segunda-feira, 26 de julho de 2010

Reflexão do dia – Marco Aurélio Nogueira

A primeira é a banalização da lei, a disseminação de uma imagem de que a lei só vale para os outros, de que sempre se pode dar um jeito de escapar de suas restrições. Lula dá um péssimo exemplo ao País, que fica ainda pior por vir do alto, de uma liderança que goza de extraordinário prestígio e popularidade. Ele, a rigor, não precisaria se dar a tais exageros. Poderia preservar-se e com isso transferir mais valor para nossa República. Seria aplaudido por todos. Como se costuma dizer, é de cima que devem vir os melhores exemplos. Ou, nas palavras de Marina Silva, candidata do PV, "quanto mais amigo do rei, mais alta é a forca".
Lula tem-se incomodado com o que julga ser um cerco à sua liberdade de opinião e ação, uma tentativa de inibi-lo para que "finja não conhecer" sua candidata. "Há uma premeditação para me tirarem da campanha para impedir que eu ajude a Dilma", disse ele dias atrás. Parece não levar na devida conta certas obrigações do cargo que ocupa.


(Marco Aurélio Nogueira, no artigo ‘Apoios e problemas’, em o Estado de S. Paulo, sábado, 24/7/2010)

Revolução passiva e República :: Luiz Werneck Vianna

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Revoluções passivas são processos de revolução sem revolução em que as elites políticas das classes dominantes se apropriam total ou parcialmente da agenda dos setores subalternos, cooptando suas lideranças, afastando outras, em uma estratégia de conservar-mudando, tal como nas palavras de um personagem do romance O Leopardo, a obra-prima do italiano Giuseppe Lampedusa, que sentenciava ser necessário mudar para que as coisas permanecessem como estavam. Deve-se a Antonio Gramsci a mais refinada elaboração do conceito desse processo particular de mudança social, em especial em dois textos coligidos em Cadernos do Cárcere, o dedicado ao estudo do Risorgimento, tendo como tema a unificação do Estado italiano, e o que tem como objeto a análise de dois fenômenos cruciais no período de entreguerras, o americanismo e o fordismo.

A partir dos anos 1970, em uma iniciativa de Ênio Silveira, à testa da Editora Civilização Brasileira, iniciam-se as primeiras publicações da obra de Gramsci, que logo ingressa no panteão dos clássicos selecionados pela bibliografia brasileira em ciências sociais, muito particularmente em razão da sua teoria por sob nova luz a natureza da modernização autoritária, então em curso sob regime militar. Fiz parte desse movimento intelectual, atraído, como tantos da minha geração, pela capacidade de explicação dos conceitos e categorias desse autor, que favoreciam perspectivas originais para o estudo da nossa realidade, e, sob essa inspiração, o tema da revolução passiva dominou o argumento que desenvolvi em Liberalismo e Sindicato no Brasil, publicado em 1976.

Em A Revolução Passiva, iberismo e americanismo no Brasil, de 1997, dei continuidade a esses estudos, um dos ensaios coligidos nesse livro tendo por título "Caminhos e descaminhos da revolução passiva à brasileira". Sempre na convicção de que a revolução passiva se manifestava como um processo de longa duração entre nós, analisei, em 1996, sob a mesma chave os primeiros anos do governo Fernando Henrique - um presidente que citava Gramsci em seus pronunciamentos públicos -, quando sustentei que o Gramsci presidencial seria o da revolução passiva como um programa de política e não como um critério de interpretação, vale dizer, introduzindo mudanças sociais sem afetar a reprodução da hegemonia dos grandes interesses dominantes.

A chegada da esquerda ao governo pela via eleitoral, com a vitória de Lula, em 2002, prometia que esse longo ciclo se interromperia, favorecendo a mobilização popular e a emergência dos setores subalternos na cena pública como sujeitos autônomos e dotados da capacidade de apresentar, a partir de sua vida associativa, uma agenda de transformações sociais. Com o governo Lula, escrevi em 2007, invertem-se os termos da revolução passiva clássica: será a esquerda quem vai acionar os freios a fim de deter as forças da mudança, mas será ela também quem vai submeter politicamente as elites dominantes, cooptando os seus quadros e confiando a elas postos estratégicos na condução da máquina governamental em matéria econômico-financeira ("O estado novo do PT").

Nessa bizarra construção, o governo, oriundo da esquerda, se abre para uma coalizão de contrários, mas preserva o seu comando na iniciativa de políticas sociais, encaminhando, para usar o léxico gramsciano, transformações moleculares que tenderiam a ativar o pólo da mudança. Tais transformações, contudo, derivam, em geral, mais de ações induzidas pelo próprio governo do que resultante da mobilização dos setores subalternos, que se tornam objetos passivos das políticas públicas, do que é exemplar o programa Bolsa Família, em meio a uma crescente estatalização dos movimentos sociais, que já atinge o sindicalismo.

Resistente a tantas mudanças em nossa história moderna, o processo da revolução passiva, de Vargas a Lula, persiste como se fosse um atributo do caráter nacional, com o Estado feito árbitro do que seria a ótima (e difícil) ponderação dos dois termos da fórmula do conservar-mudando. E continuará se reproduzindo enquanto os seus pilares não forem afetados: o da prevalência do Estado sobre a sociedade civil, invadida e regulada por suas agências, senhor de uma vontade soberana a que tudo arrosta, inclusive as próprias instituições da representação política, e o da heteronomia presente na vida popular, de precária inscrição em um estatuto real de cidadania.

Nesse sentido, a atual emergência da tópica republicana entre nós, embora débil, consiste em um elemento que não pode ser mais negligenciado, pois o golpe de morte na revolução passiva à brasileira deve provir dela, e não de atalhos voluntaristas. Decerto que ainda são apenas movimentos dispersos, descoordenados entre si, com baixa capilaridade, mas que podem ser potenciados a partir de uma reflexão que os justifique e proponha a sua ampliação.

No entanto, alguns êxitos recentes, como a iniciativa popular que culminou na lei do Ficha Limpa, já secundada pela que agora visa o tema decisivo da reforma política, são sinais de que a questão republicana vem ganhando vida e está animando agências relevantes da sociedade civil, muitas delas as mesmas que fizeram parte da resistência democrática nos tempos do regime militar.

A justiça eleitoral e o ministério público - agente ativo na defesa da república por definição constitucional - têm desempenhado um papel fundamental nesse processo de livrar os procedimentos democráticos dos atuais obstáculos que falseiam a manifestação da soberania popular, porque somente ela pode imprimir o impulso que, ativando a esfera pública, interrompa essa longa história em que a sociedade é reduzida a ser uma espectadora passiva dos acontecimentos, conduzida "por cima" pelos que decidem, para o bem ou para o mal, o seu destino.


Luiz Werneck Vianna é professor visitante da Uerj e ex-presidente da Anpocs. Escreve às segundas-feiras.

O que importa:: Ricardo Noblat

DEU EM O GLOBO

"Eu não sou candidato da oposição, eu sou o candidato do "pode mais", do "dá pra fazer".
(José Serra, do PSDB)

Pesquisas de intenção de voto, concluídas na mesma semana, podem apresentar resultados tão díspares como foi o caso das divulgadas pelos institutos Vox Populi e Datafolha na última sexta-feira e no sábado? O Vox deu Dilma Rousseff com 41% contra 33% de José Serra. O Datafolha deu Serra com 37% contra 36% de Dilma. Esquisito, não é mesmo?

Pode ser. Mas não significa necessariamente que uma das pesquisas esteja errada. A do Vox foi aplicada entre os dias 17 e 20. A do Datafolha entre 21 e 23. O Vox entrevistou 3 mil eleitores em todo o País. O Datafolha, 10.905, a maioria deles em oito Estados. Margem de erro da pesquisa Vox: 1,8% para mais ou para menos. Da pesquisa Datafolha: 2%.

Apliquemos no extremo as margens de erro das duas pesquisas, arredondando a do Vox de 1,8% para 2%. Assim, Dilma poderia ter no Vox 39% (dois pontos a menos) e Serra, 35% (dois pontos a mais). No Datafolha ela teria 38% (dois pontos a mais) e Serra, 35% (dois pontos a menos). Os resultados dos dois institutos ficariam quase iguais. Com Dilma na frente em ambos.

Partidários de candidatos costumam festejar percentuais. Ligam menos para o que de fato importa nas pesquisas ou no conjunto delas. No caso do Vox: pesquisa anterior de 29 de junho apontou Dilma com 40% das intenções de voto contra 35% de Serra. Pesquisa Datafolha de 2 de julho mostrou Serra com 39% contra 37% de Dilma. Ou seja: a situação dos dois candidatos pouco mudou no período de quase um mês.

