sexta-feira, 14 de maio de 2010

Reflexão do dia - Max Horkheimer


O fato de que os homens não sejam atualmente capazes de submeterem suas relações econômicas, isto é, suas relações recíprocas de produção e reprodução da vida social, a uma regulamentação racional que corresponda ao grau de perspicácia e de conscientização alcançado em outros campos, não pode ser explicado somente com a impotência teórica. A existência da economia como disciplina particular encerrada em si mesma, que cada vez menos se deixa condicionar pelas problemáticas sociais globais, é uma manifestação de uma situação mais profunda do estado de coisas em que as atuais relações de poder se contrapõem a uma regulamentação direta em benefício da maioria dos homens. Trata-se de uma questão de prática, cuja solução constituirá o conteúdo da história que está imediatamente diante de nós. De seu resultado depende a felicidade das gerações futuras.


(Max Horkheimer, citado por Giacomo Marramao, no livro “O Político e as transformações” , pág. 203 – Editora Oficina do Livro, - Belo Horizonte, 1990)

Reivindicando valores:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O pré-candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, será hoje o primeiro dos presidenciáveis a receber o tradicional documento da Associação Comercial do Rio de Janeiro contendo as reivindicações dos empresários do estado. Ao contrário, porém, dos documentos empresariais desse tipo, que tendem a ser uma lista dos projetos ou reivindicações tópicas, o presidente da Associação Comercial, José Luiz Alquéres, quis que esse começasse por defender "o tipo de sociedade em que a gente quer viver", e por isso destaca cinco "valores fundamentais" que seriam a base de um programa de governo.

LIBERDADE - de expressão, de credo e de iniciativa em toda a sua amplitude, base para a formação de uma estrutura social baseada na plena realização das potencialidades individuais;

SOLIDARIEDADE - no empenho em reduzir todas as formas de desigualdade;

JUSTIÇA - efetiva, rápida na proteção dos direitos fundamentais das pessoas e da sua liberdade;
SUSTENTABILIDADE - integrada nos aspectos econômicos, sociais e ambientais e expressa em compromissos e ações no âmbito nacional e internacional;

FELICIDADE E ÉTICA - que vem da confiança no futuro, na forma e na essência das ações que efetuamos no presente para dar significado à nossa vida.

Para Alquéres, "alguns aspectos" no momento causam certa preocupação, como a questão da liberdade e o que é que se sacrifica em nome dela.

Na concepção do documento, a liberdade deve ser temperada pela solidariedade, "uma maneira de corrigir as consequências da liberdade absoluta, um sentimento social que hoje predomina na sociedade capitalista".

Essa ideia seria complementada pela ação da Justiça, e o documento apresenta um componente novo que é a questão da sustentabilidade.

Nenhum projeto de Nação até o momento colocou a questão da sustentabilidade, o respeito à natureza, como um dado a ser levado em conta, ressalta Alquéres, que lembra que na Associação Comercial há uma visão "que concilia desenvolvimento com sustentabilidade, uma maneira nova de tratar todos esses projetos".

Outra novidade do documento é destacar a felicidade como um dos valores fundamentais para a formação de uma sociedade.

José Luiz Alquéres cita a experiência de Maurício de Nassau, quando teve que atrair holandeses para serem fazendeiros na América, "não podia acenar com mais riqueza, e acenou com a felicidade".

Esse caráter de tolerância da sociedade brasileira foi perdido nos últimos tempos, segundo o presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro, e precisa ser retomado.

O conceito que baseou o documento é o entendimento de que só serão alcançados os objetivos se forem fruto da interação do cidadãos, da sociedade civil que eles formam, do mercado e do Estado, "acabando um pouco com essa discussão de mais Estado e menos mercado".

Entre os campos escolhidos, além dos tradicionais setores econômico e social e as políticas nacional e internacional, logo o primeiro é o da gestão pública, onde Alquéres e os membros da Associação Comercial do Rio veem "um desperdício brutal".

Uma das sugestões é que a máquina pública seja redesenhada para a eficiência e com toda a sua atuação disciplinada por objetivos e metas quantitativas a serem cumpridas em prazos definidos, com indicadores de desempenho que permitam aferir a evolução e adequar a execução, considerando a racionalização da organização hoje pulverizada em grande número de ministérios.
A remuneração deveria ser relacionada ao desempenho, e as carreiras públicas desenhadas pelo mérito do servidor e não nas indicações políticas.

Um destaque é dado ao fortalecimento "legal e operacional" das agências reguladoras, "com regras estáveis e transparentes para indicação de seus dirigentes".

Outro tema destacado é o da política regional, separado propositalmente da política nacional. "O tema da vida urbana é fundamental", destaca Alquéres, que entre as reivindicações incluiu o projeto da "megalópole brasileira", que uniria Rio de Janeiro, São Paulo e partes de Minas Gerais.
Alquéres entende como fundamental para o país "o reconhecimento do fenômeno urbano brasileiro e da necessidade de atuar no seu contexto por via de novas institucionalidades".

Entre elas, as áreas metropolitanas e os consórcios municipais, "que devem receber do governo federal as formulações políticas de interesse supra local (transporte urbano de massa, abastecimento de água, saneamento, circulação viária, infraestrutura logística etc)".

Como não poderia deixar de ser, o documento da Associação Comercial do Rio de Janeiro tem uma parte dedicada às reivindicações específicas do Estado, tais como:

- Apoio ao bem-sucedido programa de fortalecimento da de segurança pública, via a expansão das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e eliminação total do controle do crime organizado sobre comunidades e territórios;

- Apoio às posições públicas do estado em defesa dos seus direitos na questão dos royalties do petróleo, das receitas do pré-sal, com ações diretas do Executivo federal e sua cooperação no relacionamento com o Congresso, reexaminando a questão do recolhimento do ICMS.

Atrito de interesses:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Não que o governo Luiz Inácio da Silva se importe com questões de conflitos de interesses. Em diversos episódios o presidente já deixou patente que desvios de conduta em agentes públicos podem ser enquadrados na categoria dos "erros" e não devem necessariamente ser julgados por padrões rigorosos antes que se comprove sua natureza ilícita.

Mas, no caso do, ao que tudo indica nessa altura, ex-secretário nacional de Justiça Romeu Tuma Júnior, o governo extrapolou na tolerância. Durante meses aceitou a permanência na presidência do Conselho Nacional de Combate à Pirataria de um amigo íntimo de prisioneiro da Polícia Federal acusado por contrabando e comercialização de artigos eletrônicos pirateados.

Por ocasião da prisão, Tuma Júnior disse ao jornal O Globo ter procurado seu superior à época, o então ministro da Justiça Tarso Genro, para perguntar se deveria se afastar do cargo.

"Ele respondeu: toca o pau", relatou Romeu Tuma Júnior na edição do último dia 12 de maio. Ou é mentira e deveria ser desmentido, o que até agora não foi, ou é verdade, o que explica em parte os salamaleques do governo para conseguir que o secretário se afastasse do cargo.

Foi mantido no posto devidamente autorizado a despeito da ciência de que privava da amizade de contrabandista. Preso. E mais: Tuma Júnior era alvo de investigações da Polícia Federal por suspeita de envolvimento em tráfico de influência na liberação de dólares apreendidos em aeroporto e na legalização de estrangeiros em situação irregular no Brasil, atos que caberiam à secretaria sob seu comando combater.

Pois bem. Suponhamos que Tuma Júnior não tenha culpa. Ainda assim resta a absoluta ausência de razoabilidade na situação. Vai além de qualquer manual.

O estatuto da Comissão de Ética Pública, perante a qual o governo pediu que Tuma Júnior se defendesse, existe não para julgar crimes, mas para examinar se a autoridade se enquadra nos preceitos de preservação de imagem do agente público.

Considera, por exemplo, que receber presentes acima de R$ 100, frequentar camarotes de empresas privadas em desfiles de escolas de samba e desfrutes assemelhados prejudicam a aferição da "lisura e da integridade" do processo decisório governamental por parte da sociedade.

Imagine-se o que se infere quando o acusado de integrar a máfia chinesa em São Paulo segue na comitiva do secretário nacional de Justiça em viagem oficial à China.

