domingo, 15 de agosto de 2010

Um kadish para Tony Judt:: Sergio Augusto

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO /SABÁTICO

Como traduzir "contrarian"? Contrariante tem ranço forense; dissidente é melhor e, no fundo, exprime a mesma coisa, mas era de "contrarian", não de "dissident", que Tony Judt costumava ser qualificado pela frequência e pelo arrojo com que discordava das opiniões correntes. Não era do contra por pirraça, nem para fazer gênero e chamar atenção, pois se dizia insensível à notoriedade e avesso a badalações. Apenas tinha um olhar mais arguto e um cérebro mais bem dotado que a maioria dos mortais. Por isso, via ou farejava o que a outros passava despercebido ou era recalcado por algum parti pris ideológico.

Sua morte, no dia 6, aos 62 anos, deu novo alento semântico à expressão "perda irreparável", quase sempre inapropriadamente invocada para folhear de ouro defuntos de latão. Judt fará muita falta no circuito de ideias e questionamentos incômodos. Ninguém usava a História para refletir sobre o presente com a sua acuidade e a sua nonchalance expositiva. Oficialmente historiador, transformou-se, malgré lui, num intelectual público, mas por vocação vigoroso, sem rebuços e em permanente estado de alerta. Jamais permitiu que o conformismo e a complacência debilitassem sua argumentação. Nem que suas convicções políticas e morais lhe envenenassem o raciocínio.

Apesar de ter sido militante sionista na juventude, quando trocou Londres por um kibutz em Israel, revelou-se, nas últimas décadas, um dos mais pertinazes críticos da política externa israelense. Por combater as ocupações do território palestino por tropas israelenses e defender a criação de um estado binacional como a única solução para buscar a pacificação do Oriente Médio, foi tachado de "antissionista" e coisas piores, expulso do expediente da revista The New Republic e proibido de fazer uma palestra no consulado da Polônia, em Nova York, por pressão do American Jewish Committee.

A despeito de sua ancestral simpatia pela utopia socialista, combateu os desvios e atrocidades do comunismo e as escorregadelas das esquerdas com a mesma implacabilidade de suas estocadas na direita, no neoliberalismo e nos desvarios do pós-modernismo. Espinafrou os intelectuais que apoiaram o catastrófico unilateralismo bushista, os historiadores chapa-branca da Guerra Fria e o ideário prêt-à-porter de Thomas Friedman com o mesmo rigor aplicado à "recusa" do marxista Eric Hobsbawm "a encarar o mal de frente e chamá-lo pelo nome". O mal era o comunismo stalinista.

Volta e meia comparado a George Orwell, por sinal patrono de um prêmio que lhe foi conferido em 2009, Judt só assumiu, de fato, dois mestres, ambos também historiadores: a francesa Annie Kriegel, heroína da Resistência ao nazismo e défroquée do comunismo, cuja metodologia analítica, misto de história e ciência política, o encantava, e o alemão George Lichtheim, "um dos mais brilhantes estudiosos do pensamento marxista". Aos dois dedicou uma de suas obras de maior impacto: Reflexões Sobre Um Século Esquecido (tradução de Celso Nogueira), a alentada coda que acrescentou à sua história da Europa do pós-guerra, também traduzida pela Objetiva (José Roberto O"Shea).

Li o que pude do polêmico professor da Universidade de Nova York (formado em Cambridge, com passagem por Oxford, pela École Normal Supérieure de Paris e por Berkeley) e timoneiro do Remarque Institute, think tank bancado pelos milhões doados pela viúva do escritor alemão Erich Maria Remarque, a atriz Paulette Goddard. Seus inventários da evolução, reconstrução e malversação do socialismo na França, com destaque para aqueles dois estudos sobre "o passado imperfeito" da intelectualidade francesa, de que só o primeiro volume foi aqui publicado, pela Nova Fronteira, são uma lição de história, ciência política, narratividade e lucidez.

Sua última publicação em vida, os curtos ensaios de Ill Fares the Land, lançada em março pela Penguin, sairá daqui a sete meses pela Objetiva. Com epígrafes do irlandês oitocentista Oliver Goldsmith (de cujo lamento sobre as desgraças que o acúmulo de riquezas pode causar a uma comunidade e seus habitantes extraiu o título do livro), Orwell, Tolstoi, De Tocqueville, Keynes, Zweig, Proust, e até Camille Paglia, já diz ao que veio nas primeiras linhas.

Depois de notar a existência de "algo de profundamente errado em nosso atual modo de vida", há 30 anos sendo deformado por um egocêntrico sibaritismo, Judt investe rijo contra o culto à eficiência, ao enriquecimento, à livre iniciativa, às privatizações e ao consumismo desvairado vigente nas "sociedades presas ao capitalismo desregulamentado e seus excessos", nos dois lados do Atlântico. Sociedades moldadas, segundo ele, por uma geração de pensadores e economistas austríacos - Peter Drucker, Karl Popper, Hayek, Mises, Schumpeter - fanáticos defensores do estado mínimo; melhor dito, do estado a distância.

Mas não muito distante para que possa ser acionado sempre que der chabu no vai-da-valsa liberalista.

Judt simpatizava com a social democracia, sem um pingo de ilusão: "das opções disponíveis no momento, ainda é a melhor". Abandonar seus ganhos históricos - o New Deal, a Grande Sociedade e o estado de bem-estar social da Europa -, ou até satanizá-los como à esquerda e à direita se fez e faz, configurava, para ele, uma traição àqueles que nos precederam e às gerações ainda por vir.

Amiúde se queixava de que "vivemos a era do esquecimento". Até o fim lutou para que nos lembrássemos de tudo. Para não repetirmos os erros do passado.

Eleições e emoções :: Antonio Lavareda

DEU EM O GLOBO

Autoelogios, ataques e promessas.

Essa é a tríade que sintetiza o conteúdo das campanhas majoritárias.

Nesta campanha presidencial os eleitores já vêm recebendo seu quinhão dessas mensagens desde que a pré-campanha começou, mas daqui a pouco, quando começar a propaganda na TV e no rádio, isso vai ser intensificado um grande volume de comunicação, com propagandas e comerciais, concentrado em curto espaço de 45 dias.

Nesse período, o eixo cognitivo das campanhas a sua face mais objetiva e racional não escapará ao planejamento habitual: caráter, biografia, realizações, temas, apoios, questões e propostas. Tudo isso abordado nas vertentes positiva, negativa ou comparativa.

Mas, em torno disso, ou no cerne mesmo, um xadrez emocional estará sendo jogado, no qual o objetivo é despertar reações de entusiasmo, orgulho, esperança, compaixão, medo, raiva, tristeza, entre outras. Um arsenal que combina emoções primárias, emoções sociais, e emoções de fundo. Usadas com maior ou menor consciência pelos marqueteiros, e com diferentes graus de eficácia.

Entre as mais recorrentes estão as que concernem à amígdala cerebral: medo e raiva. Que, aliás, já andam sendo mobilizadas. Petistas procuram despertar raiva e medo da suposta descontinuidade dos programas sociais na hipótese de vitória do candidato da oposição. E os tucanos tentam flanquear o entusiasmo gerado por Lula e despertar ansiedade quanto à candidata oficial, acusada de ligações com as Farc e o MST.

O jogo emocional não pode ser subestimado.

Como analisei no livro Emoções ocultas e estratégias eleitorais, ele teve destaque nas três últimas campanhas presidenciais. Em 1998, em plena crise financeira internacional, o medo suscitado em relação a Lula foi importante para assegurar a vitória tucana no primeiro turno, vencendo com facilidade a raiva que os petistas tentaram despertar em relação ao governo que buscava a reeleição.

Em 2002, foi a revanche da raiva, embora maquiada pelo Lulinha Paz e Amor. A desaprovação elevada de FHC, desde o primeiro mês do segundo governo, consolidou um sentimento de aversão que por pouco não tirou seu candidato do segundo turno.

Em 2006, a fórmula emocional vitoriosa combinaria o resgate da raiva antiga em relação ao governo FHC, com o medo face a Alckmin, um candidato então desconhecido do eleitorado, sobre o qual se pregou a pecha da privatização. Do lado tucano, a indignação moralizante seria esmagada no segundo turno.

Em 2010, as cordas das emoções estão apenas começando a ser tocadas.

Vamos ver qual melodia ganhará mais conexão com os sentimentos dos eleitores.


Antonio Lavareda é cientista político e sociólogo.

Na reta final :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

A decomposição da mais recente pesquisa do Datafolha, que mostra a candidata oficial Dilma Rousseff colocando oito pontos de vantagem sobre o candidato da oposição José Serra, mostra uma tendência semelhante ao que aconteceu no primeiro turno da eleição de 2006, com o país dividido por regiões: Serra segue liderando no Sul do país, Dilma vence no Nordeste e no Norte, e o Sudeste está empatado dentro da margem de erro da pesquisa, com ligeira vantagem para Dilma. Em 2006, Alckmin perdeu a eleição mas ganhou no Sudeste, graças aos votos de São Paulo.

O cientista político Cesar Romero Jacob, diretor da editora da PUC, coordena uma equipe de pesquisadores brasileiros e franceses que estuda a geografia do voto nas eleições presidenciais do Brasil de 1989 a 2006 e vê um cenário semelhante ao da última eleição presidencial se desenhando, embora acredite que a fatura não esteja decidida a favor da candidata do governo, mesmo que as condições objetivas sejam favoráveis a ela.

Perto de ganhar a eleição no primeiro turno, com 47% dos votos válidos, Dilma Rousseff está em situação pior do que Lula aparecia às vésperas da campanha de rádio e televisão de 2006, quando o presidente, buscando a reeleição, tinha 55% dos votos válidos.