No Vox, Dilma veio de 40% (em junho) para 41%, e Serra de 35% para 33%. No Datafolha, Dilma saiu de 37% (no início de julho) para 36%, e Serra, de 39% para 37%. Fala, Marcos Coimbra, presidente do Vox: Levando-se em conta as mais recentes pesquisas Ibope, Vox e Datafolha, Serra parou de cair e Dilma de crescer. É uma boa notícia para Serra.

O principal objetivo dele é chegar empatado com Dilma no próximo dia 17 quando começa no rádio e na televisão a temporada de propaganda eleitoral. Por ser boa para Serra, a notícia é ruim para Dilma, que pretendia ultrapassá-lo antes do dia 17. Não é impossível que consiga. Há mais dados favoráveis a ela do que a Serra na pesquisa Datafolha. Na simulação de segundo turno, Dilma aparece um ponto à frente de Serra.

Na pesquisa espontânea, quando o entrevistado diz em quem pretende votar sem ver a lista de candidatos, Dilma derrota Serra por 21% a 16%. Há 4% de eleitores que afirmam querer votar em Lula, 3% no candidato do Lula e 1% no candidato do PT. A rejeição a Dilma é menor (19% a 26%). A crença na vitória dela, maior. E seus eleitores mais fieis.

O Datafolha apurou as intenções de voto para governador em oito Estados. E ao fazê-lo descobriu que foi infrutífero o esforço do PSDB para montar ali palanques que fortaleçam Serra. Em Minas Gerais, Rio, Paraná, Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco, Serra tem mais votos para presidente do que os candidatos que o apoiam têm para os governos. Em São Paulo e no Distrito Federal tem menos.

Serra só faltou suplicar de joelhos para que Jarbas Vasconcelos (PMDB) fosse candidato pela quarta vez ao governo de Pernambuco. Por ora, Jarbas tem pouco menos da metade do índice de intenção de votos do governador Eduardo Campos (PSB), candidato à reeleição. Situação parecida existe na Bahia. Jaques Wagner (PT), candidato à reeleição, tratora seu adversário Paulo Souto (DEM).

Para crescerem, tais candidatos precisarão se agarrar com Serra e não Serra com eles. Como sempre Minas é um caso à parte. Serra tem mais que o dobro da intenção de votos de Antonio Anastásia (PSDB). Mas Aécio Neves (PSDB) tem para o Senado o dobro da intenção de votos de Serra. Se quiser, pode-se dar ao luxo de cacifar Anastásia deixando Serra meio de lado.

Em seis dos oito Estados, Dilma tem menos de votos do que seus aliados para os governos. Tanto melhor para ela que espera ser catapultada por eles.

O potencial de cada um:: Fernando Rodrigues

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - O Datafolha da semana passada confirmou alguns paradigmas sobre a atual disputa pelo Planalto e tornou ainda mais claro o potencial de cada candidato.

A marca da 6ª eleição presidencial direta pós-ditadura é a do equilíbrio entre duas forças majoritárias (PT e PSDB). A regra parece cristalizada. Repete-se pela quinta vez seguida, desde a disputa de 1994. À la americana, há também sempre um terceiro nome (desta vez, Marina Silva, do PV), indicando a renitente insatisfação de pequena parcela da população com a polarização recorrente apenas entre os candidatos do establishment.

Sobre o potencial dos favoritos, há argumentos positivos para os dois lados, embora a soma geral sinalize um caminho mais suave para o PT.

No Datafolha, José Serra (PSDB) tem 37% contra os 36% de Dilma Rousseff (PT). Trata-se de um empate técnico. Ao longo dos últimos meses, entretanto, quem se movimentou para cima foi a petista.

Dilma também tem a seu favor: 1) voto espontâneo maior (21%) que o de Serra (16%); 2) é conhecida "muito bem" só por 14% do eleitorado (o percentual do tucano é 32%); 3) 30% não sabem que Lula a apoia; 4) 41% acham que ela vai vencer (só 30% pensam assim do adversário); 5) a economia está aquecida, há empregos e uma sensação geral de prosperidade.

Já Serra tem um portfólio menos robusto. Mas contabiliza o seguinte: 1) pertence ao partido franco favorito na eleição para governador de São Paulo pela quinta vez consecutiva; 2) apesar da força de Lula pró-Dilma, conseguiu se manter num patamar próximo a 35% em todas as pesquisas; 3) 32% dos que aprovam o governo Lula declaram ter intenção de votar em Serra.

No papel, Dilma parece favorita. Serra tem sido resiliente. Eleições assim impedem previsões. Ou, como na anedota sempre ouvida por aqui em Brasília, só será possível prever depois de 3 de outubro.

A lei vale só para os outros :: Paulo Brossard

DEU NA ZERO HORA

A Constituição, em seu art. 5º, X, prescreve cristalinamente que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas... e no inciso XII que é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Como se vê, a Constituição estabelece o sigilo de dados e sua inviolabilidade. Em outras palavras, o sigilo, no caso de dados, não pode ser quebrado, violado ou divulgado. No entanto, o sigilo fiscal de pessoa ligada a um dos candidatos à Presidência foi quebrado, declarações de renda suas saíram dos arcanos fazendários, andaram por mãos profanas, um jornal de notório relevo publicou ter tido acesso a elas e o fato se tornou público. Destinar-se-ia a um dossiê para atingir em que e como um candidato à Presidência, como não sei, sei apenas que não seria para beneficiá-lo. O fato foi publicado e a candidata oficial, que, segundo se diz, foi personagem maiúscula no governo até ser ungida herdeira presuntiva do trono, foi dizendo também publicamente e sem rebuços que a quebra do sigilo legal era coisa da Receita e não de seu partido. E ela deveria saber o que dizia. A Receita, por sua vez, guardou silêncio. Quer dizer, o fato da violação do sigilo de um contribuinte deixou de ser incerto, duvidoso, contestado, ou coisa que o valha. Tudo isso aconteceu ontem, tudo sob divulgação. Por que retorno a ele, quando dele já me ocupei? É porque ele não pode ser remetido ao cemitério das coisas inúteis que nascem e morrem nas horas de um dia.

O chefe da Receita, no Senado, confirmou a existência do fato, ainda que se recusasse a adiantar qualquer elemento a respeito. De uma hora para outra, apareceu o nome de pessoa que, por sinal, se encontrava em férias, e se disse que a investigação administrativa levaria 120 dias, depois reduzidos para 60. Esses fiapos de um procedimento que deveria ser impessoal, para que o serviço público não ficasse enlameado, deixavam ver os caminhos percorridos e o que procuravam percorrer.

Desvio-me do assunto para aludir outro fato notório que envolveu pessoa do governo, ou seja, do centro da atividade política e administrativa da nação. O presidente está cansado de saber que ele, não só porque presidente da República, mas especialmente por sê-lo, não pode permitir-se atuar como cabo eleitoral, seguindo a fórmula antiga e popular. Mas se permitiu e tem se permitido, tanto que tem sido multado pelo TSE; suas reações têm sido variadas, todas de maneira desdenhosa, chegando a referir uma procuradora qualquer, por exemplo, impróprias quando usadas pelo presidente, e soaram estranhas a outros setores oficiais; de resto, se o presidente, que não é um Chávez, se permite a intemperança que vai se permitindo em relação a decisões da mais alta corte eleitoral da nação, por que não há de permitir-se pessoa que, por mais importância que tenha na repartição da Receita, não se aproxima da alta hierarquia do presidente da República? A verdade é que os bons exemplos, como os maus, encontram seguidores. Com a larga popularidade que assoalha desfrutar, o presidente parece que pode tudo e não pode. Chegará o dia em que irá deixar de ser o todo-poderoso, que viaja para a África ou para a Ásia, com quem quer, no avião que quer e com conselheiros que quiser. O presidente não ganha com isso. Nem popularidade, que esta ele tem até demais.

Ao encerrar este artigo, leio que o cidadão cujo sigilo fiscal foi escandalosamente violado quer depor no processo que corre na Receita e ter acesso a ele, e, para isso, ir à Justiça. A vítima do abuso e da ilegalidade tem de bater às portas judiciárias para saber o que fizeram com ele e o que pretendem fazer com sua custódia? Há quem suponha haver alguma coisa de podre no reino da Dinamarca.


*Jurista, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal

Chorinho Odeon - Marcia Calmon

Maria Teresa Madeira - Fon Fon e Odeon de Ernesto Nazareth

Mensaleiros em campanha

DEU NO ESTADO DE MINAS

Como as ações judiciais estão longe de chegar ao fim, políticos citados no mensalão vão para a segunda eleição consecutiva sem o risco de serem barrados pela Lei Ficha Limpa

Vinicius Sassine

Brasília - Cinco réus do mensalão chegam à segunda disputa eleitoral livres de qualquer punição, mesmo sendo duplamente processados, nas esferas criminal e cível, por suposta participação no esquema. As acusações de corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, presentes na ação penal em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), e improbidade administrativa, investigada em cinco ações que tramitam na Justiça Federal, foram insuficientes para barrar a segunda candidatura consecutiva dos acusados desde o estouro do escândalo do mensalão em 2005.