Tropa da troça. O presidente da Câmara, Michel Temer, proibiu o cineasta José Padilha de rodar cenas do filme Tropa de Elite 2 nas dependências da Casa, emprestando sua autoridade ao autoritarismo.

Limitou a expressão do diretor, em cuja obra retrata deputados envolvidos com milícias do Rio de Janeiro, mas ainda assim até aí as coisas estavam no campo político institucional.

Agora tomaram o rumo do risível. Temer foi levado por seus pares a enveredar pelo terreno da galhofa quando resolveu encaminhar o "caso" para análise da procuradoria da Casa.

E qual é o caso? O fato de o roteiro ter cenas inspiradas na rotina da Câmara e de um ou outro parlamentar, cenas de depoimentos em ambientes semelhantes ao Conselho de Ética e um personagem de nome Fraga.

E daí? Daí que alguns deputados acham uma afronta um diretor de cinema, um roteirista não lhes pedirem licença para escolher a temática de suas obras. A Câmara é intocável.

E o deputado Alberto Fraga, um entre os 513 deputados federais achou que o "Fraga" do filme só podia ser uma inspiração do cineasta José Padilha em tão famosa figura.

Padilha explicou que nunca ouvira falar no deputado eleito por Brasília, mas Fraga não se conformou: "Não é um nome comum, como João. Eu sou o antagonista, o bandido. Peço à procuradoria que analise isso."

"Isso" o quê? Analisar para quê? Para levar José Padilha ao Conselho de Ética, cassar a exibição do filme por quebra de decoro parlamentar?

O deputado José Genoino apoia providências: "Estão tentando colocar o Parlamento como piada."

De fato, mas quem faz isso não é o cineasta.

Carlos e José:: Maria Cristina Fernandes

DEU NO VALOR ECONÔMICO

No dia em que Maria da Conceição Tavares fez 80 anos, José Serra publicou o artigo "Maria e eu" (O Globo, 24/04), no qual conta a origem de sua intimidade com a geração de economistas que ficaram escanteados nos anos em que seu partido e outros alunos da aniversariante governaram o país.

À noite, Serra e Dilma Rousseff estavam entre os convidados da festa de aniversário. Ficaria claro ali que o candidato do PSDB estava disposto a brigar pelos chamados desenvolvimentistas, alguns dos quais ilustres colaboradores do governo Luiz Inácio Lula da Silva.

Em viagem ao exterior, Carlos Lessa não foi à festa, mas está citado três vezes no artigo dedicado por Serra à amiga comum.

Assim como Conceição, Lessa foi professor dos dois principais candidatos à Presidência da República - de Serra na Cepal e de Dilma na Unicamp. Durante os dois anos que passou como presidente do BNDES no governo Lula notabilizou-se pelos entreveros com Henrique Meirelles.

No dia seguinte à entrevista em que o tucano apontou a falibilidade do Banco Central, Lessa estava exultante: "Serra andava conciliador demais, já estava preocupado".

Lessa ainda não sabe em quem vai votar, mas acredita que Serra teria mais condições de desenvolver o país - "O governo Lula teve em Henrique Meirelles seu alicerce fundamental e Dilma está comprometida a mantê-lo no comando da política econômica. Ela não pode se opor".

Lessa reconhece a ascensão da baixa renda e a valorização do salário mínimo - "É a única coisa de que gosto no governo Fernando Henrique e que Lula manteve" -, mas diz que os ganhos não foram suficientes para elevar a participação dos salários na renda nacional, que perdem espaço para a renda do capital.

Cita Lula para dizer que não tem certeza se Serra, presidente, se aferraria às suas convicções - "Nunca imaginei que Lula fosse fazer essa política econômica. Foi mais pró-banco que FHC".

Desfia os números de cabeça. No governo tucano os lucros dos bancos cresceram 11% em média; no petista elevaram-se em 14%. "São 16 anos de banco crescendo enquanto o país, nesse período, não cresceu nem 3% ao ano".

A bronca vai definir seu voto para presidente. Escolherá o candidato que refugar o Plano Ômega. O projeto, que está sendo gestado pela burocracia do Banco Central e da Fazenda e representantes de bancos e da Bolsa de Valores, tem por meta fazer da capital paulista um centro financeiro internacional.

O plano que Lessa define como destinado a transformar São Paulo na "Cingapura do Atlântico Sul" exigiria uma revolução no mercado cambial para tornar o Real uma moeda internacionalmente conversível.

"O plano vai ser apresentado a Serra e a Dilma e o candidato que se apresentar mais favorável terá o apoio do sistema financeiro", diz. Entre seus formuladores cita Armínio Fraga e Meirelles, que se sucederam como autoridades monetárias máximas nos governos tucano e petista.

A lista de broncas de Lessa é secundada pelas empresas do setor elétrico. Diz que só distribuidora de energia hoje é negócio melhor que banco - "Na minha casa tem apagão todo dia, mas as distribuidoras estão ganhando 20% sobre o patrimônio".

Não acredita que Serra, eleito, retomaria o programa de privatizações de energia do governo FHC. Toma-o por pragmático e acredita que seu governo favoreceria a presença do Estado onde o mercado for mal: "Ele foi o ministro mais nacionalista daquele governo".

Diz que, no governo, Dilma compartilhou com ele as angústias sobre a necessidade de expandir a capacidade de geração de energia do país - "No setor elétrico meu principal problema era com a Marina, que atrapalhava muito".

As maiores diferenças com a Dilma, conta, eram no setor de petróleo. "Achava que o preço ia subir e ela tinha sido convencida por sua assessoria de que a cotação flutuaria. Hoje ninguém tem mais dúvida de que o petróleo vai a US$ 100. É a melhor reserva que o país pode ter".

Guarda sua cota de elogios a este governo às diretrizes do pré-sal: "Lula acertou nas três premissas, a de que o país não exportará petróleo cru, a de que seus efeitos serão orientados para o desenvolvimento e que os lucros alimentarão um fundo social".

Não se deixa impressionar pelos ataques de Serra ao Mercosul. "Ele conhece tudo isso. E sabe que o Mercosul reflete a inanição do Brasil, a que a Argentina está atrelada". E espera que a política externa do governo Lula seja mantida, noves fora a meta do Conselho de Segurança Nacional, que Lessa classifica de pretensiosa.

Aos 73 anos, Lessa está afastado da política, apesar de filiado, "por inércia", ao PSB. Ficou no PMDB até o segundo turno de 2006. "Não aguentei o Renan Calheiros". Depois de ter percorrido o Brasil colhendo diretivas para um programa de governo do partido, o partido resolveu aderir a Lula. "Não me mandaram nem uma carta de agradecimento".

Padrinho de casamento de Serra no Chile, Lessa vê com naturalidade ter sido abundantemente citado na formação de Serra como economista - "Praticamente lhe ensinei economia". Indagado sobre qual dos dois teria sido o melhor aluno, sai pela tangente: "Tanto Dilma quanto Serra eram muito inteligentes e obstinados".

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

Ameaça às exportações:: Roberto Freire

DEU NO BRASIL ECONÔMICO

O Brasil mostrou durante a crise internacional ser capaz de tomar medidas ágeis e eficazes para sustentar a economia. Mas vem se mostrando lento demais na área do comércio exterior.

Assim, por exemplo, não adotou medida alguma de incentivo para as exportações, mesmo diante de um declínio das vendas externas de produtos manufaturados em nível superior a 30% no período mais crítico de 2009.

Também tardou muito em adotar providências contra a valorização do real causada pela recuperação das expectativas financeiras internacionais e pelo retorno dos capitais que haviam deixado o país com medo de um contágio que acabou não ocorrendo.

Foi só a partir do final do ano passado que o governo voltou a aplicar o IOF na entrada de capitais estrangeiros e instituiu mecanismos que ajudaram a frear as expectativas de valorização do real, como a regulamentação do fundo soberano.

A apreciação da nossa moeda foi interrompida na faixa de R$ 1,70 a R$ 1,75 por dólar em parte por causa dessas medidas. Mais importante foi a mudança da situação externa devido à crise dos países europeus encabeçados pela Grécia.

