terça-feira, 2 de março de 2010

Reflexão do dia – Tancredo Neves

As alvoradas da liberdade não surgem como um acontecimento natural. As manhãs da liberdade se fazem com a vigília corajosa dos homens que exorcizam com sua fé os fantasmas da tirania.


(Tancredo Neves, ao deixar o governo de Minas Gerais, em agosto de 1984, para concorrer à presidência).

Minas decide:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

As pesquisas eleitorais estão demonstrando que a estratégia traçada pelo presidente Lula para vencer a eleição deste ano está dando certo, enquanto a do PSDB esbarra mais uma vez na divisão partidária.

Mesmo tendo literalmente inventado a candidatura de Dilma Rousseff, empurrando-a goela abaixo do PT, Lula conseguiu passar para sua base um sentimento de preservação do poder que produziu uma unidade partidária que está levando o projeto adiante com bons resultados.

Mesmo que conte para isso com a leniência de nossa Justiça Eleitoral, que se pega em formalismos para não conter os evidentes avanços presidenciais aos limites legais da propaganda fora de época.

Já os tucanos mais uma vez se debatem em disputas internas, sendo a mais visível e fundamental aquela entre os governadores José Serra e Aécio Neves, que continua latente mesmo depois da desistência do mineiro de disputar a Presidência.

Ainda existem bolsões de resistência à candidatura Serra, que veem nos resultados das últimas pesquisas um sinal de fraqueza, embora ele continue na liderança.

Mas não parece viável uma desistência a esta altura, a começar pelo perigo de Serra colocar mesmo em risco uma reeleição ao governo paulista com a fama de medroso.

Além do mais, apesar do bom momento de Dilma, o candidato tucano ainda está na frente e, sem Ciro na disputa — o que hoje é quase certo —, ele se mantém na faixa dos 40% dos votos, tendo perdido apenas 2 pontos percentuais, dentro da margem de erro.

Seria preciso que caísse muito para chegar aos 18% que o governador mineiro ostenta no momento nas pesquisas.

Mesmo assim, sem o apoio de Aécio, dificilmente Serra conseguirá vencer a eleição.

Mais do que nunca o PSDB está procurando uma maneira de explicitar para o eleitorado mineiro — e nacional — que seu governador Aécio Neves está comprometido com a vitória de José Serra na eleição presidencial.

Mesmo que não venha a aceitar ser candidato a vice na chapa tucana, é preciso que Aécio tenha um papel preponderante na campanha, e o cargo de coordenador nacional pode lhe ser oferecido.

A tese fundamental que anima o PSDB, mesmo diante da constatação de que a candidatura oficial de Dilma Rousseff está crescendo até mais rápido do que se imaginava, é que os estados mais importantes do Sudeste — Minas, São Paulo e Rio — podem garantir a vitória e, sobretudo, que quem vencer em Minas ganha a eleição no Brasil.

O panamenho José Perigault, que fundou o Ibope juntamente com Paulo Montenegro, descobriu certa ocasião que o bairro do Méier era representativo de todo o estado do Rio de Janeiro. O resultado de uma pesquisa no bairro dava praticamente o mesmo resultado do estado.

Anos depois, Carlos Augusto Montenegro, filho do fundador e atual presidente do Ibope, descobriu que o estado de Minas Gerais é o reflexo do Brasil.

Tem sua parte Nordeste na região do Vale do Jequitinhonha, e por isso faz parte da Sudene; ao mesmo tempo é a segunda economia do país (disputando com o Rio), com uma região fortemente industrializada, grande influência paulista na divisa com São Paulo; Juiz de Fora é muito ligada ao Rio de Janeiro; e o estado tem no agronegócio uma parte influente de sua economia.

O resultado das eleições presidenciais lá tem refletido essa lógica, e, desde a redemocratização, nenhum presidente foi eleito sem vencer em Minas.

Como nunca houve um candidato mineiro para distorcer os números — Aécio, por exemplo, foi eleito com 70% dos votos em 2006 —, os resultados refletem cada vez mais a média nacional.

Em alguns casos, como em 2006, o resultado local foi praticamente igual ao nacional: Lula teve 50,80% (48,6% no país), contra 40,6% (41,6% no país) de Alckmim.

Em 1989, Collor teve 36,1% em Minas (30,5% no país) contra 23,1% (17,2%); em 1994, Fernando Henrique teve 64,8% em Minas (54,3% nacional) contra 21,9% de Lula (27%); em 1998, FH teve 55,7% em Minas (53,1% nacional) contra 28,1% de Lula (31,7% nacional). Em 2002, Lula venceu com 53% (46,4% nacional) e Serra teve 22,9% (23,2%).

No Rio de Janeiro, Serra continua um pouco na frente de Dilma, em que pese o fato de os dois principais candidatos ao governo serem da base aliada: Sérgio Cabral (PMDB) e Garotinho (PR).

O apoio de Gabeira, do PV, mesmo indireto — ele estará no palanque da senadora Marina Silva —, é considerado importante.

Em São Paulo, o governador Serra acredita que tem condições de tirar cerca de seis milhões de votos de diferença, número que nenhum candidato tucano conseguiu alcançar nas últimas eleições.

Em 1994, Fernando Henrique teve 4,6 milhões de votos de diferença para Lula, ampliando para 5,1 milhões em 1998. Em 2002, mesmo não sendo governador, Serra venceu com uma diferença de 4,5 milhões de votos, e em 2006 o ex-governador Alckmin teve sobre Lula uma diferença de 3,8 milhões de votos.

Todas essas eleições foram disputadas contra Lula, o que dá uma dimensão da dificuldade maior da tarefa que Serra tem hoje contra Dilma.

O PSDB vem consolidando um domínio do território paulista que se reflete no resultado das eleições locais. Serra foi eleito no primeiro turno contra Mercadante, e atualmente o ex-governador Geraldo Alckmin aparece como o favorito, tendendo a vencer também no primeiro turno contra um PT que não tem candidato ao governo paulista e tenta inventar a candidatura de Ciro Gomes, o que, provavelmente, só fará aumentar as chances de Alckmin vencer no primeiro turno.

Todas essas contas tucanas, no entanto, só terão validade se a transferência de votos de Lula para sua candidata não for além daquela faixa de 1/3 dos eleitores que tradicionalmente vota no PT.

Se, no entanto, como afirmam os petistas, os eleitores começarem a identificar Dilma com a continuidade do governo, será difícil derrota-la. A delicada tarefa de Serra é derrotar Dilma sem atacar Lula.

Intenção e gesto:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A pesquisa Datafolha registrando as perdas (para José Serra) e os ganhos (para Dilma Rousseff) da pré-disputa eleitoral nos últimos dois meses não surpreendeu, mas abalou os nervos da oposição e deve alterar a agenda do PSDB para o mês de março.

O governador de São Paulo continua firme na decisão de só anunciar oficialmente a candidatura no início de abril, o que faz com que seus companheiros de partido antevejam um período de adversidades daqui até lá. Será uma travessia dura de aguentar, constatam.

Serra já sabia que as pesquisas apontariam o crescimento de Dilma e havia sido alertado que poderia mesmo haver um empate técnico. Ainda assim, no sábado, quando os números da pesquisa já circulavam dando conta da redução da dianteira do tucano para 32% e do aumento do porcentual da petista para 28%, o tucanato constatou que, se algo não for feito no campo da comunicação com a sociedade, na próxima pesquisa Dilma poderá passar à frente de Serra.

Esse "algo" teria também o objetivo de pôr um fim às especulações de que o governador desistiria da candidatura presidencial para concorrer à reeleição.

Essa hipótese está fora de cogitação na seara tucana. É disseminada pelo PT, por motivos óbvios, e, segundo identificou o PSDB, por lideranças do partido que ainda apostam na possibilidade de o governador Aécio Neves vir a disputar a Presidência.

Como antecipar o anúncio Serra não vai, o mais provável é que faça gestos no sentido de confirmar a candidatura, deixando claro que a data do anúncio não altera a decisão, já tomada, de se candidatar.

Que tipo de gesto? Por exemplo, semelhante ao feito no carnaval, quando Serra compareceu a camarotes em desfiles no Nordeste. Não o fez por amor a Momo, mas para marcar presença de candidato.

No PSDB a expectativa é de que o primeiro desses "gestos" seja feito nos próximos dias em Minas Gerais, durante a festa em comemoração aos 100 anos de nascimento de Tancredo Neves, avô do governador Aécio e sonho de consumo de 11 em cada 10 tucanos interessados na chapa puro-sangue.

Cautelosos, os correligionários de José Serra não ousam falar na possibilidade de o governador de Minas fazer a gentileza partidária de, na ocasião, dar algum sinal de que está viva a hipótese da composição dos dois em uma chapa e mortíssima a ideia de ser o candidato no lugar de Serra.

Não falam, mas torcem para que ocorra algo nessa linha.

Qualquer coisa para fazer frente à ofensiva governista, que, além da campanha de Lula, ainda teve a seu favor a realização do Congresso do PT com o lançamento da candidatura de Dilma Rousseff e o noticiário desfavorável ao PSDB por causa das enchentes em São Paulo.

Por mais que o partido procure manter a frieza e analisar os números com racionalidade face às circunstâncias, em disputas políticas desprovidas de conteúdo como as nossas, o que vale são as aparências.

Até agora, o que sustenta o ânimo da oposição é a dianteira de Serra a despeito da campanha explícita, diária e poderosa do presidente Luiz Inácio da Silva em prol de sua candidata.

Se Dilma assumir a liderança, o trunfo se perde. Ainda que não signifique uma representação real do cenário da campanha propriamente dita, isso tem influência na composição de alianças com partidos que compõem a base governista e não pretendem abdicar do posto seja quem for o presidente.

