quarta-feira, 17 de março de 2010

A exegese de um paradigma:: Rosângela Bittar

DEU NO VALOR ECONÔMICO

No cargo de ministro, que lhe dá vitrine política mais do que tem qualquer pré-candidato a Presidente da República sem um palanque no Executivo, Juca Ferreira, da Cultura, tem transformado a senadora Marina Silva (PV) em vilã. Ao construir um discurso para justificar pedido de suspensão de sua filiação ao Partido Verde com o objetivo de apoiar a candidata do PT, Dilma Rousseff, e não a da sua legenda, surgiu com denúncias de uma aliança de Marina à direita, vislumbrou uma escoliose à direita que teria entortado também o PV.

Por que não assumir o extremado pragmatismo apenas como tal, sem atacar uma candidata com quem, até ontem, tinha uma relação de amizade, é uma questão cuja resposta o PV debate, comenta e está identificando nesta ação do ministro um instrumento a serviço da campanha do PT: "Ele está batendo na Marina porque foi escalado, tem que se fazer útil a Dilma de alguma forma para ficar no Ministério", afirma o coordenador da pré-campanha da senadora, o vereador carioca Alfredo Sirkis.

Sirkis conhece a história toda, não só da candidatura do PV, como da relação de Juca Ferreira, de quem era amigo há 30 anos, com todos eles e com o cargo. Considera "chave" a definição do ministro para sua virada, a de que não poderia dormir ministro e acordar oposição. Para ser cem porcento honesta, diz Sirkis, a frase teria que ser "não posso dormir ministro e acordar não ministro; quero dormir ministro, acordar ministro e poder dormir sonhando que vou continuar ministro até 31 de dezembro de 2014".

Há histórias que já caíram no domínio do folclore do PV há tempos, antes mesmo da atual refrega, lembradas hoje para destacar o apreço preponderante ao cargo. Revelam que Juca, quando ainda era Secretário Executivo do Ministério dirigido por Gilberto Gil, distribuía cartões de visita intitulando-se com um inexistente "vice-ministro da Cultura". Numa convenção do PV, em Brasília, Gilberto Gil havia viajado e o Secretário Executivo era o ministro interino. Seu discurso aos convencionais não estava sendo ouvido por um grupinho que conversava, ao fundo. Interrompendo-se, ele deu bronca na meia dúzia de mal-educados, afirmando que, se não o respeitavam como dirigente do PV, que o respeitassem como ministro.

Foi vaiado pela convenção inteira mas ali ficou patente, para a cúpula partidária, o extraordinário significado do cargo para ele. "São fatos que ilustram quanto o cargo é importante para ele e, para continuar ministro, a mando da turma stalinista da ministra Dilma, o trato é virar um instrumento para bater na Marina", afirma Sirkis, emendando ser evidente que há acordo de compensação para se manter em um ministério cobiçado como este. E cobiçado, sobretudo, pelo PT.

A avaliação que faz o PV é que houve duas situações determinantes na troca de Gil por Juca. Uma é que Gil pediu a Lula para manter o Juca. Outra é que vários nomes do PT se digladiavam pela vaga - Sérgio Mamberti, Antonio Grassi, Márcio Meira - e o presidente não quis arbitrar e optou pelo indicado de Gil.

"Não somos contra a Dilma nem contra o Serra, somos uma alternativa mais avançada que os dois, estamos mais à frente", diz Sirkis. Segundo o coordenador, Juca, desde meados do ano passado, antes mesmo de Marina mudar-se para o PV e lançar-se pré-candidata, vem conversando com a direção partidária sobre o assunto. "Sabíamos que o partido queria lançar candidato próprio e por isso, no prazo de desincompatibilização, ele teria que deixar o governo; em outubro, entre o primeiro e segundo turno, faríamos uma convenção para votar uma posição majoritária; quem discordasse teria direito individualmente de ter uma posição diferente no segundo turno mas, no primeiro, todos iriam apoiar o candidato do PV. Na época, não se colocava a candidatura da Marina. Hoje, achamos até que temos chances de ir ao segundo turno. Não é fácil, mas temos chances".

O PV diz ter avisando ao Juca que teria que sair e, em vez disso, chegada a hora, ele lançou o discurso político contra o partido e a candidata para aderir à candidatura da Dilma. "Na verdade, o problema dele é acordar ministro."

Paralelamente a este drama que se desenvolve no proscênio, há outro rolando nos bastidores, a questão da Bahia. No PV baiano dois grupos se confrontam, o liderado por Juca e outro pelo deputado Edson Duarte. Uma disputa que se desenrola há oito anos: ambos foram candidatos a deputado federal, apenas Duarte foi eleito. As duas facções trocam farpas com frequência e, embora esteja em um cargo que poderia lhe dar grande ascendência sobre o PV baiano, Juca perdeu espaço para o grupo de Duarte. O ministro não se dá, também, com José Luiz Penna, o presidente do PV, também baiano, tendo sido ambos, de tão amigos, donos de uma mesma jangada na adolescência, mas por duas vezes disputaram a presidência do partido, Penna venceu, Juca perdeu.

Tendo sido vizinho da senadora Marina Silva quando ela era ministra do Meio Ambiente (os Ministérios são no mesmo prédio) Juca Ferreira tentou dissuadi-la de migrar para o PV. No dia em que ela se filiou, lembra Sirkis, o ministro anunciou que o PV não estava preparado para receber Marina. "E depois resolveu que o PV está aliado à direita e por isso vai apoiar a Dilma. É um discurso engraçado, a Marina vai correr sozinha, já a Dilma terá o apoio do PMDB, do PP, do PR, do Renan Calheiros, do Jáder Barbalho, do José Sarney. É a esquerda pura e dura", ironiza.

Por que, então, em lugar de sair de vez do partido, o ministro da Cultura pediu apenas uma suspensão de filiação? Acredita o PV e a direção da pré-campanha que ele quer manter opções. "Se Dilma vencer, com a força do governo ele acredita poder travar a luta interna no PV com mais poder e, desta vez, vencer".

Para o coordenador, os ataques do ministro não têm uma consequência para o PV ou para a candidatura de Marina além das perdas sentimentais: "É chato uma pessoa próxima, de repente, começar a bater; é ruim perder amizade por causa de política; incomoda muito mais no nível subjetivo do que representa um prejuízo político. Mas é um caso exemplar, bem dentro do paradigma da política brasileira".

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

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