Também o então candidato tucano Geraldo Alckmin, estava em situação pior do que hoje está Serra: havia caído de 28% para 24%, enquanto Serra aparece hoje com 33%, ou 38% de votos válidos.

Marina Silva registra 12% de votos válidos, enquanto os candidatos de partidos pequenos somados vão a 2%, o mesmo quadro de 2006, quando Heloisa Helena, do PSOL, aparecia com 11% dos votos e Cristovam Buarque com apenas 1%.

O resultado do primeiro turno foi bem diferente. Lula teve 48,61% dos votos válidos e Alckmin: 41,64%, enquanto Heloisa Helena e Cristovam somavam menos de 10% dos votos.

O que demonstra que política não pode ser confundida com uma ciência exata, nem as pesquisas definem o resultado final das urnas.

A situação regional é explicada por Cesar Romero como resultado de uma cadeia de interesses, e não uma divisão simplista entre ricos e pobres.

No Nordeste, por exemplo, não é especificamente o beneficiário do Bolsa Família que influencia o voto, mas uma cadeia de beneficiários. No que aumenta a renda na região, e também a classe média, são também os comerciantes que se beneficiam.

E no Sul, não é só o executivo dos setores exportadores, mas toda a região que é afetada pela valorização do real, que prejudica as exportações.

Se o real estivesse valendo menos em relação ao dólar, toda a região estaria com mais dinheiro, não apenas os grandes exportadores como a Sadia e a Perdigão, mas também o pequeno produtor rural, que faz parte da cadeia exportadora, ressalta Cesar Romero.

Comparando os mapas regionais do resultado da eleição passada no primeiro turno com as pesquisas atuais, o cientista político da PUC destaca que, em 2006, Lula teve um ótimo desempenho na região Norte-Nordeste e em parte do Sudeste.

Em contrapartida, o Sul, São Paulo, parte de Minas e o Centro-Oeste ficaram com o outro lado.

Cesar Romero acha que pesquisas juntando o CentroOeste com o Norte confundem as informações, pois o CentroOeste tem um peso grande do setor agropecuário exportador.

São realidades econômicas muito diferentes.

Se pegarmos as diferenças de percentuais de votação entre 2002 e 2006, veremos que Lula cresce até 66% nas regiões Norte e Centro-Oeste e em parte do Sudeste e cai no Sul, em São Paulo, no Sul de Minas, no Triângulo Mineiro e em parte do CentroOeste, e Alckmin tem situação invertida, crescendo nas mesmas regiões.

Em contrapartida, nas regiões Norte e Nordeste e em parte do Sudeste ele cai muito em relação a Serra em 2002.

As pesquisas atuais indicam um bom desempenho da Dilma nas regiões Norte e Nordeste e em parte do Sudeste. Serra vai bem no Sul, no Centro-Oeste e em parte do Sudeste.

Para Cesar Romero, na verdade, quem define a eleição são os nove estados que têm 75% do eleitorado: Ceará, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Nesses estados, a situação de Serra vem piorando, enquanto Dilma vai crescendo.

Em São Paulo, onde Alckmin lidera com folga as pesquisas para governador, a vantagem de Serra sobre Dilma caiu sete pontos.

No Rio Grande do Sul, a vantagem de Serra caiu para oito pontos; no Paraná, a diferença, que era de 15 pontos, caiu para sete pontos.

Em Minas Gerais, Dilma está na frente de Serra com sete pontos de diferença. O começo da arrancada de Antonio Anastasia, candidato de Aécio Neves a governador, registrado pela mais recente pesquisa do Vox Populi a diferença entre ele e Hélio Costa, que lidera, teria se reduzido para dez pontos pode ser também um começo de virada no plano nacional, se não acabar prevalecendo o voto Dilmasia.

Ao contrário, no Nordeste, a diferença a favor de Dilma só faz crescer: em Pernambuco, chega a 33 pontos; na Bahia, está em 11 pontos.

No Rio de Janeiro, a vantagem de Dilma cresceu 10 pontos na última pesquisa e, Marina Silva, que registra seu melhor desempenho, com 15% das preferências, já se aproxima de Serra, que está com 25%.

O Datafolha tem uma boa notícia para Serra: a influência de Lula sobre o eleitorado já estaria chegando ao fim, enquanto ainda existem 22% de eleitores que cogitam votar em um candidato apoiado por Lula, mas não estão certos disso.

Neste grupo, Serra lidera com 36% contra 31% de Dilma.

O programa eleitoral será fundamental para a definição deste grupo, além dos muitos debates que acontecerão.

O perigo para Serra é que ele continue perdendo eleitores na exata medida em que Dilma ganha apoios. Ou que o voto útil acabe esvaziando Marina Silva.

Os boas vidas:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Jornalista norte-americano radicado há quase 30 anos no Brasil, Michael Kepp escreveu um artigo didático sobre as campanhas eleitorais no Brasil e nos Estados Unidos, dizendo que lá equivalem a uma maratona e aqui se parecem com corridas de 100 metros rasos.

Usa essa imagem para concluir que os candidatos brasileiros falam pouco com o eleitor, se expõem o mínimo indispensável, enquanto os americanos se submetem a um teste rigoroso e prolongado de resistência perante o público.

Antes disso, vencem a prova dentro dos respectivos partidos em eleições primárias que duram meses e passam por todos os Estados da Federação.

A campanha americana dura pelo menos dois anos, a mobilização por arrecadação financeira é monumental, pois não existe horário gratuito na televisão, as entrevistas são agressivas, as cobranças contundentes e a vigilância sobre os candidatos muito estreita.

Pessoal, profissional e politicamente falando. Veículos de comunicação tomam posição em favor deste ou daquele e nem por isso são patrulhados ou têm contestada sua legitimidade para entrevistar quem quer que seja.

As mulheres são entrevistadas, a família vive sob o holofote, a vida pregressa é esquadrinhada e a ninguém ocorre pedir que os jornalistas sejam gentis durante as entrevistas. Não passa pela cabeça de governante ou militante cobrar da imprensa tratamento reverente e muito menos os veículos de comunicação ficariam intimidados com isso sentindo-se no dever de aliviar a mão.

O entendimento geral é o de que a cobrança dura é uma obrigação, assim como a exposição de todas as questões que possam constranger o candidato, amanhã ou depois assombrar o governante eleito e, portanto, criar problemas para o país.

Michael Kepp afirma que os candidatos nos Estados Unidos pagam um preço em termos de exposição que nenhum deles estaria disposto a pagar no Brasil.

Está correto no diagnóstico. São uns boas vidas, escondem-se atrás das maquinações publicitárias, reivindicam direito a privacidade, dão-se ao desfrute de escolher sobre o que falam e a respeito do que preferem calar. Coisa típica de país em que o Estado em alguns aspectos ainda se impõe à sociedade.

Haja vista a possibilidade de um candidato à Presidência da República ser fruto da vontade de um só ou de meia dúzia, em decisões autocráticas ou decorrentes de acertos de cúpulas.

O presidente Luiz Inácio da Silva chama atenção porque exacerba e exibe o contraste entre o PT ativo de ontem e o partido passivo de hoje. Mas o processo de escolha de candidaturas na essência não é diferente em outros partidos.

São as cúpulas que decidem. A realização de prévias é quase uma confissão de fracasso entre nós. Quando um partido faz prévias em algum Estado considera-se que naquela seção há uma divisão irremediável, o que já significa de início uma desvantagem eleitoral.

O que deveria ser sinônimo de vivacidade é tradução de fragilidade e incapacidade de "todos se unirem" em vontade única.

Esse tipo de desconforto em relação ao contraditório é que engessa os debates, cria regra em cima de regra, faz os políticos inventarem leis que tornam liberdade de expressão um conceito relativo no período eleitoral e também sustenta uma tese supostamente politicamente correta: a de que PT e PSDB deveriam parar de se opor e unir-se em governo de excelências.

É uma utopia boboquinha que frequenta tanto as cabeças de bem-intencionados quanto as bocas de espertos que celebram a unidade em benefício próprio.

A política fica mais fácil de ser feita quando pasteurizada, desprovida de nitidez, sem antagonistas. Em compensação, fica mais distante do cidadão e reduzida a ofício para iniciados.

Reclama-se agora da falta de "emoção" na campanha e nos candidatos. Talvez o erro não esteja nas pessoas. Mas no modo anacrônico de se fazer as coisas.

Impositivo, restritivo, cheio de obrigações, de truques, de ilegalidades e de armações que são em si a negação do sentido de democracia.

Lula de volta ao papel principal :: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Mesmo depois que as pesquisas de opinião vacinaram os cidadãos com verdades relativas, o Brasil continua brasileiro, mas com alguns retoques. Um levantamento sobre a maneira brasileira de lidar com a esquerda ao estilo da casa foi uma decepção para quem esperava um salto de qualidade política e melhor expectativa em ano eleitoral. Além de Dilma Rousseff e de José Serra, já estão em cena mais dois pretendentes. Mais atrás (nas pesquisas), Marina Silva, sensível e delicada, esquerda soft, e Plínio de Arruda Sampaio, cabeça atualizada, esquerda hard. O Brasil adernou de vez.

O nível de informação do brasileiro, a respeito da esquerda, revelado pela pesquisa foi deplorável para um país que conta com quatro candidatos por esse lado, enquanto na contrapartida a direita fica no ora, veja! Nas pesquisas, o dito por não dito. Tudo mais se passa fora do espaço eleitoral, e o buraco negro se localiza mais embaixo.