Pacto sinistro

Qual seria a opinião da combativa Dilma Rousseff se um presidente soi-disant de esquerda, de país democrático, autor de um plano de defesa dos direitos humanos que visitasse o Brasil durante a ditadura militar e ignorasse os presos e torturados, tripudiasse de suas agruras, para se confraternizar com o regime?

A dúvida não inclui o então sindicalista Luiz Inácio da Silva, que já se manifestou mais de uma vez sobre sua alienação a respeito do que se passava no País para além do ufanismo do "Brasil grande" em que a economia era celebrada e as liberdades, as garantias e os direitos civis ignorados.

Mal comparando, é mais ou menos como ocorre hoje em relação ao caráter excludente entre os conceitos de ética e governabilidade.

Refém do autoritarismo, prisioneira nos subterrâneos do arbítrio, a jovem militante Dilma teria todos os motivos para desconfiar da sinceridade dos propósitos democráticos do governante em questão.

Pois é exatamente essa semente da suspeição que Lula plantou nas mentes que tanto o admiram no plano internacional com as declarações desumanas que fez em Havana a respeito da greve de fome, da morte e em apoio ao tratamento que a ditadura cubana conferiu ao caso do dissidente Orlando Zapata.

José Mindlin

Não é sempre, mas de vez em quando soa injusto quando a natureza aplica a regra geral da inexorabilidade da partida.

Aécio: prós e contras:: Fernando de Barros e Silva

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Aécio Neves faz questão de deixar claro que não quer ser candidato a vice numa chapa com José Serra. Isso não significa, necessariamente, que não será. Na política, a vontade e as circunstâncias vivem em permanente disputa. Não sabemos o que prevalecerá neste caso.

Mas, qualquer que seja a escolha de Aécio, ela comporta vantagens e desvantagens.

Quais seriam as razões para não aceitar a vice? Ninguém desconhece que os tucanos terão uma campanha muito difícil. Fora da chapa, Aécio evita o risco de ser sócio da eventual derrota -ou até de um fiasco histórico. Mais: se dissocia da geração do PSDB que enfrenta agora a sua última grande batalha e fica em condições de se apresentar no dia seguinte como o nome capaz de juntar os cacos da oposição. Seria não o pós-Lula, mas o pós-Serra.

No entanto, se Aécio se ausentar do jogo e Serra produzir, sem ele, o milagre da vitória, este talvez seja o pior desfecho para o mineiro.

E quais razões teria ele para aceitar o café com leite tucano? Aécio seria sócio de uma hipotética vitória e não poderia ser crucificado por uma eventual derrota. Receberia, além disso, ao menos em tese, uma boa fatia do poder conquistado.

Mas nada disso parece sensibilizar o governador. Ele tem reagido aos apelos alegando que o efeito positivo de sua entrada como vice na campanha seria apenas momentâneo e iria se diluir no processo, tendendo para a total irrelevância.

Os tucanos insistem porque, sem "amarrar" Minas, o segundo maior colégio eleitoral do país, suas chances ficarão muito escassas. Mas Aécio diz que tem condições de trabalhar melhor o eleitorado mineiro se fincar os pés no Estado e concorrer ao Senado, como pretende.

O que pode parecer um diálogo de surdos é, na verdade, um sintoma de prioridades distintas. A de Aécio é eleger o seu vice, Antonio Anastasia. Ser derrotado em casa ao cabo de oito anos para Hélio Costa ou para o PT seria desastroso. De certa forma, até pior do que ver o sonho de Serra virar pesadelo.

"Vou Deixar" - Paula Lima

Em busca de uma estratégia

DEU EM O GLOBO

Tucanos vão aproveitar festa em Minas para tentar criar fato em torno de Serra e Aécio

Gerson Camarotti e Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA e SÃO PAULO - Diante da queda das intenções de votos no governador José Serra na disputa presidencial, a cúpula do PSDB já prepara dois movimentos: um para acabar com as dúvidas em torno da candidatura do paulista e outro para tentar assegurar o governador mineiro, Aécio Neves, como vice na chapa. A oposição pretende aproveitar a cerimônia de inauguração da nova sede do governo de Minas Gerais, marcada para a quinta-feira, para tentar deflagrar uma reação ao crescimento da candidata petista, Dilma Rousseff.

Mas, atordoado com o resultado da última pesquisa Datafolha, que aponta uma queda de 14 para apenas quatro pontos da vantagem de Serra em relação a Dilma — ele hoje teria 32% e ela, 28% — , o PSDB ainda não tem uma estratégia para reverter esse quadro negativo ao longo da campanha eleitoral.

Serra já confirmou presença no evento em Minas, mas existe o temor entre seus aliados de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva compareça à cerimônia e atrapalhe a festa tucana.

— Esse encontro em Minas deve funcionar como um clamor nacional para que Aécio seja o vice — disse a vice-presidente nacional do PSDB, senadora Marisa Serrano (MS).

O presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), minimizou as últimas declarações de Aécio, que ontem negou a possibilidade de compor uma chapa puro-sangue, alegando ser mestiço.

— Eu já ouvi isso há um ano, que ele (Aécio) não vai ser candidato a vice.

Claro que se Aécio quisesse ser vice, ajudaria — ponderou Guerra.

Para aliados, Serra não decidirá agora

Serra enfrenta o desgaste decorrente das enchentes em São Paulo. O próximo programa partidário do PSDB só deverá ir ao ar na segunda quinzena de junho, enquanto sua adversária permanecerá com grande destaque na mídia com ações de governo durante todo o mês de março.

— Serra tem de fazer um gesto claro nesta direção sem dizer que é candidato. Ele tem de ratificar essa posição com alguns gestos, e o partido tem de se mobilizar como se Serra já fosse candidato — defendeu o deputado Jutahy Júnior (PSDB-BA), um dos principais interlocutores de Serra.

— As forças que apoiam a candidatura do governador José Serra têm duas opções: ou se mobilizam para a luta ou serão superadas.

Os partidos de oposição estão sendo desafiados para a luta — reforçou Guerra.

Pessoas próximas a Serra não acreditam na antecipação do lançamento de candidatura. Para eles, o governador paulista deve manter a operação “nervos de aço” para resistir à pressão de se lançar candidato à Presidência da República logo.

Pessoas próximas a ele não acreditam na antecipação do lançamento de candidatura, mesmo depois das recentes pesquisas.

— Desde dezembro, o governador sofre pressão dentro e fora do partido para antecipar a sua candidatura.

Mas ele não deve abrir mão da operação nervos de aço para se manter firme em seu propósito — disse um aliado próximo ao governador.

A expectativa é que Serra anuncie sua candidatura à Presidência só no fim do prazo para se desincompatibilizar do cargo. Até lá, subirá em palanques para entregar obras. O governador tem dedicado boa parte de sua semana em viagens pelo interior de São Paulo.

Sou mestiço. Como fazer chapa puro-sangue?

DEU EM O GLOBO

Aécio diz que seu plano continua sendo disputar vaga no Senado e faz elogios a Serra

Marcelo Portela

BELO HORIZONTE e SÃO PAULO. Apesar das pressões de aliados, especialmente após a divulgação da pesquisa Datafolha, o governador tucano de Minas Gerais, Aécio Neves, deixou ontem clara sua resistência a integrar, como vice, uma chapa encabeçada pelo governador de São Paulo, José Serra. O paulista se encontra com Aécio amanhã, para um jantar em Belo Horizonte, e depois participará da inauguração da Cidade Administrativa, nova sede do governo de Minas, na quinta-feira.

— Eu sou mestiço. Como vou participar de uma chapa puro-sangue? — disse Aécio, referindo-se à possibilidade de participar de uma chapa exclusivamente tucana, para depois completar: — Eu, na verdade, desde que anunciei minha saída dessa disputa, não estou no centro das articulações.

Hoje me dedico a concluir o nosso mandato em Minas Gerais da melhor forma possível. Serei um soldado do meu partido nesse sentido.

Pesquisa Datafolha divulgada anteontem mostrou que, dependendo do cenário, a diferença nas intenções de voto de Serra para a précandidata do governo, a ministrachefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, caiu de 14 pontos percentuais, em dezembro de 2009, para quatro pontos percentuais. Serra teve 32% de preferência do eleitorado, contra 28% de Dilma. Já no cenário com Aécio como candidato, o tucano foi o preferido de 16% dos pesquisados.

Perguntado se não teme ser responsabilizado por uma eventual derrota do PSDB nas eleições, o governador mineiro foi enfático: — Eu não cogito essa hipótese.

Serei responsabilizado pelo governo que estamos fazendo em Minas.

E tomara que seja uma bela responsabilidade.

Cada um de nós é responsável pelo que constrói, pelo que faz — disse.

Mas ontem Aécio já admitiu a possibilidade de o PSDB lançar uma chapa puro-sangue, proposta sobre a qual se mostrava reticente até recentemente, antes dos últimos escândalos envolvendo integrantes do DEM, principal aliado do PSDB na oposição ao governo federal.

— O PSDB tem quadros extremamente valorosos. O senador Tasso (Jereissati) é um nome em belas condições de ajudá-lo, até mesmo pela presença forte que tem no Nordeste, pela respeitabilidade que tem. Mas essa é uma construção que tem de ser feita pelo candidato, no momento em que o candidato se declarar — afirmou Aécio, durante lançamento de selo comemorativo do centenário de nascimento do presidente Tancredo Neves, seu avô.

O governador de Minas reconhece ainda um clima de ansiedade em torno da definição do PSDB: — Eu vejo uma certa aflição, natural, até porque, a partir de agora, já estamos caminhando para a definição das chapa, das alianças. Mas nós, que somos homens públicos com alguma experiência, precisamos ter muita serenidade.