Na área cambial, teria sido relevante uma atuação anterior do governo para frear a queda da cotação do dólar em um nível superior.

Isto porque a crise internacional inexoravelmente deixaria um rastro de excesso de capacidade de produção industrial a nível global, que agravaria, como de fato agravou, a capacidade brasileira de competir com países como a China em terceiros mercados e no seu próprio mercado interno, cujo dinamismo foi preservado.

Pois bem, a crise na Europa, mesmo em uma hipótese otimista quanto ao seu desdobramento, certamente ampliará a restrição de mercados para a colocação da excedente capacidade mundial de produção.

A Europa já vinha mostrando um baixo crescimento em sua trajetória de recuperação da crise de 2008/2009, tendência que deve ser agravada com os ajustes recessivos que vários países serão obrigados a fazer e pela relutância maior dos bancos em financiar empresas e consumidores desses países.

Isso afetará as exportações de economias como a chinesa, que desejarão compensações em outros mercados. O Brasil poderá sofrer duplamente: devido ao menor dinamismo em suas exportações para a Europa e por um maior assédio do produto importado ao seu mercado interno.

O "pacote" de incentivo à exportação anunciado semana passada tem medidas muito importantes, mas seu maior alcance vai ser sentido apenas no médio prazo e, ainda assim, se forem bem executadas as novas iniciativas que criaram o Eximbank, a nova empresa seguradora e a margem de preferência para o produto nacional em concorrências públicas.

Nenhuma das medidas se destina a neutralizar os efeitos possíveis da crise na Europa. Se o Brasil não conseguir corrigir a valorização da sua moeda, não terá como evitar um ritmo de crescimento das importações que atualmente é superior a 50%, contra um crescimento das exportações que não passa de 20%.

Roberto Freire é presidente do PPS

Trio Carioca - "Oscar Niemeyer", de Mauricio Carrilho

Direitos humanos: governo retira propostas polêmicas

DEU EM O GLOBO

Diante da ampla repercussão negativa do Programa Nacional de Direitos Humanos, o presidente Lula recuou e publicou ontem decreto alterando nove pontos do plano divulgado em janeiro. As principais mudanças atendem a reivindicações de militares, religiosos, ruralistas e órgãos de comunicação. Para atender a Igreja Católica, Lula excluiu o trecho que defendia a descriminalização do aborto e revogou o artigo que proibia símbolos religiosos em órgãos públicos. Os militares foram contemplados com mudanças nas referências ao golpe de 64. A expressão "repressão ditatorial" foi substituída por "violação de direitos humanos". Também saiu do texto o artigo que determinava a realização de audiências prévias à concessão de liminares de reintegração de posse. A nova versão também exclui a ameaça de punição de rádios e TVs por desrespeito aos direitos humanos. Apesar das mudanças, a CNBB e a Confederação Nacional da Agricultura mantiveram suas críticas ao decreto.

Lula recua e altera programa

Governo retira do plano de direitos humanos pontos que desagradaram a Igreja e militares

Evandro Éboli

Quase cinco meses após lançar o Programa Nacional dos Direitos Humanos e sofrer críticas de vários setores da sociedade, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recuou e assinou decreto que altera nove pontos do plano e atende a reivindicações de militares, religiosos e ruralistas. Lula também fez mudanças defendidas pelos meios de comunicação. Para atender a Igreja Católica, ele excluiu o trecho que defendia a descriminalização do aborto e revogou o artigo que proibia presença de símbolos religiosos em locais públicos.

Os militares, que demonstraram a maior resistência ao programa, foram os mais contemplados nas mudanças. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os três comandantes das Forças Armadas ameaçaram pedir demissão se as referências ao golpe de 64 no documento não fossem amenizadas. A expressão "repressão ditatorial", que tanto desagradou principalmente ao Exército, desapareceu da nova versão.

Outra alteração feita por Lula para agradar aos militares foi a garantia de não alterar nomes de ruas, praças e prédios públicos batizados com nomes de pessoas "que praticaram crimes de lesa-humanidade". O novo texto diz apenas que, a partir de agora, esses logradouros não devem receber nomes de pessoas que, comprovadamente, atuaram como torturadores.

Os afagos de Lula às Forças Armadas incluíram ainda uma mudança nas referências ao período militar no material pedagógico a ser usado nas escolas. As expressões "regime de 1964-1985" e "resistência popular à repressão" foram substituídas por "graves violações de direitos humanos ocorridas no período fixado no artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988".

Os ruralistas foram atendidos no ponto que consideravam mais prejudicial ao setor: a previsão de realização de uma audiência coletiva envolvendo invasores de terra, fazendeiros e Poder Judiciário, antes da concessão de liminares de reintegração de posse foi excluída do texto. Esta era uma reivindicação da Confederação Nacional de Agricultura (CNA).

Vannuchi negociou com setores insatisfeitos

Nestes cinco meses de vigência do Programa de Direitos Humanos, ministros do governo Lula sofreram duras críticas da oposição. O ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, chegou a ser convocado várias vezes para discutir o assunto no Congresso Nacional. Vannuchi coordenou os trabalhos, e vários pontos do programa foram extraídos do relatório final da Conferência Nacional de Direitos Humanos, que teve participação de setores do governo, da sociedade civil e de movimentos sociais.

Por ordem de Lula, Vannuchi teve que negociar com alguns setores insatisfeitos com o texto. Ele chegou a se reunir com o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Dimas Lara, na sede da entidade, e ouviu as queixas da Igreja. Dom Dimas foi um crítico do texto e chegou a dizer, em tom de ironia, que a proibição de exibição de símbolos religiosos levaria a derrubada da imagem do Cristo Redentor, no Rio.

Os meios de comunicação também foram alvo do programa do governo, que chegou a condicionar a concessão de rádios e canais de televisão a programações que promovessem, obrigatoriamente, o respeito aos direitos humanos. Na revisão publicada ontem, Lula acabou com essa exigência, considerada pelas entidades de radiodifusão uma tentativa de intervenção na liberdade de expressão.

Entre os militares, o receio era que o programa levasse a uma revisão da Lei de Anistia e, como consequência, à possibilidade de julgamento e punição daqueles envolvidos em crimes como tortura, morte e desaparecimento de opositores do regime. Lula decidiu, então, que a criação da Comissão Nacional da Verdade, para esclarecer fatos ocorridos durante os anos de chumbo, seria submetida ao Congresso e envolveria apuração de violações cometidas também por militantes da esquerda armada. A mensagem com a criação da comissão foi enviada ontem ao Congresso e será formada por sete integrantes. Funcionará durante dois anos.

As divergências dentro do governo envolveram também outros ministros. O então ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, em sintonia com os ruralistas, criticou o texto e disse que o plano criava insegurança jurídica no campo e que a mediação de conflitos beneficiava o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Stephanes afirmou que não foi consultado pela Secretaria de Direitos Humanos quando o texto foi elaborado. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, defendeu o programa e afirmou que a audiência coletiva antes de uma decisão da Justiça assegura a paz no campo.

Quem manda, quem obedece:: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Fim da gritaria da Igreja Católica, das Forças Armadas, do agronegócio, das associações de mídia. E... começo da gritaria das feministas, dos movimentos de direitos humanos, dos sem-terra e afins. Será?

Lula fez festa em dezembro, com direito a lágrimas e comoção, para lançar o 3º Plano Nacional de Direitos Humanos como uma peça de vanguarda, antenada com os ventos mundiais e com a chegada da esquerda ao poder no Brasil.

Cinco meses depois, com uma canetada e sem choro nem vela, o mesmo Lula limpou o 3º PNDH de tudo o que causava alvoroço e crítica e se mandou para o Irã.

No confronto entre a igreja e as feministas por causa do aborto, ganhou a igreja, e tudo voltou a ser uma "questão de saúde". Entre os militares e os torturados, ganharam os militares, e o foco (?!) voltou a valer para um longo período que vem desde a ditadura Vargas e não vai chegar a lugar nenhum.

Entre o agronegócio e o MST, ganhou o agronegócio, e a mudança na mediação de conflitos agrários foi empurrada para o Congresso.

Entre os meios de comunicação e assessores neobolivarianos, ganharam os meios, e aquele negócio de "ranking" de TVs e rádios ficou para as calendas.