O presidente já transitou em julgado quando vinha pela esquerda e, reparando melhor, notou que estava à direita. Aguentou sem se contradizer. De qualquer forma, foi melhor do que bater de frente num desastre de proporções ferroviárias. As pesquisas não tiraram a inocência política dos brasileiros, que perderam apenas os óculos de ver em terceira dimensão a democracia que, nos últimos 25 anos, confiou à direita e à esquerda (com o liberalismo em maré baixa) a missão de aperfeiçoar e levar adiante o regime, sem aqueles trambolhões e empurrões inaceitáveis. Lula chegou à Presidência da República, como a todos pareceu, pela esquerda, mas sem perder de vista a direita, por motivos óbvios e não por falta de originalidade. Fez bem. Não teve dificuldade para se eleger por um lado e governar por outro. Versatilidade não mata. Na América Latina a esquerda já aprendeu a chegar ao poder pelo voto, mas não sabe o resto. Lula não tem mais nada a ver com o passado e, embora não admita, também não tem com o futuro, que começa quando o mandato acaba. No dia seguinte à eleição, começará a sofrer dos achaques de ex-presidentes.

Avalizado moralmente pela recusa do terceiro mandato, e como se chegasse de um ponto no infinito eleitoral, a figura inarredável do presidente Luiz Inácio Lula da Silva retoma a sucessão presidencial para o grand finale. Encontrou a porta de entrada quando devia ser a de saída, e foi em frente sem tocar a campainha. Depois de uma volta no exterior, semeando para não colher, fez declarações e provocações para medir o efeito, disse e se desdisse com a falta de convicção que o move, assumiu a candidatura de Dilma Rousseff e invadiu o espaço reservado à sucessão. Não sobrou para ninguém do PT, e para o PMDB sobrou o vice.

E, quando dava a impressão de que iria se retirar para voltar a simples cidadão já no primeiro dia do ano, Lula não se segurou e assumiu o papel de personagem principal oculto na própria sucessão.

Continuidade e alternância :: Ferreira Gullar

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Qual dos candidatos está mais preparado para manter com êxito a continuidade administrativa?

Até O momento em que escrevo esta crônica, a situação dos dois principais candidatos à Presidência da República continua indefinida. A menos que haja uma súbita mudança na avaliação deles pelo eleitorado, a disputa deve se manter acirrada até o último momento.

Na opinião de Lula e do PT, Dilma Roussef vencerá o pleito e até, dizem eles, no primeiro turno. É natural que o digam, ainda que da boca para fora, porque se deixarem transparecer a mínima dúvida quanto à vitória, sua candidatura se desfará como um castelo de cartas.

E a razão disso é que essa candidatura se apoia única e exclusivamente na possibilidade de transferência da popularidade de Lula para a candidata que ele inventou.

Ela mesma, Dilma, nunca pretendeu candidatar-se a nenhum cargo eletivo, muito menos ao posto supremo da nação. Lula a inventou candidata apesar disso, mesmo porque não havia muito o que escolher dentro de seu partido.

A hipótese de Lula é que, apresentando Dilma como a continuadora de seu governo, que conta com mais de 70% de aprovação, ela seria eleita. Parece lógico, mas talvez não seja tão simples quanto parece.

Tudo depende de como o eleitor receberá a proposta de Lula, e depende também de como o candidato do PSDB se comportará em face dela. Se José Serra, de fato, não confrontar a tese de Lula, ela prevalecerá e Dilma terá grande chance de vencer as eleições. Mas e se, ao contrário, ele achar que a história não é bem assim, se entender que a continuidade administrativa é uma norma a ser seguida pelo futuro ocupante do Palácio do Planalto, seja ele quem for?

Aí a coisa muda de figura, pois retira da candidatura de Dilma o único argumento que efetivamente a sustenta, uma vez que ela não tem como provar que é capaz de governar o país, mesmo porque nunca governou sequer um Estado e nem mesmo um pequeno município.

Já Serra, se adotasse tal postura, teria um argumento decisivo no fato de que o governo Lula continuou o governo FHC e foi graças a isso que obteve o êxito que obteve.

Já imaginou se ele tivesse acabado com o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, o superavit primário, o Proer e a política de juros do Banco Central, que viabiliza a luta contra a inflação? Foi o temor de que Lula não desse continuidade ao governo anterior que provocou a crise de 2002; continuidade que, na verdade, vem desde o governo Itamar Franco, e que permitiu ao Brasil enfrentar com êxito a crise de 2008.

Logo, se Lula, adversário feroz do governo FHC, o continuou, não há por que Serra não faça o mesmo com respeito ao governo Lula, que deu continuação às políticas implantadas pelo governo do PSDB.

Pois bem, se José Serra assumir claramente esse opção, como ficará a candidatura de Dilma? O fato de Lula afirmar que ela é a continuação de seu governo não é garantia de que ela será capaz de fazê-lo e com a inventividade necessária. O eleitor certamente perguntará: qual dos dois candidatos está mais preparado para manter com êxito a continuidade administrativa?

Se levar em conta a história de um e de outro candidato, a folha de serviços de cada um deles, poderá optar por Serra, cuja competência como gestor público está comprovada, no exercício destacado das funções de ministro da Saúde, prefeito e governador de São Paulo, além da atuação parlamentar de indiscutível eficiência.

Por outro lado, como pode Dilma convencer o eleitor de que é mais capaz que Serra de exercer as funções de presidente da República? Só a palavra de Lula não basta, já que tem interesse em manter o poder nas mãos de seu partido. Durante a campanha na TV, poderá o PSDB demonstrar que Dilma nunca desempenhou o papel que Lula lhe atribui (mãe do PAC etc.), porque a Casa Civil, que ela chefiou, tem funções de mera assessoria do presidente. Não realiza nada.

Isso sem lançar mão de outro argumento, de grande importância para o país, que é a alternância dos partidos no poder, que a vitória de Serra implicaria. Esse é um fator decisivo para a saúde do regime democrático, porque viabiliza o desmonte do aparelhamento da máquina estatal pelo partido (ou pelos partidos) que fique no poder por longo tempo.

Fabiana Cozza - Nação

Imperial ou imperialista?:: Luiz Carlos Bresser-Pereira

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A nação é imperial, e não imperialista, quando sabe que o nacionalismo do país mais fraco é necessário

Todo país rico e poderoso é "imperial" em relação aos países pobres e fracos que o cercam; os EUA são necessariamente imperiais em relação aos demais países do mundo; o Brasil o é em relação aos países sul-americanos menos desenvolvidos. Ninguém escapa da influência da sociedade mais desenvolvida.

Mas isso não significa que os Estados-nação sejam sempre "imperialistas". Um país é imperialista quando supõe que os interesses do país pobre são idênticos aos seus, rejeita o nacionalismo através do qual esse país busca formar um verdadeiro Estado-nação e se desenvolver e tenta impor-lhe sua verdade superior.

É imperial ao invés de imperialista quando, não obstante seu poderio, compreende que o nacionalismo do país mais fraco é necessário para que ele realize sua revolução nacional e capitalista e, por isso, aceita que alguns interesses de curto prazo de suas empresas sejam contrariados, porque acredita que o desenvolvimento do país vizinho será a médio prazo benéfico para seu próprio desenvolvimento.

Os EUA foram imperiais ao invés de imperialistas logo após a Segunda Guerra Mundial, mas esse foi um breve instante. Já o Brasil, desde os anos 1990, aprendeu a pensar em termos do médio prazo em relação a seus vizinhos.

Isso ficou claro em sua relação com a Bolívia, o Paraguai e a Venezuela: ao primeiro reconheceu a necessidade de o país nacionalizar sua indústria do petróleo e rever alguns contratos leoninos que dirigentes anteriores do país haviam firmado; ao Paraguai fez concessões razoáveis no caso de Itaipu. Em relação à Venezuela, mantém relações amigáveis com Chávez desde que este foi eleito.

Entretanto, setores das elites brasileiras não compreendem esse fato. De repente ficam nacionalistas e querem que o governo brasileiro "defenda os interesses brasileiros" com mais determinação.

Esquecem, assim, que quem rejeitou a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) e começou a política sul-americana do Brasil e quem primeiro soube compreender as dificuldades e as contradições que enfrenta um governante de um país pobre e dominado por séculos, como é a Venezuela, foi o presidente Fernando Henrique Cardoso. Nessa política, o presidente Lula não inovou; apenas deu um passo adiante.

O tempo do imperialismo já passou. Quase todos os países pobres sabem que para se desenvolver precisam livrar-se da dependência externa e promover sua industrialização para, assim, realizar sua revolução capitalista.

E sabem também que essa é uma tarefa nacional muito difícil, porque, além de enfrentar os grandes países e seus interesses de curto prazo, enfrentam imensos problemas internos: baixo nível de educação, elites locais alienadas que preferem se aliar às elites externas do que a seu povo, um Estado mal organizado e permanente vítima da corrupção de capitalistas, políticos e burocratas.

O Brasil, que já realizou sua revolução capitalista, compreende esse fato. Compreende que é muito mais interessante para ele que seus vizinhos sejam nacionalistas e construam sua nação, logrando, assim, ter uma competente classe empresarial, uma ampla classe média e uma classe trabalhadora organizada. Por isso o Brasil é imperial, não é imperialista.

O Estado privatizado na eleição :: Suely Caldas

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

"Ministro tem que ser ministro. Se alguém quiser fazer campanha política depois do expediente, faça, em carro particular. Façam o que quiser, mas quero eles trabalhando", avisou o presidente Lula aos seus ministros e à imprensa na segunda-feira. Aí eles obedeceram, não foram às ruas nem a comícios e trabalharam trancados em seus gabinetes... para ajudar na campanha de Dilma Rousseff, em escancarado uso eleitoral da estrutura do Estado e da máquina pública - que pertence aos brasileiros, não a partidos políticos - em defesa de um candidato.