O deputado federal José Genoino (PT-SP), que tenta a reeleição, é réu no STF por corrupção ativa e formação de quadrilha e responde a cinco ações por improbidade administrativa na Justiça Federal do Distrito Federal (DF). Paulo Rocha (PT-PA), hoje na Câmara, tenta uma vaga no Senado, mesmo respondendo a uma ação por improbidade administrativa e a ação penal do STF, por lavagem de dinheiro.

O ex-deputado federal Pedro Henry (PP-MT), réu no STF e em outra ação por improbidade administrativa, quer retornar à Câmara em 2011. Valdemar da Costa Neto (PR-SP), também réu nas esferas cível e criminal por causa do mensalão, disputa a reeleição. O quinto acusado por improbidade administrativa, numa esfera, e corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em outra, é o ex-deputado federal Romeu Queiroz (PTB-MG), agora candidato a deputado estadual.

Ao todo, 35 réus do processo do mensalão no STF vêm se livrando das acusações de improbidade administrativa nos processos que correm na Justiça Federal. As estratégias de defesa dos acusados e uma verdadeira confusão do Judiciário tornam essas investigações ainda mais lentas e inócuas do que a ação penal em curso no STF.

A partir da denúncia oferecida ao STF pela Procuradoria-Geral da República, que considerou 40 mensaleiros como integrantes de uma quadrilha, a Procuradoria da República do DF propôs cinco ações por improbidade administrativa em 2007, uma para cada partido que teria sido beneficiado por repasse de dinheiro público, em troca de votos favoráveis ao governo Lula no Congresso. Três anos depois da propositura das ações na esfera cível, os cinco processos na Justiça Federal estão bem mais distantes de uma possível condenação do que a ação penal no STF.

ESTRATÉGIA

A tática adotada pelas defesas do deputado José Genoino, ex-presidente nacional do PT; do ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu; do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares; e do ex-secretário geral do partido Sílvio Pereira citados nas cinco ações por improbidade administrativa foi contestar o desmembramento das investigações em cinco ações, uma para cada partido. Eles pediram a unificação dos processos em um só, o que gerou conflito de competência na Justiça Federal e consequentemente uma dificuldade em produzir provas para condenar os réus.

Em abril do ano passado, a 9ª Vara Federal declinou da competência para julgar a ação por improbidade administrativa contra 15 réus acusados de participar do mensalão. Este processo se refere ao suposto recebimento de dinheiro público pelo então deputado do PMDB José Borba, réu no STF por lavagem de dinheiro e corrupção passiva.

Já no processo por improbidade administrativa referente ao PTB são réus os ex-deputados pelo partido Romeu Queiroz e Roberto Jefferson, autor da denúncia do mensalão , a posição da Justiça foi diferente. O juiz Tales Krauss, da 8ª Vara Federal, declinou a competência para a 9ª Vara, para onde a primeira ação de improbidade administrativa foi distribuída. Juiz da 9ª Vara, Alaor Piacini aceitou a competência para processar e julgar o caso.

Para se livrar dos processos do mensalão, a defesa dos principais réus tenta tirar da primeira instância do Judiciário a análise de acusações por improbidade administrativa. Para dois ex-ministros de Lula envolvidos no esquema, Anderson Adauto (Transportes) e José Dirceu (Casa Civil), a estratégia funcionou, pelo menos até agora. Segundo uma primeira decisão da Justiça, os dois, por terem sido ministros , devem ser julgados por crime de responsabilidade, e não por improbidade. O Ministério Público Federal recorreu contra essa decisão.

DEFESA DOS ACUSADOS

Processos normais na Justiça, sem decisão ou julgamento, as ações por improbidade administrativa contra os acusados não impedem candidaturas. É o que sustentam o deputado Paulo Rocha, réu por improbidade e candidato ao Senado, e o ex-deputado Pedro Henry , também réu e candidato a deputado federal. Os deputados José Genoíno e Valdemar da Costa Neto não comentam o assunto. O ex-deputado Romeu Queiroz não foi localizado pela reportagem.

O Ministério Público processou normalmente e, como acusado, estou me defendendo, diz Paulo Rocha. Segundo ele, o foro privilegiado, que garantiria o julgamento da ação numa instância superior, é uma falácia. Todo cidadão tem direito a várias instâncias, mas para parlamentares, por causa do foro, há uma única instância.

O deputado petista diz que não procede a acusação de improbidade administrativa porque não existe o principal: o mensalão, segundo ele, nunca ocorreu. Houve financiamento de campanha. Sobraram dívidas para o PT do Pará, e eu precisei pegar dinheiro do PT nacional para pagar, alega.

Pedro Henry afirma não entender por que esse processo por improbidade surge agora, num momento de eleições. Garanto que vou ser inocentado de tudo isso que está sendo colocado, no processo criminal e no cível." Na terça-feira, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Mato Grosso decidiu pela inelegibilidade do ex-deputado por três anos, com base numa acusação de abuso de poder econômico e de autoridade de 2008. Minha candidatura está mantida. Por que não estaria?

Crime e improbidade

DEU NO ESTADO DE MINAS

Paralelamente ao inquérito no STF, cinco ações por improbidade administrativa que apuram participação dos mensaleiros estão travadas na Justiça

O MENSALÃO

O suposto esquema de compra de votos de parlamentares, conhecido como mensalão, estourou em 2005 e se configurou como o maior escândalo do primeiro mandato do presidente Lula.

Pelo esquema, o PT estaria usando dinheiro público como remuneração pela venda de votos de parlamentares pertencentes a outros partidos, para que se posicionassem no Congresso a favor do governo.

Em abril de 2006, a Procuradoria-Geral da República denunciou ao Supremo Tribunal Federal (STF) 40 supostos envolvidos no mensalão. No ano seguinte, o STF aceitou as denúncias e transformou 40 denunciados em réus no processo.

AS ESFERAS CÍVEL E CRIMINAL

Diversos crimes relacionados aos 40 réus são apurados em inquérito no STF. Entre os crimes estão corrupção ativa, corrupção passiva, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e peculato.

Na esfera cível, cinco ações por improbidade administrativa abertas pelo Ministério Público Federal (MPF) a partir do inquérito do STF foram propostas em 2007, contra 37 acusados ao todo. As ações referem-se a recebimento de dinheiro por parlamentares do PT, PMDB, PP, PTB e PR.

OS PROCESSOS DE CADA UM DOS POLÍTICOS

José Dirceu
Ex-ministro-chefe da
Casa Civil
No STF: réu
Ações por improbidade administrativa: citado em cinco ações

José Genoino
Deputado federal pelo PT-SP
No STF: réu
Ações por improbidade administrativa: citado em cinco ações

Delúbio Soares
Ex-tesoureiro do PT
No STF: réu
Ações por improbidade administrativa: citado em cinco ações

Silvio Pereira
Ex-secretário-geral do PT
No STF: denúncia suspensa

Marcos Valério
Publicitário acusado de operar o mensalão
No STF: réu
Ações por improbidade administrativa: citado em cinco ações

João Paulo Cunha
Deputado federal pelo PT-SP
No STF: réu
Ações por improbidade administrativa: nenhuma

Luiz Gushiken
Ex-ministro da Secretaria de Comunicação de Lula
No STF: réu
Ações por improbidade: nenhuma

Pedro Corrêa
Deputado federal do PP cassado por causa do mensalão
No STF: réu
Ações por improbidade administrativa: citado em uma ação

José Janene
Ex-deputado federal pelo PP
No STF: réu
Ações por improbidade administrativa: citado em uma ação

Pedro Henry
Renunciou ao mandato de deputado pelo PP para escapar da cassação
No STF: réu
Ações por improbidade administrativa: citado em uma ação

João Cláudio Genu
Ex-assessor da liderança do PP
No STF: réu
Ações por improbidade administrativa: citado em uma ação

Valdemar da Costa Neto
Deputado federal pelo PR
No STF: réu
Ações por improbidade administrativa: citado em uma ação

Jacinto Lamas
Ex-tesoureiro do PR
No STF: réu
Ações por improbidade administrativa: citado em uma ação

Antônio Lamas
Irmão de Jacinto e ex-assessor da liderança do PR na Câmara
No STF: réu
Ações por improbidade administrativa: citado em uma ação

Carlos Rodrigues
Renunciou ao mandato de deputado federal pelo PR para não ser cassado
No STF: réu
Ações por improbidade administrativa: citado em uma ação

Roberto Jefferson
Autor das denúncias do mensalão. Teve o mandato de deputado pelo PTB cassado em 2005.
No STF: réu
Ações por improbidade administrativa: citado em uma ação