Uns têm todo o direito de comemorar. Os outros, boas razões, agora, sim, para chorar. Mas há sérias dúvidas se eles vão mesmo, porque o que menos se vê no governo do companheiro Lula é movimento social (e até a UNE) protestando.

Governos têm esse ônus: apanham porque fazem e apanham porque não fazem. Mas nunca antes neste país se viram os que sempre bateram tão cordatos e tão doces, a começar pelo MST.

Lula, portanto, sabia exatamente o que estava fazendo quando desfigurou o seu PNDH: atendeu quem tem poder de pressão e deu de ombros para quem abdicou de pressionar para meramente aderir.

Serra: “ A ditadura matou quem fazia luta armada e quem não fazia”

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Sérgio Montenegro Filho

Em sua primeira visita ao Recife após ser lançado pré-candidato a presidente pelo PSDB, o ex-governador José Serra deixou claro, ontem, que não pretende polarizar com o presidente Lula (PT) na campanha. Lula está acima do bem e do mal, afirmou, em entrevista à Rádio Jornal. Descontraído, Serra brincou com os jornalistas e, mesmo queixando-se de dores de garganta, até cantarolou trecho de uma música de Dolores Duran, ao receber do comunicador Geraldo Freire um CD com músicas dela cantadas por Clara Nunes. Serra voltou a elogiar o Bolsa Família, mas criticou o inchaço da máquina no governo do PT e a lentidão de obras e ações. Fez elogios à sua própria gestão em São Paulo e voltou a listar saúde, educação e a criação do Ministério da Segurança como suas prioridades.

LULA

Lula está acima do bem e do mal. Não comparo Lula com nada. Mas não tenho evitado (críticas). É que eu não estou numa disputa Náutico x Sport. Para mim, política não é par ou ímpar. Não tenho dificuldade em dar crédito a quem fez coisa boa, ver o que está faltando e criticar o que está errado. É preciso olhar para a frente. Não podemos deixar a política transformar adversários em inimigos. Temos que unir o Nordeste como um todo, o Brasil como um todo.

ANTI-NORDESTE

Isso é coisa de político que, para catar votos, fala qualquer coisa. É gente com especial vocação para a intriga e a mentira. Quero dizer que, fora do Nordeste, individualmente talvez eu tenha sido quem mais fez pela região. Por exemplo, o Fundo de Desenvolvimento do Norte, Nordeste e Centro Oeste, aplicado a cada ano pelo Banco do Nordeste, fui eu quem tocou na Constituinte, quando era relator. O Prodetur, quando cheguei no governo (FHC) em 1995, estava encalacrado e nós botamos para andar. O Proágua, fui eu quem negociou com o Banco Mundial. Na saúde, aumentamos o dinheiro do SUS e o Programa Saúde na Família. Quando entrei (no ministério), tinha 97 equipes em Pernambuco. Quando saí, deixei 1.158. Esse programa foi feito na minha gestão. Além disso, passei 16 anos no Congresso Nacional, como deputado e senador. Pode pegar tudo o que eu disse, para ver se existe uma vírgula contra o Nordeste.

MIGUEL ARRAES

Conheci o Recife em 1963. Eu só tinha 21 anos de idade e vim convidado por Miguel Arraes. Nós ficamos amigos quando ele era governador e eu era líder estudantil, presidente da UNE.

PROPOSTAS

A popularidade do Lula é merecida aqui. Mas ele não é candidato, nem Collor, nem Sarney, nem Fernando Henrique. O Brasil tem que olhar para o futuro. E Pernambuco pode muito mais. Das obras federais programadas aqui, só se gastou uns 7% até agora. Eu vou tocar tudo isso para frente. Tem o Aeroporto dos Guararapes que precisa ser ajustado, a Transnordestina, que depois de oito anos só andou no final. Tem a BR-101 com trechos ainda para duplicar. Vamos pegar as coisas positivas que já caminharam e acelerar. Minha característica na vida pública é fazer acontecer. Eu, por exemplo, não conhecia os medicamentos genéricos, mas quando assumi o Ministério da Saúde, tomei conhecimento deles e toquei para frente.

BOLSA FAMÍLIA

Quando era ministro, criei o Bolsa Alimentação para mães nutrizes e crianças pequenas. O programa teve sucesso e quando Lula entrou, juntou com o Vale-Gás e o Bolsa Escola, criando o Bolsa Família, um bom programa, que eu vou fortalecer ligando a duas coisas cruciais: ao Programa Saúde na Família e ao treinamento e qualificação para os jovens.

SEGURANÇA

A droga e o contrabando de armas são a base do crime organizado. Por isso, tem que colocar o governo federal na batalha. Não adianta simplesmente responsabilizar os Estados, se solidarizar e dar um negocinho aqui, outro acolá. A coisa vai se agravando. Quero criar o Ministério da Segurança Pública, juntando todos os órgãos de segurança, com o governo federal coordenando e cobrando dos governadores que não trabalharem bem. Porque o crime não tem fronteiras, se não cuidar em um Estado, passa para o outro. Nos últimos dez anos, a taxa de homicídios caiu 70% em São Paulo, porque se equipou a polícia, se fez planejamento, se investiu, proporcionalmente, mais do que os outros Estados em tecnologia, porque o crime é sofisticado. Bandido tem que estar na cadeia, e isso acontece em São Paulo.

LUTA ARMADA

Eu tinha um amigo em Pernambuco chamado Ruy Frazão, que foi morto pela ditadura, sem nunca ter pego em armas. A ditadura matou quem fazia luta armada e quem não fazia. David Capistrano, do PCB, não era pela luta armada, mas foi torturado e morto.

ESQUERDA

A definição de esquerda e de direita, hoje, é mais difícil. Do ponto de vista convencional eu sou de esquerda. Mas isso não diz tudo. Esquerda hoje é dar ênfase à saúde, aos desamparados e deficientes físicos, estimular a indústria, o emprego, a agricultura. Se você critica juros altos, é de esquerda. Quem defende os juros é de direita.

TROCA-TROCA

No meu governo, deputado não nomeia diretor de empresas. Não tem troca-troca. Hoje o Congresso faz isso como nunca, mas no governo passado (FHC), quando eu era ministro da Saúde, não aceitei nenhum troca-troca. Criamos uma agência de vigilância sanitária para cuidar dos remédios, outra para cuidar de planos de saúde, e o pessoal não vinha propor indicações. Hoje está tudo loteado entre os partidos. É claro que não funciona direito. Às vezes, até indicam um bom sujeito, mas ele passa a dever obediência a quem indicou, e não a quem manda. Quando eu era ministro, nomeei gente pelo mérito. Dois deles eram médicos pernambucanos filiados ao PT: Jarbas Barbosa e Cláudio Duarte, que hoje é secretário da Prefeitura do Recife. No ministério eu dizia que não era do PSDB, mas sim do Partido da Saúde.

COMISSIONADOS

Cargo comissionado tem demais (no governo Lula). Sou a favor dos concursados. Em São Paulo, fiz concursos, reduzi de 30% a 40% os cargos comissionados e não fez falta. Tem que ficar só o essencial. E vai diminuir se eu chegar ao governo. Tem que gastar menos com a máquina para gastar mais com o povo. Esse governo (Lula) tem problemas de gestão, tem gordura demais, troca-troca demais. Qualquer empresa estatal tem indicações políticas. Um exemplo: há uma situação de calamidade nos aeroportos brasileiros, todos superlotados, e a Infraero não faz nada, porque está loteada. As pessoas entram por indicação, e não por mérito. Quem deve nomear é o presidente, se o cara for bom.

FHC

Somos amigos, ele é como um irmão mais velho. Agora, nós tínhamos diferenças, às vezes, em questões de governo. Só não me parece lícito falar disso agora para não provocar tititi. É natural ele estar no palanque comigo. É um ex-presidente. Quem vai tocar o governo é quem for eleito, mas não significa deitar e rolar, desconsiderando opiniões. Eu serei o tocador.