Na terça-feira o ministro Guido Mantega dispensou seu secretário de Política Econômica e decidiu ele próprio divulgar para a imprensa o rotineiro boletim Economia Brasileira em Perspectiva, que desta vez trazia uma empolgante novidade: comparava os desempenhos dos governos FHC e Lula com números (alguns errados) cuidadosamente fisgados para mostrar fracasso e sucesso de um e de outro. Assim, sem sair do gabinete, o militante Mantega socorria Dilma que, em entrevista à TV Globo na noite anterior, culpou o governo FHC pelas baixas taxas de crescimento nos sete anos do governo Lula. Horas depois os números viraram manchete no site da campanha da candidata.

Não foi só Mantega. Atento à entrevista do oposicionista José Serra à TV Globo, na quarta-feira à noite, seu colega José Gomes Temporão ordenou aos funcionários imediata e urgente resposta às críticas feitas pelo tucano na entrevista. Agiu rápido: às 22h30 o Ministério da Saúde disparava e-mails para a imprensa contestando os dados apresentados por Serra e glorificando a atual administração na Saúde. Grudada e dependente de Lula nesta eleição, o maior trunfo de Dilma é a gestão do padrinho. Por isso mesmo Lula orientou os ministros a reagirem imediatamente, menos para exercer o direito de defender seu governo e mais para impedir que críticas da oposição prejudiquem sua candidata. Novamente, a versão do Ministério da Saúde foi parar no site de Dilma.

O ministro dos Transportes, Paulo Sergio Passos, não foi tão rápido. Só no dia seguinte divulgou nota explicando a falta de investimento em estradas e as falhas denunciadas pelo tucano nas rodovias paulistas. Já o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que traiu sua tradição histórica de órgão técnico para se transformar num apêndice político a serviço do governo Lula, não poderia ficar de fora da campanha eleitoral. Na quinta-feira divulgou estudo sobre a influência dos municípios no PIB, defendendo a ampliação de programas do governo Lula, incluídos nas propostas de Dilma, para reduzir desigualdades regionais. Sob o comando do petista Marcio Pochmann, seus economistas não precisam ir às ruas gritar pelo nome de Dilma. É mais eficaz usar suas horas de trabalho, funcionários de apoio, estrutura e computadores do Ipea.

Com Lula à frente, seguido pelos petistas trazidos para ajudá-lo a governar, há quase oito anos o País passou a ser administrado com o bastão do interesse político-partidário-eleitoral comandando ações e decisões do governo. O PT passou 20 anos na oposição contestando todos os governantes que o antecederam, com o único e obsessivo propósito de derrotá-los. No Congresso não avaliava as propostas pelo interesse da população e do progresso do País. Era contra por pura selvageria, pela oposição "a tudo o que está aí", sem definir o quê. E pronto. Foi contra a política econômica de FHC, que depois adotou; contra o Bolsa-Escola, que preservou e rebatizou de Bolsa-Família; contra até o Plano Real, que derrubou a inflação.

E, quando finalmente chegou ao poder, trouxe para o governo sua prática de 20 anos: o interesse político-partidário-eleitoral passou a comandar as decisões do governo. Para isso aparelhou o Estado com seus militantes e os de partidos aliados loteando milhares de cargos públicos. Nesse jogo de poder, e ainda mais nesta eleição, Lula e o PT misturam público e privado, abusam do uso do Estado, ofendem e desrespeitam os brasileiros. Como já disse o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga: "É preciso reestatizar o Estado."

Jornalista, é professora da PUC-RIO

Aliança com o nada

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO /ALIÁS

Para professor da UFMG, neutralismo é palavra de ordem para candidatos e sinal de pobreza do debate eleitoral

Márcia Vieira

A menos de dois meses das eleições presidenciais, há uma fração interditada da agenda política. Os principais candidatos a presidente não se aprofundam em temas transversais que mexam com a sociedade. Aborto, drogas, união civil entre homossexuais, reforma agrária, eutanásia, entre outros, foram escanteados do debate. "A política é uma esfera de pensamentos da diferença, um lugar de estratégia e de conflito. A gente não vê isso hoje no Brasil. Ainda vivemos a fase da neutralidade geral", diz Marco Aurélio Prado, doutor em psicologia social pela PUC-SP, membro do Núcleo de Psicologia Política da UFMG e atual presidente da Associação Brasileira de Psicologia Política. "É um momento no mínimo curioso, se não perigoso."

Dois fatores contribuiriam para tanto: a forte influência da religião na política e as alianças que sustentam os candidatos. Notório é que o primeiro passo foi dado justamente por um ramo da Igreja Católica. Nessa semana, a CNBB, Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, anunciou a convocação de um debate, com transmissão em rede nacional nas TVs católicas, para cobrar dos presidenciáveis posições claras sobre assuntos tabus, como aborto, reforma agrária e taxação de grandes fortunas. Prado acredita que o caldeirão vá esquentar. "A sociedade é pluralista, seria muito bom que a política expressasse isso."

Por que temas tabus são empurrados para baixo do tapete durante o debate eleitoral?

Há uma tentativa de formar opinião pública e, para isso, os candidatos ensejam uma posição neutra. O debate eleitoral no Brasil é pobre. Em outros países encontramos posições mais definidas. O comportamento chama a atenção porque esses são temas ligados a outro elemento contemporâneo do Brasil: a presença das religiões na esfera da política. Elas têm representantes na Câmara dos Deputados e no Senado a ponto de já fazer parte do nosso imaginário falar que existe bancada evangélica, bancada religiosa, bancada católica. Os candidatos evitam marcar posição para não perder o apoio da opinião pública. Mas não evitam visitar as igrejas ou fazer acordos com pastores e padres.

O que teria motivado a CNBB a sugerir um debate com os presidenciáveis que inclui assuntos polêmicos?

A Igreja Católica é muito capilar e muito contraditória internamente. Tem várias tendências, desde as católicas que defendem o direito de a mulher interromper a gravidez até o discurso do papa, sem dúvida conservador. Ela possui uma forma de lidar com essas temáticas que revela um pouco por que consegue tanto peso na opinião pública. Nos últimos anos, a gente avançou numa certa democratização. Mas ao mesmo tempo as religiões viraram instrumento forte de compreensão da própria política e a política virou instrumento forte da religião. Isso é uma contradição e um fenômeno importante. Acredito que temas sobre direitos vão aparecer no debate à medida que o eleitorado tiver mais cara e as pesquisas indicarem o rumo das coisas. O debate vai esquentar. O problema é como serão as respostas dos candidatos (risos).

A falta de debate em relação a esses temas empobrece o processo eleitoral?

Com certeza. Mas a eleição tem sido assim, com pouquíssimos instrumentos de conscientização política. Sendo o voto uma forma de expressão de direito de cidadão, é curioso que o processo eleitoral esteja tão despolitizado. Veja a forma de construção das alianças. A candidata do governo, por exemplo, é de um partido que fez coligações que vão fortalecer o PMDB em muitos Estados. Conforme essas alianças vão sendo feitas por interesses que não passam por um projeto político, a eleição tende a ser menos esclarecedora para a população. Aí é óbvio que os discursos não dizem nada. No debate da Band foi essa a postura dos candidatos. Apenas quem tem poucas chances, como o Plínio de Arruda Sampaio, pode falar de todos os temas. A sociedade é pluralista. Seria muito bom que a política expressasse isso.

O que constitui, de fato, um debate democrático?

O ideal do debate político é que antagonismos possam aparecer. A política é uma esfera de pensamentos da diferença. É um lugar de estratégia e de conflito. A gente não vê isso hoje no Brasil. Vozes dissonantes aparecem pouco. Repare no caso da união entre homossexuais. Quem está antagonizando são os religiosos no Congresso e uma parte da sociedade civil ligada aos movimentos sociais. E esse é um tema de muita relevância porque mostra como uma nação é capaz de olhar para transformações da sua própria sociedade. O governo tem feito de maneira discreta algumas ações pró-reconhecimento, como a autorização para declarar parceiro no Imposto de Renda, mas é meio envergonhado. Isso não se transforma em debate público, não são projetos que passaram por discussão no Congresso. A eleição vira esse neutralismo, esse grande acordo de relações partidárias. E a gente não sabe como essas rodadas de negociações aconteceram.

Que outros temas são escanteados?

O mais escamoteado é o das alianças. Se houvesse um espaço mais democrático, poderíamos discutir o que isso significa para o futuro. O mundo da política institucional não pode ter partidos fracos. É preciso ter partidos fortes com discursos políticos bem sustentados. Estamos vivendo um momento no mínimo curioso, se não perigoso.

De que maneira o senhor acredita que esses temas vão começar a ser discutidos pelos candidatos?

Não haverá muita discussão, principalmente pelos dois candidatos que estão na frente nas pesquisas. Basta pensar o que eles representam. De um lado, Dilma Rousseff espelha um acordo com partidos que não têm nenhuma posição favorável a esses temas, posição, aliás, que o PSDB também nunca teve.

A população percebe essa agenda tolhida? Por que o eleitor não reage?

Eu sou otimista. Há espaços que reagem. Neste ano todas as paradas LGBT têm como lema a questão do voto contra a homofobia. É uma reação, um recado. Quando todo mundo considerou que as paradas eram carnavais, elas mostraram articulação em torno de um tema: o projeto de lei, que não passa de jeito nenhum, sobre a criminalização de atos homofóbicos. No caso do aborto, é inadmissível que não se discuta em pleno século 21 o direito de as mulheres decidirem sobre o próprio corpo.

Em que momentos da nossa história política o debate lhe pareceu menos engessado?

