora Mia Bloom é sombria: “(...) Essa tendência (de uso de mulheres-bombas) continuará no futuro, e inclui cada vez mais jovens mulheres e crianças

Parceiros indóceis

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Primeiro foi o PMDB a dar um alto lá no PT, avisando que não aceitaria ser um parceiro submisso e reivindicando condições de igualdade nas decisões e na partilha dos bens eleitorais relativos à eleição de 2010. Ganhou a reserva da vaga de vice na chapa presidencial e a promessa de assento nobre na coordenação da campanha.

Agora é o DEM que não aceita o papel de figurante passivo na aliança com o PSDB, aderindo ao lema segundo o qual não basta se aliar, tem de participar. O partido não chega a ser tão exigente quanto o PMDB com o PT, mas quer um lugar ao sol.

Por exemplo, sendo ouvido sobre a data mais conveniente para o início da campanha propriamente dita e a definição explícita da candidatura. "O PSDB tem o direito de decidir quem será o candidato, mas não pode querer decidir sozinho quando começa a campanha", diz um dirigente.

A tensão existente entre os dois partidos da aliança oposicionista ficou visível quando o presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia, deu uma entrevista ao jornal O Globo falando de sua preferência pela candidatura do governador de Minas Gerais, Aécio Neves.

Esquisito, já que não apenas Rodrigo Maia, mas toda a cúpula do Democratas concorda que o candidato deve ser o governador de São Paulo, José Serra, independentemente da opinião pessoal de cada um sobre Serra.

O que, então, moveu o presidente do DEM? Basicamente, dois motivos: dar uma sacudidela na "pasmaceira" do PSDB e mostrar que quem fala pelo partido é o presidente, não o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab - leia-se também Jorge Bornhausen e companhia -, cuja movimentação andava desconsiderando a existência da direção formal.

E por que "sacudir" o aliado e afirmar posição de comandante do processo? Quatro são as razões. A primeira, pressão das sessões regionais aflitas por definir as candidaturas a governador e senador.

A segunda, arrefecer os efeitos da intervenção do grupo do PMDB liderado pelo ex-governador Orestes Quércia, que tenta convencer o PSDB a privilegiar alianças com pemedebistas nos Estados sob o argumento de que assim será mais fácil impedir a adesão do partido à candidatura de Dilma Rousseff.

A terceira, mostrar ao PSDB que ele não é o senhor de todas as conveniências políticas e eleitorais e que o DEM é um parceiro, não um serviçal. A quarta razão do esperneio de Rodrigo Maia guarda relação com a prevalência de Kassab na condição de ponta de lança da articulação serrista. Briga interna, portanto.

Uma das maiores divergências entre os dois grupos é que Rodrigo acha que a outra ala entregou os pontos muito cedo. Por exemplo, abrindo mão da vaga de vice sem negociar. Por isso, o presidente do DEM agora tenta fazer de conta que o partido reivindica o lugar.

Um jogo de cena semelhante ao que faz o PMDB quando alega que a "maioria do partido" prefere candidatura própria. Na verdade, o DEM trabalha mesmo é com a hipótese da chapa puro-sangue: Serra na cabeça e Aécio de vice.

Mas quer que Serra pelo menos internamente assuma a candidatura, defina uma coordenação de campanha, defina o discurso de campanha, tenha participação mais ativa na política nacional, trabalhe as alianças regionais, chame o governador de Minas para conversar para que, a partir daí, possa haver um trabalho de convencimento coletivo junto a Aécio Neves para fazê-lo aceitar concorrer a vice.

Não seria uma ofensiva com vistas a atrapalhar a vida de Serra. Mas sim com o objetivo de arrumar o quanto antes a vida do DEM, cujo destino mal ou bem, o partido admite, está nas mãos do PSDB. A possibilidade de enfrentar mais quatro ou oito anos de oposição hoje é o maior pesadelo dos democratas.

Como acham que Serra ganha a eleição, pressionam pela definição da candidatura já, com medo de que se repita o ocorrido em 2006 e, diante da hipótese de derrota, na última hora ele desista de ser candidato.

Data marcada

O ministro Marco Aurélio Mello está pronto para apresentar seu voto ao pedido de extradição do italiano Cesare Battisti, feito pelo governo italiano. Será no dia 11 de novembro, dois meses depois do pedido de vista apresentado por ele na sessão de julgamento do Supremo Tribunal Federal quando a votação estava em 4 a 3 em favor da extradição.

No voto, que deverá empatar o julgamento deixando o voto de Minerva para o presidente do STF, Gilmar Mendes, o ministro Marco Aurélio discutirá dois pontos: a concessão do refúgio e o caráter terminativo da decisão do STF. Na visão dele, a palavra final seria do presidente da República.

Obituário

A Fundação Sarney, que anuncia sua extinção por falta de patrocinadores dispostos a ligar seus nomes àquela pessoa jurídica, padece de um mal benigno: absoluta falta de resistência à ação detergente da luz do dia.

DEM, biruta de aeroporto

Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - O Democratas está em litígio com o seu principal aliado, o PSDB. Os tucanos relutam em lançar já um candidato a presidente, seja José Serra, seja Aécio Neves. Parte dos "demos" cobra diariamente rapidez nessa definição.

Criou-se um impasse. José Serra é o defensor principal da tese de postergar o lançamento da candidatura. Quer tratar do assunto em público só em março de 2010. Se antecipar seus planos, a leitura será simples: o tucano terá capitulado diante da exigência do presidente do Democratas, Rodrigo Maia. Logo, esse recuo serrista é improvável.

O azedume entre os dois principais partidos de oposição aumentou ontem. Como revelou a repórter Catia Seabra, a imagem de Serra foi vetada no programa de TV dos "demos" a ser exibido amanhã. A desavença talvez seja contornada antes da exibição da propaganda, mas o estrago está feito.

O cenário é desalentador no campo da oposição. As divergências públicas revelam descrença na possibilidade de vitória. Está quase vermelho o sinal amarelo aceso por causa do avanço da candidatura oficial de Dilma Rousseff.

O Democratas resmunga com alguma lógica: quanto mais passa o tempo, mais se consolidam as alianças regionais a favor da joint-venture entre PT e PMDB.

O problema é não haver grandes opções à disposição da dupla PSDB-DEM. Pelo menos de 15 a 20 dos 27 partidos políticos brasileiros só fazem alianças na base da fisiologia.

Os outros estacionam onde há mais chance de vitória. O lançamento de um candidato tucano agora ou depois teria um efeito marginal na atração de legendas sempre propensas a sucumbir ao magnetismo de Lula.