Serra não comenta resultado de pesquisa Durante inauguração de uma Escola Técnica (Etec) em Olímpia, a cerca de 50 quilômetros de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, Serra negou-se a comentar o Datafolha — Não vou falar sobre pesquisa. Eu nunca falei — desconversou Serra, depois de inaugurar a Etec e uma estrada vicinal com 41 quilômetros.

O secretário de Desenvolvimento do Estado, Geraldo Alckmin, que também esteve em Olímpia, disse que o candidato do PSDB deverá mesmo ser Serra.

— O nosso candidato é o Serra. Nós trabalhamos para ele, mas ele ainda não decidiu — disse Alckmin.

Na mesma praça, na mesma data, o mesmo político...

DEU EM O GLOBO

Há exatos quatro anos, Serra também não havia decidido, e PSDB pressionava por candidatura

Carolina Benevides

Em março de 2006, José Serra, que na época era prefeito de São Paulo, fazia o PSDB e seus aliados viverem um momento muito parecido com o que enfrentam hoje: estavam todos também à espera de o tucano decidir se iria ou não se candidatar ao Planalto. Há exatos quatro anos, em 2 de março de 2006, reportagem publicada pelo GLOBO mostrava que o partido colocava nas mãos de Serra a decisão sobre sua candidatura à Presidência. E mais: que a cúpula do PSDB queria que ele assumisse sua pré-candidatura até o dia 10 daquele mês, mas o então prefeito pedia mais tempo para se decidir. Ele acabou abrindo mão da disputa dentro do PSDB com o então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, escolhido candidato e depois derrotado pelo presidente Lula na disputa.

— A repetição dos fatos mostra que ele tem uma personalidade que gera um comportamento mais cauteloso. Como toda característica, a cautela tem um lado positivo e outro negativo.

Se a pessoa não tiver flexibilidade, ela está condenada a manter sua característica mesmo quando ela ganha conotação negativa. No caso do Serra, foi ótimo ser cauteloso até um determinado momento. Agora, manter essa cautela e não assumir a candidatura pode ser visto como covardia. Quando a pessoa não abre mão de sua característica para se adequar às circunstâncias, ela perde contato com a realidade — analisa Luiz Alberto Py, psiquiatra e psicanalista.

Para Fernando Abrucio, professor de ciência política da Fundação Getulio Vargas, Serra sempre se mostrou um político que pensa e repensa suas decisões: — Ele não se guia pelo instinto, como o presidente Lula.

É um político que se arrisca pouco e agora enfrenta um dilema: talvez essa seja sua última chance de concorrer à Presidência, mas ele sabe também que em São Paulo está praticamente reeleito — diz Abrucio, lembrando que a pesquisa Datafolha que mostra que a diferença de Serra para Dilma Rousseff caiu para apenas 4 pontos trouxe para o tucano um novo problema: — A estratégia de não assumir que vai concorrer não pode mais ser mantida.

É como em um jogo de futebol: ele montou uma estratégia e, aos 10 minutos do 1° tempo, viu que precisa mudar. Para uma pessoa que gosta de calcular seus passos, isso é difícil.

Oposição ainda aposta as fichas em nome de Aécio como vice tucano

DEU EM O GLOBO

Para aliados, Serra deve convencer o governador de Minas a compor a chapa

Gerson Camarotti e Adriana Vasconcellos


BRASÍLIA. A pressão para que o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, aceite ser vice na chapa encabeçada pelo colega paulista José Serra ultrapassa as fronteiras do PSDB. Os dois principais partidos aliados dos tucanos, DEM e PPS, também prometem se mobilizar esta semana para tentar criar um fato novo na campanha de Serra e neutralizar o crescimento da candidata petista Dilma Rousseff nas pesquisas de opinião.

— O DEM não esconde de ninguém que queremos Aécio de vice. Respeitamos o tempo dele. Mas esse trabalho de convencimento deve ser feito pelo Serra — afirmou o deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM-BA).

Integrantes da Executiva Nacional do PPS se reúnem hoje, em Brasília, com o objetivo de divulgar um manifesto em favor da chapa puro-sangue tucana com Serra e Aécio. Sob o título “Serra e Aécio — A união para mudar o Brasil”, o texto conclama os dois os governadores tucanos “a comporem uma chapa para disputar o próximo pleito presidencial”.

“Nenhuma opção política pessoal que possa envolver esses dois grandes homens públicos brasileiros é mais estratégica que um projeto presidencial para 2010”, diz a nota assinada por Roberto Freire.


O aumento da pressão para que Aécio seja vice de Serra enfraquece discussões paralelas sobre alternativas discutidas dentro do PSDB ao nome do governador mineiro, como o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e do próprio presidente do partido, senador Sérgio Guerra (PE). Já há um consenso na oposição de que dificilmente o DEM, depois do escândalo que o atingiu no Distrito Federal, terá condições de oferecer uma alternativa competitiva para o posto.

O primeiro vice-presidente do PSDB do Rio, Márcio Fortes, disse ontem que as definições começam depois do encontro entre Aécio e Serra, marcado para amanhã

Brasília-DF::Luiz Carlos Azedo

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Pela metade

A última pesquisa DataFolha sobre a corrida para suceder o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pôs em xeque o favoritismo do governador de São Paulo, José Serra (PSDB), que caiu de 37% para 32% na preferência dos eleitores. E aumentou ainda mais a expectativa de poder em torno da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), que subiu de 23% para 28% de intenções de voto. Petistas comemoram o resultado com uma espécie de “já ganhou”, que em outras circunstâncias seria um suicídio, mas neste ambiente pré-eleitoral é tudo o que precisam para manter o amplo bloco de forças da coligação governista sem ter que definir agora quem será o vice de Dilma.

O governador José Serra, porém, recebeu o resultado da pesquisa com sangue-frio, não teme um xeque-mate. O que os adversários dizem ser um copo que se esvazia, avalia como um copo cheio o suficiente para matar a sede de poder da oposição. Ao prefeito Gilberto Kassab (DEM), que alguns responsabilizam pela redução da diferença em relação a Dilma em São Paulo, Serra disse ontem que a petista ainda vai crescer um pouco mais. Porém, não o suficiente para derrotá-lo.

Entre os aliados de Serra, também é grande a expectativa em torno dos dois encontros com o governador de Minas, Aécio Neves, previstos para amanhã, em Brasília e em Belo Horizonte, nos quais tudo poderia acontecer. Paulistas torcem para que Aécio aceite a vice; mineiros, que Serra desista da candidatura presidencial. Por ora, é mais provável ficar tudo como está.

Procura-se

Durante o fim de semana, o distrital Junior Brunelli (PSC-DF) fugiu da colega Érika Kokay (PT-DF) como o diabo foge da cruz. Tudo para evitar ser notificado da abertura do processo de cassação do mandato. Depois de deixar inúmeros recados a assessores de Brunelli, a petista foi ao endereço do deputado que consta na Câmara. Era endereço antigo. Desatualizado. --> --> --> --

Devagar

A assessoria da ministra Dilma Rousseff preparou uma agenda intensa de visitas a São Paulo, que cobre todas as cidades mais importantes do estado. A pré-candidata, inclusive, estará em Sorocaba na quinta, para mais um compromisso oficial. O plano é considerado vital para reduzir a vantagem de Serra no eleitorado paulista, mas continuará na gaveta nas próximas semanas. A ordem é ir devagar com o andor, porque o santo é de barro. O Planalto está de olho nas conversas entre Serra e Aécio Neves. E teme que o governador paulista jogue a toalha se for ultrapassado por Dilma antes do fim de março.

Compressor

O governo está seguro de que consegue atropelar a oposição e dissidentes da base nas votações do novo marco regulatório do petróleo no decorrer da semana. Pretende, inclusive, antecipar a votação da emenda Ibsen Pinheiro, que propõe a partilha dos royalties de petróleo segundo os mesmos critérios dos fundos constitucionais de participação de estados e municípios. Apesar do otimismo, é certa a derrota governista em relação à utilização do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na ampliação da participação do Fundo dos Trabalhadores no capital da Petrobras. Em ano eleitoral, muitos parlamentares da base não querem cair em desgraça com os petroleiros.

Chapas

A cúpula do PT fez uma série de pesquisas qualitativas e testou várias possibilidades de composição da chapa de Serra. Chegou à conclusão que, para baixar o sarrafo na oposição, o melhor vice seria o líder do DEM no Senado, José Agripino Maia, democrata do Rio Grande do Norte.

O nome do senador tucano Tasso Jereissati, por ser considerado adversário de Serra e aliado do candidato do PSB, Ciro Gomes, no Ceará, não foi testado.

Nos trilhos/Mesmo com a implosão do comando do GDF, a Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) mantém as conversas para o empréstimo do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). A garantia da União está sendo negociada principalmente com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Segundo a agência, a cláusula anticorrupção não se aplica aos últimos eventos da capital. Depois de autorizado pela Casa Civil e pelo Senado, o empréstimo garantirá aos cofres do DF 134 milhões de euros.

Soberba/“O PT do DF está se sentindo muito poderoso”, disparou ontem o senador Cristovam Buarque (PDT-DF, ex-PT).O ex-governador do GDF credita a mudança de comportamento ao crescimento da candidata petista à Presidência nas últimas pesquisas e à queda do que chama de forças conservadoras no DF. “O Roriz é uma liderança. Quem o ignorar, cometerá erro gravíssimo”, alertou.

