segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O Regresso:: Luiz Werneck Vianna

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Com suas ruas emudecidas, a sociedade prepara-se para revisitar o nosso abominável mundo velho

Não está fácil compreender o que anda se passando. Se em 2002, após a vitória eleitoral de Lula, houve quem a recebesse como uma queda da Bastilha, o que era um exagero, perdoável em jovens militantes intelectuais do PT, se vier mais uma vitória agora em 2010, qualquer tentativa de interpretá-la em chave grandiloquente é puro disparate. Nada vai cair, ao contrário, tudo que aí está vai se consolidar e mesmo se aprofundar. Não há paixões soltas nas ruas e nem debates acalorados entre os principais candidatos à sucessão presidencial que desfilam, em tom monocórdico, na TV e nas emissoras radiofônicas seus pontos programáticos em matérias de educação, saúde e segurança, obedientes à pauta que lhes empurram os seus especialistas em marketing eleitoral. Os dois principais candidatos oposicionistas sequer sugerem uma ameaça efetiva às linhas principais do governo e têm declarado em alto e bom som que serão, no fundamental, contínuos a elas.

Tudo isso, mais o fato de tanto Serra como Dilma serem personagens avessos a histrionismos carismáticos, com perfis políticos forjados em temas técnicos da economia e da administração pública, seriam indicações de que há algo de impostado nas manifestações exaltadas das hostes situacionistas, especialmente do presidente de honra do PT e da República, como se esta sucessão importasse um confronto dramático entre duas concepções do mundo. E a partir de considerações desse tipo, a análise chega ao território das coisas indemonstráveis, porque não se pode deixar de cogitar que é Lula, e não Dilma, o candidato às próximas sucessões, agora em 2010, por interposta pessoa, e nas vindouras em carne e osso. E se assim for, o cenário real em que se deve travar a disputa eleitoral não pode ser o do trinômio saúde, educação e segurança, nem o da questão social em geral. Sob esse véu das promessas compadecidas, o que rolaria, de verdade, seria um projeto de poder e de acumulação de mais poder.

A hipótese, vista ao lado de uma série de outros indicadores, não é para ser negligenciada, especialmente quando se considera, no caso de vitória de Dilma, a possibilidade de uma convocação de uma assembleia constituinte, mesmo que de poderes limitados para fins de reformas pontuais, como a tributária e a política. Não se põe de volta ao tubo a pasta de dentes que se extraiu dele. Na eventualidade, toda a obra da Carta de 1988 estará sob risco, em particular o regime de freios e contrapesos que ela criou para impedir a tirania de maiorias eventuais, e sabe-se lá qual modelo de democracia participativa vingaria com a vida associativa, inclusive os sindicatos, vinculada como está às agências estatais.

A ficar com as imagens da Revolução Francesa, são as do 18 Brumário de que estamos mais próximos, quando a nação francesa ao invés de seguir em frente com sua experiência republicana, temerosa dos setores populares, fez a opção de se voltar para o seu passado, retomando, em uma sociedade já prosaicamente burguesa, o mito napoleônico. Aqui, ao que parece, teríamos também um encontro marcado com o nosso passado, com a ressurgência do mito de Vargas, embora, é claro, estejamos em uma cena já esvaziada da carga dramática das lutas anti-imperialistas dos anos 1950 e diligentemente empenhados no aprofundamento da experiência capitalista brasileira sem os obstáculos, externos e internos, que Vargas conheceu e que levaram ao desfecho trágico do seu governo. Melancolicamente, esse "revival" do varguismo não se esquece de recordar o papel de pai dos pobres que lhe colou em sua campanha presidencial largamente vitoriosa; Vargas que, em suas últimas palavras, conclamava a mobilização popular em defesa do seu legado.