Nesse cenário, o cálculo do Democratas parece descalibrado. Até porque a pressão sobre Serra tende a ser inócua. O único a celebrar é Lula, feliz com a atitude de biruta de aeroporto dos "demos".

Freios e contrapesos, cheques e balanços

José Nêumanne
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

No topo de uma preferência popular nunca antes alcançada na História deste País, já superando os 82% e se aproximando da unanimidade, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se acha, como dizem os jovens a respeito dos megalômanos. Pois acabou de mandar São Paulo calar a boca. O apóstolo dos gentios, que inventou o amor e a solidariedade numa Antiguidade em que predominavam a força bruta e o poder absoluto de divindades cruéis e astutas a partir da pregação singela de um profeta de província, certamente ficaria desnorteado se tivesse de debater teologia com um cristão que acredita ser possível a coligação da redenção com a delação. Lula, poderoso a ponto de comparar seus neobajuladores com o venal supremo, Judas Iscariotes, que vendeu o próprio mestre por um punhado de moedas, sem que deles se ouça um gemido sequer de reprovação, não se peja em bancar o Duda Mendonça do Jesus Cristo, troca patacoadas pela blasfêmia e nem assim se dá mal.

Os milhões de votos que Sua Insolência tem e pretende transferir para sua candidata favorita entorpecem a consciência da Nação e anulam qualquer reação. O papa, representante do Deus dos católicos na Terra, não foi sequer informado da batatada ofensiva. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) emitiu um pífio protesto teológico lembrando que Jesus não transigiu com os fariseus, citados, coitados, na parábola do traidor Judas Iscariotes como dizem que o cônsul romano Pôncio Pilatos entrou no Credo.

Das escassas convicções irremovíveis que o presidente tem, há duas inegáveis: é cristão e corintiano. O criminoso desmanche do campeão da Copa do Brasil, desfigurado no Campeonato Brasileiro, não levou Sua Insolência a apontar sua metralhadora giratória para o Parque São Jorge e ele continua adulando o ídolo de seu time, de cujo ventre volumoso já reclamou em passado recente. No entanto, sua incontinência verbal ousou desrespeitar o que de mais sagrado há para a fé da maioria dos brasileiros, ele e sua família inclusive: a saga do Salvador que sucumbiu à traição de um discípulo para lavar com o próprio sangue os pecados do mundo. Comparado com essa ofensa, o pontapé do bispo da Igreja Universal do Reino de Deus na imagem de Nossa Senhora Aparecida foi um ósculo.

Dizem os morigerados que em demasia tudo faz mal. Talvez o excesso de popularidade, que, somado ao gênio político do ex-dirigente sindical, gera poder excessivo, afete uma de suas mais notórias virtudes - o bom senso. Certo é que, da mesma forma que o sagrado fígado de Jesus, lanceado pelo inimigo em consequência da traição de Judas Iscariotes, a democracia profana, mas cidadã, também tem sido golpeada pela retórica presidencial.

Autoincumbido de perdoador geral dos amigos e aliados e algoz dos adversários renitentes, Lulinha Paz e Amor o Cara da Silva tem mandado às favas, além dos escrúpulos, os pilares sobre os quais se sustenta a democracia, que, com seus defeitos, combate a barbárie política na prática secular do Parlamento britânico e na experiência transplantada para a América pelos Pais Fundadores. O ex-comandante de greves que se tornou chefe de Estado no maior país da América Latina é fruto de uma nobre e respeitável instituição desse regime político imperfeito, cujo seio nutre a civilização humana: o sufrágio universal. Não se faz, contudo, uma democracia somente com votos. A eleição é a forma consagrada pela História de consultar o povo para a escolha dos governantes. Estes, porém, não podem gerir o interesse coletivo tendo como base apenas os próprios interesses e as ambições de seus correligionários. Os eleitos submetem-se à impessoalidade das instituições - estas, sim, fundamentos das democracias avançadas - e aos checks and balances (freios e contrapesos - favor não confundir com cheques e balanços).

Na peculiar República lulista, em que se perdoa Judas pela traição a Jesus em troca de seu apoio nas votações de interesse do líder, inexiste a autonomia soberana dos três Poderes. Assuntos de economia interna do Legislativo são resolvidos pelo Executivo - caso da manutenção de José Sarney na presidência do Congresso, apesar do enorme desgaste representado pela decisão imposta por Lula aos senadores. E a oposição aceita, cabisbaixa, o poder sem limites do presidente sobre a composição da alta cúpula do Judiciário, como deixou claro o voto do líder do PSDB no Senado, Artur Virgílio (AM), a favor do então advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, justificado como um pedido de um amigo comum - explicação mais apropriada para um consórcio de compadres que para uma decisão política responsável.

Faz parte desse antagonismo a freios e contrapesos a campanha que Lula tem feito nos constantes discursos em intermináveis comícios pelo País contra a mania fiscalizadora dos meios de comunicação e a desabusada marcação dos raros e nem sempre eficazes órgãos de controle ainda existentes. O presidente mira seu fuzil contra comunicadores que não aceitam a postura de apresentadores de showmícios e produtores de biografias cinematográficas laudatórias por preferirem zelar pelo interesse público, embora contrariem mandatários. E também não deixa em paz os Tribunais de Contas, que assessoram o Poder Legislativo, não fazendo parte do Judiciário, particularmente quando estes, mesmo compostos por membros da casta encastelada no topo dos Poderes, se inquietam com excessos de malversação do erário - como ocorreu há pouco com obras do Projeto de Aceleração do Crescimento (PAC), promovido por Sua Insolência a cavalo de batalha da candidata oficial.

Essa débil reação às investidas de Lula contra cânones da cristandade e da democracia leva a temer que, em desuso, freios e contrapesos se tornem cheques e balanços.

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

O ardil no jogo da sucessão

Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO


As cartas eleitorais jogadas hoje, a um ano da eleição presidencial, são todas construídas sobre artimanhas e deve-se ponderar seu peso. O que se diz não é, o que é ainda não se diz. A começar da rodada que se inicia com o presidente da República. A ação política que Lula comanda pessoalmente determina aos seus arautos propagarem que teme como adversário do PT o candidato Aécio Neves, o governador de Minas, que seria tão sedutor quanto agregador na costura de alianças. Quer fazer crer a campanha da candidata petista Dilma Rousseff que, se for Aécio o candidato do PSDB, até a aliança com o PMDB balançará. O mesmo ocorrerá com o PSB de Ciro Gomes e o PDT de Carlos Lupi e Paulo Pereira da Silva, que, como bons alunos, divulgam que, sendo Aécio o candidato, tudo mudará de figura. O PT, nesta hipótese, coitado, ficará sem seus maiores aliados, inclusive os governadores que têm sua reeleição ancorada na aliança com o partido lulista, como Eduardo Campos , em Pernambuco, e Cid Gomes, no Ceará.

