quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Adiar o inadiável :: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

A tática não está dando certo. O governo adiou a conclusão da sindicância sobre Erenice Guerra, nem ouviu a própria Erenice, mas novos indícios surgem. A Fazenda tentou embrulhar a quebra do sigilo fiscal de adversários políticos na Receita como crime comum, mas novos indícios surgem. Dilma Rousseff chamou de "fofoca" a queixa judicial de um banco do governo alemão, mas a dúvida continua.

O governo quer deixar para divulgar tudo depois das eleições para evitar marolinhas, mesmo assim está sendo difícil adiar o esclarecimento das graves questões que surgiram durante o processo eleitoral.

Há 60 anos o KfW financia o desenvolvimento brasileiro, é parceiro estratégico. É uma espécie de BNDES alemão, não pode ser tratado como um bancorete que quer fazer "fofoca" no Brasil. O próprio banco divulgou nota deixando claro que não quer influir na disputa eleitoral brasileira. O que ele tem é uma disputa judicial e financeira. A instituição diz que recebeu a confirmação de que a Eletrobrás poderia ser o avalista de um empréstimo privado que estava sendo concedido. Entre os que garantiam isso estava o homem que é diretor da Eletrobrás e presidente do conselho de administração da Eletrosul, Valter Luiz Cardeal de Souza. Ele foi para o governo federal levado por Dilma Rousseff e foi mantido em seus postos mesmo após ser denunciado por gestão fraudulenta na operação Navalha, em 2007. O empréstimo dado aos projetos não foram pagos e os projetos não foram feitos. O dinheiro sumiu. E agora? É que o banco quer saber.

A candidata Dilma Rousseff está repetindo nesse caso o mesmo comportamento que teve no caso Erenice: o de desprezar a informação como falsa. Primeiro, ela disse que o caso Erenice era "factóide". Hoje, gasta energia se esgueirando da pergunta óbvia: como não sabia de nada já que Erenice era seu braço direito? Diante do escândalo do Cardeal, ela usa a palavra "fofoca". E os fatos estão exigindo uma explicação mais sólida e consistente.

Está na hora de saírem de cena as respostas preparadas pelos marqueteiros. A candidata Dilma Rousseff precisa responder com sinceridade ao povo brasileiro sobre os vários casos que se acumulam. Dilma tem reconhecidas qualidades, mas ao mesmo tempo há sombras assustadoras levantadas em cada um desses casos. As manobras protelatórias, o ato de varrer para debaixo do tapete as dúvidas e indícios, as negativas desqualificadoras do tipo "é factóide" ou "é fofoca" só vão tirar dela credibilidade antes mesmo de ela assumir, caso seja eleita.

Um banco como o KfW não pode ser tratado com esse desprezo pelo que está reclamando. Ele já financiou inúmeros empreendimentos no Brasil nos últimos 60 anos, inclusive as centrais nucleares. Certamente será necessário no futuro. Pode-se provar na Justiça que ele está errado em sua queixa e que nunca alguém do governo brasileiro deu qualquer garantia estatal para empréstimos ao setor privado, mas o que não se pode é fazer pouco de uma ação judicial impetrada pelo banco alemão como fez a candidata Dilma Rousseff. Ela teria que ser ainda mais cuidadosa porque quem está envolvido no caso é uma pessoa nomeada por ela mesma para cargos no governo Federal. Se o seu critério não funcionou no recrutamento de Erenice Guerra, mais um motivo para que o assunto seja levado a sério, porque Dilma está pedindo aos eleitores que confie o país ao seu comando, por quatro anos.

A "Folha de S.Paulo" publicou que o esquema de tráfico de influências montado pela família de Erenice Guerra no Planalto usava também dois outros órgãos da presidência, a Secretaria de Assuntos Estratégicos e o Gabinete da Segurança Institucional. E que um desses supostos elos é Gabriel Laender, um dos responsáveis pelo Programa Nacional de Banda Larga. Ele foi advogado da Unicel, empresa na qual o marido de Erenice foi diretor. Ou seja: mais uma volta no enrolado novelo da Casa Civil.

O caso da Receita, que antes da hora o órgão tentou dar por encerrado, tem novas suspeitas de que os dados acessados tinham objetivo de serem usados politicamente. A suspeita de uso da máquina pública contra adversários continua pairando sobre a Receita. A conclusão do corregedor do órgão havia sido de que houve compra e venda de informações, mas que não haveria indícios de que as informações foram acessadas para uso político, apesar de as vítimas serem quatro pessoas ligadas diretamente à cúpula do PSDB ou ao candidato José Serra. É preciso ter uma enorme capacidade de abstração para não ver as suspeitas de uso político. Felizmente, a Polícia Federal continua investigando e apareceram agora novos dados e suspeitas.

O importante para a Receita Federal era lutar por sua própria reputação. O órgão, respeitado por sua seriedade, aceitar fazer parte de uma tentativa de acobertamento é assustador.

Ao Jornal Nacional, esta semana, Dilma Rousseff disse o seguinte: "a gente tem que ser muito claro com o eleitor e não tentar enganá-lo. Erros e pessoas que erram acontecem em todos os governos. O que diferencia os governos é a atitude em relação ao erro. Nós investigamos e punimos." É. Pois é. Então é preciso não adiar as informações do caso Erenice, não enganar os eleitores no caso da Receita, incluir Erenice na investigação porque até agora ela não foi incluída, não desprezar a queixa judicial feita pelo banco alemão. Em suma: falar claro.

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