Rachou/Como a coluna antecipou, o deputado Geraldo Magela (PT-DF) registrou sua pré-candidatura ao Governo do Distrito Federal. Com isso, haverá prévias para a escolha entre seu nome e o do ex-ministro Agnelo Queiroz. A divisão do PT candango é tão grande, dizem aliados, que haveria até uma guerra de dossiês contra os candidatos ao Palácio do Buriti.

Patinho

O presidente Lula resolveu acelerar a definição do candidato governista em São Paulo. A situação se complicou com a inscrição do senador Eduardo Matarazzo Suplicy como candidato às prévias do PT, ontem, contrariando toda a cúpula petista. Considerado um patinho por dirigentes do PT, Suplicy amarga as consequências de ter desafiado o presidente Lula a disputar prévias eleitorais para confirmar sua candidatura vitoriosa de 2002. Em 2006, foi reeleito senador com 8.986.803 votos

Com Norma Moura

Tucanos em busca de uma definição

DEU NO ESTADO DE MINAS

Cresce a pressão para que governador de São Paulo assuma a candidatura ao Palácio do Planalto. Ao mesmo tempo, setores do partido tentam convencer Aécio a entrar na disputa

Patrícia Aranha

Semana decisiva para o PSDB. Além da pressão para que o governador de São Paulo, José Serra, assuma a candidatura à Presidência da República e comece a tentar reverter a tendência de queda registrada pelas últimas pesquisas de intenção de voto, voltou a crescer o movimento para que o governador Aécio Neves seja a opção do partido ao Planalto. Mesmo tendo se retirado da disputa interna em dezembro, garantindo que se dedicaria à campanha ao Senado, o governador mineiro continuou alimentando os sonhos de parte da cúpula tucana e de partidos aliados de tornar-se o candidato principal – no caso de Serra optar pela campanha à reeleição para o governo de São Paulo – ou de compor, como candidato a vice-presidente, numa chapa puro sangue.

Em 8 de fevereiro, a insistência de Serra em postergar a decisão motivou um jantar do alto tucanato no Palácio das Mangabeiras. Nele, o presidente do partido, senador Sérgio Guerra (CE), foi direto ao assunto, perguntando a Aécio se ele aceitaria ser candidato a presidente, no caso de Serra desistir. Diante da resposta afirmativa, os líderes passaram a fazer reserva sobre o assunto. Em entrevista, Guerra fez questão de manter o roteiro, garantindo que a candidatura de Serra continuava “estável, sólida e consistente”.

A comemoração do centenário do ex-presidente Tancredo Neves, na quinta-feira, é apontada como data emblemática para que seja feito o anúncio sobre a candidatura tucana. Aécio e Serra acertariam os últimos detalhes, pessoalmente, em jantar marcado para a véspera em Belo Horizonte. Mesmo apostando que a conversa será definitiva, ninguém arrisca, nos bastidores, bater o martelo pela desistência de Serra.

Para evitar especulações, os dois governadores têm conversado quase que diariamente, por telefone. Nesses contatos, Aécio tem transferido para Serra o ônus da pressão para ser candidato a vice-presidente. Além das declarações dos líderes do DEM e do PPS, multiplicam-se na internet os apelos, como o encabeçado pelo poeta Ferreira Gular no site www.serra-aécio.com.br que apostam no sucesso da dobradinha . Em entrevista ontem, Aécio disse que não quer ser responsabilizado por um eventual derrota de Serra, se não for candidato a vice.

“Eu serei responsabilizado apenas pelo governo que estamos fazendo em Minas. Tomara que seja uma bela responsabilidade. Cada um de nós é responsável pelo que constrói, pelo que faz”, pontuou. Sobre a possibilidade de uma chapa puro sangue, ironizou: “Sou mestiço. Como é que vou participar de uma chapa puro sangue?”

O comentário de ontem no Palácio da Liberdade é de que se quiser atrair o governador mineiro, o PSDB não poderá adiar mais. Aécio até topa ser candidato a presidente, mas não aceitará ser tratado como um Plano B. Como o partido está atrasado também em relação à formação dos palanques estaduais, Aécio temeria pelo sucesso da empreitada presidencial.

Durante o lançamento do selo em comemoração ao centenário de nascimento de seu avô, Aécio negou a possibilidade de assumir o lugar de Serra na disputa pela Presidência da República ou de compor chapa como vice. “Não se cogita nada parecido com isso. Nós estamos ainda a um longo período das eleições. Existem momentos e momentos numa caminhada eleitoral, e o nosso companheiro, governador José Serra, tem todas as condições de enfrentar adequadamente essa disputa”, disse.

Cortina Na intimidade, o governador mineiro começou a admitir a possibilidade de compor a chapa puro sangue. Conhecedores do estilo mineiro de fazer política, acreditam que esse possa ser o sinal de que as declarações não passam de cortina de fumaça para encobrir a intenção de encabeçar a chapa. A presença do deputado federal Ciro Gomes (PSB-CE), na quinta-feira, em Belo Horizonte seria mais um sinal de que Aécio poderá assumir a candidatura, tendo Ciro como candidato a vice-presidente. Seria a declaração que a oposição precisa para reverter o jogo da sucessão, hoje mais favorável ao governo Lula.

O Palácio do Planalto, até a noite de ontem, não confirmava a presença do presidente Lula na inauguração da Cidade Administrativa. A tendência é que Lula tenha agenda em Brasília. Ele seria representado pelo vice-presidente José Alencar.

Perda para o PT

DEU NO ESTADO DE MINAS

Patricia Aranha

Uma eventual candidatura do governador Aécio Neves (PSDB) à Presidência da República iria embaralhar o xadrez da sucessão. A maior perda para a candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), poderia vir do partido que se comprometeu a compor chapa com o candidato a vice-presidente, o PMDB. Para garantir o maior número de palanques estaduais, o PSDB abriria mão da candidatura ao governo de Minas e apoiaria o ministro das Comunicações, Hélio Costa (PMDB). O Planalto também perderia o apoio do PSB nos estados, já que o mais cotado para candidato a vice-presidente é o deputado federal Ciro Gomes (PSB-CE). Com ele na chapa, os tucanos pretendem dividir o eleitorado do Nordeste que, a cada pesquisa de intenção de voto, mostra-se mais disposto a eleger a candidata do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Um alto cacique do PMDB garante: se Aécio for candidato, dois terços dos diretórios peemedebistas estarão com ele. A decisão de Aécio de sacrificar a candidatura do vice-governador Antônio Anastasia (PSDB) em Minas seria tomada como o compromisso de que o PSDB tratará o PMDB como aliado de primeira hora numa eventual vitória tucana, mesmo que a cúpula do partido esteja com Lula.

Os tucanos que articulam a opção Aécio também apostam que desembarquem da candidatura Dilma aliados do governo como o PDT e o PP, que já haviam acenado com essa possibilidade antes de Aécio ter anunciado que havia optado pela candidatura ao Senado.

Minas Sem um candidato do PSDB ao governo de Minas, o PT precisaria rever seu posicionamento. Hoje, boa parte dos petistas, pressionados pelo Planalto, já admitem abrir mão da candidatura própria ao Palácio da Liberdade, em nome de uma composição com o PMDB. Se perderem o aliado para os tucanos, a legenda correria o risco de ficar isolada, repetindo a performance das últimas campanhas estaduais. Não restaria alternativa ao PT senão adotar um discurso de forte oposição ao PSDB, garantindo o palanque para Dilma no estado, a despeito da grande popularidade de Aécio.

Chega de sofrimento:: Alon Feuerwerker

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Se o PSDB deseja tanto assim ser reconhecido pelo PT como igual, o melhor é apoiar Lula, o governo dele e a candidata Dilma Rousseff. O PT “reabilitou” personagens ideologicamente até mais distantes, e não teria dificuldade para dar mais este passo

Registrei em dezembro (“Rumo ao plebiscito”) que a oposição previa mudanças dramáticas nas pesquisas que viriam. Foi captado por estes tímpanos que a terra há de reciclar. Assim, se há alguém sem razão para surpresa com o estreitamento da margem entre José Serra e Dilma Rousseff, é a própria oposição.

Tal previsão, entretanto, não produziu um movimento capaz de colocar no jogo, para valer, o pessoal que deseja tirar o PT do Palácio do Planalto (cuja reforma, aliás, anda de vento em popa). As últimas pesquisas foram ruins? Sim, mas está longe de ser o maior problema de tucanos e democratas. Grave é não terem ideia de como tentar brecar o avanço do governismo e pelo menos zerar o vetor da iniciativa política. Se têm, escondem muito bem.

Por que a oposição não consegue retomar a iniciativa? Será porque o governo de Luiz Inácio Lula da Silva é bom? No passado, o PT conseguia opor-se até a aumento salarial para professor. Quem deseja, de verdade, travar a luta política acaba dando um jeito de encontrar a brecha.

Já tratei de uma dificuldade oposicionista: a falta de unidade. Mas reconheço que há aqui alguma tautologia. Esse tipo de unidade costuma ser catalisado pela expectativa de poder, algo que combina vetores quantitativos e qualitativos. Pesquisas têm lá sua importância, assim como as alianças. Mas o decisivo é projetar uma visão clara de futuro. Pode até ser genérica, mas precisa encaixar no desejo do eleitor e formar um polo de aglutinação da opinião pública, tomada no sentido amplo. É uma tarefa difícil quando se enfrenta um governo popularíssimo, cuja mensagem é a continuidade. Difícil, mas não impossível.

O melhor exemplo é Marina Silva (PV), a cuja campanha os jornalistas e políticos temos prestado menos atenção do que seria saudável. A autocrítica não é tanto pelos índices dela, já bastante bons, e sim pela maneira cirúrgica e sempre adequada como a senadora do Acre intervém. Ela nunca bate de frente, mas invariavelmente busca um defeito no adversário. E assim, de modo objetivo e focalizado, vai minando o oponente e construindo um caminho. Como fazem os grandes pugilistas.