O exagero expõe a armadilha do governo que se prepara para enfrentar e teme, como adversário real, o candidato José Serra, que está em primeiro lugar há meses nas pesquisas de intenção de voto. Realidade também é a que leva o governo a considerar que enfrentará um paredão se a denominada chapa puro sangue, com Serra para presidente e Aécio para vice, se concretizar. Mas o discurso dizendo o contrário acirra a disputa interna no PSDB, motiva o governador de Minas a ver-se rejeitado no seu partido e alimenta nele o sentimento contra a chapa tucana. Esta, sim, o verdadeiro fantasma do governo, que a percebe forte, avaliação que, de resto, fazem os que a desejam dentro do PSDB e do DEM.

Outro jogo que ao se abrir, aos poucos, mostra que não é o que parece é o do Democratas. O DEM tem forçado uma definição do PSDB sobre quem será o candidato a presidente, se Serra ou Aécio, não quer esperar o timing que se impuseram os próprios candidatos a quem interessa a manutenção das duas candidaturas o maior tempo possível. O presidente demista, Rodrigo Maia, deu o ultimato ao PSDB há duas semanas, assumindo posição inequívoca e pública a favor do governador mineiro, com quem se reuniu e a quem levou um grupo da cúpula do partido, insuflando uma posição contra a candidatura do governador paulista. A antecipação do lançamento da candidatura do PSDB, ainda que não oficial, serviria para acalmar os Estados, é o que tem alegado o DEM, onde para fazer alianças e arrumar seu palanque o partido precisa ter a perspectiva real de poder e ver logo em alguém a personificação dessa perspectiva.

Por uma fresta desse jogo já dá para ver que o DEM está nervoso com sua redução, com o fato de estar tendo dificuldades para fazer oposição sozinho no Congresso, ansioso para antecipar a campanha diante do avanço do governo em todos os Estados onde, mostram levantamentos dos partidos, a candidata Dilma já cresceu muito este mês. Para o DEM não importa se Dilma nem assumiu formalmente a candidatura, ela está em plena campanha, com resultados visíveis. O candidato tucano precisa construir discurso e projeto e opor-se à candidata do governo.

Há outras razões que podem se somar a estas mas não podem ser ignoradas na interpretação correta do que verbaliza o DEM, especialmente pelo que defende seu presidente. Evidencia-se um aprofundamento da luta interna no Democratas deixando, de um lado, Rodrigo Maia e, de outro, Gilberto Kassab, o prefeito de São Paulo. Maia reage ao fato de que as aproximações entre Serra e o DEM, para o projeto nacional, tenham se dado a partir do grupo do partido com quem o governador de São Paulo se aliou para as eleições no Estado e na prefeitura. De todas participou o ex-presidente Jorge Bornhausen, de quem a atual cúpula, embora por ele forjada para rejuvenecer e dar sobrevida ao DEM, discorda. Uma das discordâncias, por exemplo, é quanto à declaração de que o DEM pode abrir mão da vice na chapa. Mesmo reconhecendo que a chapa Serra-Aécio seria a melhor, a cúpula do partido queria ter o trunfo da concessão e estar à frente das articulações.

Para este projeto, Maia resgatou a candidatura Aécio e reacendeu o embate interno no PSDB. Seus aliados estão satisfeitos com o resultado, acreditam ter chacoalhado a campanha da oposição, colocado Aécio na disputa e levado Serra a conversar também com o grupo não paulista do partido. A maioria do DEM, 55%, prefere a candidatura Serra, enquanto 35% preferem Aécio, é o que mostrou pesquisa da Arko Advice que, no entanto, foi intencionalmente ignorada neste jogo. A arrumação da disputa nos Estados entrou na história tal qual Pilatos naquela conhecida oração.

Ilude o eleitorado também o PMDB de oposição ao defender que uma antecipação da candidatura Serra, em torno de quem se reúne esta facção, fortaleceria a dissidência do partido nas articulações de alianças estaduais. Enquanto o PMDB governista está oferecendo perspectiva de poder na veia, firmando inclusive uma pré-aliança quando ainda faltam oito meses para a convenção que poderá de fato aprová-la, o PMDB oposicionista nada tem a oferecer. Na verdade, tanto parte do DEM quanto este PMDB ficaram assombrados pelo fantasma produzido na alquimia governamental, o de que Serra poderá acovardar-se diante do crescimento de Dilma e, em março, quando estiver ultrapassado por ela nas pesquisas, desistir da candidatura e buscar a reeleição em São Paulo. Nesse caso ficariam no vácuo porque não haveria mais tempo de retomar a candidatura Aécio.

Existe a possibilidade de Serra desistir da candidatura a presidente? Claro, mas é remotíssima. Forçar uma definição que muitos, inclusive o próprio candidato, consideram um desastre, apenas com base nesta suspeita, porém, é desacreditar totalmente do projeto. Parece claro que, uma vez lançado o candidato de oposição, os partidos deixarão com ele todo o trabalho de opor-se ao governo. Tal candidato seria imediatamente alvo único da campanha governista conduzida por um presidente tão popular quanto destemido, desobediente contumaz às leis eleitorais. Além de concentrar em si o desgaste, a antecipação daria a Serra menos tempo para dedicar-se ao governo de 22% dos eleitores brasileiros, lançando-se numa aventura sem dinheiro, sem equipe, sem exposição obrigatória, sem máquina nacional, na hora inadequada. Às apostas.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Lá vai o Código Florestal, sem choro nem vela

Marcos Sá Corrêa
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


A reforma do Código Florestal é como um estouro de boiada. Depois que dispara, não se desvia mais dos argumentos que lhe surjam pela frente. Passa reto por cima deles, deixando para trás um rastro de avisos pisoteados.

Mas isso, no Brasil, vem do governo Epitácio Pessoa, na década de 1920. O que o debate tem de novo é a manada de e-mails desembestados, para mostrar que, mais uma vez, como nos bons tempos das sesmarias coloniais, a política brasileira dispensa argumentos e critérios, porque nasceu para dar terras a quem pegar primeiro, de mão beijada.

Pode haver sinal mais claro de que, lá em cima, no Planalto Central que nos governa, a decisão já tomou o rumo dos assuntos que o País resolve sem discutir do que um e-mail dizendo que "a reserva legal só serve para trazer produtores rurais para a ilegalidade"?