EDUCAÇÃO

Uma questão crítica é a qualidade do ensino fundamental. O governo fez bons planos, mas não tirou do papel, porque enfrentou muitos obstáculos. Outra questão é a educação profissional, que para mim é a menina dos olhos. Criar cursos de um ano e meio que deem uma profissão ao jovem. Em São Paulo, eu encontrei setenta e poucos mil alunos e elevei o número para quase 170 mil. Pretendo fazer muito mais escolas técnicas no País, com qualidade, para triplicar o número de alunos. E diversificar os cursos de acordo com as realidades locais. Tem que ser algo massivo, no Brasil inteiro. Coisa para 300 mil alunos. Isso é progresso econômico e futuro. Oportunidade de vida para as pessoas.

VICE

O candidato a vice é uma angústia muito grande, mas para os jornalistas. Primeiro, não sou eu quem organiza isso. É Sérgio Guerra, presidente nacional do partido. Se der certo, é mérito do candidato. Se der errado, Sérgio é o culpado. E o vice dificilmente vai ser do mesmo partido. Não estou descartando nem encartando nada (sobre Aécio Neves). É que qualquer coisa que eu falo dá uma fofoca tremenda. Ainda temos um mês. A eleição se antecipou muito no Brasil, desnecessariamente. Mas certas coisas não se antecipa, como as alianças, o vice. Isso vai ser definido em junho. Ainda vamos virar muitas noites discutindo.

Tucano adota o estilo paz e amor

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Sheila Borges

Apesar de não ser o nome que representa a continuidade, o tucano José Serra quer emplacar a imagem do presidenciável paz e amor, a mesma que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) adotou na vitoriosa campanha eleitoral de 2002, quando foi eleito para o primeiro mandato. Essa marca deu leveza ao combativo sindicalista que disputava a quarta campanha à Presidência da República. E, agora, está contribuindo para suavizar a pecha de que Serra é antipático. Durante a sua passaram pelo Recife, ontem, o tucano fez questão de ser simpático e popular: nas palavras e nos gestos. No programa de Samir Abou Hana, na TV Universitária, utilizou a expressão ferrado para dizer o que teria ocorrido com ele se não tivesse aprendido, na tapa, a trabalhar com a internet.

Em todos os lugares, parava, cumprimentava, conversava e tirava fotografias. No restaurante Spettus de Boa Viagem, circulou de mesa em mesa. Chegou a ser aplaudido. Inicialmente, aproximou-se de uma família que comemorava o aniversário da dentista Fátima Ribeiro e de sua filha Beatriz. Deu sorte, o casal é paulista, mas mora no Recife. O marido de Fátima, Olindo Ribeiro, é palmeirense, time de Serra. Vou votar em você, disse Onildo. Em outra mesa, o presidenciável falou com um grupo de amigos, indagando-os se era alguma comemoração. Não era. Parte do grupo se levantou para registrar o encontro com o tucano. Queremos mudar com certeza, revelou Érica Chagas, recebendo um largo sorrido de Serra.

Quando foi recebido pelos correligionários, o ex-governador cumprimentou todos. O encontro político se transformou em uma grande confraternização. Para que as pessoas pudessem ver a reunião e construir a imagem que a oposição em Pernambuco está unida, os oposicionistas não almoçaram em um local separado, mas junto às mesas dos demais clientes. Serra sentou ao lado do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) o pré-candidato da oposição no Estado , do senador Marco Maciel (DEM) que vai disputar à reeleição , do presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra, do deputado federal Roberto Magalhães (DEM) e do presidente regional do DEM, Mendonça Filho.

Serra perdeu a paciência no final quando um jornalista pediu para que ele comentasse o novo estilo paz e amor, comparando-o ao adotado por Lula em 2002. Preferiu não responder. E saiu do restaurante direto para o aeroporto. Neste momento, retirou o microfone sem fio que tinha colocado quando deixou os estúdios da TV Universitária. Todos os seus passos eram registrados por uma equipe de televisão contratada pelo PSDB. No trajeto, conversou com Jarbas no carro. O senador o acompanhou até o embarque para o Rio. No aeroporto, mostrando animação, conversou com as recepcionistas de uma empresa de táxi aéreo e indagou: aqui posso ter a esperança de um voto?. As moças sorriram e tiraram fotos com o presidenciável.

Elogios de Serra a Lula abrem foco para Jarbas

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Expectativa é saber como o peemedebista o anti-Lula do Senado vai se comportar na campanha em relação ao presidente da República. Ontem, Jarbas foi irônico ao comentar declaração de Serra

Sheila Borges

Não vai ser fácil para o presidenciável do PSDB, José Serra, controlar o tom crítico do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB), pré-candidato a governador de Pernambuco, contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que o transformou no senador anti-Lula. Apesar de reconhecer a importância do apoio de Jarbas, Serra sabe que, em função dos altos índices de popularidade de Lula como indicam as pesquisas , a estratégia não é atacar o petista, mas a sua candidata a presidente, a ex-ministra Dilma Rousseff (PT). O peemedebista até concorda com a linha do discurso de Serra, ontem, mas está, visivelmente, dividido. Jarbas foi irônico quando comentou a declaração do tucano sobre Lula no programa de Geraldo Freire, da Rádio Jornal. Serra falou que não iria comparar Lula a nada por considerar que o presidente está acima do bem e do mal.

O tom usado pelo peemedebista foi duro. Nas declarações, na relação dele com o Congresso, na conduta, Lula não quer ficar só acima do bem e do mal. De tão empolgado, daqui a pouco, fica acima de Deus, afirmou, frisando que não estava sendo irônico. Muito à vontade, foi mais além. Disse que não vai mudar o tratamento, já que foi eleito para fazer oposição. Se Lula fizer qualquer coisa, fizer imposições ao Senado que eu não aceite, tranquilamente vou falar, vou à tribuna fazer o meu discurso. Terei a mesma posição, garantiu.

Admitiu, contudo, que o desejo do presidente é exatamente esse que a oposição entre em confronto direto com ele e esqueça Dilma, deixando-a livre para apresentar propostas e enaltecer as ações do governo. A alternativa então, segundo o próprio Jarbas, é bater na gestão do PT. Não teremos necessidade de criticar Lula, não é ele o candidato. Vou, contudo, continuar criticando o que acho de errado no governo. De acordo com Jarbas, é essa a postura que precisa ser adotada. Até porque, para o senador, Lula não vai eleger Dilma na base do andor. Para mim, não vai transferir voto na proporção e no volume que provoque a derrota de Serra.

Mas se for para falar de quem está por trás de cada um, Jarbas considera que o presidenciável do PSDB leva vantagem. Na comparação, estamos melhor. Ela tem Lula. A gente tem Fernando Henrique Cardoso. Dilma também tem Collor e Sarney, falou, referindo-se aos ex-presidentes que têm imagens desgastadas. O presidente nacional do PSDB, o senador Sérgio Guerra, não acredita que Jarbas provoque polêmicas. Está alinhado conosco. Jarbas não vai enfrentar Lula, mas Eduardo (o atual governador que é candidato à reeleição). Lula virou uma entidade. Podemos gostar ou não. É um fato. Lula tem a aprovação do povo.

Jarbas confirmou que Serra volta ao Recife no dia 28 de maio para o lançamento festivo de sua candidatura a governador. E prometeu fazer o possível para, na ocasião, apresentar a chapa majoritária completa.

Serra vê Estado com a marca de Jarbas

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Sérgio Montenegro Filho

Durante a visita de ontem ao Recife, embora tenha falado pouco sobre a pré-candidatura do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) a governador, o presidenciável José Serra (PSDB) deixou clara sua disposição de retribuir o apoio recebido do peemedebista. Serra explicou que a amizade com Jarbas data do período da redemocratização do País na década de 80 e procurou sempre avalizar a qualidade de bom administrador do aliado. Ele foi prefeito do Recife por sete anos e governador por mais oito anos. Então, tudo que tem sido feito em Pernambuco nos últimos anos tem a marca de Jarbas, afirmou, pela manhã, durante entrevista à Rádio Jornal, antes de encontrar com o aliado para o almoço.