Sobre essas questões específicas, nunca tivemos, em épocas de eleição, um debate acirrado. Mas, na pós-ditadura militar no Brasil as eleições foram mais politizadas. O debate Collor/Lula teve processo de conscientização política. As posições eram demarcadas, os partidos apresentaram projetos. Para o eleitor que conseguiu ler esses projetos não foi surpresa o que aconteceu no governo Collor. Naquele momento, o debate eleitoral instituiu um processo de reflexão sobre a política e sobre nossa vida como coletividade. É interessante pensar que estamos saindo de um governo do PT, um partido que tem história de politização de tantos temas, mas despolitizou a sociedade brasileira nos últimos anos.

O PT ajudou a despolitizar o debate?

Sim, mas é um fenômeno que não ocorre somente no Brasil. Em outros países, partidos de centro-esquerda ou esquerda, ao assumirem o governo, construíram certa despolitização das sociedades. Um elemento muito forte no País foi o tipo de relação que o governo estabeleceu com os movimentos sociais.

Foi uma relação de dominação?

Não. Foi uma relação de despolitização. Muitos movimentos sociais, que sempre tiveram lideranças importantes para a democratização, entraram para a máquina de governo. É verdade que o Estado precisa da experiência da sociedade civil para instituir políticas públicas, mas o problema é como isso mexe com a participação da sociedade. Há movimentos burocratizados pela lógica do Estado. Costumo brincar que, atualmente, se você formar um grupo para reivindicar algo, no dia seguinte vai ter um edital do governo propondo verbas e formas de funcionamento. A relação entre esses movimentos e o governo ficou engessada em editais. Ao mesmo tempo que há índices de melhora da situação brasileira, temos também uma sociedade menos participativa.

Outras culturas são mais abertas à discussão?

Sim. A Argentina viveu um debate importante sobre a união civil entre gays, que culminou com sua aprovação. A Espanha também. Portugal tomou decisões importantes no caso do aborto, das drogas e do reconhecimento da união entre homossexuais.

Quais seus prognósticos em relação ao Brasil?

Há a tendência de que essas temáticas avancem, mas vai depender de quem for eleito. A política é muita dinâmica. Isso é que é fascinante. Eu sou otimista, mas não é um otimismo redentor. Não imagino que a gente vá alcançar esse patamar fantástico rapidamente. Mas há práticas cotidianas que fazem toda a diferença.

O senhor já decidiu em quem votará?

Já. Não de modo confortável. É uma eleição difícil. Decidi, mas com medo de fazer parte do que vai ser o futuro dos partidos diante dessa situação de alianças tão pouco claras. Seremos cúmplices do que vier.

TCU acha uma irregularidade a cada duas semanas no Dnit

DEU EM O GLOBO

O volume de dinheiro público sob investigação no órgão chega a R$ 1 bilhão

Alvo da cobiça política no governo, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) é um dos clientes mais freqüentes do Tribunal de Contas da União: a cada duas semanas, os relatórios do tribunal apontam uma irregularidade no órgão, encarregado das obras nas rodovias federais. Em 18 meses, 10% dos acórdãos sobre o Dnit listam problemas que somam R$ 1 bilhão, informam Roberto Matchlik e Fábio Fabrini. Audoria do TCU também mostra que, do total de projetos encomendados a empresas privadas e aprovados pelo DNIT de 2003 a 2008, 66% não saíram do papel. De 2006 a 2008, o percentual chegou a 80%. Pelo país, a ineficiência se traduz em obras paradas e atrasadas, ou estradas em péssimas condições de tráfego.


No Dnit, sangria de recursos

Irregularidades encontradas pelo TCU em contratos do órgão somam R$ 1 bilhão

Roberto Maltchik e Fábio Fabrini

BRASÍLIA - Alvo da cobiça de políticos aliados do governo e de opositores, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) se perpetua como um ninho de irregularidades em contratos e licitações públicas. Levantamento do GLOBO em 399 relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU), aprovados desde janeiro de 2009, mostra ocorrências de sobrepreço e superfaturamento, entre outros problemas, que somam R$ 1,02 bilhão. A cada dez acórdãos em que a autarquia é citada, mesmo como referência para discussão de situações alheias, um sinaliza sangria dos cofres públicos. É como se o TCU detectasse a cada duas semanas uma irregularidade em obra do Dnit.

A cifra engloba pagamento por serviços não executados, jogos de planilha e licitações viciadas ou fraudulentas em pelo menos 43 trechos rodoviários e um ferroviário. Além da verba que foi pelo ralo, e o TCU tenta recuperar, a soma inclui o que só não foi pago porque ficou na peneira do órgão de controle externo; como destaque, quatro projetos nas BRs 101 e 285, além do Anel Rodoviário de Belo Horizonte.

Sob a tutela do PR desde o início do governo Lula, o Dnit é a versão repaginada do antigo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), extinto nos anos FH por causa do passivo de corrupção. Segundo um ex-ministro dos Transportes, a estratégia para evitar escândalos no atual governo foi manter homens de confiança do Planalto na diretoria em Brasília.

Mas, nos estados, a vigilância é menor.

No Ceará, o superintendente do Dnit, Guedes Ceará, indicado pelo PR do ex-governador Lúcio Alcântara, foi preso dia 5 com mais 21 pessoas, entre elas empresários do setor de construção, por envolvimento em esquema que desviou R$ 5,5 milhões de obras públicas.

Só em 2009, o TCU levou ao Congresso uma lista de 14 obras com indiciação de bloqueio orçamentário para este ano, o equivalente a 32% do total de empreendimentos fiscalizados.

Outros seis tinham irregularidades graves, mas que não ensejavam paralisação.

As auditorias evitam prejuízos vultosos, como no Anel Rodoviário de Belo Horizonte.

Por ordem do ministro Raimundo Carreiro, foi suspensa a licitação para a reforma dos 26 quilômetros da via, após técnicos constatarem que os cálculos estavam superestimados em R$ 317 milhões, mais de um terço do valor da obra. Doado pela Federação da Indústrias de Minas Gerais, da qual fazem parte representantes do setor construtivo, o projeto inflado passou pelo crivo da autarquia, sem restrições à estimativa de custos.

Na Rio-Santos, 22 tipos de irregularidades

Em outros casos, as irregularidades se dão em menor monta. É o caso da Rio-Santos (BR101), vital para o transporte de mercadorias aos portos de Santos (SP) e Sepetiba (RJ) e para o fluxo de turistas rumo ao Sul Fluminense.

Em acórdão de dezembro de 2009, os técnicos apontaram 22 tipos de irregularidades num trecho de 26 quilômetros, entre Santa Cruz e Itacuruçá. Só nessa auditoria, o prejuízo identificado foi de R$ 18,8 milhões, de superfaturamento a serviços não prestados, restrição à competitividade da licitação e projeto básico deficiente ou desatualizado.

Segundo o TCU, quatro revisões contratuais feitas pelo Dnit embaralharam o cálculo do equilíbrio econômico-financeiro e favoreceram as irregularidades. Por conta das revisões, as empreiteiras contratadas pediram R$ 4,3 milhões para manter e instalar o canteiro de obras. O valor foi autorizado pelo Dnit. Só que o pagamento foi barrado, após o TCU detectar que a União desembolsara mais de R$ 5 milhões para a mesma finalidade.

Com orçamento estimado de R$ 1,26 bilhão, o trecho pernambucano de 188,5 quilômetros da mesma BR-101 tem perfil semelhante. Auditores detectaram graves deficiências na qualidade dos serviços, pagamentos antecipados e restrição à competitividade nas licitações. Irregularidades que, somadas ao histórico de imprecisões do projeto, causariam prejuízo de R$ 202 milhões, não fosse a ação do TCU.

A sucessão de falhas fez o TCU determinar providências para que o Dnit qualificasse seus técnicos e aperfeiçoasse a fiscalização, encarregada de checar os mesmos problemas que o órgão de controle externo detecta. Por não cumprir a ordem, o diretor-geral do Dnit, Luiz Antônio Pagot, foi multado em R$ 5 mil em 2009. O Instituto de Pesquisa Rodoviária, que deveria aprimorar métodos de fiscalização, está sucateado, segundo acórdão aprovado em 2009.

Gabeira diz que terá que trabalhar por 2º turno

DEU EM O GLOBO

Verde espera que debates e programa de TV reduzam distância de 43 pontos percentuais entre ele e Cabral

Rafael Galdo

O candidato ao governo do Rio pelo PV, Fernando Gabeira, admitiu ontem dificuldades para chegar a um possível segundo turno. Mas disse contar com o início da propaganda eleitoral na TV, a realização de novos debates e entrevistas para emissoras de televisão para diminuir a diferença em relação ao governador Sérgio Cabral (PMDB). Na pesquisa Datafolha divulgada anteontem e contratada pela Rede Globo e Folha de S. Paulo, Gabeira teve 14% dos votos, contra 57% de Cabral, que ganharia no primeiro turno.

As pesquisas indicam que tenho que trabalhar muito para provocar um segundo turno reconheceu. Começou agora uma nova fase, mais produtiva.

Agosto sempre foi difícil para mim. Em 2008, terminei o mês com 8%. Setembro é quando realmente conseguimos a arrancada.

Vamos fazer tudo para levar a eleição ao segundo turno continuou.

O candidato afirmou ainda não ver um motivo específico para ter caído de 18% na pesquisa do Datafolha do fim de julho para 14%, no novo levantamento.

Mas reconheceu que não aconteceu nada também que tenha provocado um avanço, o que ele espera que ocorra a partir das próximas semanas.

Começando os debates e o programa de televisão, grande parte da população deve tomar conhecimento do processo, dos candidatos e do que está em jogo. E estou lutando contra uma máquina muito poderosa, que gastou R$ 430,1 milhões em propaganda justificou, atacando os gastos do governo Cabral com publicidade.