Claro que falar é fácil. Marina não carrega o estigma do passado nem precisa ficar explicando por que o governo dela não será uma volta aos tempos de Fernando Henrique Cardoso. Pode até dar-se ao luxo de fazer elogios a FHC sem abrir brecha para que colem nela o rótulo de “neoliberal”. E, se um dia crescer mais e virar ameaça, os ataques que certamente sofrerá por reunir eventuais apoios “neoliberais” terão tanto efeito quanto os sofridos por Lula devido aos aliados complicados dele: nenhum.

Marina é a prova definitiva de que na esquerda ou na centro-esquerda a oposição mais eficaz contra Lula deve ser executada na margem, como diriam os economistas. Para governar e perpetuar seu projeto de poder, Lula deslocou-se para um centro político, ali montou acampamento e ergueu muralhas. Mas sem descuidar dos elementos simbólicos que o unem à esquerda. Só que persiste uma tensão latente entre o discurso e a vida, entre as ideias originais e a prática, entre o sonho e a realidade. Há um espaço a ser ocupado, uma cabeça de praia a instalar.

Haveria também outra maneira eficiente de fazer oposição a Lula: pela direita. Para isso precisaria surgir no Brasil uma força organizada, e combativa, efetivamente liberal. Um “Tea Party” verde-amarelo. Mas as circunstâncias do liberalismo brasileiro são conhecidas. Discursos, editoriais e artigos em jornais e revistas, mas sem renunciar aos empréstimos a juros subsidiados do BNDES, ao dinheiro do Banco do Brasil que não é preciso devolver e à ordenha do Tesouro.

Quanto àquele hipotético e teórico liberalismo, o PSDB está no pior dos mundos: leva a fama mas não consegue tirar vantagem. Pois não é liberal, nem tem vontade de parecer que é. No fundo, o que o PSDB talvez deseje é ser reconhecido pelo PT como um parceiro, como cofundador do sucesso petista, da hegemonia social-democrata. Um desejo irresolvido, e que insatisfeito desemboca em mágoas muito perceptíveis.

Se o PSDB precisa tanto desse reconhecimento, eu ofereço modestamente uma sugestão: passem a apoiar o governo, Lula e a candidata dele, Dilma Rousseff. Nem que só “criticamente”. Se o PT teve a frieza e o pragmatismo necessários para repaginar as relações com José Sarney, Fernando Collor, Delfim Netto e mais um punhado de personagens que combateu mortalmente no passado, não terá dificuldade de, caso seja conveniente, “reabilitar” FHC e o PSDB. Afinal, são primos e têm uma história até certo ponto comum. Se o PSDB sofre tanto com isso, se necessita tanto disso, talvez seja o jeito.

'Romaria' a Minas tenta fazer Aécio vice de Serra

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Dirigentes e líderes do PSDB, DEM e PPS tentam criar fato político capaz de reverter queda do governador paulista nas pesquisas para Presidência

Eduardo Kattah, Christiane Samarco

Belo Horizonte, Brasília - Começa hoje a romaria de dirigentes e líderes do PSDB, DEM e PPS a Minas Gerais, com apelos para que o governador tucano Aécio Neves aceite o posto de vice na chapa presidencial do colega paulista José Serra.

O esforço é para criar um fato político que reverta a queda de Serra nas pesquisas de intenção de voto. O primeiro a desembarcar em Belo Horizonte será o líder do DEM, deputado Paulo Bornhausen (SC), que resumiu o objetivo de sua visita com uma frase, postada em seu twitter: "Toda a força e apoio do DEM para que Aécio aceite compor a chapa com Serra."

O ponto alto da romaria será na quinta-feira, quando Aécio vai receber governadores e líderes aliados em uma grande solenidade com objetivo de celebrar o centenário do avô, nascido em 4 de março de 1910, inaugurando a "Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves". Serra planeja um encontro reservado com o governador antes de comparecer à cerimônia pública de homenagem a Tancredo.

Ontem, Aécio reiterou a disposição de resistir à pressão para que aceite compor como vice uma chapa encabeçada pelo colega paulista e afirmou não temer ser responsabilizado por uma eventual derrota de Serra. "Eu serei responsabilizado pelo governo que nós estamos fazendo em Minas e tomara que seja uma bela responsabilidade. Cada um de nós é responsável pelo que constrói, pelo que faz. Não existe nada disso", disse, após a solenidade de lançamento de um selo comemorativo do centenário de nascimento do avô.

Dirigentes dos três partidos de oposição acreditam que Aécio vai acabar pagando a conta política da polarização da disputa presidencial entre Serra e o PT da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

A avaliação geral é que, depois da pesquisa DataFolha do último domingo, apontando o cenário de confronto direto entre Dilma e Serra já no primeiro turno da eleição presidencial, a pressão para que Aécio reforce a chapa tucana será maior.

Apesar da aposta no ninho tucano de que a pressão sobre Aécio aumentará, o mineiro mais uma vez reafirmou a intenção de se candidatar ao Senado e disse que pretende ser um "soldado" do partido no seu Estado. "Eu sou mestiço, como é que eu vou participar de uma chapa puro-sangue", ironizou.

Pela primeira vez, porém, Aécio admitiu que dois nomes do PSDB possam compor a chapa presidencial, comentando a possibilidade de o senador Tasso Jereissati disputar como vice. "É um nome em belas condições de ajudá-lo, até mesmo pela presença forte que tem na região nordeste." Para ele, contudo, uma chapa exclusivamente tucana precisa ser discutida com os partidos aliados.

Para Aécio, a posição de Serra nas pesquisas ainda é "extremamente sólida". "Nosso companheiro tem todas as condições de enfrentar adequadamente essa disputa."

A oposição e seus desafios:: Marco Antonio Villa

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Será um trabalho de Hércules transformar Dilma em candidata popular. Mesmo assim, a oposição vai ter muitas dificuldades

A oposição vai ter uma difícil tarefa. Não será nada fácil vencer a eleição de outubro. A aliança política que dará sustentação à candidatura oficial vai de Paulo Maluf a José Rainha.

O grande capital vai se somar às centrais sindicais. Os especuladores estrangeiros estarão de mãos dadas com os dirigentes dos "movimentos sociais". O presidente Lula usará -como já está usando- a máquina oficial. Para ele, não será uma simples eleição: joga o seu futuro político. Se a sua preposta perder, ele dificilmente terá chances de voltar à Presidência em 2014.

É sabido que a ministra Dilma Rousseff é uma candidata politicamente pesada, sem jogo de cintura, com dificuldade de comunicação e inexperiente em campanhas eleitorais. Foi uma jogada arriscada de Lula. Ele tinha outras alternativas dentro do PT. A opção por Dilma foi para ter controle absoluto da campanha e de uma eventual Presidência.

A candidata é neófita no PT, não tem história no partido. Nos sete anos como ministra, não estabeleceu relações mais estreitas com o Congresso Nacional, muito menos com as principais lideranças partidárias. Basta consultar sua agenda em 2009.

Em Brasília, recebeu somente sete governadores e dois senadores. Até os ministros foram esquecidos. Em um ano, atendeu 19 dos 36 ministros, a maioria deles somente uma vez. As exceções foram Guido Mantega e principalmente Alfredo Nascimento, Márcio Fortes e Edison Lobão.

Será um trabalho de Hércules transformá-la em candidata popular. Um exemplo: a tentativa de fazer uma omelete no programa "Superpop" foi um desastre (aliás, vale destacar que o vídeo, em oito partes, com um total de mais de uma hora, está disponível no site da Casa Civil sem que possamos saber qual a relação da entrevista com a ação administrativa da ministra).

O discurso na convenção do PT desanimou até os mais entusiastas apoiadores da ministra.

Foi burocrático, modorrento, lido ao estilo dos dirigentes dos antigos PCs da Europa oriental, mesmo tendo uma plateia que desejava, a todo custo, aplaudir a candidata. Depois da convenção, entre os dirigentes do PT, ficou reforçada ainda mais a ideia de que a candidatura Ciro Gomes é um perigo, pois poderá suplantar Dilma rapidamente, após o início efetivo da campanha eleitoral, quando ela não poderá simplesmente ser a candidata de Lula.

Mesmo assim, a oposição vai ter muitas dificuldades. Terá de enfrentar -ainda que não diretamente- Lula, que é o presidente que melhor conseguiu se comunicar com o povo.

Nesse quesito Lula é um craque.

Adora cerimônias públicas e detesta o trabalho administrativo. Criou uma nova forma de a Presidência se relacionar com o país. E agradou os eleitores e os jornalistas (facilitando as manchetes do dia seguinte). Pela primeira vez (expressão tão ao seu gosto) vai ter de assistir, mas sem participar, de uma campanha eleitoral. Veremos se conseguirá.

A oposição deve estabelecer um programa político que aponte para as tarefas que o país terá de enfrentar na segunda década do século 21. Terá de dizer o que vai fazer com os programas assistenciais, como o Bolsa Família. Se é certo que o embrião do programa vem do governo anterior, foi o atual que expandiu o benefício. A candidata oficial certamente afirmará que a oposição quer extinguir o programa, que hoje tem entre seus beneficiários 13 milhões de famílias, representando quase 50 milhões de eleitores, cerca de 40% do eleitorado.