Em meio aos elogios, Serra confessou ter inveja do Porto Digital criado em 2000, quando Jarbas cumpria o primeiro mandato no governo. Tentamos fazer igual em São Paulo e não conseguimos. É da iniciativa privada, mas o governo teve uma importância muito grande na sua criação, disse.
Ele enumerou ainda como obras que confirmariam os dotes de gestor do aliado peemedebista a duplicação da BR 232, o Porto de Suape e a expansão do metrô do Recife. Também citou a refinaria de petróleo, aproveitando para alfinetar o governador Eduardo Campos (PSB), adversário de Jarbas. A refinaria, inclusive está indo muito devagar.

Pouco depois do programa, porém, em conversa com jornalistas, o presidenciável tucano garantiu que se vencer Dilma Rousseff (PT) candidata do PT apoiada por Eduardo Campos e em Pernambuco o governador renovar o mandato, não haverá descontinuidade no repasse de recursos federais ao Estado. Eu sempre governei sem olhar coloração partidária nem pedir carteirinha. Isso seria prejudicar a população, afirmou.

Em seguida, Serra sinalizou que não considera necessária uma afinação total com Jarbas nas críticas ao governo petista. O tucano já havia deixado claro que não pretende atacar Lula na campanha, ao contrário do peemedebista, considerado um dos maiores opositores do presidente.
E arrematou: Jarbas é um grande homem público, respeitado em todo o País. É um patrimônio de Pernambuco.

PMDB nega palanque a Dilma no RS e racha se espalha por outros Estados

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Decisão, somada a problemas em outras sete regionais e negativas estaduais, sinaliza que há risco de a aliança nacional se desfazer

Christiane Samarco

Rival histórico do PT, o PMDB do Rio Grande do Sul não dará palanque à presidenciável petista, Dilma Rousseff. A decisão, somada à negativa de quatro Estados e a problemas em mais sete regionais, que se aproximam do candidato tucano José Serra, sinaliza que há risco de a aliança nacional patrocinada pelo Planalto se romper.

A conselho de líderes regionais, o presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP), adiou para 12 de junho o anúncio formal de sua presença como vice de Dilma, que seria amanhã.

Dirigentes do PMDB aproveitam tropeços de Dilma para tirar vantagens do PT nos acordos estaduais e, para ampliar a capacidade de barganha do partido, falam na construção de uma "porta de saída" para Temer. Nessa engenharia da pressão, o desempenho da ex-ministra nas pesquisas é fator predominante.

Integrantes do PMDB vinculados ao Instituto Ulysses Guimarães estão empenhados em levar adiante um movimento - denominado Estradas e Bandeiras - que defende candidatura própria do partido à Presidência.

"Essa aliança nacional não está segura. Aqui no Rio Grande, você caminha na rua e os peemedebistas dizem que não votam no PT", afirma o deputado gaúcho Darcísio Perondi, para quem "tudo pode acontecer", a depender da solução dos conflitos em Estados-chave como Minas, Bahia e Pará. Ele avalia que, dos 487 diretórios municipais do PMDB gaúcho, "mais de 100%" não querem aliança com o PT.

Porta de saída. O movimento pretende abrir a tal "porta de saída" para Temer. Como a regional paulista é comandada por Orestes Quércia - já aliado a Serra - que disputará o Senado na coligação do PSDB, Temer sabe que não terá espaço em São Paulo no caso de não ser vice de Dilma.

Se a petista não decolar até o final de junho, o próprio Temer poderia encampar a candidatura própria. Amigos de Temer dizem que a tese do candidato próprio e o programa de governo do PMDB, praticamente pronto, são instrumentos para dar opção ao presidente da legenda. Um dirigente do partido diz que, não por acaso, o presidente da Fundação Ulysses Guimarães é o deputado gaúcho Eliseu Padilha, que foi ministro nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso e mantém diálogo com Serra.

Na lista dos peemedebistas que "seguraram" o anúncio formal da parceria de Temer com Dilma, está o deputado e ex-ministro Geddel Vieira Lima, que disputará o governo da Bahia com o PT do governador Jaques Wagner, que busca a reeleição. Também figura o deputado Jader Barbalho, que se lançou na briga pelo governo do Pará contra a governadora petista Ana Júlia Carepa e já decidiu que, mesmo na hipótese de concorrer ao Senado, o PMDB terá candidato contra ela.

O PT pode até fechar a chapa presidencial com o PMDB, dando a Dilma os preciosos minutos do partido no programa gratuito de rádio e TV. Mas a candidata não terá apoio do conjunto do partido, como sonhara o presidente Lula quando negociou a vice com o PMDB. O governador do Mato Grosso do Sul, André Puccinelli, já avisou Temer que não atrapalhará sua indicação para vice de Dilma, na convenção, mas seu palanque será de Serra. Restará a Dilma a opção de tocar a campanha no Estado com José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT, que quer voltar ao governo.

Programa do PT vira campanha para Dilma

DEU EM O GLOBO

Lula usa horário do partido no rádio e na TV para enaltecer pré-candidata e chega a compará-la a Nelson Mandela

Maria Lima


BRASÍLIA. Desafiando a legislação eleitoral, o presidente Lula e a pré-candidata petista, Dilma Rousseff, aproveitaram o último programa em cadeia nacional de rádio e TV do PT neste semestre para fazer campanha eleitoral, com constante comparação com o governo de Fernando Henrique Cardoso e o pré-candidato tucano José Serra, e pregando a necessidade da continuidade do projeto de poder do PT. Em tom profético, Lula aparece dizendo que, quando viu Dilma pela primeira vez, soube que ela teria um papel muito importante para seu governo e para o Brasil, chegando a fazer um paralelo com a história do ativista e ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela, que ficou mais de 20 anos preso por sua luta contra o apartheid, e que ganhou o Prêmio Nobel da Paz. Lula disse que grande parte do sucesso do seu governo é creditado à atuação decisiva de Dilma.

Os dois foram as estrelas do programa, e mais três ministros apareceram para fazer declarações de elogios a Dilma. A parte mais sensível da biografia da ex-ministra, a da luta armada, foi amenizada com declarações sobre sua luta pela democracia. Lula ressaltou a mineiridade de Dilma.

O programa começa com Lula dizendo que sempre perguntam porque admira tanto a aliada. Ela aparece em seguida dizendo:

- Se o fato de ser mulher faz diferença? Eu acho que faz uma grande diferença - diz Dilma.

- A prova definitiva foi quando chamei Dilma para a Casa Civil. Ela foi simplesmente exuberante na coordenação do governo - disse Lula, ao falar de quando teve certeza que Dilma mudaria a História do Brasil.

Um locutor conta a história da pré-candidata, ressaltando os motivos que a levaram para a luta armada, em Minas Gerais.

- Eu lutei sim, pela liberdade, pela democracia, contra a ditadura, do primeiro ao último dia, com os meios e as concepções que eu tinha naquela época. Muita gente foi presa, outros se exilaram, outros morreram. Quando o Brasil mudou, também mudei, mas nunca, nunca mesmo, mudei de lado.

Nesse ponto Lula entra comparando a história de Dilma com a de Mandela.

- Um dia o Mandela me disse que foi para o conflito porque não lhe deram outra saída. Depois ele virou um dos maiores símbolos da paz e da união no Mundo - disse Lula, para mostrar que, se Dilma foi dura no passado, pode repetir a historia de Mandela.

Dilma é condenada por programa de TV de 2009

Por sete votos a zero, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) considerou que houve clara propaganda antecipada em favor de Dilma Rousseff no programa partidário veiculado pelo PT em dezembro de 2009. Pela primeira vez, o tribunal multou a pré-candidata petista. Como o julgamento ocorreu após a veiculação, em rede nacional de rádio e TV, do programa petista de ontem à noite, a punição, que implicará a perda total dos dez minutos reservados à legenda, só será executada no primeiro semestre de 2011.

Além de cassar o programa, os ministros multaram o PT em R$20 mil e Dilma em R$5 mil. O ministro Aldir Passarinho, relator da representação feita por PSDB e DEM, disse que determinou esses valores por se tratar da primeira infração, e sinalizou que o valor poderá aumentar em caso de reincidência.