Gabeira participou ontem de encontros do DEM em Guaratiba e em Santa Cruz, na Zona Oeste, ao lado dos candidatos ao Senado de sua chapa, Cesar Maia (DEM) e Marcelo Cerqueira (PPS). Ele afirmou que, para combater as milícias da região, não bastam as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) prometidas por Cabral.

Para Gabeira, é preciso um trabalho de inteligência, para atacar as fontes de renda desses grupos, como a venda de botijões de gás: A milícia recompra o gás de botijão e revende R$ 10 a R$ 15 mais caro. E obriga as pessoas a comprarem, sob pena de morte. É preciso controlar também as revendedoras.

Serra em Nova Iguaçu/RJ: churrasquinho na laje e Policlínica


Descontraído no meio do “povão” do bairro pobre de Comendador Soares, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense (RJ), onde caminhou na tarde deste sábado, José Serra comeu churrasquinho na laje de um morador e conversou bastante com a população local. Serra ouviu relatos terríveis sobre o descaso do governo com a saúde e a violência – que ele mesmo fez questão de filmar com sua microcâmera. O candidato da coligação “O Brasil Pode Mais” assegurou aos moradores que vai reproduzir ali a urbanização dos bairros mais pobres, como fez em Heliópolis, em São Paulo, maior favela da América Latina, inclusive implantando uma unidade da AME (Ambulatório Médico de Especialidades). Ele ressaltou ainda a implantação de cursos técnicos e profissionalizantes na comunidade.

Serra não ficou só dando “tchauzinho”. Encarou ruelas sem asfalto e esgoto a céu aberto para ouvir todo mundo que podia. Depois do “churrasquinho”, parou, como sempre faz, para atender à multidão de jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas que realiza a cobertura da sua campanha presidencial. Um dos relatos que mais sensibilizou José Serra foi o de Rosilele Silva dos Santos, 34. Mãe de três filhos, ela só sossegou quando conseguiu chegar junto ao Serra e contar como foi destratada no Hospital da Posse, ao sofrer uma crise de apendicite. Rosilele está desesperada, até pouco tempo recebia apenas R$ 18 do Bolsa-Família por mês.

Após reclamar muito do PT, Rosilele teve o valor da bolsa aumentado para R$ 20,00 e depois para R$ 112,00. Mesmo assim, destacou, carregando no colo o filho de cinco anos que tem problemas de refluxo: “Ele precisa tomar um medicamento que custa R$ 70,00 para aliviar esse refluxo”. Serra, que vai duplicar o Bolsa-Família e ainda criar uma Bolsa-Extra para os filhos do Bolsa-Família que cursarem escolas técnicas para garantir emprego e uma vida digna, ouviu Rosilele atentamente. “Refluxo é tão simples de cuidar...”, observou. O presidenciável tucano lembrou ter reformado e municipalizado o Hospital da Posse quando era ministro da Saúde e o prefeito do Rio de Janeiro era Marcelo Alencar.

“Nós recuperamos o Hospital da Posse, mas agora está degradado”, criticou José Serra, ponderando que, eleito presidente, a Saúde voltará a ter a prioridade que merece, assim como a Segurança Pública. Historicamente comprometido com o social, sobretudo com ações comprovadas enquanto ministro da Saúde, prefeito e governador de São Paulo, Serra garantiu,

sobretudo para Rosilele, que, além de escolas, vai trazer para aquela comunidade creches, iluminação pública, redes de esgoto e empregos. Em Nova Iguaçu, Serra esteve ao lado do seu vice Índio da Costa e do deputado federal Nelson Bornier (PMDB). De lá, o candidato da coligação “O Brasil Pode Mais” inaugurou o comitê suprapartidário no Leblon, com a presença de personalidades como Glória Perez, autora de novelas da Rede Globo.

José Serra

José Serra

Serra: saneamento se vê na rua, não na propaganda

Na presidência, Serra vai implantar amplo programa de saneamento e urbanização das comunidades carentes, em parceria com estados e municípios.

"Obra de saneamento você vê aqui, na rua. O governo faz uma propaganda imensa, mas a gente não vê nada acontecer na realidade”, acusou o candidato do PSDB à presidência da República, José Serra, em sua visita, ontem, ao município de Nova Iguaçu/RJ. Acompanhado do candidato a vice, Índio da Costa, Serra visitou moradores do bairro de Comendador Soares e participou de um churrasco na laje da moradora Sueli Andrade. Aos jornalistas, disse que a falta de condições mínimas de saneamento é um grave problema nas cidades brasileiras. Lá, como em muitos outros lugares, se vê esgoto a céu aberto, rua sem calçamento... "Nós temos de transformar essas comunidades em bairros com rede de esgoto, escolas. É preciso menos propaganda e tirar mais coisas do papel”, comentou.

Em sua gestão no estado de São Paulo, Serra implantou um dos maiores programas de saneamento do Brasil, o Vida Nova, que vai expandir para todo o país quando eleito. O programa prevê a mobilização de estados e municípios para urbanização de favelas, expansão da infra-estrutura urbana para as comunidades de baixa renda, construção de conjuntos habitacionais de qualidade, implantação e melhoria de sistemas de esgotos sanitários e de abastecimento de água, além da implantação de parques e áreas de lazer.

Além da expansão do saneamento, Serra reafirmou sua intenção de melhorar os serviços de Saúde que atendem as comunidades carentes, com a abertura de Ambulatórios Médicos de Especialidades (AMEs) em todo o país, bem como a criação de Escolas Técnicas voltadas para a formação de profissionais da saúde.

Pé de Bola - Moreira da Silva

Como a sisudez deu lugar ao sorriso

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Da simbiose com Lula à revolução estética, tudo foi planejado para suavizar a feição da candidata que vai estrear no horário eleitoral gratuito

De ministra da Casa Civil desconhecida, Dilma passou a ser vista pelas classes mais pobres como mulher "guerreira", que ajudou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a comandar os principais projetos do governo. É com esse figurino que ela vai se apresentar na estreia do programa eleitoral de TV, no próximo dia 17.

A transição da ex-guerrilheira para a candidata "guerreira" jogou por terra o ideário da esquerda xiita. Para encarnar "a grande transformação" - termo com o qual foi batizado o radical programa de governo aprovado pelo PT, em fevereiro -, Dilma foi submetida a longo treinamento, que inclui a milenar arte marcial japonesa, conhecida como aikidô.

Na prática, a imagem de herdeira do espólio lulista começou a ser moldada há cerca de três anos, nos bastidores do Palácio do Planalto. Da simbiose com Lula à revolução estética, tudo foi planejado para suavizar a feição da caloura na cena política. De burocrata no gabinete, Dilma assumiu o posto de "mãe" do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e passou a subir em palanques. A sisudez deu lugar ao sorriso e o antigo penteado foi substituído por um clássico "a la Carolina Herrera".

Na largada da campanha, porém, uma sucessão de tropeços preocupou o comitê central e atiçou a oposição. Ao visitar Minas e Ceará, Dilma causou mal-estar entre aliados do PMDB e do PSB que digladiavam com o PT para compor os palanques. Atirou no adversário José Serra (PSDB) que, àquela altura, elogiava Lula. E, para completar, uma polêmica envolvendo o tamanho do Estado deu margem a interpretações sobre guinada à esquerda num eventual governo Dilma.

Pesquisas encomendadas pelo marqueteiro João Santana - o mesmo que fez a campanha da reeleição de Lula, em 2006 - indicaram a necessidade da correção de rota. Dilma recebeu, então, a incumbência de viajar a Nova York, ao lado do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci - fiador da política econômica no primeiro mandato - para prestigiar o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Foi ali que, no dia 20 de maio, Meirelles recebeu uma homenagem da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos.

"Ou você escreve uma Carta ao Povo Brasileiro ou vai à homenagem a Meirelles", disse à candidata um dos principais coordenadores de sua campanha, numa referência ao documento que Lula divulgou na corrida eleitoral de 2002, comprometendo-se a manter o ajuste fiscal para acalmar o mercado.

Dilma, que em 2005 chamara o programa fiscal de Palocci de "rudimentar", cedeu. Da ala desenvolvimentista do governo, que atacava os juros altos, ela vestiu a camisa da ortodoxia econômica. Depois do afago a Meirelles, a equipe do PT ainda filmou seu encontro com investidores, também em Nova York, para exibir na propaganda eletrônica.

O resultado das sondagens que mostravam ser necessário empreender mudanças na campanha foi entregue a Lula por Santana no início de maio, antes dessa viagem. Ao saber do diagnóstico, o próprio presidente apresentou a Dilma a "teoria do copo d"água". A "técnica" consiste em tomar um copo d"água ao primeiro sintoma de explosão.

"Você não pode ser igual ao Ciro", recomendou Lula, numa alusão à língua afiada do deputado Ciro Gomes (PSB-CE). Preocupado, o presidente conversou sobre o assunto com o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, e com seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho. A decisão foi a de que Dilma tinha de se tornar uma candidata "leve", como leves eram os quatro capitães de sua campanha: o presidente do PT, José Eduardo Dutra; os deputados Palocci e José Eduardo Cardozo e o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel.

"Dilma, vejo que você está muito confiante. Mas cuidado!", advertiu Lula, segundo relato de testemunhas da conversa. "Os jornalistas vão querer tirar você do sério, mas, quando fizerem perguntas, por mais cabeludas que sejam, não interrompa. Sorria! Se você ficar irritada, pare e tome um copo d"água. Eu sei como é isso."

Diante de uma candidata ainda atarantada com os conselhos, Lula prosseguiu: "Não adianta ter conteúdo e pavio curto. Tem de ser leve." Tarimbado, Santana transformou os comentários de Lula em estratégia.