Emerson Palmieri
Ex-tesoureiro do PTB
No STF: réu
Ações por improbidade administrativa: citado em uma ação

Romeu Queiroz
Ex-deputado pelo PTB
No STF: réu
Ações por improbidade administrativa: citado em uma ação

José Borba
Ex-deputado pelo PMDB
No STF: réu
Ações por improbidade administrativa: citado em uma ação

Paulo Rocha
Deputado federal pelo PT, renunciou antes para se livrar da cassação
No STF: réu
Ações por improbidade administrativa: citado em uma ação

Anita Leocádia
Ex-assessora de Paulo Rocha
No STF: réu
Ações por improbidade administrativa: citado em uma ação

Professor Luizinho
Ex-deputado federal pelo PT
No STF: réu
Ações por improbidade administrativa: citado em uma ação

João Magno
Ex-deputado federal pelo PT
No STF: réu
Ações por improbidade administrativa: citado em uma ação

Anderson Adauto
Ex-ministro dos Transportes de Lula
No STF: réu
Ações por improbidade administrativa: citado em uma ação

José Luiz Alves
Ex-assessor de Adauto
No STF: réu
Ações por improbidade administrativa: citado em uma ação

Duda Mendonça
Publicitário da campanha de Lula
No STF: réu
Ações por improbidade administrativa: nenhuma

Tucanos centram esforços em Minas e no Rio

DEU EM O GLOBO

PSDB considera os dois estados decisivos para vencer eleição presidencial; PT quer neutralizar ofensiva tucana

Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA. A coordenação da campanha do tucano José Serra a presidente deflagrará nos próximos dias uma estratégia para consolidar a vantagem do candidato em Minas Gerais e melhorar seu desempenho no Rio de Janeiro. Segundo a última pesquisa Datafolha, esses dois estados - segundo e terceiro maiores colégios eleitorais do país - serão decisivos para eleger o sucessor do presidente Lula. Os dois respondem por 19% do eleitorado nacional. Enquanto Serra vence a petista Dilma Rousseff no Sul, ela o derrota no Nordeste e no Centro-Oeste. O PT também pretende reforçar a campanha no Rio e em Minas.

Semana passada, o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), reuniu-se com o coordenador da campanha em Minas, o deputado Rodrigo de Castro (PSDB-MG), para definir medidas que consolidem o voto dos mineiros. Mesmo sem uma estratégia acertada, o presidente do PT, José Eduardo Dutra, diz que haverá atenção especial para neutralizar a ofensiva tucana.

Além da instalação de um comitê central em Belo Horizonte, Guerra prevê inaugurar outros 40 subcomitês em cidades importantes, para garantir a presença da campanha em todas as microrregiões mineiras.

Em jogo, estão 14,5 milhões de eleitores em Minas e 11,6 milhões no Rio. Segundo o Datafolha, Dilma e Serra disputam palmo a palmo espaço nos dois estados, ao contrário das últimas eleições, quando Lula venceu com folga. Em Minas, Dilma tem 35% das intenções, contra 38% de Serra. No Rio, ela fica à frente com 37%, contra 31% de Serra.

- Em 2006, o nosso candidato (Geraldo Alckmin) praticamente não teve campanha no interior do estado. Por isso, a ideia é designar coordenadores políticos para cada uma dessas microrregiões. - disse Rodrigo de Castro.

Dutra disse que a ofensiva tucana será acompanhada com atenção, embora Dilma tenha a vantagem de ser apoiada pelos líderes na disputa pelos governos estaduais: o senador Hélio Costa (PMDB-MG) e o governador Sérgio Cabral (PMDB-RJ).

- Ter palanques estaduais não é suficiente. Vamos ter atenção especial no Sul, onde estamos perdendo. No Sudeste, está equilibrado, mas é sempre prioridade. É natural que todo mundo jogue o peso da campanha nessa região - afirmou Dutra.

Charge: Collor, minha gente


DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Compra de votos: políticos defendem punição rigorosa

DEU EM O GLOBO

Para líderes partidários, mecanismos como o financiamento público de campanha poderão coibir prática ilegal

Martha Beck

BRASÍLIA. Líderes de partidos da base avaliam que a compra de votos ainda é um problema grave no Brasil, que "queima" a classe política, mas que já foi bastante minimizado graças a uma aplicação eficiente da lei eleitoral e a medidas como a adoção de urnas eletrônicas. Além dos governistas, que pregam aplicação rigorosa da lei para coibir a compra de votos, o ex-líder do DEM na Câmara Ronaldo Caiado (GO) acha que o problema é sempre agravado pela prática de caixa dois.

De acordo com levantamento publicado ontem pelo GLOBO, entre 2000 e 2010 pelo menos 700 políticos tiveram os mandatos cassados por comprar votos. Entre as estratégias dos políticos está até a distribuição de pintinhos, dentaduras, caixas d"água e carteiras de motorista para os eleitores.

Voto em lista, uma forma de evitar a prática da compra

Mesmo assim, de acordo com os deputados, mais avanços podem ser feitos com uma reforma política que estabeleça o financiamento público de campanha e o voto em lista - pelo qual o eleitor vota numa lista de nomes do partido e não num candidato especificamente.

Para o líder do PT na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza (SP), a legislação brasileira tem mecanismos suficientes para punir tentativas de compra de votos, mas é preciso continuar existindo a ação da Justiça:

- A corrupção sempre vai existir. Mas o sistema eleitoral no Brasil já avançou muito e tem punido os envolvidos. Essa ação da Justiça tem que ser mantida - afirma.

Vaccarezza lembrou ainda que as urnas eletrônicas foram importantes para inibir irregularidades.

- Dar algum tipo de benefício para o eleitor não garante que ele vá votar no candidato. O voto nas urnas eletrônicas dá mais segurança a quem vota, é ágil e eficiente - acrescentou o líder do PT.

Pesquisa da Universidade de Brasília (UnB) confirma essa avaliação: de cada dez eleitores que se vendem, apenas dois votam no candidato comprador.

O líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), também defendeu a aplicação rígida da legislação para punir os candidatos compradores de votos:

- Isso compromete toda a classe política. Com fiscalização e conscientização dos eleitores, a compra de votos vai ficar cada vez mais rara. O eleitor tem que entender que não há compromisso algum por parte de políticos que fazem isso.

Deputado diz que caixa dois permite a compra de votos

Já Ronaldo Caiado lembrou que a compra de votos costuma ser feita com recursos de caixa dois. Por isso, segundo o deputado, é importante a aprovação da reforma política:

-Não é uma vacina com 100% de eficiência, mas que pode ser mais um mecanismo para inibir essa prática.

Segundo Caiado, se as candidaturas contarem com o financiamento público exclusivo, e se o Brasil adotar o sistema do voto em lista, não haverá incentivo para que os políticos pratiquem esse tipo de crime.

- Além disso, qualquer injeção de outro tipo de verba numa campanha ficaria claramente identificada, e a punição seria a perda do registro de todos os candidatos do partido - afirmou o líder do DEM.

"Instituições políticas do Brasil não carecem de grandes mudanças"

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Caio Junqueira, de Brasília

Diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Oxford desde 2005 e americano de Massachussets, o cientista político Timothy Power é observador da política nacional há mais de 20 anos, contesta o senso comum de que a política brasileira é desorganizada.
Diz que os políticos aprenderam a conviver no presidencialismo de coalizão e a ela deram caráter de estabilidade. Defende apenas algumas mudanças pontuais. "As pessoas esquecem que as coisas vão bem no Brasil. Não vejo um clamor por grandes mudanças institucionais."

Power foi um dos organizadores das mesas de debates que, no fim de semana em Brasília, reuniu dezenas de acadêmicos brasileiros e estrangeiros no 10º Congresso Internacional da Brasa, sigla em inglês para Associação de Estudos Brasileiros.

Power aponta avanços institucionais no Brasil, em especial após a estabilidade econômica trazida pelo Plano Real. É a partir daí que, segundo ele, o país passou a desfrutar da estabilidade política, consagrada no que classifica de "bloco" de dezesseis anos de governo dos presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A seguir, trechos da entrevista concedida ao Valor:

Valor: A política no Brasil é mais desordenada do que na média das democracias?

Timothy Power: Desde o Plano Real o Brasil apresentou um quadro de estabilidade política bastante avançado. Essa eleição será a quinta consecutiva travada basicamente entre PT e PSDB. Poucos países têm essa estabilidade. Dá para imaginar que o país é bipartidário. Agora, quem olha para as campanhas para o Legislativo sabe que não, que é muito fragmentado. Tem quase 20 partidos no Congresso. Então o observador estrangeiro precisa casar essas duas coisas e pensar que no pleito presidencial tem bastante disputa entre dois concorrentes, mas quando o vencedor chega ao poder, tem que costurar uma coalizão e lidar com essa fragmentação. O Brasil é um pouco esquizofrênico nesse sentido. A disputa presidencial é bastante estável mas a proporcional não é.