Dilma estreia ''novela'' que ainda não é dela

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Keila Jimenez

Primeiro capítulo é assim, tudo e todos conspiram para deixar bem claro quem é a protagonista.
Assim Dilma Rousseff estreou em campanha do PT, em minutos nobres, querendo estrelar uma novela que ainda não é dela. Sem titubear, um golpe em um dos "vilões": os que a acusam de ter pouca experiência administrativa.

Lula, ministros e a própria Dilma gastam o script enumerando os cargos ocupados e as grandes obras da "mocinha" da vez, que em momento flashback conta até que "lutou contra a ditadura e foi presa".

Coadjuvantes, da turma de baixa renda, ganham a cena, com direito a visita de Dilma, que se senta à mesa simples da cozinha, mas farta, e como gente de casa, abre a geladeira.

Estreia com figurino, luz, cenários e roteiro afinados, mas que, como toda obra aberta, aguarda os próximos capítulos à mercê da opinião pública e do desempenho do seu elenco.

Mandela, Luz para Todos, Minha Casa...

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

José Roberto de Toledo

Pelos destaques do programa do PT na televisão, percebem-se as principais preocupações de Lula com a imagem de Dilma:

1) Ao compará-la ao sul-africano Nelson Mandela, tenta afastar a pecha de "terrorista" que a oposição tenta impingir à presidenciável através da internet, por ela ter participado da luta armada contra o regime militar. O programa pintou-a como lutadora pela liberdade.

2) Associá-la mais a programas sociais do governo, como o Luz para Todos e o Minha Casa Minha Vida. O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) ficou em segundo plano.

3) Reforçar os laços da pré-candidata com Minas Gerais e Rio Grande do Sul, colégios eleitorais importantes e onde ela perde para o tucano José Serra, segundo as mais recentes pesquisas de intenção de voto.

É jornalista especializado em uso de estatísticas

Petista ''debocha'' da Justiça Eleitoral, diz advogado

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Julia Duailibi

Na avaliação dos tucanos, o programa nacional do PT que foi ao ar ontem infringiu, mais uma vez, a lei por ter promovido campanha eleitoral antecipada. O PSDB estuda se é o caso de entrar com outra representação contra os adversários petistas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

"Dilma não apenas mentiu como debochou da Justiça Eleitoral, violou a lei e demonstrou que o exemplo que segue é o da delinquência, que quer tirar vantagem a qualquer custo", afirmou o advogado Ricardo Penteado, que representa o PSDB.

"As decisões da Justiça têm demonstrado que o crime compensa", disse um tucano.

O líder do PSDB na Câmara, João Almeida (BA), também chamou Dilma de "mentirosa". Segundo o parlamentar, o programa Luz para Todos não foi uma iniciativa dela, como disse Lula no programa, mas do próprio Congresso, num projeto de lei que tratava da questão.

TSE multa Dilma pela primeira vez

DEU EM O GLOBO

Programa que foi ao ar em dezembro foi considerado propaganda antecipada

Tribunal não julgou pedido de PSDB e DEM para impedir a veiculação de programa ontem; parte de tempo de TV do PT em 2011 foi cassada

Felipe Seligman
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não julgou a tempo um pedido do PSDB e do DEM para tirar do ar um programa partidário do PT, veiculado ontem em rede nacional de televisão, mas multou, pela primeira vez nesta campanha, a pré-candidata Dilma Rousseff.

Por unanimidade, o tribunal multou o PT em R$ 20 mil e Dilma em R$ 5 mil por propaganda eleitoral antecipada no programa da legenda que foi ao ar em dezembro do ano passado. Os partidos também haviam pedido para que o programa de ontem não fosse ao ar.

O ministro Marco Aurélio Mello, que tomou posse ontem no tribunal, propôs que a multa de R$ 20 mil também fosse aplicada à Dilma, mas sua sugestão não prevaleceu.

Como o tribunal não começou a sessão a tempo de retirar do ar o programa de ontem, os ministros decidiram cassar integralmente o tempo da propaganda do PT que será veiculada no primeiro semestre do ano que vem.

Eles entenderam que o programa do ano passado promoveu a imagem de Dilma, além de fazer propaganda negativa ao comparar o governo Lula e o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Para os ministros, o PT deveria se limitar a divulgar a seus filiados as posições do partido sobre os temas da atualidade.

De acordo com o relator da representação, ministro Aldir Passarinho, a propaganda de 2009 vinculou o nome da Dilma, de forma intercalada, a investimentos do governo Lula, como o pré-sal e o PAC.

"Jamais me defrontei com algo tão escancarado", disse o ministro Marco Aurélio Mello. A ministra Cármen Lúcia chegou a dizer que Dilma seria uma espécie de "fio condutor" da propaganda do PT.

Os advogados do PT e de Dilma negaram a existência de propaganda antecipada.

Quando o julgamento começou, já estava em transmissão a propaganda partidária do PT, que, como aquela condenada ontem pelos ministros, tratou da biografia pessoal de Dilma e fez comparações com gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

O atraso no julgamento se deu por conta da posse de Marco Aurélio Mello e de um julgamento no Supremo Tribunal Federal que terminou por volta das 19h.

Gastança federal :: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O governo Lula deixará uma pesada herança fiscal para quem quer que seja que lhe suceda. O corte anunciado ontem é uma gota num oceano de gastança. A maior parte da queda do superávit primário foi para aumento de despesas de custeio, pessoal e Previdência. A dívida pública bruta cresceu fortemente e isso só não aparece na dívida líquida pelos truques contábeis.

Confira nos gráficos abaixo. Em outubro de 2008, o governo destinava para superávit primário 16% da Receita Corrente Líquida. Hoje, ele destina apenas 6%. Receita Corrente líquida é o que fica nos cofres federais, depois dos repasses para estados e municípios. Pelos cálculos do economista político Alexandre Marinis, sócio da consultoria Mosaico, essa queda do superávit primário não significou um aumento de investimento. Antes da crise, o governo investia 5% da sua receita, agora, destina 6%. O aumento foi de apenas um ponto percentual. Mas as despesas de pessoal, Previdência, custeio e outras despesas obrigatórias, que já engoliam 79%, foram para 88%.

- Do ponto de vista da sustentação do crescimento econômico no futuro, é difícil imaginar uso mais ineficiente dos recursos públicos - diz Marinis.

A Tendências consultoria calcula que as despesas do governo cresceram em média 7,7% ao ano nos últimos 10 anos enquanto o PIB cresceu bem menos, 3,3%. Se esse aumento fosse concentrado nos investimentos, o gasto seria saudável. O problema é que ele se concentra em salários para funcionários públicos, reajustes no INSS e nas despesas correntes, que são gastos para o próprio funcionamento do governo. Para se ter uma ideia da diferença de valores, nos 12 meses terminados em março, o governo e o Banco Central gastaram R$597,1 bilhões. Desse total, R$154,4 bilhões foram para pagamento de pessoal; R$232,8 bilhões, para benefícios previdenciários; e apenas R$39 bilhões, para investimentos.

O único ano em que houve um ajuste fiscal foi 2003. Depois, o governo aumentou fortemente o número de funcionários; não regulamentou a única reforma que fez; a da Previdência Pública; e tem usado truques contábeis para esconder o aumento do endividamento. Note, por exemplo, num dos gráficos, o aumento dos créditos repassados ao BNDES. Esse é um dos truques. O governo alega que empresta ao banco, mas na verdade está aumentando o capital do banco de fomento, que concede empréstimos subsidiados muitas vezes para as próprias estatais.

- O Tesouro empresta para o BNDES com juros em torno de 5%, só que paga 9,5% de juros, que é a taxa Selic, para rolar a própria dívida. Ou seja, o Tesouro está tomando prejuízo na operação - explicou Felipe Salto, da Tendências.

A declaração do ministro Guido Mantega de que será feito um corte de R$10 bilhões e o aviso do ministro Paulo Bernardo de que "vai doer" não impressionam. Ao longo dos últimos anos o governo ampliou de forma extravagante seus gastos. Essa é a herança que ficará para a próxima administração. Marinis acha que se tivesse mantido constante, depois de 2003, as despesas de pessoal e custeio em relação ao PIB, o governo poderia ter aumentado em 45% os investimentos. Felipe Salto acha que o corte anunciado serve para apagar incêndio.

