segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

'Cenário para 2010 não é róseo'

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

José Roberto Mendonça de Barros: economista e sócio da MB Associados[br]Diferentemente da maioria dos colegas, o economista prevê cenário "difícil" e muita volatilidade para este ano

Leandro Modé, Raquel Landim

A MB Associados, consultoria dirigida por José Roberto Mendonça de Barros, revisou há poucos dias a projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2010. Em vez de 5%, prevê expansão de 6%. Com o novo número, se posicionou como uma das mais otimistas do mercado. Seria de esperar que o discurso de Mendonça de Barros acompanhasse a mudança. Não é o que se vê, como ele deixa claro nesta entrevista, concedida em seu escritório, na quinta-feira. O ex-secretário executivo da Câmara de Comércio Exterior avalia que 2010 será um ano cheio de vaivéns, fruto (1) do cenário externo incerto, (2) da piora das contas externas brasileiras e (3) do risco político. "A combinação desses três fatores, no mínimo, garante uma volatilidade muito maior do que aquela comportada em um cenário róseo", disse. Para ele, os preços dos ativos financeiros ainda não refletem o quadro eleitoral. "Se estamos corretos, essa volatilidade ainda vem."

O cenário econômico para 2010 é visto como róseo. É mesmo?

Não acho. 2010 não vai ser a tranquilidade e apenas a passagem para 2011. Vamos certamente ter coisas boas, como um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) entre 5% e 6%, mas será um cenário muito difícil. Há três grupos de razões para isso. Em primeiro lugar, o cenário internacional é muito complicado. Em segundo, domesticamente, estamos caminhando para uma piora enorme na conta corrente. Já vimos esse filme no passado e ele é muito ruim. Isso trará uma mudança para o câmbio mais adiante, não necessariamente ruim, mas coloca outras questões. A terceira área é a política. Estamos no meio de um processo sucessório. Além do programa dos principais candidatos, é preciso ver qual o impacto da campanha sobre as decisões governamentais, nas contas públicas... A combinação desses três fatores, no mínimo, garante uma volatilidade muito maior do que aquela comportada em um cenário róseo. Tudo isso coloca para 2011 um belo congestionamento. 2011 será um ano congestionado, fundamentalmente porque boa parte das variáveis estará em pior situação do que neste ano e vai exigir algumas decisões importantes.

Onde essa volatilidade será sentida em 2010?

O principal ponto é a área externa. Além da volatilidade, está dada uma tendência bastante clara de desvalorização do real. Projetamos ao menos R$ 1,90 daqui para o fim do ano, com volatilidade. Vamos sentir isso na inflação, que vai ser muito mais forte no segundo semestre. Hoje, projetamos um IPCA de 4,7%, com uma aceleração no segundo semestre. Por fim, acho que esses três fatores, mais a volatilidade, podem afetar os espíritos animais. Não está em jogo a expectativa para o Brasil no médio prazo, que é muito positiva e continuará sendo. Mas pode perfeitamente ocorrer uma situação em que um grande número de pessoas decida postergar certas decisões, por cautela. Isso pode alimentar a volatilidade. Por trás disso, há uma questão central: se essa retomada do investimento será sustentável ou não. Muita gente dá de barato que será. Mas ainda estamos em processo de retomada do crescimento do investimento. Não estou dizendo que vamos cair no outro extremo, mas pode haver uma velocidade um pouco menor sobre essa percepção.

O sr. pode detalhar os fatores que o preocupam?

Comecemos pela questão externa. Essa situação na qual um canto do mundo tem problema com inflação (China), outro tem problema para sustentar uma recuperação lerda com pouco emprego (EUA) e outro canto está atolado no básico (Europa) produz uma dissonância e uma incerteza que pouca vezes vimos.

E a conta corrente?

A piora da conta corrente está ligada diretamente ao aquecimento da nossa economia. O superávit comercial vai cair. Estamos projetando US$ 5 bilhões de saldo positivo para este ano. A conta de serviços continua subindo. Em resumo, a direção está clara. Como a economia está crescendo de 5% a 6%, isso só tende a piorar.

Tem risco de fugir do controle?