Valor: Nesse sentido, as eleições proporcionais se contrapõem às majoritárias?

Power: A eleição proporcional é bastante permissiva aqui. Praticamente não há restrição a pequenos partidos. É super democrático, mas ao mesmo tempo tempo cria problema na composição das coalizões. Acho que os últimos dois presidentes lidaram bem com essa fragmentação, foram capazes de construir coalizões para gerenciá-la. O que mostra que a qualidade de liderança no Brasil é um fator a considerar. Os últimos dois presidentes (FHC e Lula) foram estadistas muito respeitados não só no Brasil, mas mundialmente. Se tivesse no Brasil um presidente com menos habilidade política do que eles seria mais difícil essa gerência.

Valor: Há então um conflito de "Brasis" entre o virtual bipartidarismo na eleição majoritária e a fragmentação na eleição proporcional?

Power: O sistema é compreendido por todos os atores. As regras do jogo ficaram muito mais nítidas nos últimos quinze anos então os próximos presidentes talvez saibam como manejar esse presidencialismo de coalizão no Brasil. Os partidos entendem que têm que fazer coligações eleitorais, os candidatos a presidente entendem que vão ter que lidar com isso. Você vê que a Dilma aprendeu muito com essa lição do mensalão, em que o governo tinha bons interlocutores no Congresso para salvá-lo de uma crise maior. Por isso ela escolheu por representar o PMDB institucionalmente em sua chapa. Ela sabe da importância de entrar no poder com uma coalizão pré-fabricada. Então as expectativas dos vários jogadores da política já estão consolidadas porque o Brasil já são 25 anos de democracia. No período entre Sarney, Collor e Itamar, as regras do jogo não estavam tão claras. Depois do Real, FHC construir uma coalizão bastante estável e o Lula praticamente copiou o mesmo método de fazer uma coalizão superdimensionada para governar.

Valor: O PT deve sobreviver bem no pós-Lula, então?

Power: O legado lulista será canalizado para o PT. Isso vai ser convertido em força partidária, mais para o PT, mas também para todas as demais facções que tentam aderir ao legado lulista.

Valor: Fica um vacuo político sem ele?

Power: Ele não sairá de cena. Se a Dilma perder, ele vira o candidato natural de 2014. Se ela ganhar, fica mais a dúvida, dependerá da situação dela em 2013, 2014. Mas em qualquer situação que ela entrar em dificuldades políticas, vai apelar para o legado de Lula ou mesmo pedir para ele ser seu interlocutor em determinadas situações.

Valor: Serra pode se sair bem no pós-Lula?

Power: É dificil ele articular um discurso na campanha. Se afirmar que vai manter as principais políticas de Lula, é um discurso de derrotado, porque não mostra diferença. Se mostra alguma diferença, cai muito nas pesquisas porque a população aprova o governo e quer continuidade. Ser um candidato da oposição em 2010 não é fácil. Isso explica as generalidades que se encontram no programa dele. É difícil identificar uma grande proposta que possa se associar a ele. Serra tem um discurso de querer melhorar a eficiência do Estado mas sem mudar a natureza do Estado.

Valor: As pessoas temem um governo de oposição?

Power: Hoje o cenário é muito favoravel à continuidade. Mas as pessoas podem imaginar que o governo Serra será de confronto, mas a agenda de Serra não seria nem perto a de FHC. Não vai ter onda de privatizações. Isso já foi encerrado. As grandes reformas econômicas de FHC lhe custaram um capital político. O Serra não tem nada de drástico no plano de governo dele. Ele não irá provocar isso.

Valor: As duas candidaturas falam de reforma política. O sr. a considera necessária?

Power: O que precisaria corrigir no Brasil é a questão da representação política, que pouco avançou desde a redemocratização. Poucos eleitores conseguem identificar a ideologia dos partidos. Muitos não lembram o nome de quem votaram. Tem ainda muita migração partidária. A governabilidade está funcionando, mas a representação política, não.

Valor: Os problemas de formação e funcionamento do nosso Congresso são maiores do que o de outros países?

Power: Aqui no Brasil as pessoas sonham com disciplina partidária. Acham que seria uma solução para tudo. Mas para um presidente eleito sem maioria, a disciplina partidária seria uma camisa de força, não poderia governar. Então de certa forma a falta dela faz com que os presidentes possam navegar e aprovar suas leis. Nos Estados Unidos a disciplina está aumentando, só que o presidente, perdendo a maioria, não aprova nada. Em política a gente sempre acha que a grama do vizinho é melhor que a nossa. Tem muito americano que sonha com a representação proporcional. Na Inglaterra está pela primeira vez vivendo em um governo de coalizão desde 1945. Não tem um político vivo na Inglaterra que tenha experiência com coalizões. E os dois líderes dos principais partidos têm 41 e 43 anos respectivamente.

Valor: Então uma grande reforma política talvez não seja tão necessária?

Power: As pessoas esquecem que as coisas vão bem no Brasil. Não vejo um clamor por grandes mudanças institucionais.

Afirmação da democracia:: Moacyr Goes

DEU EM O DIA(RJ)

Rio - Há beleza em manter certa ingenuidade, um fascínio de juventude que encanta um sonho de futuro. Lembro-me que aos 17 anos fui, com minha namorada, ao congresso da SBPC em São Paulo. Era a época do fim da ditadura e o clima de repressão ainda pairava no ar. Inebriado com tantos debates, deixava-me levar pelas palavras apaixonadas de Darcy Ribeiro, pela lógica de Fernando Henrique Cardoso, pela beleza e lucidez de Milton Santos.

Em meio a um oceano de ideias e discussões, eu vivenciava o inicio da paixão pela democracia. Gostava de ouvir as belas oratórias, independentemente de concordância. Depois vieram as eleições e os debates foram os melhores momentos. Mario Covas, Jânio Quadros, Brizola, Lula, Maluf, Collor, era uma festa.

O debate eleitoral é o momento supremo de afirmação da democracia, é o instante em que os postulantes se apresentam sozinhos, sem maquiagem marqueteira, diante de seus adversários. É o respeito pela necessidade de qualificar o processo de construção da consciência do individuo, do eleitor. Negar-se ao debate é, em oposição, um profundo desrespeito ao cidadão. Há no gesto de fugir uma implicação de fraqueza, de saber-se menor.

A democracia é um princípio e ganhar sem princípios habilita as mais escusas ações no poder. O debate eleitoral carrega implícita a pergunta do eleitor: Em nome de que princípios você pretende governar? Aquele que foge do debate não quer, ou não pode, responder a essa pergunta.

As eleições representam muito mais do que eleger os governantes, significam o aprofundamento daquilo que tornou-se um ganho civilizatório, a experiência de conviver com a diferença sob o reinado das leis e da liberdade.


Diretor de teatro e cineasta
(Publicado ontem, 25/7/2010)

Pesquisas apontam empate técnico desde maio entre candidatos

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

As oscilações pontuais registradas por institutos mostraram apenas o efeito momentâneo de um ou outro episódio

José Roberto de Toledo

Considerado o cenário com os candidatos nanicos, José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) mantêm-se empatados na média das pesquisas eleitorais. Isso vem acontecendo desde maio.

A pequena diferença em favor da petista tem se mostrado consistente, mas não supera a margem de erro das pesquisas, o que caracteriza empate técnico. Hoje a distância, na média, é inferior a 2 pontos porcentuais.

Num quadro em que os institutos apontam resultados tão diferentes entre si, como foi o caso das mais recentes pesquisas Vox Populi e Datafolha, é sempre útil colocar os dados em perspectiva e procurar um meio termo.

As linhas de cada candidato apresentadas no gráfico são uma representação da média móvel das três últimas pesquisas divulgadas. A cada nova rodada, entram os números da pesquisa mais recente e saem os da mais antiga. Como se pode observar, as linhas de Serra e Dilma correm paralelas há pelo menos dois meses. Estão separadas por uma distância que variou de 1,7 ponto em favor de Serra até 3,7 pontos em favor de Dilma.

Como em nenhum momento essa diferença superou 4 pontos porcentuais, eles sempre estiveram tecnicamente empatados (a margem de erro é de 2 pontos para cada candidato, logo, deve ser somada).

As oscilações pontuais registradas pelos institutos ao longo dos últimos dois meses mostraram apenas o efeito momentâneo e limitado de um ou outro episódio de campanha, como a propaganda de Serra na TV ou um discurso de Lula em favor de Dilma. Não apontaram uma mudança de tendência.

A história da corrida presidencial até agora pode ser resumida assim: uma candidata empurrada por um presidente popular empatou com um candidato muito conhecido e de oposição.