- O governo tem que fazer cortes pensando num horizonte mais longo. O que foi anunciado é mudança de curto prazo para apagar incêndio. Por não ter feito isso antes, teremos mais juros e crescimento menor do PIB a partir de 2011. Crescer um ano é fácil, mas a partir do ano que vem vamos entrar num ciclo de crescimento mais baixo - afirmou Salto.

O governo toma vacina:: Vinicius Torres Freire

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Corte de gasto parece mais tentativa de desfazer impressão de que país vive bolha e de que tem "vício grego"

É TÃO inusitado o corte de despesas que o governo Lula anunciou que a história ainda dá o que pensar. É inegável que a medida é também sensata, sob vários aspectos. Logo, qual o problema? Entender claramente o motivo da medida.

Os ministérios da Fazenda e do Planejamento dizem que o objetivo é evitar o superaquecimento da economia, o decorrente aumento da inflação e, assim, altas maiores de juros da parte do Banco Central.

Há estimativas, como a dos economistas do Itaú Unibanco, de que a economia tenha crescido ao ritmo anualizado de 12% no primeiro trimestre de 2010 (ou 8,5%, segundo o governo).

Mas quando o governo "descobriu" que o excesso de gastos públicos provocaria outros exageros na economia? A reviravolta do governo parece estranha pelo seguinte:

1) Pelo menos desde 2005, praticamente não houve coordenação entre política monetária (juros) e fiscal (gastos e impostos). Isto é, enquanto o governo gastava, estimulando a demanda, ou baixava juros do BNDES, o BC agia para conter o crédito, elevando juros ou os mantendo na Lua. Um desperdício de energia e de dinheiro, muito dinheiro. O que mudou agora?

2) O governo promoveu aumentos permanentes de gastos durante 2009 inteiro e ainda no começo deste ano. Quando caiu a ficha do excesso de gastos?

3) Até março, e ainda depois disso, com menos ênfase, o Ministério da Fazenda dizia que a inflação era "transitória", devida a um ou outro choque de preços passageiro;4) O corte anunciado não parece suficiente nem ao menos para o cumprimento da meta de superavit primário deste ano, de 3,3% do PIB (isto é, o quanto o governo vai poupar, descontada a despesa com juros). Vai haver mais cortes? O governo vai divulgá-los a conta-gotas?

5) A contenção de gastos vai ter escasso efeito, se algum, sobre a inflação e sobre a alta de juros deste ano. A reviravolta da Fazenda e do Planejamento é, pois, algo esquisita. O que houve de novo de dois, três meses para cá? Isto é, que motivo novo influencia a mudança de rumo?
Evidentemente, e isso é reconhecido pela própria Fazenda, agora, a economia está crescendo acima das expectativas de todo mundo, do mercado a Brasília.

Em segundo lugar, os resultados fiscais (superavit) do governo federal foram fracos no início do ano. Para piorar, o Congresso se sente à vontade para estourar a boca do cofre. Estava mais do que na cara que o governo teria (terá?) de fazer mágicas e milagres contábeis para fechar as contas na meta (meta para inglês ver, caso se considerem como poupança os investimentos do PAC).

Terceiro, houve o tumulto greco-europeu. A sangria da crise da dívida da União Europeia está remediada com um esparadrapo de quase US$ 1 trilhão, mas não acabou. Ainda há vítimas potenciais na fila da insolvência. Países com contas mais em ordem podem conseguir, no mínimo, uma vacina contra epidemias financeiras.

Talvez o susto maior tenha vindo daí, do medo de contágio: de passar a impressão de que havia uma bolha de crescimento e de que as contas fiscais se encaminhassem para o vinagre.

O Brasil no espelho grego :: Rogério Furquim Werneck

DEU EM O GLOBO

O desastre que hoje enfrenta a Grécia não surgiu da noite para o dia. Resultou de sérios equívocos de ação coletiva cometidos pela sociedade grega ao longo de muitos anos e vários governos. O que agora se vê é apenas o trágico final de uma aposta prolongada na ideia de que o país poderia viver para sempre muito além de suas possibilidades. Entre nós, o infortúnio grego deveria ensejar reflexões mais que oportunas sobre as inconsequências fiscais da sociedade brasileira.

No Brasil, o processo político vem engendrando, já há muito tempo, aumento continuado e explosivo de despesas públicas. Nos últimos 16 anos, os gastos primários dos três níveis de governo vêm-se expandindo ao dobro da taxa de crescimento do PIB. As contas públicas só têm sido mantidas sob relativo controle porque, em paralelo, a sociedade tem sido obrigada a destinar ao financiamento do governo parcela cada vez maior dos recursos que gera a cada ano. No esforço de aprofundamento da extração fiscal, a carga tributária teve de ser elevada de cerca de 24% do PIB, no início dos anos 90, para os atuais 36% do PIB. Uma assustadora elevação de 12 pontos percentuais do PIB.

O grande problema é que não há sinal crível de que esse regime fiscal insustentável, que tem requerido um aumento de carga tributária de 3 pontos percentuais do PIB a cada mandato presidencial, esteja prestes a sofrer mudança significativa.

É notória a falta de compromisso da ex-ministra Dilma Rousseff com a ideia de controle do dispêndio público. Desde 2005, quando liderou a resistência à contenção da expansão de gastos proposta por Antonio Palocci e Paulo Bernardo, Dilma Rousseff tem-se empenhado de todas as formas pelo aumento de dispêndio. Em termos de mudança do regime fiscal, não há muito a se esperar, caso seja eleita presidente.

Se o eleito for José Serra, é até possível que haja mais empenho no controle de gastos de custeio. Em entrevista à revista "Veja" (21/4), Serra mencionou a possibilidade de conter gastos com fornecedores por meio de revisão criteriosa de contratos. Mas nada disse sobre as despesas que compõem o grosso do gasto primário federal. O que, sim, deixou perfeitamente claro é que conta com o "aumento de arrecadação via combate à sonegação" para ampliar os investimentos públicos.

Combate à sonegação é fundamental. Mas, a esta altura, já não deveria mais ser plataforma para aumento de carga tributária. Caso Serra venha a ser eleito, o que de melhor se pode esperar no front fiscal, portanto, é alguma contenção no crescimento nos gastos de custeio, combinada a forte expansão de gastos de investimento, sem interrupção da escalada de carga tributária que vem sendo observada há muitos anos. É a insistência na ideia de que é sempre possível gastar mais com novo aprofundamento da extração fiscal.

Foi nesse clima de desalento sobre as reais possibilidades de mudança do regime fiscal, que foi anunciada, na semana passada, a estapafúrdia decisão da Câmara de extinguir a aplicação do fator previdenciário, uma fórmula que vem contribuindo para atenuar o impacto das aposentadorias precoces nas contas públicas. O mais chocante, contudo, não foi a irresponsabilidade do Congresso, sobre o qual o Executivo já não tem nenhuma ascendência, em face dos seus próprios e sucessivos desmandos na área fiscal. Foram, sim, as manifestações espantosamente escapistas e eleitoreiras que os dois principais candidatos a presidente se permitiram, diante de fato tão grave.

A toada é conhecida. Tudo indica que, numa triste repetição de 2002 e 2006, o país vai mais uma vez marchar para as eleições passando ao largo das questões fiscais que efetivamente importam para a discussão do programa de governo do próximo mandato presidencial. O Brasil vai-se dar ao luxo de mais quatro anos de enredo grego. Afinal, como o quadro ainda não configura uma tragédia, sua elite política acha que essas questões podem ficar para a campanha de 2014. Ou, os deuses permitindo, para as calendas gregas.

Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio.

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O PALCO DA VIDA:: Graziela Melo


Rotativo
é o palco
da vida

Logo após
as primeiras
cenas

já é hora
da despedida!!!

É
triste
envelhecer!!!

É como
se fosse
enxergar
o mundo

parando
de crescer!

Triste
Está
minh'alma

Sem
caminhos
definidos...

Olho
para trás

e rememoro

à distância

os caminhos
percorridos...

Hoje
estamos juntos
prazerosos
eufóricos
e eloquentes...

Amanhã,
nos separamos

mudos,
frios,
inertes,
indiferentes!!!

Rio, 13/05/10