"Guerreira". Em 2006, quando assinou a campanha da reeleição do presidente, o marqueteiro monitorou a intenção de voto e os humores dos brasileiros em 53,9 mil entrevistas quantitativas e 7.392 qualitativas, todo santo dia, durante dois meses e meio. De caráter subjetivo, as chamadas "quali" medem as impressões do eleitor. Foi uma dessas "quali", apresentada ao comando do PT no último dia 10, que mostrou como a imagem de "guerreira" começa a grudar em Dilma. A luta da ex-ministra para combater o câncer no sistema linfático, detectado em abril do ano passado, contribuiu para formar, no imaginário da população, o perfil da mulher corajosa, que enfrenta qualquer obstáculo.

Uma interrogação, porém, ainda desafia o comando da campanha petista. Novas pesquisas revelaram que persiste a dúvida, na cabeça do eleitor, sobre a capacidade de Dilma em dar continuidade ao projeto de Lula.

É justamente esse receio que a equipe do PT tentará eliminar na atual temporada. A estratégia será a de associar a ex-chefe da Casa Civil, que também foi ministra das Minas e Energia, ao comando de programas sociais bem avaliados, como o Bolsa-Família, Luz para Todos e Minha Casa, Minha Vida.

"Ela foi a alma do governo Lula", resume o ex-seminarista Gilberto Carvalho, hoje encarregado de aproximar a candidata da Igreja Católica.

O semblante duro de Dilma foi suavizado pelas mãos do cabeleireiro Celso Kamura, que cortou suas madeixas, pintou-as de castanho e fez "luzes" para iluminar o rosto. A sobrancelha arqueada, que conferia a ela um olhar austero, também foi desbastada na parte de cima. Os movimentos tornaram-se mais soltos com o treino da consultora de imagem Olga Curado, a faixa preta de aikidô que ainda dá palpites sobre estilo e cor de roupa.

"Ela tinha um visual antigo, que não combinava com o seu perfil. Não era fotogênica: usava maquiagem pesada e estava com o cabelo horrendo", conta Kamura, escalado por Santana, que conhecia seu trabalho desde a campanha da ex-prefeita Marta Suplicy, em 2008.

No final daquele ano, Dilma - que já havia trocado os pesados óculos por lentes de contato - fez uma cirurgia plástica no rosto. Quatro meses depois, no entanto, em abril de 2009, ela descobriu o câncer e teve de se submeter a sessões de quimioterapia. Usou peruca durante sete meses.

Kamura, agora, sonha em repaginar novamente o visual de Dilma, se ela ganhar a eleição. Vai ser difícil convencê-la. "Acho que ela ficaria muito bem com o cabelo todo branco, igual a Meryl Streep no filme O Diabo Veste Prada, observa. A editora carrasca representada por Streep, porém, é tudo o que o PT quer ver longe de Dilma.

Para o comitê petista, a fama de mandachuva durona que marcou a passagem de Dilma pelo governo precisa ser arquivada. Na campanha, a dona de temperamento forte que distribuía broncas na Esplanada será substituída pela "mãe" do PAC e mulher que "cuida" dos pobres. É mais uma fórmula para atrair a simpatia do público feminino, faixa do eleitorado em que o desempenho da candidata ainda está aquém da expectativa. A tática ganhará reforço no horário gratuito, mostrando que ela, agora, está prestes a ser avó.

Dilma não é adepta do aikidô, mas ouve com interesse sua consultora de imagem citar o "princípio de absorção" do movimento dos atacantes para controlar as emoções. E, sempre que pode, refugia-se em músicas clássicas. Ama a Cavalgada das Valkírias , da tetralogia de Wagner, e a 5.ª Sinfonia, de Beethoven. Nas viagens domésticas, em jatinhos alugados pelo PT, treina a impostação de voz acima das nuvens e canta no avião.

Os exercícios de autocontrole de Dilma têm dado resultado. Desde junho não há mais testemunhos de que ela tenha perdido a calma em público. Uma das últimas vezes foi em novembro, quando se irritou com uma jornalista. "Minha filha, você está confundindo blecaute com apagão", esbravejou a candidata. Levou um pito de Lula. Agora, exercita a leveza do ser. Mesmo que, antes, tenha de tomar um copo d"água.

Campanha na fase decisiva

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

João Bosco Rabello

As campanhas de José Serra e Dilma Rousseff mantêm o diagnóstico de que os últimos resultados ainda podem ser alterados pelos programas de televisão que começam depois de amanhã.

Como os números, pela primeira vez, alinham os principais institutos de opinião, o quadro justifica a preocupação do PSDB , assim como a euforia que o PT se esforça para reduzir a um otimismo justificado.

"A ordem é andar de mocassim", diz um dirigente petista, numa advertência contra o "salto alto". "Agora é que começa a fase do chamado contágio eleitoral", concorda o senador Jarbas Vasconcelos, candidato em Pernambuco, surpreso não com a dianteira de seu adversário, Eduardo Campos, mas com a distância grande entre ambos.

O cálculo do PSDB sempre foi o de compensar a derrota certa no Nordeste com índices fortes na Regiões Sul e Sudeste, o que não ocorre. Nesse contexto, Minas simboliza a aflição dos tucanos, que projetaram um porcentual de até 40% para Serra no Estado.

O Datafolha remeteu os tucanos à eleição anterior, quando a vantagem de Lula sobre Alckmin na Bahia e em Pernambuco, de 4 milhões de votos, anulou a vantagem do PSDB em São Paulo e desequilibrou a conta nacional do partido.

O PSDB conta com a estabilidade de Marina Silva no patamar de 10%, como garantia do segundo turno. Mas, como no futebol, sabe que é temeroso depender da performance alheia.

Tira-teima

A pesquisa do Ibope/Estadão, a ser divulgada na terça-feira, quando começa o horário político na televisão, vai ser o tira-teima quanto à repercussão junto ao eleitorado da entrevista de José Serra no Jornal Nacional. O PSDB considera que a consulta do Datafolha não captou a participação de Serra na Globo, mas só a de Marina e Dilma, porque o período da consulta foi até quarta-feira e Serra foi entrevistado na quinta. Assim, o Datafolha teria repercutido o debate da Bandeirantes, com 5% de audiência, enquanto o Ibope vai repercutir o desempenho no Jornal Nacional, quando os candidatos falaram para 70 milhões de telespectadores.

"Mais democracia"

A aliança PT/PMDB ainda não decidiu se fará um ato público para lançamento da carta-compromisso de 13 itens, mas já a inseriram nos programas que vão ao ar a partir de terça-feira. O tópico "Mais Democracia", abrigará temas objetivos como Saúde, Educação, Política Externa, entre outros. A última reunião do grupo é amanhã, para acertar a divulgação.

A criatura...

Os primeiros programas do PT vão explorar a biografia de gestora de Dilma Rousseff, apresentando-a como a operadora por trás das realizações do governo Lula, como ministra de Minas e Energia e chefe da Casa Civil. Nesse aspecto, a ideia é apresentar a criatura que tem voo próprio e investir contra a imagem de "lulo-dependente", com a qual a oposição a rotula.

... e o criador

A preocupação é não deixar Lula ofuscar a candidata petista. Ele será apenas um âncora. O presidente do PT, José Eduardo Dutra, lembra que Márcio Lacerda (PSB), candidato à Prefeitura de Belo Horizonte, sofreu com o brilho de Aécio Neves e de Fernando Pimentel, seus principais cabos eleitorais: "O Lula é importante, mas tem de ficar claro que a estrela é a Dilma", enfatiza.

Roseana lavou dinheiro, indicam papéis

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Governadora teria simulado empréstimo de R$ 4,5 milhões no Banco Santos para resgatar US$ 1,5 milhão na Suíça; ela diz desconhecer o caso

Documentos que estão nos arquivos do Banco Santos indicam que a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB), e seu marido, Jorge Murad, simularam em 2004 um empréstimo de R$ 4,5 milhões para resgatar US$ 1,5 milhão que possuíam no exterior. Os papéis obtidos pelo Estado detalharam a operação, montada legalmente no Brasil com prazo de seis anos e que teria tido participação direta de Roseana. Os relatórios mostram, no entanto, que o empréstimo foi pago por meio de um banco suíço cinco dias após a liberação do dinheiro no Brasil. Assim, o Banco Santos - cujo dono era Edemar Cid Ferreira, amigo íntimo da família Sarney - teria servido só como ponte para Roseana e Murad usarem os dólares depositados lá fora. Por meio de advogado, a governadora e o marido disseram ignorar a operação.

Roseana simulou empréstimo para repatriar US$ 1,5 mi, indica relatório

Sucessão. Operação foi montada legalmente no País, com um prazo de seis anos, mas relatórios do Banco Santos obtidos pelo "Estado" mostram que o crédito foi pago por meio de um banco suíço cinco dias depois da liberação dos recursos no Brasil

BRASÍLIA - Documentos que estão nos arquivos do Banco Santos indicam que a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB), e seu marido, Jorge Murad, simularam um empréstimo de R$ 4,5 milhões para resgatar US$ 1,5 milhão que possuíam no exterior.

Os papéis obtidos pelo Estado - incluindo um relatório confidencial do banco - dão detalhes da operação, montada legalmente no Brasil, com um prazo de seis anos. Os relatórios mostram, no entanto, que o empréstimo foi pago por meio de um banco suíço cinco dias depois da liberação dos recursos no Brasil.

O dinheiro foi, segundo os documentos, investido na compra de participações acionárias em dois shoppings, um em São Luís e outro no Rio de Janeiro. O Banco Santos teria servido apenas como ponte para Roseana e Murad usarem os dólares depositados lá fora. É o que o mercado financeiro batiza de operação "back to back".