Brasil fracassa em aspiração de ser potência mundial

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

ENTREVISTA DA 2ª JORGE CASTAÑEDA

PARA HISTORIADOR MEXICANO, GOVERNO LULA PRIVILEGIOU QUESTÕES ERRADAS E SE ESQUECEU DE VIZINHOS EM CONFLITO

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DA ILUSTRADA

A crise política na qual Colômbia e Venezuela estão mergulhadas deve ser o principal tema do debate sobre democracia na América Latina, hoje em São Paulo, do qual participará o historiador mexicano Jorge Castañeda.

Em entrevista concedida à Folha por telefone na semana passada, Castañeda criticou Luiz Inácio Lula da Silva. Para o intelectual, o presidente brasileiro coleciona fracassos em sua política externa e deveria preocupar-se mais com os conflitos regionais, e não em tornar-se protagonista em casos distantes e polêmicos.

Leia, abaixo, trechos da entrevista .

Folha - Como o sr. vê a política externa de Lula, em especial no que diz respeito à América Latina?

Jorge Castañeda - A inércia geográfica, econômica e demográfica da América do Sul levou o Brasil a ter um papel de maior liderança do que antes. Isso aconteceria com ou sem o governo Lula. O fato de Lula estar fazendo um governo bom internamente faz com que o peso natural do Brasil se exerça de maneira mais clara na região.

Porém, tudo o que Lula tentou fazer fora do âmbito interno só resultou em fracassos. Tratou de obter um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU, não o obteve. Tratou de priorizar a Rodada Doha e não conseguiu nada. Tratou de ser um ator central para que se lograsse um acordo em Copenhague e não só não o alcançou como o Brasil em parte foi responsável para que isso não acontecesse.

Tratou de se apresentar como protagonista num acordo nuclear com o Irã, mas sua mediação foi rechaçada pelo mundo inteiro, exceto pela Turquia e pelo próprio Irã.

Mas creio que mais importante é o fato de que Lula se absteve de mediar ou resolver conflitos que estão mais perto do Brasil. E há tantos. Os de Uruguai e Argentina, de Colômbia e Venezuela, de Peru e Chile, de Colômbia e Nicarágua, de Chile e Bolívia e o de Equador e Peru. Conflitos próximos abundam, e o Brasil não exerceu nenhuma liderança em nenhum desses casos.

Tampouco se apresentou para ajudar em problemas internos de outros países da América Latina. Salvo parcialmente no caso da Bolívia, e isso o fez para defender os interesses da Petrobras.

Suas aspirações de potência mundial fracassaram, e ele não mostrou interesse de atuar como legítima potência regional. Lula faz um governo muito bom internamente, mas coleciona fracassos e erros no âmbito externo.

Como o sr. viu a libertação dos presos cubanos e o papel da Espanha?

A libertação foi um triunfo de Guillermo Fariñas. E um triunfo póstumo de Orlando Zapata. [O chanceler espanhol Miguel Ángel] Moratinos apareceu sem ser convidado e tratou de obter benefícios políticos por algo que não fez.

O importante é que, pela primeira vez, a ditadura cubana enfrentou um cidadão cubano, em Cuba, e perdeu. Ganhou o cidadão. Isso é muito novo e muito significativo. O que não é novo é que Fidel e Raúl Castro usem presos políticos como fichas de negociação com outros países.

É lamentável que o governo socialista da Espanha tenha se prestado a essa manobra. Se Cuba quer deportar seus presos, que os deporte, haverá muitos países que os receberão de braços abertos, incluindo os que por lei estão obrigados a fazê-lo, como os EUA.

No México, depois de ter caído para terceira força política em 2006, o PRI (Partido da Revolução Institucional) vem se recuperando, apesar de ter sido contido nas últimas eleições pela aliança entre PRD (Partido da Revolução Democrática) e PAN (Partido da Ação Nacional). Qual é o panorama para as próximas eleições presidenciais, em 2012?

As coisas não serão fáceis para o PRI. Em primeiro lugar porque [Felipe] Calderón vai fazer tudo para eliminar o candidato líder do PRI, Enrique Peña Nieto. No México, como disse Fernando Henrique Cardoso sobre o Brasil, um presidente não pode colocar um presidente no poder, mas pode vetar um presidente. Creio que lutar contra Calderón vai ser muito difícil.

Em segundo, porque os rivais de Peña Nieto no próprio PRI também vão fazer o que podem para destruí-lo. E ele tem muitos flancos vulneráveis. E, em terceiro, o PRI não tem outro bom candidato. A eleição de 2012 vai ser muito competitiva.

Como o sr. vê a questão do crescimento do narcotráfico no México?

A violência está aumentando desde que Calderón começou essa guerra, em 2006. O número de execuções cresceu enormemente. A guerra trouxe mais violência. A violência no México estava diminuindo desde o começo dos anos 90 até que Calderón chegou. Sou contra a guerra contra o narcotráfico do modo como está sendo feita. Foi um erro, uma improvisação, algo decidido por motivos políticos, e que trouxe enorme perda ao país. Já temos 25 mil mortos, um desgaste internacional terrível, sem nenhum resultado.

Como o sr. vê a lei do Estado do Arizona que fecha o cerco aos imigrantes ilegais?

Provavelmente alguns outros Estados dos EUA farão leis semelhantes. Temos de esperar para ver o que dizem os tribunais americanos sobre a constitucionalidade dessa lei.

Muitos, como eu, já pensávamos, há dez anos, que se não houvesse acordo entre EUA e México sobre o tema da imigração, algum dia ia haver uma reação muito violenta nos EUA contra a imigração ilegal. Infelizmente, é o que está acontecendo.

É urgente que Calderón, os presidentes da América Central e do Caribe, de Equador, Peru e Colômbia pressionem Obama para que envie uma reforma imigratória geral ao Congresso.


O que o sr. achou de Hugo Chávez ter exumado os restos mortais de Simón Bolívar? Até que ponto é uma maneira de desviar a atenção pública dos problemas do país?

A questão política é só parte da explicação. Chávez crê muito em magia negra, bruxaria, candomblé etc. E a exumação de restos é uma típica prática dessas artes e crenças. Elas o levaram a exumar os restos do libertador para tomar energia. Creio que ele pensa de verdade que isso pode funcionar.

União abre os cofres às vésperas das eleições

DEU EM O GLOBO

Para evitar as restrições impostas pela legislação eleitoral, a União aumentou este ano os repasses de verbas para os municípios, que, de janeiro ao começo de julho, foram beneficiados com empenhos que chegam a R$ 8,1 bilhões, um crescimento de 238% em relação ao mesmo período de 2009. O período de junho a 3 de julho concentra o maior volume de repasses: 64% do total. O ritmo cresceu porque, nos três meses anteriores às eleições, o repasse é proibido, numa tentativa de coibir o uso da máquina em favor de candidatos governistas.

Em ritmo de eleição

Transferência de recursos da União para municípios este ano aumenta 238%

Regina Alvarez

Os repasses de recursos do Orçamento da União para municípios foram fortemente turbinados às vésperas do início oficial da campanha eleitoral. Levantamento realizado no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) mostra um aumento de 238% nos recursos destinados a investimentos nos primeiros sete meses do ano, na comparação com igual período de 2009. Foram empenhados este ano R$8,1 bilhões, contra R$2,4 bilhões do ano passado. E a concentração maior desses empenhos aconteceu de junho ao início de julho: 64% do total.

Na linguagem do Orçamento, o empenho é a primeira etapa para a realização de uma obra ou serviço financiada com recursos da União. No caso das prefeituras, o empenho antecede os convênios que garantem o repasse efetivo dos recursos para esses investimentos.

A lei eleitoral veda o repasse de verbas a estados e municípios nos três meses que antecedem a eleição, exatamente para coibir o uso da máquina pública em favor dos candidatos que estão no poder ou são apoiados pelo governante. Mas não há restrições em relação ao período anterior à campanha. Assim, é prática comum dos governos concentrar esses repasses nos meses que antecedem a campanha oficial.

Esporte e Turismo no topo de repasses

No caso do Orçamento da União, houve um aumento generalizado dos empenhos em junho e julho, em especial nos ministérios onde estão concentradas as emendas dos parlamentares. Não por acaso, os ministérios do Esporte e do Turismo estão no topo da lista de ministérios que mais aumentaram seus repasses em 2010.

No Ministério do Esporte, a contratação de investimentos pulou de R$8 milhões nos primeiros sete meses de 2009 para R$375,4 milhões no mesmo período de 2010, aumento de 4.563%. No primeiro semestre de 2009, as dotações orçamentárias do Ministério do Esporte estavam bloqueadas. O descontingenciamento permitiu empenho maior neste ano. Do total liberado em 2010, informa o ministério, 94% são recursos de investimentos previstos em emendas parlamentares.

No Turismo, o montante de investimentos contratados passou de R$33,7 milhões em 2009 (janeiro a julho) para R$1,161 bilhão em 2010, crescimento de 3.349%.