E que tipo de Estado deseja a oposição? O da revolução de 1930 ou outro que consiga dar conta dos desafios do século 21? Para o Nordeste, vai manter a transposição das águas do São Francisco, projeto que não enfrenta os problemas da região e só serve para favorecer as empreiteiras? Terá algum programa para a região, longe dos paradigmas do século 20, como foi a absurda recriação da Sudene? E para a Amazônia, o que propõe? Falará da defesa nacional? Vai apoiar a compra dos caríssimos aviões franceses? Concordará com a aquisição dos submarinos que não conseguem submergir? E os problemas das grandes cidades, a política econômica, a saúde, a segurança pública?

Não faltam problemas e críticas ao atual governo, mas o que a oposição precisa é mostrar para o eleitor que pode governar melhor que o PT. Deve explorar as contradições do bloco governamental, mostrar a fragilidade da candidata oficial, que está encoberta, momentaneamente, sob a proteção de Lula. Em suma: a oposição terá de ir para o enfrentamento, fazer política, sob o risco de desaparecer.

Marco Antonio Villa , 54, historiador, é professor UFScar (Universidade Federal de São Carlos) e autor, entre outros livros, de "Breve História do Estado de São Paulo" (Imprensa Oficial, 2009).

Evgeny Kissin & Karajan - Tchaikovsky Piano Concerto nº1

Eternas contradições sob véu de incoerência::Wilson Figueiredo

Opinião & Noticia

O pessoal graúdo da social-democracia continua a bater em porta errada quando cata divergências ociosas entre petismo e lulismo, que são as duas faces da mesma moeda corrente na sucessão presidencial, embora disponha de material mais valioso para explorar. Os dois mandatos não são o que pensam governo e petistas. Uma andorinha não fará verão enquanto apenas um candidato simular a sucessão sem a democracia estrilar. O pretendente da oposição continua no meio de nuvens sem maior significado (as nuvens, claro). A candidata da dupla PT/Lula ainda está longe de contar com a parceria de um vice à altura das necessidades, porque por aí é que a dificuldade espreita. Lula defende o direito de escolha por parte do PT, melhor, por ele mesmo, entre três nomes para disfarçar o truque. Escolheu a candidata e se sente com direito ao vice. Serviço completo. Condenado á suplência eterna, o PMDB entende que a exigência é uma capitis diminutio, porque em português seria uma afronta. Em latim se torna mais palatável ao presidente do partido maior que vai entrar de sócio menor na empreitada. Em suma, melhor estar preparado do que entrar de gaiato.

A questão do vice vai trazer de volta as divergências de relacionamento entre o PMDB e o PT, situados em planos diferentes mas tendo como denominador comum o pragmatismo, o ancestral que apenas troca de roupa quando se torna árbitro de confusões de princípios. A moeda em circulação à esquerda alcançou, no trigésimo aniversário do PT, a mais alta cotação desde a crise do mensalão, que continua tratado pelo petismo como se não tivesse existido. Melhor, como se não passasse de invencionice dos social-democratas incompatíveis com o jeito petista de ser estabanado. Por enquanto, a rigor nem a candidatura em manobra está garantida, dado o número de incógnitas no problema em que poderá se tornar a própria sucessão. A começar pelo eterno problema do vice, que deverá acompanhá-la como uma sombra suspeita por aí afora. E a acabar de jeito que ninguém tem condições de prever, sem aquele cego de tragédia grega que, vendo apenas o futuro, saca contra o que vai acontecer. De onde menos se espera, portanto, é que pode advir surpresa. Olho no vice que vem por aí, em missão sigilosa. Existem nós que precisam ser cortados, e não desatados. Este que enlaça PMDB e PT na escolha do melhor vice é um deles. Lula já opinou e o PMDB apenas bufou.

A moeda Lula/PT continua a ter o mesmo valor de face com que já circulava, e vai valer o que o eleitor quiser pagar na campanha eleitoral. Ou seja, o equivalente à diferença entre o que dizem e o que fazem os governos. Já no caso da oposição a diferença não se apresenta como emissão sem lastro e sim como lastro sem emissão. A moeda com apenas uma face passa adiante a idéia de que a social-democracia não estará fora de alcance de moedeiros falsos. Os social-democratas vivem de história, de preferência no plural, desde que ficaram na orfandade. Nos oito meses de que dispõe para se despedir, deixando e levando saudade, o presidente Lula vai em direção ao ponto culminante de uma ascensão que, em matéria de opinião pública, alcançou o zênite no céu da república que nos coube. Ressalve-se que já não se localiza no ponto de onde a visão do futuro se embaça com versões contadas de maneiras diferentes, mas atenuadas pela mão do tempo. Pelo menos, até que a História dê a última palavra. Por enquanto, está bem no papel de grande muda.

Como nunca antes no currículo deste país, o presidente sustenta a conveniência de uma eleição que não exceda os limites do confronto entre o petismo e a social-democracia, com os saldos e insucessos dos respectivos governos, para passar a limpo o que faria melhor em ficar como está, por ser questão controvertida a ser resolvida quando todos não estiverem mais por aqui. A História não é um texto pronto e acabado, redigido à maneira oficial de apresentá-lo. E muito menos cabe numa versão em que se reúna objetivamente o que o governo pensa que fez e a oposição diz que não fez.

A porta pela qual a oposição tenta entrar em cena é a dos fundos, por onde os petistas estão voltando para casa, tanto quanto possível sem chamar a atenção e sem assumir arrependimento (por terem prestado à legenda e ao governo desserviços de que não podem se orgulhar). Afinal, caixa dois não tem filtro de sujeiras. E, por mais discretas e disfarçadas que sejam as operações, qualquer que seja o número de vezes, o uso da caixa não se torna legal por servir à política, nem pode ser considerada atenuante para ninguém.Dinheiro de fonte oculta não se legitima pelo anonimato.

Os dizeres da carta aos brasileiros, com a assinatura da mão direita de Lula, já indicavam uma procedência de esquerda cada vez mais distante do PT. Com três invejáveis insucessos eleitorais na biografia, Lula ainda era a pedra preciosa, de lapidação sindical inédita no Brasil brasileiro e na coroa com que a república iria, enfim, ter o toque de esquerda com a benção da direita. Uma variante da social-democracia que ainda não pegou para valer no solo brasileiro (e que rejeita o dogmatismo, que vem a ser o avô de todos os desvios políticos possíveis).

Da oposição não se pode dizer nem mesmo que errou, por não abdicar da ilusão de que a história se faz sozinha (tanto à esquerda quanto à direita). O PT se organizou à maneira tradicional, para esperar que a carta subscrita com a mão direita do candidato não excedesse a duração da campanha. Só faltou pedir discrição, mas nem precisou. O silêncio baixou sobre a carta e Lula, com alguns episódios, resolveu a questão. Deve ter recomendado que, quando inevitável, fosse lida com entonação de esquerda no decurso dos primeiros meses do governo, antes de se recolher aos arquivos. A carta vazia de conteúdo condizente com o petismo foi arquivada para evitar discussões e fomentar divisionismo ao chegar ao poder. Foi aí que a burguesia errou no que viu e acertou no que intuiu. Era para valer e não para iludir. O governo Lula, antes da tentação do segundo mandato, deu conta do programa de medidas consideradas, sem exageros nem indiretas, genuinamente social-democratas. Pode ter sido a contradição mais destoante dos dois governos Lula e, no entanto, foi a consagração. Mais mandatos houvesse, e mais perto chegaria Lula do que se chama de neoliberalismo, do que da social-democracia.

Wilson Figueiredo é jornalista

25 anos da Nova República

"Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca", disse o deputado Ulysses Guimarães, no dia 5 de outubro de 1988, no histórico discurso com que declarou promulgada a Constituição Cidadã. Anos depois, a frase de Ulysses soa profética. O País atravessou os últimos anos sem sofrer qualquer ameaça de fratura institucional, a despeito de ter processado um impeachment e ter sido governado por todos os quadrantes do arco ideológico.
A Constituição gera controvérsias até hoje. Muita gente a critica, mas todos lhe reconhecem passagens memoráveis. Ninguém a afrontou. Nem aqueles que negaram seu voto à aprovação do texto.

Ouça dois discursos da época: Ulysses Guimarães e posição do PT sobre a Constituição.
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Mujica promete manter economia ortodoxa

DEU EM O GLOBO

Ex-guerrilheiro assume Presidência do Uruguai pregando integração regional e aproximação dos EUA

Regina Alvarez
Enviada especial

MONTEVIDÉU. Aos 74 anos, José Mujica, ex-guerrilheiro tupamaro eleito presidente do Uruguai, tomou posse ontem prometendo uma política econômica ortodoxa, combinada com avanços na área social e ênfase na educação. O novo presidente uruguaio, que comandará o segundo governo de esquerda consecutivo no país, defendeu a integração regional, mas cobrou compromisso e reciprocidade de parceiros maiores e mais ricos, como Brasil e Argentina.

Sem gravata, Mujica fez questão de manter seu estilo informal na solenidade de posse no Palácio Legislativo. Ele recebeu o poder das mãos do presidente Tabaré Vázquez, numa praça no centro de Montevidéu com uma grande festa popular. Milhares de uruguaios lotaram ruas e avenidas empunhando bandeiras do Uruguai e da coligação Frente Ampla.

— É um dos dias mais felizes da minha vida. Pepe é minha revolução, há muitos anos ele é quem melhor representa a todos nós, ao povo — disse emocionada, a cozinheira Silvia Castro, de 49 anos, em meio à multidão, referindo-se ao presidente por seu apelido.

Mujica discursou de improviso e até mesmo cantou junto com o grupo Los Olimareños, muito popular no Uruguai e engajado na luta da esquerda desde os tempos da ditadura.

