domingo, 21 de fevereiro de 2010

'O PT virou um partido de caciques'

DEU EM O GLOBO

Fundador do PT diz que o lulismo destruiu o partido e desvirtuou suas metas

ENTREVISTA: Plínio Sampaio

O jurista e professor Plínio de Arruda Sampaio completa 80 anos em julho. Autor dos primeiros documentos da história do PT, Plínio deixou o partido em 2005, depois de sentir que, internamente, a minoria de esquerda não “chegaria à maioria”. É um dos principais nomes do PSOL e faz campanha como pré-candidato a presidente da República pelo partido.

É apoiado por uma lista de intelectuais que faria inveja a qualquer universidade. Com saudade do PT que ajudou a fundar, Plínio afirma que o petismo deu lugar ao lulismo, e que o partido já se desviava de sua rota desde a primeira campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, em 1989. “Tenho orgulho de ter fundado o PT. Não assinei a ata de fundação, mas, a pedido do Lula, fiz a primeira proposta de estatuto do partido”.

Tatiana Farah
SÃO PAULO


O GLOBO: Analistas dizem que a posição de concessão caracteriza o presidente Lula. O lulismo venceu o petismo?

PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO: Totalmente. O lulismo destruiu o petismo. Quem não destruiu, sugou. O “petista petista” está traumatizado. Se eu pudesse, empacotava o manifesto de lançamento do partido e mandava para eles. Falava: o PT propôs isso, e, em 30 anos, desviou-se. É um belo documento, dos explorados contra os exploradores, apresenta um socialismo democrático.Desviou-se para ser esse partido de caciques.

O senhor saiu do PT em 2005, depois do mensalão.

PLÍNIO: Não saí por causa do mensalão. Disputei a presidência do PT no meio do mensalão, contra Berzoini. Saí porque, numa democracia, a minoria pode virar maioria; mas constatei que, do jeito que está o PT, ninguém vence a direção.

Quem recebe quer pagar o favor com o voto’

Qual sonho o PT abandonou?

PLÍNIO: Essas coisas não são de uma vez: o sujeito não é honesto hoje e amanhã fica desonesto. O sujeito concede. O começo do desvio foi uma análise equivocada da eleição de 1989, quando perdemos por 2%. Em 1994, a análise era a de que “perdemos porque nosso discurso é radical e não fazemos alianças que não sejam de esquerda. Temos de nos entender com todo o empresariado do capital e precisamos rebaixar o programa”.

Que papel o mensalão tem nesse processo?

PLÍNIO: Ele é consequência. A política burguesa não se faz sem caixa dois. Só que, no PT, não souberam fazer isso. Alguns se corromperam pessoalmente, outros se corromperam só politicamente; e a reação a isso foi péssima, cínica: “Fiz porque todos fazem”. É inaceitável.

Quando vê o trabalho do governo Lula, pensa que, num governo de direita, seria igual?

PLÍNIO: Não tem diferença substancial, mas tem uma diferença importante. Você tem 70 milhões de brasileiros em situação melhor. Uns 20 milhões, porque a renda aumentou, com acesso aos eletrodomésticos. E tem 50 milhões de pessoas que pelo menos estão recebendo R$ 100 por mês. Essas pessoas estão satisfeitas; e isso explica os 80% de aprovação do Lula. É a cultura do favor: esse que recebeu atribui a um favor do Lula e quer pagar esse favor, com o quê? Com o voto. É um assistencialismo muito bem colocado. E, para a burguesia, é uma mão na roda: a população tranquila e ela mamando à vontade.

Na questão agrária, como foi o governo?

PLÍNIO: Um descalabro, uma coisa perigosa. A perpetuação da pobreza no Brasil começa no campo e reforça-se na educação. Lula fez clara opção pelo agronegócio. Fiz o plano de reforma agrária do governo, que não foi cumprido. Cortaram pela metade, para 500 mil. Aí maquiam, inventam que titulação de terra é reforma agrária. Título de terra é questão jurídica, não política de Estado.

Não tem saudade do PT?

PLÍNIO: Como não? Tenho enorme saudade. Foi o primeiro partido que o povo construiu. O povo levou 500 anos para conseguir um grau de paciência e articulação que permitiu fazer um partido. No começo do PT, era uma delícia. Acabou.

Mantém amigos no PT, mesmo José Dirceu?

PLÍNIO: Sim, sempre separei as coisas. Eu e José Dirceu somos antípodas. Sempre um esteve de um lado e o outro, de outro. Menos na questão do vice do Lula em 89, em que nos unimos para boicotar o Gabeira. Nós dissemos: eleição é coisa séria, não vamos colocar o Gabeira (diz, rindo).

O professor Helio Bicudo disse que, num segundo turno, votaria em José Serra. E o senhor?

PLÍNIO: Quero votar em mim.Mas, se estiverem os dois (Dilma e Serra), voto nulo.

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