quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Vinicius Torres Freire :: Câmbio e revolução bolivariana

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Redistribuição de renda foi forte na Venezuela de Chávez, mas economia não dá conta da alta do consumo popular

Venezuelanos correm às lojas a fim de comprar TVs e eletrodomésticos. Racionalmente, temem que os produtos desapareçam ou fiquem mais caros devido à mudança no câmbio. Um dólar no mercado oficial valia 2,15 bolívares até a megadesvalorização da moeda decretada por Hugo Chávez, na semana passada. Agora, no câmbio de produtos "não essenciais", um dólar compra 4,3 bolívares.

A Venezuela importa muito e quase de tudo de seu "consumo essencial". Não se trata de inovação chavista. Desde meados do século passado, a elite venezuelana ignorou o problema do câmbio valorizado, que se agravou com o aumento das exportações de petróleo. Indústria e agricultura foram muito prejudicadas. Com a melhoria da distribuição de renda e a redução da pobreza nos anos mais recentes de Chávez, o consumo popular aumentou. A produção não aumentou o suficiente.

Preços e juros tabelados, licenças para importar e algumas outras intervenções ineptas nas empresas limitam os investimentos. Tem havido racionamento de eletricidade.

A distribuição de renda tem sido forte na Venezuela. Em 1997, a renda dos 20% mais ricos era 14,5 vezes superior à dos 20% mais pobres, segundo dados da Cepal (Chávez assumiu em 1999). Em 2008, tal relação caíra para 9, uma queda de 38%. No Brasil, a renda dos mais ricos era 35,6 vezes maior que a dos 20% mais pobres, relação reduzida para ainda absurdas 24 vezes em 2008 (queda de 32%). Na Colômbia, a desigualdade aumentou. A renda dos mais ricos era 20 vezes a dos mais pobres em 1996 e 22 vezes em 2008. No México, tal relação ficou quase na mesma (16 em 1998, 14 em 2008).

Desde 1998, o PIB venezuelano cresceu 38%. O do "reformado" México, 33%; Brasil, 39%; Argentina, 32%. O melhor aluno da classe, o liberal Chile, 45%. Mas o Chile já era um país mais arrumado e civilizado antes das "reformas" e é muito pequeno. Em suma, outra história.

A revolução bolivariana então é um sucesso? Difícil. No que diz respeito à economia, com ou sem revolução a Venezuela depende simplesmente do preço do petróleo. Entrou em recessão de uns 3% no ano passado devido à baixa do preço do barril. Não deve crescer nada neste ano. Com a desvalorização do bolívar, Chávez redistribui parte da renda nacional. A estatal do petróleo PDVSA vai receber mais bolívares pelos seus, digamos, petrodólares. O petróleo responde por cerca de 50% da receita do governo. Assim, Chávez põe mais dinheiro no cofre. A desvalorização também reduz o valor relativo da dívida em relação às receitas do governo. Enfim, o bolívar fraco vai encarecer bens comprados pelos mais ricos e reservar mais dólares para a compra de comida, remédios e máquinas. Mas vai encarecer muito insumo industrial, o que já tem ocorrido devido à escassez de divisas e ao controle de câmbio. No câmbio livre, paralelo, a taxa ontem era de 6,4 bolívares por dólar. Chávez pretende substituir o investimento privado com esse caixa extra da desvalorização, além de manter o gasto social. Este ano é de eleição parlamentar na Venezuela.

No curto prazo, o remendo funciona. Mas, sem investimento, sua revolução pode resultar em cubanização, no pior sentido da palavra.

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