Emendas liberadas auxiliam palanques

A liberação das emendas dos parlamentares no ano eleitoral é um importante reforço para as campanhas e pode facilitar acordos para a formação de palanques. Em muitos casos, o recurso para uma quadra de esportes, uma praça ou outra benfeitoria só será liberado no ano que vem (durante os três meses anteriores à eleição, nada pode ser liberado). No entanto, o político já pode, durante a campanha, faturar votos, ao mostrar o carimbo de liberação do recurso para aquela obra.

O uso da máquina pública neste caso não fere a lei, já que a promessa de liberação dos recursos foi feita antes dos três meses que antecedem a eleição. Mas a liberação dos recursos é um ingrediente que põe em evidência o governo e pode favorecer os candidatos que o apoiam.

- No Brasil, quem tem a caneta na mão no ano eleitoral tem muito poder. O governo é mais forte que a sociedade - afirma o cientista político Murilo Aragão, da consultoria Arko Advice.

O uso da máquina é generalizado, destaca, lembrando que estados comandados pela oposição têm praticas semelhantes.

- A liberação de verbas às vésperas da eleição é uma tradição terrível da nossa política, um problema do sistema, não só de governo - diz Aragão, completando: - Quem está no poder acaba sendo beneficiado.

As restrições da lei eleitoral não se referem especificamente à liberação de empenhos, mas a Advogacia Geral da União (AGU) elaborou um parecer que inclui todas as formas de repasses. Assim, a proibição para os três meses anteriores à eleição acaba servindo de justificativa para a concentração dos repasses no período que antecede a campanha oficial.

No Ministério do Turismo, 81,5% dos recursos para investimentos destinados às prefeituras foram empenhados em junho e julho. No Esporte, foram 77%.

Outra justificativa apresentada pelos ministérios para o aumento dos repasses em 2010 é a crise financeira global de 2009, que resultou no contingenciamento de recursos do Orçamento. Argumentos verdadeiros que não anulam a motivação eleitoral dos repasses.

- É um comportamento clássico dos governos no Brasil represar os gastos por um período de tempo para poder deslanchar obras e benesses nos anos de eleição - afirma o cientista político João Paulo Peixoto, da Universidade de Brasília. - O famoso uso da máquina não precisa ser só de maneira ilegal. Essa é uma maneira esperta de usar a máquina em seu benefício sem ferir a lei.

O fluxo de recursos deveria ser contínuo, no ritmo das demandas, defende Peixoto, mas isso não acontece na prática:

- Se fizer algo de bom perto da eleição, as pessoas vão se lembrar de você e do seu governo. O intuito é eleitoreiro, o que torna mais perversa a ação - afirma.

Para Murilo Aragão, as regras para os repasses de verbas do Orçamento em ano eleitoral deveriam ser mais rígidas, restringindo-os e qualificando-os desde o começo do ano, e não só nos três meses anteriores ao pleito.

- Em ano eleitoral, não poderiam ser iniciados projetos novos. E as transferências deveriam ser apenas para obras em andamento ou investimentos emergenciais - defende Aragão.

''Como Jânio e Geisel, diplomacia de Lula vê África imaginária''

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Jerry Dávila, historiador especializado em Brasil*

Roberto Simon

Em nome do elo "Sul-Sul", o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é, de longe, o líder brasileiro que mais países africanos visitou - 25 de 53, ao todo. Mas para Jerry Dávila, historiador da Universidade da Carolina do Norte e especialista na relação Brasil-África, esse esforço de aproximação está longe de ser inédito. Na retórica de Lula, existiriam ecos de dois momentos históricos do Itamaraty: a "política externa independente", iniciada por Jânio Quadros, e o "pragmatismo responsável", de Ernesto Geisel.

"Em ascensão, o Brasil vê novamente a África como um lugar onde pode exercer sua influência, impulsionado por uma afinidade cultural e racial", diz ao Estado Dávila, que lançará esta semana nos EUA um dos primeiros estudos amplos sobre a diplomacia do Brasil para a África, intitulado Hotel Trópico: Brazil and the challenge of African decolonization (Hotel Trópico: Brasil e o desafio da descolonização na África). O livro sai no Brasil em 2011 pela editora Paz e Terra.

O sr. diz que essa "nova" política Sul-Sul do Brasil para a África tem raízes visíveis em governos anteriores - sobretudo de Jânio e Geisel. Por quê?

O teor e a linguagem da abertura de Lula na África são legados diretos das políticas de Jânio e Geisel. A aproximação atual é notável, mas faz parte de um ciclo que oscila entre o estreitamento com EUA e a Europa Ocidental, e momentos de abertura para países em desenvolvimento, numa procura por maior "autonomia".

A própria cultura do Itamaraty evoluiu por meio desse movimento pendular: foram jovens diplomatas da era janista que tomaram a liderança na articulação da política externa chamada de "pragmatismo responsável" de Geisel - como o ex-chanceler Mário Gibson Barbosa. E, agora, jovens diplomatas da época Geisel, como Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães, conduzem o barco.

A imagem que a diplomacia brasileira tem da África também foi "herdada" desses governos?

A percepção de uma África imaginária, como um lugar onde o Brasil pode exercer sua influência, impulsionado por uma afinidade racial, ainda é forte no Itamaraty. Aos olhos da diplomacia brasileira, países africanos - diferentemente dos latino-americanos - seriam uma nova fronteira, cujas potencialidades seguem quase inexploradas.

Em seu livro, o sr. defende que a política para a África, em sua "idade de ouro", apoiava-se em três preceitos. Primeiro, que a ascensão do Brasil era inevitável. Segundo, que a África, recém-libertada do jugo colonial, era um lugar ideal para exercer a influência brasileira. Terceiro, que o fato de o Brasil ser uma "democracia racial", como teorizado por Gilberto Freyre, criava uma afinidade especial entre africanos e diplomatas brasileiros - mesmo que entre estes praticamente inexistissem negros. É isso?

Sim. Diplomatas brasileiros nem percebiam a contradição que você aponta por um motivo importante: no contexto, presumiam que a mestiçagem ente africanos e europeus no Brasil foi um processo tanto cultural quanto biológico - essa é uma das lições fundamentais de Freyre.
Com essa miscigenação cultural, acreditavam e projetavam a ideia de que o Brasil era uma democracia racial - um país de "africanos de todas as cores", como dizia uma propaganda do Itamaraty na Costa do Marfim, nos anos 70. Para esses diplomatas, a cor da pele importava menos do que a atitude de ser miscigenado.
Mas é claro que interlocutores africanos notavam a cor da pele. Em horas de tensão, especialmente sobre a questão da descolonização nos territórios portugueses, quando o Brasil geralmente apoiou Portugal, africanos "desmascaravam" os brasileiros.

Esse "tripé" ainda existe? O sr. aponta que Fernando Henrique Cardoso e Lula, embora brancos, reivindicaram uma herança simbólica negra.

Para o estrangeiro, a elasticidade e multiplicidade de identidades da cultura brasileira é fascinante. Um brasileiro se define como africano, português ou japonês segundo o contexto.
Essa elasticidade serve como uma base de articulação poderosa: seleciona-se essas identidades de maneira estratégica. Por exemplo, quando FHC disse ter "um pé na cozinha", ao abrir um discurso sobre a desigualdade racial, estava ao lado do presidente sul-africano Thabo Mbeki.
Acho também muito interessante quando Lula diz ser "o primeiro presidente negro do Brasil".
Diz algo sobre a relação entre raça e classe social.

Por que o projeto de aproximação Brasil-África fracassou?

Encalhou na crise econômica dos anos 80, que abalou tanto a América Latina quanto a África. O intercâmbio comercial com países africanos culminou em 1984, quando 8% das exportações brasileiras foram consumidas na África. Mas não era uma presença com base segura. Deste lado do Atlântico, dependia de uma imensa intervenção do governo, que foi insustentável - por exemplo, a tentativa da Petrobrás de vender eletrodomésticos de companhias brasileiras sob a marca Tama, na Nigéria.

PONTOS-CHAVE
Lusotropicalismo

A convite de Lisboa, Gilberto Freyre faz em 1950 visita às colônias portuguesas na África, onde vê uma "bastante avançada democracia étnica e social". Freyre advogará, no Brasil, o colonialismo de Portugal

Diplomacia "independente"

Jânio Quadros promete em 1961 romper apoio a Portugal e apoiar a descolonização. Abre 3 embaixadas na África e nomeia 1º embaixador negro do País, Souza Dantas

Pragmatismo e recuo

Geisel aproxima-se de africanos e Brasil é 1º país a reconhecer independência de Angola. Nos anos 80, crise econômica inviabiliza relação
QUEM É
Brasilianista, professor da Universidade da Carolina do Norte, foi orientador do renomado historiador Thomas Skidmore. Especializou-se na questão racial e na política externa do Brasil. Lencionou na USP e na PUC-Rio.