— Nosso programa se resume em duas palavras: mais do mesmo. Vamos dar ao país cinco anos a mais de manejo profissional da economia. Vamos ser quase ortodoxos na macroeconomia, mas vamos compensar largamente sendo heterodoxos, inovadores e atrevidos em outros aspectos, em particular a ter um Estado ativo no estímulo, um país agrointeligente — afirmou o presidente num discurso de quase uma hora.

Mujica voltou a defender avanços na integração dos países da América Latina e definiu a região como uma “família que quer se juntar, mas não consegue”.

— Continuamos fracassando ao tentar fazer a pátria grande, pelo menos até agora, mas não perdemos a esperança porque estão vivos os sentimentos, do Rio Bravo às Malvinas vive uma única nação, a nação latino-americana — disse ele. — Para nós, o Mercosul é até que a morte nos separe, mas esperamos uma atitude recíproca de nossos sócios maiores — disse ele, no fim do discurso de posse.

Lula: países mais ricos devem ajudar mais pobres O presidente também falou da política interna uruguaia e aproveitou para mandar um recado a seus opositores, a quem propôs montar um governo de coalizão: — Vamos buscar o diálogo, não porque somos bons ou mansos, mas porque acreditamos que esta ideia da complementaridade é a que melhor se ajusta à realidade de hoje.

Vamos continuar a construir uma pátria para todos.

Diante de todos os chefes de Estado da América Latina presentes à cerimônia — à exceção da presidente do Chile, Michelle Bachelet, ocupada com o terremoto que abalou seu país — e da secretária de Estado americana, Hillar y Clinton, Mujica lembrou sua intenção de “abrir o Uruguai para o mundo” e atrair os EUA para acordos bilaterais: — Não vamos esperar de braços cruzados que nos tragam o destino ou o mercado, vamos sair a buscá-lo.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva concordou com as críticas ao Mercosul. Segundo ele, os países mais ricos devem ser solidários com os mais pobres.

— Eu compactuo com o companheiro Pepe Mujica. Um país do tamanho do Brasil, do tamanho da Argentina, os países maiores têm de ter mais generosidade com os países menores — disse ele.

Estatal mineira de energia vai fazer proposta para comprar Ampla, diz Aécio

DEU EM O GLOBO

Oferta da Cemig sairá este mês. Associação com Light é opção, diz fonte

Marcelo Portela e Bruno Rosa
Belo Horizonte, Rio e Brasília.

O apetite da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) por novas aquisições ainda não foi saciado. Ontem, o governador mineiro, Aécio Neves (PSDB), disse que a empresa pretende fazer uma proposta ao grupo espanhol Endesa para assumir o controle da Ampla, responsável pela distribuição de energia em 66 municípios do Estado do Rio, que correspondem a 73,3% do território fluminense.

Aécio não entrou em detalhes, mas confirmou que já há conversas entre a direção da companhia mineira e o grupo espanhol, e a proposta de aquisição deverá ser feita este mês: — Ainda não está definido o valor, mas vamos fazer uma proposta.

Segundo uma fonte envolvida nas negociações entre as empresas, estaria sendo discutida uma “associação” entre a Light e a Ampla. Os rumores de uma união começaram há mais de um ano e sempre foram negados pela italiana Enel, controladora da Endesa.

A Cemig já havia assumido o controle operacional da Light mês passado, ao dobrar sua participação de 13% para 26% da distribuidora. No fim de 2009, a companhia também já havia adquirido a italiana Terna Participações, por R$ 2,2 bilhões.

A empresa mineira, que teve faturamento superior a R$ 400 milhões no país em 2008, atua na transmissão de energia em Bahia, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, entre outros estados.

No mesmo evento em que estava Aécio, o presidente da Cemig, Djalma Morais, informou que o Conselho de Administração da Light deve referendar hoje o nome do engenheiro Jerson Kelman como novo presidente da distribuidora fluminense.

— Não há possibilidade de o conselho recusar — afirmou.

Ida de Kelman para Light é bem vista por especialistas Morais confirmou também que o atual dirigente da Light, José Luiz Alquéres, deve assumir a presidência do Conselho da distribuidora. E descartou a possibilidade de haver algum atrito por Kelman ter sido, até ano passado, diretorgeral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel): — Pelo contrário, ele traz experiência.

Já havia se desligado da Aneel há muito tempo.

Morais ressaltou ainda que a Cemig deve indicar três novos diretores para a distribuidora fluminense, mas disse não saber nomes nem no lugar de quem eles entrarão. Afirmou ainda que a escolha do novo presidente foi “exclusiva do governador”.

A ida de Kelman para a presidência da Light foi bem recebida por especialistas do setor.

Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe UFRJ e ex-presidente da Eletrobrás, espera que ele baixe as tarifas de energia elétrica: — O problema da Light são as tarifas muito altas. Kelman tem experiência e um perfil mais de academia, enquanto Alquéres tem um perfil mais empresarial.

Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da UFRJ, não vê problemas em Kelman assumir a Light, pois na Aneel “não há tráfico de influência”.

Kelman foi um dos cotados para o Ministério de Minas e Energia, quando Dilma Rousseff saiu da pasta para assumir a Casa Civil, mas foi descartado por sua “independência excessiva”.

Ele ocupou a direção da Aneel entre janeiro de 2005 e janeiro de 2009.

A Alemanha e a Eurolândia:: Luiz Gonzaga Belluzzo

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Economistas e assemelhados deitam falação sobre a crise dos periféricos europeus. Na Europa e nos Estados Unidos, os colunistas dos grandes jornais de economia e finanças, além dos analistas de sites e blogs, estão aturdidos com a crise fiscal e de balanço de pagamentos que assola os Piigs (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) e, de quebra, ameaça a estabilidade do euro.

A maioria dos observadores dá azo a digressões sobre a irresponsabilidade dos governos e consumidores entupidos de dívidas ou cuida de apontar a baixa e declinante competitividade dos acusados como fator determinante de suas agruras. Alguns se debruçam sobre as inconveniências da constituição de um espaço monetário desarmado das condições políticas que pudessem "lastrear" a moeda única num espaço fiscal comum. Apesar disso, a introdução do euro concedeu a todos os membros as vantagens da estabilidade monetária e os ganhos implícitos na emissão de dívidas na moeda única, prerrogativa que, até a eclosão da crise, garantiu aos países mais frágeis spreads bastantes razoáveis sobre os "bunds", títulos de dívida do governo alemão.

Há um grão de verdade nas versões apresentadas acima. Isolada ou conjugadamente elas dão conta de questões importantes, mas, em geral, ignoram que são apenas formas de manifestação de um processo mais profundo de reprodução de desequilíbrios e assimetrias no interior da Eurolândia.

No olho da tormenta estão as relações entre o país hegemônico, a Alemanha, e os demais membros da comunidade comercial e monetária, para não falar dos países do Leste Europeu que "ancoraram" suas moedas frágeis na força do euro. Para ilustrar a argumentação, algumas cifras. Entre 1996 e 2008 as exportações da Alemanha cresceram, em volume, a uma velocidade duas vezes maior do que se ampliaram as vendas externas dos parceiros da zona do euro. No mesmo período, o superávit comercial da Alemanha com os "sócios" da Europa passou de € 20 bilhões para €100 bilhões por ano.

A outra face desse movimento de ganhos expressivos da Alemanha na participação no comércio mundial e, sobretudo, nas transações intra europeias, é a manutenção, em nível elevado, do emprego na indústria manufatureira, mesmo diante a escalada chinesa e asiática. Enquanto a Alemanha, a despeito dos ganhos substanciais de produtividade, sustenta 20% do emprego total na manufatura, os demais países da zona do euro já estão abaixo dos 16% e caindo. A perda de parte do mercado para as exportações alemãs levou ao "inchaço" do emprego nas regiões de baixa produtividade e pouco exigentes no que diz respeito à qualificação da mão de obra. (Isso, em muitos países europeus, tem produzido conflitos entre as aspirações do cidadão "sobre-educado" e as oportunidade de emprego que lhe são oferecidas.)

Já antes da introdução do euro era notória a superioridade da indústria manufatureira alemã e de sua capacidade exportadora diante de seus sócios competidores europeus. Ao longo da primeira década do terceiro milênio, a forte economia alemã ganhou nova musculatura. A adoção da moeda única e seus benefícios - como a redução dos custos decorrentes da flutuação cambial - juntaram-se às agressivas políticas germânicas de competitividade fiscal e salarial e ao apetite dos bancos alemães. Nos últimos anos, o arranjo entre empresas, sindicatos e governo - herança do OrdoLiberalismus, a economia social de mercado - promoveu a coordenação entre os reajustes salariais, a desoneração fiscal das empresas e o crescimento moderado do consumo. Na última década, a demanda de consumo das famílias alemãs cresceu 1,5% abaixo da média europeia.

Estimulados pela euforia financeira, os bancos alemães, ombro a ombro com colegas ingleses e suecos, saíram à caça de devedores sôfregos na zona do euro, sem prejuízo dos novos "consumistas" do leste europeu. Esses, como já foi dito, ancoraram suas moedas no estalão europeu, talvez ensaiando o ingresso no clube privilegiado da moeda única. As dívidas dos consumidores e governos dos Piigs - assim como dos candidatos do Leste Europeu - precipitaram bolhas de consumo, déficits crescentes em conta corrente e agravamento da situação fiscal. Em contrapartida, a economia alemã apresentou elevado superávit em conta corrente, aumento dos impostos sobre o consumo e redução do gasto público. Não é surpreendente que os alemães, os cidadãos comuns, resistam ao socorro a ser prestado por seu governo "austero" aos gastadores, imprudentes consumistas da Grécia, Espanha, Itália etc.