O que se pode dizer contra isso além de "é sim"? Qualquer lei serve, em princípio, para botar na ilegalidade - e, eventualmente, na cadeia - quem resolva enfrentá-la no peito e na raça. Traficantes de morro sabem disso. E, no caso, em favor do traficante se poderia invocar pelo menos o atenuante de que há menos interesses públicos e direitos constitucionais feridos num cigarro de maconha aceso do que numa floresta queimando.

Mas a campanha contra o código não é um movimento de ideias, mas uma nova reiteração dos fatos consumados. À falta de um debate que possa levar a sério, o País na prática já enterrou o Código Florestal nos conchavos de Brasília. E agora vale tudo para apressar o cortejo.

Vale, por exemplo, dizer: "Não é vocação do produtor rural manejar floresta legal." Ah! Não é? Então o código parece feito sob medida para o produtor rural. A mata em geral cuida razoavelmente bem de si mesma. Sobretudo se o agricultor não quiser ajudar com machado e fogo. Como as leis brasileiras esclarecem desde os esboços de legislação ambiental por José Bonifácio, manejar floresta não é prerrogativa da mata, mas de quem estiver disposto a aproveitar seus recursos sem acabar com ela.

Se o agricultor preferir não se exaurir com manejo florestal, melhor para a floresta. Basta esquecê-la, que dificilmente ela se queixará de abandono. Para isso, o código não precisa de poda radical.

Assim como não há motivo para considerar injusto "exigir de qualquer pessoa 20% de seu tempo para ser dedicado a qualquer coisa que ele não queria fazer". E o que tem o código a ver com 20% do tempo de seja lá quem for?

As leis que forçam as pessoas a gastarem parte de suas vidas para fazer o que não querem impõem, até onde a vista alcança, voto e serviço militar obrigatórios. Ou, por tabela, os impostos. O coitado do código não vai tão longe. Suas porcentagens não se referem ao tempo do agricultor, e sim ao espaço de preservação nas propriedades rurais. Ali, definem o que o dono não pode fazer e, de uns tempos para cá, o que ele pode fazer, se quiser. Não querendo, ele pode usar legalmente esses 20, 35% ou 80% de reserva para não fazer nada. São lugares de descanso, para a terra e para o homem. Uma ideia que aqui no Brasil não pegou, como dizia no século 19 o francês Charles Ribeyrolles ao pressentir a ruína da escravidão no Vale do Paraíba.

Enquanto a terra e o homem descansam, a mata trabalhará de graça cuidando antes de mais nada da água, o principal insumo da agricultura desde que o mundo começou a trocar, lá vão 10 mil anos, florestas por terras cultivadas, plantações por pastagens e campos exaustos por desertos, frequentemente nessa ordem.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Temer cisca pra dentro

Brasília-DF :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), decidido a se tornar o grande artífice do apoio formal do PMDB à candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), resolveu ciscar pra dentro. Quer intermediar as negociações entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os caciques da legenda que ameaçam pular fora da raia governista caso seus interesses eleitorais não sejam atendidos. Temer está como aquele comandante de coluna que precisa levar a marcha no ritmo do soldado mais lento, para não deixar metade da tropa pelo caminho.

Os problemas de Temer na cúpula do PMDB têm nome e sobrenome: Hélio Costa (ministro das Comunicações), em Minas; Geddel Vieira de Lima (ministro da Integração Nacional), na Bahia; Iris Resende (prefeito de Goiânia), em Goiás. Somam-se a eles os deputados Eunício de Oliveira, no Ceará, e Jader Barbalho, no Pará. Esses caciques peemedebistas estão às turras com o PT e não vão endossar a coligação formal com Dilma se os petistas não os apoiarem nos seus respectivos estados.

“Herança maldita” resgatada

Tiago Pariz
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Expressão usada pelo presidente Lula para definir o estado do país quando assumiu o governo deixado por FHC será retomada para pautar o programa de governo de Dilma Rousseff. A ideia é ressaltar que a ministra terá um “céu de brigadeiro” para governar o país

Os petistas dedicados a elaborar o esboço do programa de governo para a eleição do ano que vem trabalham com um olho no retrovisor. O grupo começou a desenhar o documento debruçado sobre a expressão “herança maldita”, cunhada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos primeiros anos do seu governo, para enfatizar que a ministra Dilma Rousseff, pré-candidata petista ao Palácio do Planalto, terá mais capacidade de realização do que seus adversários.

Os responsáveis pela tarefa estão levando à risca a ordem dada por Lula: marcar as diferenças das realizações deste governo em relação às duas gestões de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). A ação reforça a tentativa do atual governo de resumir a sucessão a uma batalha entre duas propostas.

Na primeira reunião do grupo de trabalho, ficou decidido que o documento mostrará que Dilma poderá fazer um governo melhor até que o de Lula porque ela não terá a “herança maldita” de Fernando Henrique no colo. Essa mesma frase foi usada em 2003, quando Lula teve de explicar os motivos da série de medidas impopulares na economia.

“O sentido geral do documento é que Dilma vai dar continuidade a oito anos de um governo exitoso. E será qualitativamente superior porque terá uma herança melhor do que a recebida pelo presidente Lula do Fernando Henrique”, disse o secretário de Relações Internacionais do PT, Valter Pomar, que integra o grupo de trabalho.

Coordenado por Marco Aurélio Garcia, assessor para assuntos internacionais do presidente Lula, o trabalho de construção das diretrizes do programa de governo para a eleição de 2010 teve apenas a primeira reunião. Em até duas semanas, os petistas decidirão os eixos fundamentais do documento.

Estratégias

Enquanto os colegas se debruçam sobre a plataforma de Dilma, o presidente do partido, Ricardo Berzoini (SP), convida lideranças aliadas(1) a formar um conselho político da pré-campanha. O dirigente explicou que a ideia é debater desde o programa de governo até estratégias eleitorais.

O presidente do PT usa o interesse dos aliados em aprofundar a discussão para forçar os partidos políticos a declarar oficialmente o apoio a Dilma. Esse fórum seria uma maneira de colocar os aliados no centro da definição de estratégias. “Para quem quiser discutir temas de saúde e educação, por exemplo, a hora é agora. Não vai dar tempo de debater isso no meio da campanha, no ano que vem”, alegou Berzoini. “Nós queremos ver quais partidos querem manifestar a intenção de participar da campanha e constituir o fórum”, emendou.

