terça-feira, 9 de novembro de 2010

Visão restrospectiva politicamente possível :: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL (online)

O acerto de divergências entre duas gerações que se desentenderam cedo e vieram a se confrontar nesta sucessão presidencial, no recomeço da história, mais uma vez está adiado por tempo imprevisível. Outro não ocorrerá tão cedo. Dilma Rousseff e José Serra já não representam as ideias que os moviam na passagem da juventude para a idade adulta, por causa das duas gerações a que pertenciam. Serra formou seus conceitos políticos, ainda estudante e já militante, num Brasil que não resolvera suas contradições acumuladas em torno do nacionalismo econômico dos anos 50 e do insucesso da democracia, como a concebeu a Constituição de 1946.

Dilma Rousseff veio com a geração seguinte, nos anos 60. Depois do AI-5, a prioridade juvenil escolheu o confronto com a ditadura e, ao mesmo tempo, um projeto de esquerda, a ser definido depois, atropelou as duas gerações e interrompeu, por vinte anos, a continuidade constitucional do Brasil na segunda metade do século 20.

Pode-se dizer que ambos, Serra e Dilma, representaram modos políticos de ver e resolver questões econômicas e sociais que envolveram as duas gerações. Serra se beneficiou da revigorada visão democrática que, incluindo o Brasil, aliviou o mundo com a vitória militar sobre o fascismo e o nazismo. Foi contemporâneo da formulação e da expansão do pensamento econômico associado à democracia revigorada pelo nacionalismo econômico. Dilma Rousseff pertence à geração seguinte, que se apresentou muito cedo à resistência radical contra a ditadura. Com o advento das crises políticas e o ocaso das liberdades democráticas nos anos 60, a geração – ainda estudantil – anteciparia presença no espaço onde a representação política exercia o ócio sem dignidade.Inevitável que formas de luta que não convenciam os mais velhos parecessem perfeitamente viáveis à juventude.

O acerto das divergências entre as duas gerações veio sendo adiado ao longo do tempo pela impossibilidade de conciliar, na teoria e na prática, a via democrática com aalternativa da luta armada. Prevaleceu a iniciativa de mobilizar a classe média para a empreitada, mas as diferenças se multiplicaram. Desse desencontro resultou o distanciamento entre a esquerda representada pelo partidão e os movimentos radicais com pequenas diferenças entre eles. A divergência se prolongou com dificuldades imprevistas e resistiu à volta, lenta e gradual, à legalidade. E fomentou a má vontade que se estabeleceu entre as diferentes visões de esquerda e levou à criação do PT, somando a juventude católica, o movimento sindical e intelectuais por uma visão política em torno da qual se estruturou o partido quando as condições permitiram. Desde logo o PT recorreu ao sectarismo como método para se manter isolado, ter candidatos puro-sangue e destilar intolerância no relacionamento com outras tendências.

Primeiro foi a recusa de participar da negociação com o governo militar e depois com a candidatura de Tancredo Neves à eleição indireta. O ato político definitivo foi a representação petista na Constituinte recusar-se a assinar a Constituição. A difícil convivência com outras tendências, mesmo de esquerda e particularmente com a social-democracia recém-chegada ao Brasil, malbaratou a oportunidade de recomeço democrático. Foi quando se sedimentou o ressentimento petista, que se manifestou no segundo turno da campanha presidencial vivida por Dilma Rousseff e José Serra. Duas candidaturas de esquerda são um luxo ocioso, como ficou evidente no último capítulo de uma evolução desnecessariamente lenta e inutilmente gradual. Desde o começo, tudo se entende, mas nada se explica.

A presidente Dilma Rousseff é, por enquanto, a expressão do politicamente possível, mas à espera de não se sabe exatamente o que será.

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