Mas por que essa viagem de volta na história, se há e havia um caminho promissor rumo ao futuro, na esteira do movimento de emergência popular, que, com inícios na resistência ao regime autoritário, se espraiou nas décadas seguintes com a conquista da Constituinte, no impeachment de Collor, e na vitória do PT na sucessão de 2002? Por que se retornou ao anacrônico dilema, opondo a democracia formal à substantiva, que grassa em surdina em certos círculos do poder? As respostas podem ser muitas, mas qualquer delas será falsa se não admitir que o princípio em vigência é o de acumular poder pelo poder. E para quem está à testa do Estado, em especial com as tradições de estadofilia que nos caracterizam, por que não fazer dele o centro estratégico da sua política?

Retorna-se, então, e agora com um mito vivo, ao modelo da modernização, aos seus ícones intelectuais e ao tema do nacional-desenvolvimentismo. Como no Império, findo o tempo em que a sociedade, no período regencial, ganhou alguma autonomia diante do seu aparato burocrático, podemos constatar que o Regresso, assim em maiúsculas, como se dizia em meados do século XIX, abre caminho, restaurando a majestade do Estado. A sociedade regride ao aceitar passivamente a verticalização a que estão sujeitas as questões que lhe dizem respeito, abdica do moderno, da autonomia de suas organizações, e até parece indiferente ao fato de as oligarquias tradicionais mais recessivas e cúpidas estarem instaladas nos postos de mando. Pachorrentamente, docemente resignada, com suas ruas emudecidas, a sociedade se prepara para revisitar o nosso abominável mundo velho.


Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador do Iesp-Uerj. Ex-presidente da Anpocs, integra seu conselho institucional. Escreve às segundas-feiras

PT Fisco :: Ricardo Noblat

DEU EM O GLOBO

"Precisamos abrir mais a campanha. Do jeito que está não dá mais"

(Fernando Henrique Cardoso, reclamando de Serra)


A senha para decifrar a história da violação do sigilo fiscal de Eduardo Jorge, vice-presidente do PSDB, e de mais três pessoas ligadas ao partido pode estar no livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr., que, segundo ele mesmo, detonaria as pretensões de José Serra de se eleger presidente da República. E cadê o livro? Sumiu. O gato comeu.

Em maio último, quando a revista Veja publicou que setores da campanha de Dilma Rousseff haviam montado um dossiê contra Serra e outros tucanos emplumados, o PT se apressou em dizer que não havia dossiê algum. O que a Veja chamara de dossiê seria um livro inacabado de Amaury com o título provisório de Porões da Privataria.

A reportagem da Veja provocou a demissão do jornalista Luiz Lanzetta, responsável pela assessoria de imprensa da campanha. Juntamente com Amaury, ele procurara em Brasília o ex-delegado da Polícia Federal Onézimo Sousa para lhe propor que espionasse Serra e alguns membros da própria campanha de Dilma.

Foi o que confirmou Onézimo em depoimento no Congresso. Lanzettanega. Blogs simpáticos ao PT e a Dilma anunciaram então que o livro de Amaury acabaria divulgado na internet a cada semana, um capítulo. Mas até aqui só foi divulgada a apresentação do livro que irá descrever os porões da privatização na era FHC.

Entre as figuras de destaque na narrativa de Amaury estão o ex-tesoureiro de campanhas de Serra e de Fernando Henrique, Ricardo Sérgio de Oliveira, e mais Verônica, Alexandre Bourgeois e Gregório Marin Preciado, respectivamente filha, genro e primo de Serra. Todos eles teriam se envolvido com negócios suspeitos.

Sabe-se agora que Ricardo Sérgio e Gregório Marin, além de Eduardo Jorge e Mendonça de Barros, o exministro do governo FHC encarregado das privatizações, fazem parte da lista de 140 pessoas cujos sigilos fiscais foram violados em outubro do ano passado na delegacia da Receita em Mauá, no ABC paulista.

O PT controla o sindicato dos auditores da Receita desde o final dos anos 90. Com a eleição de Lula em 2002, tentou emplacar um dos seus simpatizantes, Deomar Moraes, na época chefe do serviço de inteligência da Receita, no poderoso cargo de secretário da Receita, até então ocupado pelo economista Everardo Maciel, ligado ao ex-PFL.