Esse grupo de discussão foi inspirado no conselho político do presidente Lula. Formado por presidentes e líderes de todos os partidos que apoiam o governo no Congresso, esse corpo consultivo é chamado para opinar sobre projetos de lei e conhecer de antemão propostas a serem enviadas ao Legislativo. “Como fazem parte do governo, já há convivência entre eles no conselho político”, disse o dirigente petista. Nesse caso, os escolhidos pelos partidos seriam conselheiros de Dilma para opinar em questões do programa de governo, do andamento da campanha e até no tom de discursos. No termo da aliança com o PMDB, o PT já havia esboçado a intenção de incluir na coordenação de campanha representantes dos partidos aliados.

Arco de alianças

O presidente do PT, Ricardo Berzoini, usa a proposta do conselho político para aumentar o arco de alianças para a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e para não deixar desandar o pré-acordo eleitoral com o PMDB. Está marcada uma reunião com representantes dos 27 diretórios estaduais para enquadrar quem tiver a intenção de trabalhar contra o acordo com os peemedebistas nos estados

Serra defende visitas a obras

Na contramão de seus partidários, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), defendeu a divulgação de obras da administração pública para “colher dividendos políticos”. “Saber o que nós mesmos fizemos é importante para poder explicar, defender e inclusive colher dividendos políticos, o que é legítimo dentro de uma ação governamental”, disse o tucano.

PSDB, DEM e PPS entraram na Justiça Eleitoral contra a viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para inspecionar obras no Rio São Francisco. As legendas aliadas de Serra argumentam que as visitas de Lula com a ministra Dilma Rousseff ao lado não passam de campanha eleitoral antecipada.

Serra: 'Colher dividendos políticos é legítimo'

Adauri Antunes Barbosa e Adriana Vasconcelos
DEU EM O GLOBO


Tucano, cujo partido acusa Lula de uso eleitoral de obras, critica deputados aliados que "escapuliram" de votação

SÃO PAULO e BRASÍLIA.Ao mesmo tempo que defendeu o direito de um governante de "colher dividendos políticos" de suas ações, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), acusou ontem deputados de sua base na Assembleia Legislativa de terem "escapulido" da votação da lei que cria o Programa de Valorização pelo Mérito, que prevê reajustes salariais anuais apenas para os professores que se submeterem a provas anuais e obtiverem os melhores índices de desempenho.

- Saber o que nós mesmos fizemos é muito importante para poder explicar, defender e inclusive colher dividendos políticos, o que é legítimo dentro de uma ação governamental - disse Serra, pré-candidato do PSDB à Presidência.

O PSDB e o DEM recorreram ao TSE alegando uso político-eleitoral nas visitas do presidente Lula e de sua candidata, a ministra Dilma Rousseff, a obras do governo.

Ao sancionar a lei ontem, Serra atacou os deputados:

- Por causa do calendário eleitoral, alguns deputados da base do governo escapuliram para não votar.

Na votação do projeto, no último dia 21, oito deputados do DEM, quatro do PDT, três do PTB, três do PV e dois do PSDB saíram para não votar. Com isso, evitaram o desgaste com professores e sindicatos, que fizeram grandes manifestações contrárias à nova lei.

- Sindicato tem horror a tudo o que significa esforço - disse Serra, que completou: - Para nós, educação não é discurso e frufru. Estamos promovendo alterações estruturais, o que sempre perturba, e na véspera de um ano eleitoral. Não podemos governar em função do calendário eleitoral - disse, sem explicar a quem se referia.

- É um fenômeno geral da educação no Brasil. São doenças. Fazer festa em torno da educação é fazer pouca coisa prática. Não vou aqui especificar.

Aécio diz a aliados que só espera decisão até dezembro

Em visita a Brasília ontem, o governador mineiro Aécio Neves, também pré-candidato a presidente pelo PSDB, reiterou a aliados o que dissera semana passada ao ex-presidente Fernando Henrique e ao presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra: só até dezembro aguardará a decisão do PSDB. Se o partido não organizar as prévias para a escolha do seu candidato e adiar uma definição para março, como defende Serra, o mineiro vai se lançar para o Senado e cuidar da sucessão em Minas Gerais.

O Brasil pós-crise e pré-sucessão

Maiá Menezes*
Enviada especial
DEU EM O GLOBO


Em Congresso, cientistas políticos apontam recuos e avanços

CAXAMBU, MG. Um país projetado para o futuro ou com os pés fincados no passado? Diante de uma transição política à vista — a substituição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010 —, o Brasil foi retratado ontem entre esses dois cenários por cientistas políticos e economistas, em discussão sobre a conjuntura nacional, uma das que inauguraram o 33oCongresso Anual da Associação Nacional de PósGraduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em Caxambu. Em polos opostos da discussão, o presidente do Ipea, Marcos Pochmann, e o cientista político Luiz Werneck Vianna, do Iuperj, travaram um embate sobre o pós-crise: para Vianna, o país recuou ao adotar o discurso desenvolvimentista do regime militar. Já para Pochmann, hoje se consegue ver um projeto, com visão de longo prazo.

— Passada a crise, devolvese força à fórmula nacional desenvolvimentista. O projeto de modernização não está mais focado na política distributiva. Teremos, provavelmente, os caças franceses. E os helicópteros e o submarino nuclear. Recuperase a ideia que já foi mais forte aqui, em tempos idos e mal vividos, de um complexo industrial militar — criticou Werneck Vianna, que em outro momento da palestra completou: — Voltamos aos tempos da modernização, e não do moderno.

Moderno significa autonomia, cidadania ampla, deliberação, esfera pública rica, e não essa esfera pública deplorável que temos diante de nós.

Para Pochmann, o Brasil avançou. E o leque de escolhas para a sucessão de Lula deixará evidente dois modelos de capitalismo: — Há uma aliança para o desenvolvimento nacional e uma clara mudança da estrutura social brasileira, depois de quase duas décadas.

Estão em jogo dois caminhos: o do capitalismo organizado e o do não organizado.

O que expressaria o capitalismo organizado é a aliança produtivista, a roda necessária para fazer com que se sustente o avanço da mobilidade social. Outra perspectiva é a do capitalismo desorganizado, da financeirização da riqueza — avaliou Pochmann.

Em confronto sobre a avaliação do governo, Pochmann e Werneck Vianna concordaram em um ponto: as polarizações entre partidos não deverão ser determinantes nas próximas eleições.

Foi a mesma defesa feita pelo sociólogo tucano Antonio Lavareda, também convidado para a discussão, que concentrou sua palestra em uma análise do cenário eleitoral em 2010.

— Talvez haja disputa para ver quem se legitima na condução do atraso brasileiro. O conservadorismo será liderado pelo petismo ou pelo tucano? Em que caminho? O da financeirização? (José) Serra não se identifica muito com isso.