Mas a dinâmica das estruturas é pouco transparente para o cidadão que tem que cuidar da vida. Em seu movimento recente, as transformações da economia global revelam semelhanças entre as vantagens usufruídas pela Alemanha diante dos vizinhos europeus e aquelas gozadas pela China e sua moeda desvalorizada e "estabilizada" nas relações comerciais com os Estados Unidos. A diferença, por enquanto, reside na disposição dos chineses em continuar financiando o déficit externo dos Estados Unidos e a relutância dos alemães em reconhecer a necessidade do socorro financeiro à clientela de baixa competitividade que lhe garante escoamento para as exportações e empregos aos cidadãos. Tais condições impõem limites às medidas de ajustamento nos países devedores dos bancos alemães e compradores deficitários dos produtos da eficiente indústria teutônica.

O economista Adam Posen do Peterson Institute for International Economics diz, com razão, que a Alemanha foi a principal beneficiária dessa "rede de estabilidade" proporcionado pela moeda única. Para Posen "a Alemanha é a maior interessada em prover financiamento para facilitar o processo de ajustamento nas economias da zona do euro que se endividaram excessivamente para gastar em produtos alemães. Isso não apenas deixará os mercados abertos como vai impedir uma contração do crescimento em ambos os lados das relações comerciais."

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras.

Lula e Cuba:: Cláudio Gonçalves Couto

DEU NO VALOR ECONÔMICO

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva viu-se numa situação constrangedora em sua última visita a Cuba. Mal chegou à terra dos Castro e foi recepcionado com perguntas sobre sua opinião acerca da morte do dissidente político Orlando Zapata, após uma greve de fome de 85 dias. Identicamente a Raul Castro, Lula lastimou o falecimento do prisioneiro e, como de hábito, acabou por embaralhar-se com as palavras, apontando o absurdo de alguém "deixar-se morrer de greve de fome". Como já apontou Jânio de Freitas em sua coluna de domingo na "Folha de S. Paulo", melhor teria sido uma protocolar declaração diplomática, em que o presidente se esquivasse de situações embaraçosas, invocando a não interferência em assuntos internos como razão para não emitir juízo sobre a tragédia. "Melhor", porque dessa forma Lula e seu governo ofereceriam menores oportunidades para se exporem ao opróbrio.

As reprimendas generalizadas provieram tanto do Brasil - onde é corriqueiro que a oposição e as vozes críticas da imprensa apupem o popularíssimo presidente - como do exterior - onde Lula costuma ser sucesso de público e crítica, recebendo inclusive prêmios, como o de "Estadista do Ano", a ser-lhe entregue em Davos, aonde não compareceu por conta de sua crise hipertensiva. As razões para tanto mal-estar, entretanto, são de natureza variada e podemos pensar em ao menos três delas.

A primeira razão é certa assimetria crítica em relação ao posicionamento esperado de um chefe de Estado que, em visita a outro país, é posto diante de questionamentos acerca das malfeitorias dos visitados. Imagine-se, por exemplo, que Lula chegasse à China e fosse inquirido sobre a liberdade de expressão naquele país, ou sobre a recente execução de um doente mental britânico acusado de tráfico de drogas. Por acaso seria de se esperar uma dura crítica do presidente brasileiro aos chineses, já que o regime de Pequim é indubitavelmente uma ditadura das mais cruéis? Se ele a fizesse, é provável que muitos de seus atuais críticos o acusassem de prejudicar os rentáveis negócios brasileiros com a China, ao imiscuir-se em assuntos domésticos de outro país. Ou, então, suponhamos que numa visita a Israel o presidente Lula fosse inquirido sobre sua opinião acerca dos reiterados assentamentos ilegais de colonos em território palestino ocupado, ou a recente decisão de anexar como patrimônio histórico israelense a mesquita de Ibrahim - local sagrado para os muçulmanos e localizado na Cisjordânia ilegalmente ocupada. Já que Israel tem reiteradamente desrespeitado as resoluções da ONU sobre a ocupação dos territórios palestinos, esperar-se-ia por acaso uma resposta condenatória do presidente brasileiro? É pouco provável e, se ele a fizesse, certamente receberia críticas severas, de que não fala a linguagem da diplomacia.

Por que, então, a coisa deveria ser diferente no caso cubano? Talvez por causa da segunda razão para o mal-estar. Ora, o governo brasileiro não tem se esquivado de opinar sobre a situação interna de outros países - todavia, fazendo-o normalmente de forma elogiosa aos governantes e crítica à oposição. Foi assim no caso do Irã, quando a suspeitíssima reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad foi elogiada por Lula, que acusou os estridentes (e fortemente reprimidos) contestadores do presidente iraniano de maus perdedores.

Também tem sido assim nos reiterados elogios de Lula à democracia [sic] venezuelana, como na seguinte declaração, feita em novembro de 2007: "Podem criticar o Chávez por qualquer outra coisa. Inventem uma coisa para criticar o Chávez. Agora, por falta de democracia na Venezuela, não é. O que eu sei é que na Venezuela já tiveram três referendos, já tiveram três eleições, já tiveram quatro plebiscitos. O que não falta é discussão. Eu acho que democracia é assim: a gente submete aquilo que a gente acredita ao povo e o povo decide. Cabe a nós acatar o resultado". Considerando-se que a oposição venezuelana vem constantemente queixando-se da falta de democracia naquele país, não seria esse posicionamento de Lula uma intromissão na política interna de nossos vizinhos, em prol do governo? Ironicamente, no mesmo contexto da tomada de partido em favor de Chávez, o presidente brasileiro emendou: "Precisamos apenas respeitar a autonomia e a soberania de cada país. Se nós dermos menos palpite nas regras do jogo dos outros países e olharmos o que nós estamos fazendo, todos nós sairemos ganhando. Se a gente achar que a gente pode dar palpite em tudo, que só pode acontecer no mundo aquilo que a gente gosta, aquilo que a gente quer, nós seremos eternamente infelizes". Para além da contradição entre ambas as declarações do presidente, concordar com a hedonista sugestão de Lula nesta segunda afirmação implica supor que o Brasil deveria ter-se omitido no caso de Honduras; mas fez o oposto disto. Reconheça-se, o resultado foi bem infeliz.

A terceira razão para o mal-estar é a histórica e insensata defesa do regime cubano por muitos setores da esquerda em geral - e do PT, em particular. Ora, não haveria muitas dúvidas de que Lula não compartilha da orientação política repressiva do regime chinês, nem do reiterado desrespeito do Estado israelense aos direitos humanos dos palestinos; também não é razoável supor que a aproximação com o Irã vá além do oportunismo de uma política externa de eficácia bastante duvidosa, voltada a posicionar o Brasil como potencial mediador de quaisquer partes em conflito mundo afora. Já algo muito diferente ocorre quando se trata de iniqüidades cometidas por governos/regimes que figuram simbolicamente no campo da esquerda. Nestes casos, os críticos exigem que Lula compense - mediante declarações que seriam diplomaticamente inadequadas - o imenso passivo de legitimidade democrática provocado pela bizarra persistência de setores do PT em defender tanto a política chavista de aniquilação sistemática dos contrapoderes, como a ditadura cubana e sua repressão aos dissidentes. Noutras palavras, exige-se do presidente que remedeie um erro, cometendo outro.

Mas convenhamos, é compreensível que se faça esta crítica assimétrica. Afinal, é impossível aceitar como razoável o posicionamento em favor do regime cubano por interlocutores supostamente esclarecidos e que, para uma infinidade de outros temas, mostram-se capazes de posições bem menos sujeitas ao tipo de prestidigitação argumentativa que visa justificar o autoritarismo com base na garantia de bem-estar social ou igualdade. Ou seja, reativamente, uma incoerência suscita outra.

Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP. O titular da coluna, Raymundo Costa, está em férias

Vespeiros:: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Brasília entra numa roda-viva de ilustres visitantes internacionais a partir de amanhã, com o governo Lula em cima do muro numa área que já foi tão cara à esquerda: direitos humanos.

Não que haja mais ou menos agressões a presos aqui, pois elas continuam graves como sempre. O problema é a posição -ou a falta dela- diante de dois casos condenados mundo afora: Cuba e Irã.

Na semana passada, Lula deu o azar de ir a Cuba com a ilha se contorcendo em dores pelo pedreiro Orlando Zapata Tamayo, 42, que preferiu a greve de fome e a morte a suportar o regime calado.

O sacrifício de Tamayo remete à velha esquerda do Brasil. Mas a que assumiu o poder não se solidariza com ele. "Há problemas de direitos humanos no mundo inteiro", deu de ombros Marco Aurélio Garcia, assessor internacional de Lula.

Ou a esquerda rendeu-se às conveniências do poder, ou a morte de quem resistia à ditadura brasileira era heroísmo e a de quem resiste à cubana é bobagem. Entre o martírio de Tamayo e o regime de Fidel, louve-se o regime.

Em maio, Lula vai se meter em outro vespeiro. Ao desembarcar no Irã, estará sujeito às picadas tanto dos manifestantes iranianos contrários ao regime como da comunidade internacional, que não considera as aventuras nucleares do país nada inocentes. Quem diz, aliás, é o diretor da AIEA, a agência de energia atômica, que também vem ao Brasil em março.

Tomara que não haja execuções políticas com Lula lá -em Teerã. Mas, por precaução, Garcia deve ensaiar melhor uma outra fala, bem diferente da de Cuba.

Hillary Clinton chega hoje. Depois, os reis da Espanha, os da Suécia, o primeiro-ministro da Itália, o ministro do Exterior da Alemanha.

E Obama vem aí! Já imaginou o Brasil, 25 anos depois da ditadura, ficando constrangido diante do Primeiro Mundo justamente por causa de direitos humanos?