Não foge do controle. Ninguém está discutindo solvência. Mas pode haver volatilidade. Por quê? Com três meses seguidos de enfraquecimento da entrada de capitais, isso pressiona o mercado de câmbio. Em resumo, vamos ter, pela situação internacional e pelo déficit em conta corrente, volatilidade no câmbio. O que não é ruim, mas há o desconforto de olhar para a frente e ver grandes déficits. A única forma de não voltarem os grandes déficits é um ajuste fiscal grande, o que nos leva à terceira fonte de volatilidade. Apesar das declarações do ministro (da Fazenda, Guido Mantega) de tentar contrapor isso, acho improvável. Basicamente, porque o presidente da República decidiu eleger o sucessor. Estamos num ciclo político mais puro impossível. A perda de transparência das contas públicas dá mais insegurança. Para mim, os números do superávit primário mostrando que a meta foi atingida não significam nada.

E o risco ligado aos candidatos?

Todas as eleições têm um certo risco político, isso faz parte. Infelizmente, temos um sistema - não é de hoje, não é dessa eleição -, mas o bom político é o cidadão esconder o que vai fazer, não discutir o conteúdo das propostas. Fica uma pasteurização generalizada, o que também não é bom para a estabilidade. Voltando para a política fiscal. O mercado fica olhando o passado e diz que sempre vai aparecer um São Palocci que vai colocar a política fiscal (no rumo certo). Essa hipótese não prevalece mais. O ajuste fiscal que o presidente da República patrocinou em 2003 foi consciente para poder governar. Portanto, ele tinha uma razão: para não ter uma crise cambial ou coisas dessa natureza. E ali, pragmaticamente, se deu todo poder ao ministro da Fazenda e ao presidente do Banco Central. O objetivo do governo este ano é eleger o sucessor. É isso e ponto final. Para isso, vai gastar. Há uma dúvida, que não está na cabeça da maior parte dos analistas, que é um risco para este ano mesmo. Risco de acelerar ainda mais o gasto, acelerar o andamento da economia, e projetar, para o segundo semestre, uma piora significativa da inflação, que nós achamos na MB que vai acontecer.

Os juros vão subir?

Não tenho dúvida de que os juros vão ter de subir. Nós achamos que os juros devem subir de 2 pontos a 2,25 pontos. A grande dúvida é quando começa. Achamos que é junho e o mercado acha que é abril. Mas vai ter de subir. Acho que é em junho pelo perfil da inflação. A inflação subiu neste começo de ano por motivos sazonais, como material escolar. Mas ainda está relativamente calma. Vai aparecer mais forte no segundo semestre.

Mas não é melhor subir os juros antes da eleição?

Tecnicamente, é melhor fazer o quanto antes possível. Mas, tendo em vista o ano, o Banco Central vai adiar essa decisão - vai preferir ver os números de fato piorando, não dará um peso total para a antecipação.

A troca no BC é mais um fator de instabilidade, se o presidente Henrique Meirelles sair?

Eu acho que sim. Essa é uma das dúvidas que temos. A impressão que eu tenho de longe é de que ele não vai sair.

Os preços dos ativos no mercado financeiro já espelham os riscos Serra e Dilma?

Ainda não. Estamos mais ligados a um cenário tranquilo. Ainda há riscos a serem refletidos nesses preços. Se estamos corretos, essa volatilidade ainda vem. Ninguém é louco de vender dólar agora. Mas também não se fica comprado. (Os investidores) estão agora no meio do campo, no zero a zero.

Quem assusta mais o mercado, José Serra ou Dilma Rousseff?

Historicamente, o Serra. Mas o mercado começa a ficar um pouco preocupado com a percepção de que a ministra de fato acredita que o Estado é a solução para tudo.

Quais serão os desafios do próximo ministro da Fazenda?

O desafio vai ser respeitável, que é enfrentar a questão fiscal. É mais que fiscal, é do Estado. É claro que depende de quem vai ser eleito. Mas está colocado uma piora no regime fiscal. Não é a conta do ano, mas a tendência. A preocupação é com o regime regulatório fiscal, que caiu muito de qualidade. Por trás disso está a ideia de que o Estado é a solução para tudo.

É a herança maldita de Lula?

Não gosto desse nome, porque é fruto da disputa política. Mas é o que ainda vai impedir conseguirmos um crescimento mais acelerado e sustentável. Se você não fizer essa melhora fiscal, não vai resolver problema de infraestrutura, não vai avançar na qualidade da educação - que é o que faz a diferença para o crescimento. Temos um crescimento razoável e a distribuição de renda melhorou. O grande desafio é como jogar a taxa de investimento, sustentável, acima de 20%, para crescer, sustentavelmente, mais do que 5% ao ano.

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