Acredito que Aécio (Neves) seja mais expressão da situação.

Por outro lado, Serra não terá muita opção, porque a possibilidade de se associar ao produtivismo, que ganhou espaço no governo Lula, será menor. Ele vai ter que se aliar com as forças da financeirização — disse Pochmann.

Para Werneck Vianna, “é falso e anacrônico conceber a próxima disputa como reedição entre UDN e o PTB”. Ele afirma que oposição e situação se assemelham, já que se relacionam da mesma forma com oligarquias políticas, empresariais e agrárias.

— Têm o mesmo quintal, o mesmo jardim, as mesmas cabras.

Entra (Paulo) Skaf, sai Skaf, entra (Blairo) Maggi, sai Maggi. O que vai mudar? Os Maggi do Serra são diferentes dos da Dilma (Rousseff), ou vai se reabrir a questão agrária brasileira?

— defendeu Werneck, que ironizou a governabilidade da gestão Lula.

Para Lavareda, diferentemente dos Estados Unidos, onde a sigla partidária expressa a identidade política do eleitor, no Brasil há uma distância entre partidos e sociedade: — Na sociedade, infelizmente, esse divórcio é enorme. Os partidos não estruturam correntes de opinião, significam muito pouco.

Há uma aliança para o desenvolvimento nacional e uma clara mudança da estrutura social brasileira, depois de quase duas décadas Marcos Pochmann

Sociólogo avalia que Lula concluiu "legado reacionário" de Vargas

Claudia Antunes
Enviada a Caxambu (MG)
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Luiz Werneck Vianna diz que sucessos do governo não podem deixar em segundo plano justiça social

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva concluiu a "modernização reacionária" do Brasil iniciada por Getúlio Vargas nos anos 30, quando o projeto de industrialização não foi acompanhado por reformas na estrutura agrária. O diagnóstico foi feito ontem pelo sociólogo Luiz Werneck Vianna, um dos principais nomes das ciências sociais brasileiras, na abertura do 33º encontro anual da Anpocs (Associação de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), em Caxambu (MG).

Para Werneck Vianna, o presidente lidera uma "comunidade fraterna sob comando grão-burguês", em que ele "cimenta a unidade de contrários", mas com a hegemonia concedida ao grande capital rural e urbano.

Numa seção da qual também participaram o presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Marcio Pochmann, e o cientista político tucano Antonio Lavareda, Werneck Vianna deixou claro que não estava desqualificando o governo Lula - "sei das coisas boas que aconteceram e precisam ser valorizadas"-, mas fazendo um alerta para o futuro.

Ele avalia que o Brasil se tornou um "global player" e vive a "hora da virada". "Vamos para uma escala de desenvolvimento que vai reiterar as mais doces expectativas que acalentamos nos anos 50 e 60", disse o professor do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio).

O problema, continuou, é que todos os setores "se aninharam no interior do Estado", do agronegócio aos sindicatos, passando pela indústria paulista. Esse Estado "verticalizado e centralizado", por sua vez, se diz "representante de todos", o que esvaziaria o debate público.

"A arca do tesouro vai servir a quem?", perguntou, referindo-se ao petróleo do pré-sal e às antigas demandas por justiça social. "Vamos organizar o capitalismo numa social-democracia avançada. Sim ao Estado forte, mas sob controle da sociedade, não sobreposto assimetricamente a ela", pregou.

O presidente do Ipea se referiu ao mesmo impasse. Pochmann disse que há agora "uma maioria política" capaz de deixar para trás o projeto de "integração passiva e subordinada" do Brasil ao mundo. Mas, para ele, ainda está em jogo que tipo de desenvolvimento o Brasil terá. "Teremos a mesma dinâmica do século passado, baseada em casas, carros, bens de consumo duráveis? Ou um desenvolvimento ambientalmente sustentável?", perguntou.

Pochmann defendeu que a disputa entre PT e PSDB pela "condução do atraso brasileiro" na eleição de 2010 definirá a continuidade do projeto de "capitalismo organizado" ou a volta à "financeirização" não produtiva. Os possíveis candidatos tucanos "têm menor possibilidade de se aliar às forças do produtivismo", disse.

Werneck Vianna minimiza. "Mesmo o Serra vai manter esse projeto, com modulações próprias", disse sobre o governador paulista, possível candidato do PSDB à Presidência.

Assista a íntegra de entrevista de Roberto Freire no Roda Viva


1ª Parte

(Fonte: TV CULTURA - RODA VIVA - 26/10/2009 22:10 - Duração: 26m45s)

Para discutir o atual momento político e os bastidores dos partidos o entrevistado do programa é Roberto Freire, presidente do PPS. Em 1994, Roberto Freire apoiou a candidatura de Lula. Em 1998, voltou a disputa presidencial e foi vice na chapa de Ciro Gomes. Em 2002, apoiou Lula outra vez e com a eleição do presidente o PPS chegou a fazer parte do Governo, mas depois virou oposição. Na última eleição presidencial, Roberto Freire apoio o tucano Geraldo Alckmin e para 2010 também apoiará o candidatos do PSDB. Para Roberto Freire o presidente Lula e a ministra Dilma Rousseff estão fazendo campanha eleitoral antecipada e com o dinheiro público. Guilherme Barros, colunista do Portal IG questiona como Freire vê a estratégia do Governo para levar às eleições a campanha de Dilma que é adversária de José Serra - candidato de Roberto Freire -, o presidente do PPS diz que Lula quis antecipar a campanha para tornar a ministra da Casa Civil conhecida. A jornalista da "Folha de São Paulo", Eliane Cantanhêde pergunta quem será o candidato do PSDB, Aécio Neves ou José Serra. Roberto Freire diz que na realidade o PSDB tem dois candidatos e muito fortes. A jornalista lembra que Serra e Aécio também viajam ao Nordeste e porque não dizem que é campanha antecipada. Freire responde que os governadores de Minas e São Paulo não estão usando o dinheiro de seus respectivos estados para realizar esses eventos. Um dos jornalistas afirma que há ajuda da Sabesp em outros estados. Segundo Roberto Freire, a Sabesp disputa licitações de tratamento de esgoto que é nacional. O presidente do PPS, Roberto Freire também fala da importância do PMDB.