O acordo ocorreu em julho de 2004 entre a governadora, seu marido e Edemar Cid Ferreira, até então dono do Banco Santos, que quebrou quatro meses depois e passa por intervenção judicial até hoje. Afastado do banco, Edemar é íntimo da família Sarney. Foi padrinho de casamento de Roseana e Murad. Os documentos, obtidos pela reportagem com ex-diretores do Banco Santos, reforçam os indícios que a família Sarney sempre negou: que tem contas não declaradas no exterior.

Arquivo. De posse dos documentos, o Estado procurou em São Paulo o administrador judicial do Banco Santos, Vânio Aguiar, para se certificar de que os papéis estão nos arquivos oficiais da instituição bancária. Ele confirmou a veracidade dos documentos. "Eu não sabia da existência deles. Mandei levantar e confirmo a existência desses documentos que você me mostrou nos arquivos do banco", disse Aguiar ao Estado. "Foram encontrados na área de operações estruturadas."

Os papéis mostram que coube à então secretária de Edemar, Vera Lucia Rodrigues da Silva, informar o patrão do pagamento lá no exterior. "Dr. Edemar. A Esther/UBS confirmou hoje o crédito de 1.499.975,00, aguarda instruções. Vera Lucia", diz mensagem eletrônica enviada por ela às 11h56 do dia 3 de agosto de 2004.

A secretária Vera Lúcia refere-se a Esther Kanzig, diretora do banco suíço UBS em Zurique que, segundo ex-diretores do Banco Santos ouvidos pelo Estado, representava os suíços nas relações com Edemar Cid Ferreira. Edemar responde à secretária às 12h47 e mostra que essa era uma prática rotineira do banco: "Vera, proceder da mesma maneira que da vez anterior com a distribuição entre administradores qualificados. Grato, ECF." O Banco Santos não tinha autorização para atuar no exterior e, segundo as investigações sobre sua falência, Edemar usava offshores laranjas para receber recursos fora do Brasil.

Liberação imediata. A operação com a família Sarney começou no dia 29 de julho de 2004, quando Roseana e Murad assinaram o contrato de empréstimo de número 14.375-3, no valor de R$ 4,5 milhões, em nome da Bel-Sul Administração e Participações Ltda. Na época, a governadora detinha 77,9% da Bel-Sul e seu marido, 22,1%. O dinheiro foi liberado naquele mesmo dia e investido nos dois shoppings, no Rio e em São Luís.

De acordo com o contrato, a empresa deveria pagar ao Banco Santos em cinco parcelas até 27 de dezembro de 2010. Cinco dias depois da concessão do empréstimo, em 3 de agosto de 2004, a Bel-Sul, mostram os documentos, liberou US$ 1,5 milhão para Edemar Cid Ferreira por meio de uma conta no UBS.

O Estado teve acesso a um memorando interno, sob o timbre de "confidencial", elaborado um dia depois pelo departamento jurídico, que, conforme confirmou o administrador judicial, está nos arquivos do Banco Santos. O documento, apenas para consumo interno, foi endereçado a Edemar, Rodrigo Cid (filho) e Ricardo Ferreira (sobrinho).

Segundo o relatório, "em contrapartida à concessão do crédito no Brasil, a Bel-Sul efetuou o pré-pagamento ao grupo, no exterior, do montante equivalente ao crédito recebido". "No dia 3 de agosto foi confirmado o recebimento do montante equivalente no exterior", relata o documento. "Restando pendente apenas uma diferença de aproximadamente US$ 22.000 (vinte e dois mil dólares) a ser paga para o grupo, confirme liquidação a ser discutida entre ECF e Jorge Murad", diz o memorando, que tem o nome de R. Ferreira no protocolo e a rubrica de "Carol", com data de 5 de agosto de 2004. Carol era uma assessora jurídica do Banco Santos.

Acordo. O mesmo documento cita as parcelas que deveriam ser pagas no Brasil, mas faz uma ressalva: "O cronograma acima deverá ser observado pelo grupo na devolução à Bel-Sul, no Brasil, dos montantes lá indicados." Ou seja, indica que havia um acordo para Roseana e Murad quitarem o empréstimo, de forma que não criassem suspeitas no Banco Central, mas receberem de volta, de alguma maneira, os recursos de Edemar.

O Banco Santos, porém, quebrou meses depois e a Bel-Sul, sob o olhar do Banco Central, teve de cumprir sua parte - quitou o empréstimo no dia 26 de fevereiro deste ano por meio de Transferência Eletrônica Disponível (TED). Não se sabe, porém, se Edemar, afastado do banco, devolveu dinheiro à família Sarney.

Para voltar ao governo de Alagoas, Collor cola imagem a Lula e Dilma

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Rejeitado pela classe média, senador aposta nos grotões, onde ainda é recebido como popstar

Bernardo Mello Franco
Enviado especial a Feira Grande (AL)

"Não se esqueçam deste nome: Dilma Rousseff presidenta, número 13 na cabeça! Obrigado, minha gente!"

Foi assim, misturando o velho bordão às novas alianças, que o senador Fernando Collor (PTB) encerrou comício para cerca de mil pessoas em Feira Grande (AL), a primeira de cinco cidades que visitaria na sexta-feira.

Ele quer voltar ao governo alagoano 21 anos após renunciar para concorrer ao Planalto. Para isso, tenta apagar o passado e colar sua imagem na do ex-desafeto Luiz Inácio Lula da Silva e em sua candidata.

"Lula vai encerrar o mandato como o melhor presidente que o Brasil já teve", disse a uma rádio, na quarta-feira. "Sou candidato do presidente Lula, da ministra Dilma e do governo federal."

Na versão de Collor, o petista teria adotado a cartilha que o levou ao poder. "Continuo na mesma posição, com as ideias que defendi em 1989", sustenta.

Como o PT alagoano está coligado ao PDT de Ronaldo Lessa, o Tribunal Regional Eleitoral proibiu o jingle "É Lula apoiando Collor, é Collor apoiando Dilma".

Ele mandou regravar o trecho com uma mensagem subliminar: "Não adianta, o povo sabe quem tá apoiando quem, o povo tá decidido e vai apoiar também".

Desde o início da campanha, Collor só anda com um adesivo de Dilma no peito direito. No esquerdo, exibia um broche com a imagem de Nossa Senhora Aparecida.

O resto do figurino lembrava os tempos da Presidência: Rolex de ouro, calça Ralph Lauren, camisa Tommy Hilfiger e tênis Nike para percorrer as ruas de barro de mãos dadas com Caroline, 28 anos mais nova.

Rejeitado pela classe média de Maceió, o senador aposta nos grotões, onde ainda é recebido como popstar. Em Feira Grande, o povo se acotovelou num campo de futebol para assistir à sua chegada, de helicóptero.

Desembarcou de punhos cerrados e desceu em disparada para a praça, seguido por populares. Militantes pagas pelo prefeito Fabinho do Chico da Granja (PTB) agitavam bandeiras por R$ 20.

Collor discursou na escadaria da igreja. Em 21 minutos, prometeu escola, asfalto, merenda, ambulância e lares para idosos. Atacou "a ladroagem e a sem-vergonhice" e ameaçou esmagar bandidos "que atormentam a família alagoana" com "o peso da minha munheca".

A seu lado, a ex-prefeita de Arapiraca (AL) Célia Rocha definiu o governo estadual como "primeiro passo" para voltar ao Planalto.

Ele não nega o plano. "Depende das circunstâncias e do destino que Deus reserva", disse, dois dias antes.

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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A vida bate :: Ferreira Gullar

Não se trata do poema e sim do homem
e sua vida
- a mentida, a ferida, a consentida
vida já ganha e já perdida e ganha
outra vez.
Não se trata do poema e sim da fome
de vida,
o sôfrego pulsar entre constelações
e embrulhos, entre engulhos.
Alguns viajam, vão
a Nova York, a Santiago
do Chile. Outros ficam
mesmo na Rua da Alfândega, detrás
de balcões e de guichês.
Todos te buscam, facho
de vida, escuro e claro,
que é mais que a água na grama
que o banho no mar, que o beijo
na boca, mais
que a paixão na cama.
Todos te buscam e só alguns te acham. Alguns
te acham e te perdem.
Outros te acham e não te reconhecem
e há os que se perdem por te achar,
ó desatino
ó verdade, ó fome
de vida!

O amor é difícil
mas pode luzir em qualquer ponto da cidade.
E estamos na cidade
sob as nuvens e entre as águas azuis.
A cidade. Vista do alto
ela é fabril e imaginária, se entrega inteira
como se estivesse pronta.
Vista do alto,
com seus bairros e ruas e avenidas, a cidade
é o refúgio do homem, pertence a todos e a ninguém.
Mas vista
de perto,
revela o seu túrbido presente, sua
carnadura de pânico: as
pessoas que vão e vêm
que entram e saem, que passam
sem rir, sem falar, entre apitos e gases. Ah, o escuro
sangue urbano
movido a juros.
São pessoas que passam sem falar
e estão cheias de vozes
e ruínas . És Antônio?
És Francisco? És Mariana?
Onde escondeste o verde
clarão dos dias? Onde
escondeste a vida
que em teu olhar se apaga mal se acende?
E passamos
carregados de flores sufocadas.
Mas, dentro, no coração,
eu sei,
a vida bate. Subterraneamente,
a vida bate.

Em Caracas, no Harlem, em Nova Delhi,
sob as penas da lei,
em teu pulso,
a vida bate.
E é essa clandestina esperança
misturada ao sal do mar
que me sustenta
esta tarde
debruçado à janela de meu quarto em Ipanema
na América Latina.