(Publicado ontem, 25/7/2010)

Trem-bala pagaria 300 quilômetros de metrô

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Custo de R$ 33 bilhões ainda é incógnita,assim como a demanda de passageiros

Renée Pereira

Tão complexo e polêmico quanto a Hidrelétrica de Belo Monte, o trem-bala, entre São Paulo e Rio de Janeiro, ainda é um grande enigma. Embora o edital com as condições do empreendimento já esteja na praça, ninguém consegue dizer ao certo quanto vai custar a obra, qual será o traçado da ferrovia e qual a demanda existente.

Junta-se a essa lista a dúvida dos críticos em relação aos benefícios que a obra trará para a sociedade, já que boa parte dos R$ 33,1 bilhões previstos para o projeto será financiado pelo Tesouro Nacional e terá participação societária do Estado.

Cálculos feitos pelo Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos) mostram que o investimento do trem-bala daria para construir 300 km de metrôs em São Paulo (cinco vezes a malha da cidade hoje, de 62,3 km), o suficiente para transportar 15 milhões de pessoas por dia. O valor também daria para construir 11 mil km de ferrovias comuns, para carga ou passageiros.

"Até agora não conseguimos responder se vale a pena ou não construir um Trem de Alta Velocidade (TAV)", afirma o presidente do Ilos, Paulo Fleury. Na avaliação dele, a principal justificativa do governo para construir o trem-bala já caiu por terra: o projeto não ficará pronto para a Copa do Mundo de 2014 nem para os Jogos Olímpicos, de 2016. O cronograma oficial estipula 2017 para que a obra seja concluída. Portanto, não seria alternativa para desafogar a ponte aérea Rio-São Paulo.

Demora. Alguns exemplos no mundo mostram que até mesmo esse cronograma pode não ser viável para tirar a obra do papel. O TAV coreano, um dos principais interessados no projeto brasileiro, demorou 11 anos para ser concluído. Por aqui, um dos maiores embates deve ficar por conta do licenciamento ambiental. O trem-bala passa pela Serra das Araras e poderá enfrentar resistência por parte ambientalistas, como tem ocorrido nas últimas obras de infraestrutura.

"Mas não fizeram a nova Imigrantes, na Serra do Mar, por meio de túneis? Então não teremos problemas", afirma o presidente da EDLP - Estação da Luz Participações, Guilherme Quintella, que está formando um fundo para disputar o leilão, marcado para dezembro.

O diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Bernardo Figueiredo, completa que o traçado referencial (constante no edital) foi feito em conjunto com o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), que já definiu áreas que não podem ser usadas.

Ele completa que os estudos de impacto ambiental começarão a ser contratados em agosto. "Algumas coisas já podem ser adiantadas sem saber o traçado definido pelo vencedor do leilão". A expectativa é de que a licença prévia saia no começo do ano que vem. Mas, pela experiência das últimas obras de infraestrutura, não é difícil o processo se complicar.

Outro ponto de interrogação é o valor da obra. Começou com algo em torno de R$ 24 bilhões, subiu para R$ 34,6 bilhões e foi fixado em R$ 33,1 bilhões pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Agora já há investidores que calculam que a obra fique, pelo menos, 30% mais cara que a prevista no edital. Outros, mais radicais, apostam em R$ 50 bilhões ou até R$ 60 bilhões.

Custos. Essa mudança pode ocorrer especialmente porque o governo não fez todas as sondagens geológicas necessárias, conforme o relatório do TCU. No mundo, a situação não é muito diferente. Um exemplo de como os custos podem estourar é o famoso trem-bala que liga a França à Inglaterra, atravessando o Canal da Mancha por um túnel. A obra foi orçada em US$ 9 bilhões, mas custou US$ 19 bilhões. A empresa que administra a ferrovia até hoje luta para não ir à bancarrota.

Figueiredo, da ANTT, diz que as sondagens feitas na área onde será construído o trem-bala são obrigação das empresas que vão construir a obra. Além disso, o valor do investimento é um risco do empreendedor e não terá impacto para o governo. No mercado, as empresas concordam que esse é um risco do investidor. Por isso, todas correm contra o tempo para concluir seus estudos antes da apresentação das propostas, em novembro.

Demanda. A demanda tem sido tão forte que têm faltado empresas de sondagens de solo no mercado para serem contratadas. O resultado, se o valor da obra ficar muito acima do previsto, é que a iniciativa privada não vai dar seus lances. Mas, como essa é uma obra prioritária para o governo, é possível que haja algum arranjo, a exemplo de Belo Monte, para viabilizar o projeto.

Hoje há cinco consórcios sendo formados para disputar o empreendimento: o sul-coreano, o japonês, o chinês, o espanhol e o francês. Nas últimas semanas, além de intensificarem os estudos sobre o trajeto, eles também reforçaram a busca por parceiros. Por enquanto, as empreiteiras brasileiras estão tímidas nesse processo, apesar de a construção civil representar perto 50% dos investimentos do TAV. Elas temem que as previsões de demanda não se concretizem.
(Publicado ontem, 25/7/2010)

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Brahms Dança Húngara nº 4, em fá sustenido menor / Orquestra Sinfônica de Londres

A bomba:: Carlos Drummond de Andrade

A bomba
é uma flor de pânico apavorando os floricultores
A bomba
é o produto quintessente de um laboratório falido
A bomba
é estúpida é ferotriste é cheia de rocamboles
A bomba
é grotesca de tão metuenda e coça a perna
A bomba
dorme no domingo até que os morcegos esvoacem
A bomba
não tem preço não tem lugar não tem domicílio
A bomba
amanhã promete ser melhorzinha mas esquece
A bomba
não está no fundo do cofre, está principalmente onde não está
A bomba
mente e sorri sem dente
A bomba
vai a todas as conferências e senta-se de todos os lados
A bomba
é redonda que nem mesa redonda, e quadrada
A bomba
tem horas que sente falta de outra para cruzar
A bomba
multiplica-se em ações ao portador e portadores sem ação
A bomba
chora nas noites de chuva, enrodilha-se nas chaminés
A bomba
faz week-end na Semana Santa
A bomba
tem 50 megatons de algidez por 85 de ignomínia
A bomba
industrializou as térmites convertendo-as em balísticos
interplanetários
A bomba
sofre de hérnia estranguladora, de amnésia, de mononucleose,
de verborreia
A bomba
não é séria, é conspicuamente tediosa
A bomba
envenena as crianças antes que comece a nascer
A bomba
continua a envenená-las no curso da vida
A bomba
respeita os poderes espirituais, os temporais e os tais
A bomba
pula de um lado para outro gritando: eu sou a bomba
A bomba
é um cisco no olho da vida, e não sai
A bomba
é uma inflamação no ventre da primavera
A bomba
tem a seu serviço música estereofônica e mil valetes de ouro,
cobalto e ferro além da comparsaria
A bomba
tem supermercado circo biblioteca esquadrilha de mísseis, etc.
A bomba
não admite que ninguém acorde sem motivo grave
A bomba
quer é manter acordados nervosos e sãos, atletas e paralíticos
A bomba
mata só de pensarem que vem aí para matar
A bomba
dobra todas as línguas à sua turva sintaxe
A bomba
saboreia a morte com marshmallow
A bomba
arrota impostura e prosopéia política
A bomba
cria leopardos no quintal, eventualmente no living
A bomba
é podre
A bomba
gostaria de ter remorso para justificar-se mas isso lhe é vedado
A bomba
pediu ao Diabo que a batizasse e a Deus que lhe validasse o batismo
A bomba
declare-se balança de justiça arca de amor arcanjo de fraternidade
A bomba
tem um clube fechadíssimo
A bomba
pondera com olho neocrítico o Prêmio Nobel
A bomba
é russamenricanenglish mas agradam-lhe eflúvios de Paris
A bomba
oferece de bandeja de urânio puro, a título de bonificação, átomos
de paz
A bomba
não terá trabalho com as artes visuais, concretas ou tachistas
A bomba
desenha sinais de trânsito ultreletrônicos para proteger
velhos e criancinhas
A bomba
não admite que ninguém se dê ao luxo de morrer de câncer
A bomba
é câncer
A bomba
vai à Lua, assovia e volta
A bomba
reduz neutros e neutrinos, e abana-se com o leque da reação
em cadeia
A bomba
está abusando da glória de ser bomba
A bomba
não sabe quando, onde e porque vai explodir, mas preliba
o instante inefável
A bomba
fede
A bomba
é vigiada por sentinelas pávidas em torreões de cartolina
A bomba
com ser uma besta confusa dá tempo ao homem para que se salve
A bomba
não destruirá a vida
O homem
(tenho esperança) liquidará a bomba.