2ª Parte

(Fonte: TV CULTURA - RODA VIVA - 26/10/2009 22:10 - Duração: 17m28s )

No segundo bloco do programa "Roda Viva", Roberto Freire fala sobre a CPI da Petrobras. O jornalista do "Estado de São Paulo", Claudio Augusto lembra que Freire fez críticas ao Bolsa Família e questiona se em um eventual Governo Serra o programa iria acabar. O presidente do PPS diz que a resposta dessa pergunta cabe ao governador paulista. Roberto Freire lembra que em 2006, na candidatura de Alckmin a questão do Bolsa Família não foi discutida da forma que ele imaginava. O ex-senador também comenta a respeito da crise financeira.

3ª Parte

(Fonte: TV CULTURA - RODA VIVA - 26/10/2009 22:10 - Duração: 19m07s)

No terceiro bloco do programa, o entrevistado Roberto Freire fala a respeito do projeto que determina que a justiça não registre candidatos que tiverem "ficha suja". O jornalista do Portal IG, Guilherme Barros questiona qual será o discurso do candidato tucano - José Serra ou Aécio Neves - à presidência para enfrentar a candidata do Governo. Freire afirma que o PPS quer que o discurso de voltado ao desenvolvimento, a sustentabilidade entre outros pontos. O deputado também fala sobre o seu domicílio eleitoral. O jornalista da "Revista Carta Capital", Gilberto Nascimento lembra que o presidente do PPS foi muito criticado por morra em Recife e receber getom de um órgão da Prefeitura de São Paulo. Roberto Freire diz que isso não é aparelhamento e foi uma forma de tentarem criticá-lo.

4ª Parte

(Fonte: TV CULTURA - RODA VIVA - 26/10/2009 22:10 - Duração: 14m46s)

Neste último bloco o presidente PPS, Roberto Freire, comenta sobre questões nacionais como a questão da anistia para torturadores, se o MST é um movimento político e a segurança externa e interna do país. Roberto Freire fala da indecisão do governador José Serra, afirmando que ele está certo em esperar a definição do quadro eleitoral.

Assista o 4° bloco

Maquiagem verde

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Hoje, quando faltam 39 dias para a reunião de Copenhague, o presidente Lula vai se reunir com os ministros para discutir que meta o Brasil adotará para conter os gases de efeito estufa.

Ontem, o Ministério do Meio Ambiente divulgou a estimativa de que as emissões cresceram 31% desde 1994. Não é oficial. O Ministério da Ciência e Tecnologia não divulga os dados certos.

Esconder informação. Que triste papel para um ministério que se chama da Ciência e Tecnologia! Mas é o que o MCT tem feito. O MMA (Ministério do Meio Ambiente) pediu ajuda a vários órgãos para chegar a números sobre os quais calcular uma meta de redução das emissões, ou melhor, redução do ritmo de crescimento das emissões.

Sem saber quanto emite hoje, como calcular as metas que serão mostradas em Copenhague? Por isso, o MMA divulgou as estimativas de quanto estaria hoje, para ter ao menos um ponto de partida para projetar os cortes.

O Brasil emitia 1,5 bilhão de tonelada de carbono/ano na última medição, entre 1990 e 1994. Na verdade, a medida é “carbono equivalente”, porque transforma os outros gases no equivalente em CO2.

Em 2007 (ano da estimativa do ministro Carlos Minc), estaria em 2,1 bilhões de toneladas.

Um crescimento de 4% ao ano. Neste ritmo, se chegará a 2,8 bilhões de toneladas em 2020.

Na última reunião do presidente com ministros sobre o tema, Minc sugeriu cortar 40% do nível a que se chegará se tudo for mantido constante. Ou seja, o corte não é calculado sobre o nível atual, mas sobre o nível que estaremos em 2020 (confira no gráfico abaixo o cenário se nada for feito). E mesmo assim, algumas premissas são consideradas muito otimistas, como a do crescimento pequeno das emissões da agropecuária.

Na hora de detalhar a proposta, Minc mostrou o quanto cada setor teria que reduzir do ritmo atual: agricultura; desmatamento; energia. Quando falou que era necessário reduzir o desmatamento no Cerrado, a ministra Dilma Rousseff discordou.

— Vamos com cuidado. O cerrado é a área natural de crescimento da agropecuária — disse a ministra.

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, discordou de tudo.

— Para que oferecer um corte de 40%, se um corte de 20% já nos coloca no topo? — disse.

Oferecer um corte de 20% significa limitar o nosso esforço de reduzir o desmatamento da Amazônia, e não adotar qualquer medida nas áreas de energia; agropecuária; transporte.

Mesmo assim, o número do governo parece mais bonito do que é. Um corte de 80% no desmatamento parece lindo. Mas é em relação ao nível de 1996 a 2005, que é 19.500 km2 de floresta destruída por ano. Hoje, já estamos em 12 mil. Ou seja, já houve 40% de queda. A proposta é que em 2020 o Brasil desmate “só” 3.900 Km2 por ano. Isso significa desmatar anualmente “apenas” 3,2 vezes um território do tamanho da cidade do Rio de Janeiro.

Hoje haverá nova reunião sobre o assunto, mas o presidente só baterá o martelo na próxima terça-feira.

A posição brasileira feita assim, com números imprecisos e uma visão míope, será defendida pela chefe da delegação em Copenhague, a ministra Dilma, até a chegada de Lula.

A ideia do governo de nomeá-la chefe da delegação, apesar de sua notória falta de apreço pela questão ambiental e climática, tem também um cálculo eleitoral.

Pelo “efeito Marina”, a candidata do governo está correndo atrás de uma maquiagem verde.

Na apresentação que fez ontem, o ministro Minc contou aos repórteres que só a lei climática de São Paulo significará 3,5 pontos percentuais no total dos cortes de emissão dentro da proposta de 40% de redução.

O Brasil pode oferecer mais do que vai acabar apresentando. E isso faria bem ao país porque significaria integrar a pecuária e a lavoura de forma mais eficiente; diminuir o desmatamento do cerrado; reflorestar 500 mil hectares por ano; aumentar a eficiência energética; não implantar as absurdas térmicas a carvão e óleo combustível. E se tudo isso não for benefício suficiente, passar ao mundo a mensagem de que o país quer e vai lutar por um mundo mais sustentável.

É uma pena que o Brasil só vai a Copenhague unido e com bons propósitos quando é para defender a Olimpíada

O salto no crédito

Celso Ming
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Ontem o Banco Central revelou que, mesmo num período de forte crise e de redução do crescimento econômico, o crédito está avançando no Brasil. Em 12 meses, cresceu 16,9%. De 2005 para cá foram outros 122,0%.

E este é um segmento que tem tudo para apresentar uma substancial virada no País. Há dois dias o presidente Lula alertava que, a partir do momento em que o crédito disparar e o imposto baixar, novas condições estarão postas para o crescimento sustentado.

O primeiro passo para isso foi dado em 1994, ano do Plano Real, quando a inflação foi contida.


Nos anos seguintes, ainda no período Fernando Henrique, o governo passou a levar a sério a administração das contas públicas. Foi o momento a partir do qual o Tesouro já não precisou tomar toda a poupança disponível da economia para financiar a despesa do governo. Assim, abriu-se um espaço para o avanço do crédito. Os bancos, que aplicavam a maior parte dos seus recursos em títulos do Tesouro e haviam desaprendido seu ofício, tiveram de voltar a administrar uma alentada carteira de financiamentos.

Os juros na ponta do crédito ainda estão uma enormidade. Os levantamentos do Banco Central mostram que, no desconto de duplicatas, os juros cobrados pelos bancos estão em 40,4% ao ano e, no crédito pessoal, nos 44,7%. O tamanho do spread (diferença entre o que o banco paga pelos recursos e o que cobra por eles) continua extorsivo, de nada menos que 26,0% ao ano. Mas novidades sugerem que alguma coisa começa a mudar nessa área.

O levantamento de recursos por meio da colocação de ações pelo Banco Santander atingiu US$ 8,1 bilhões, o dobro do que havia pago pelo Banespa em 2000. Isso mostra que há mais apetite de um grande banco para disputar o filão do crédito. A concorrência terá agora de se mexer para não perder fatias de mercado e isso sugere que novos passos estejam para ser dados nesse segmento.

Também há novidades nos bancos estatais. O Banco do Brasil, por exemplo, acaba de tomar US$ 1,5 bilhão por meio do lançamento de bônus perpétuos (em geral de 10 anos) e deve alimentar as empresas brasileiras com vitamina nova.

Também se verifica uma forte disposição das empresas brasileiras de tomar recursos externos, onde os juros estão bem mais baixos. É um movimento que deverá reduzir a pressão das empresas pela oferta de crédito no mercado interno.

Tanto o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, como o vice-presidente de Finanças do Banco do Brasil, Ivan de Souza Monteiro, entendem que esses são movimentos muito importantes em direção ao aumento da concorrência pelo mercado de crédito no Brasil.

Se isso se confirmar, será inevitável a melhora das condições do financiamento, no alargamento dos prazos e na redução dos juros.

Para que a previsão do presidente Lula se complete, falta o governo fazer a sua parte: reduzir substancialmente as despesas públicas, gastar melhor, especialmente em infraestrutura (e não em despesas correntes), e avançar decisivamente em direção à redução da carga tributária brasileira.

Confira

Não convenceu - Depois de assegurar que só em três meses teria condições de determinar o motivo dos problemas no motor 1.0 do Gol, a Volkswagen avisou que "identificou como causa a deficiência na lubrificação".

A culpa ficou com o lubrificante "em função da ação do álcool combustível". É estranho que o mesmo produto cause problemas só em alguns motores. A Volkswagen diz, ainda, que "voltará a utilizar a especificação anterior do óleo lubrificante".

Se "voltará a utilizar" é porque o lubrificante colocado nos 300 motores trocados antes da identificação do problema continua inadequado.

O pior dos mundos e fundos

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Projeto do Congresso para o pré-sal implica o aumento de gastos mesmo antes de se ver a cor do dinheiro petrolífero

O CONGRESSO está para terminar a redação dos projetos de lei para o pré-sal. Apesar da barafunda do início da noite de ontem e das disputas ainda abertas entre deputados e governo Lula, o projeto tem como implicação o aumento imediato dos gastos (ou melhor, implica aumento de gastos assim que eventualmente começar a entrar o dinheiro do pré-sal).

Primeiro, a proposta aumenta um imposto sobre os rendimentos do petróleo do pré-sal, taxação que no caso atende pelo nome de cobrança de royalties. Assim, reduz-se a quantidade de recursos que deve ser dirigida ao fundo que será criado a fim de poupar os recursos que a União obtiver com o petróleo.

Segundo, o projeto reduz a fatia do governo federal na distribuição desses royalties, aumentando os recursos dirigidos para governos estaduais e municipais, "produtores" ou não de petróleo. Ou seja, aumenta a distribuição de recursos para "entes federativos" que, na maioria, têm se mostrado ainda mais ineptos que a administração federal.

Terceiro, o fundo de poupança dos recursos advindos do petróleo torna-se mais e mais desfrutável podendo ser gasto em itens cada vez mais diversos. Nos primeiros cinco anos, o principal do fundo (e não apenas seus rendimentos) poderá ser gasto, "desde que não haja risco à sua sustentabilidade".

A ideia aparentemente boa de criar um fundo de poupança com os recursos do pré-sal também pode ser essencialmente ruim, a depender do contexto econômico. Pretende-se criar outro fundo de poupança em um país que, porém, não poupa, mas tem deficit e dívida caríssima para pagar. O Brasil tem o fundo de reservas internacionais, uma reserva de caixa em moeda forte, necessária para evitar variações excessivas da moeda nacional e para cobrir despesas "externas" (em dólares) em caso de crise aguda.

As reservas de US$ 232 bilhões são caras porque rendem juros de "primeiro mundo", hoje quase zero, e têm o custo de juros brasileiros. Isto é, o custo do endividamento em reais para comprar os dólares (pelo menos 8,75% ao ano, a Selic de agora, que vai subir). O Brasil tem um "fundo soberano" meio morto-vivo, que o governo pretende incrementar, aplicando seus recursos também a um custo inferior ao da dívida pública crescente.

E, agora, o Brasil terá um fundo petrolífero que, a seguir as regras tradicionais aqui e lá fora, renderá menos que o custo da dívida pública. Qual o problema? Imagine-se o cidadão que chega a todo final de mês no vermelho e que se endivida no cheque especial ou no cartão de crédito, dívida que custa 11% ao mês em juros. Esse cidadão, por acaso, um dia ganha na loteria ou recebe uma herança. Em vez de acabar com seu deficit e/ou pagar a dívida, decide aplicar o dinheiro na caderneta de poupança, ganhando 0,5% ao mês.

Faz sentido? Não. Esse é mais ou menos o caso dos fundos brasileiros. O que fazer? Torrar o dinheiro que um dia virá do pré-sal, como os deputados já propõem? Não, mas o conjunto da nossa obra é o pior dos mundos. Está se propondo o aumento do gasto do dinheiro do pré-sal antes de ver a sua cor; estamos criando fundos com rendimentos na prática negativos. Mas os governos continuam a ter deficit.

Carinhoso - Marisa Monte e Paulinho da Viola

Bom dia!
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