Foi Antonio Palocci, antes mesmo de tomar posse como ministro da Fazenda, que não deixou. Deomar escreveu uma carta agradecendo o apoio do sindicato. Everardo foi substituído por Jorge Rachid, um dos quatro secretários adjuntos. Mal sentou na cadeira, Rachid passou a ser alvo de ataques do que é conhecido na Receita como o PT Fisco.

Suportou seis meses de intenso tiroteio. Por fim, ganhou a confiança de Lula. Mas perdeu o lugar depois que Guido Mantega sucedeu a Palocci no ministério. Lina Vieira, a nova secretária da Receita, foi indicada por Nelson Machado, fundador do PT, fiscal do estado de São Paulo e atual secretárioexecutivo do Ministério da Fazenda.

Lina escancarou as portas da Receita para o PT Fisco. Presenteou-o com todos os cargos de chefia. Mas durou pouco. Foi vítima do mau desempenho de sua equipe e da crise econômica que provocou a queda da arrecadação. Saiu atirando em Dilma, a quem acusou de ter intercedido em favor da família Sarney, investigada pela Receita.

Otacílio Cartaxo, o atual secretário da Receita, é um técnico sem alinhamento partidário. Por ordem superior, admitiu a gravidade do episódio de Mauá e se disse perplexo. Não esperem, porém, que ele vá além disso. Antes de tudo, Cartaxo preza a própria carreira e detesta entrar em bola dividida.

No que depender governo, pois, jamais se saberá se o MauáGate serviu em parte para engordar o dossiê do PT contra Serra ou o inédito livro de Amaury. Assim como jamais se desvendou o caso dos aloprados que em 2006 montaram o primeiro dossiê contra Serra. São histórias que terminaram sem nunca ter chegado ao fim.

É de não acreditar :: Paulo Brossard

DEU NA ZERO HORA

Faz algum tempo, importante jornal paulista divulgou a ocorrência da violação do sigilo fiscal de pessoas próximas a um dos candidatos à Presidência da República e de ex-presidente da República e, como se isso não bastasse, a Receita Federal haver calado em todas as línguas, como se o silêncio não fosse pior do que o esclarecimento integral do caso. Como a Constituição, no inciso XII, do seu artigo 5º, assegura entre os direitos e garantias fundamentais, a brasileiros e estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade de dados pessoais, ampliando desse modo direitos e garantias historicamente consagrados entre nós, dei-me pressa a comentar o fato, tanto mais quando ele estava no centro de um dos serviços de maior responsabilidade da administração, com acesso praticamente ilimitado sobre os dados de todo mundo e mais alguém.

Ora, jornais da semana passada, em sua primeira página, com o relevo ajustado à relevância do noticiado, acrescentavam que a Receita vinha blindando funcionários que, comprovadamente, haviam tido acesso ao violado sigilo fiscal. Tudo que se disser a respeito da gravidade do caso será pouco, não só porque pessoas tiveram seus direitos constitucionais violados, como o fato de a Constituição da República para a mais alta administração parecer valer menos que uma portaria. Se a cúpula administrativa do país não tem nenhum respeito por pessoas de presumida idoneidade, que se poderá imaginar em relação ao comum dos mortais. Aliás, diz a sabedoria popular que cesteiro que faz cesto faz um cento, de modo que o mal do fato difundido recaia sobre o próprio serviço e seja ilimitado. E a cobertura dispensada, segundo a própria notícia, aos até agora identificados como envolvidos, fere em cheio o próprio serviço. Desnecessário lembrar que o Código Penal, entre os crimes que elenca, não se esqueceu de arrolar o de violação de sigilo funcional. Diante dos fatos narrados com tamanha publicidade, parece sobrarem motivos para a ação saneadora do Ministério Público.

Viro a página para ocupar-me de outro assunto, que também me parece expressivo, ainda que, como o anterior, revelador do que pode parecer uma deformação do que se supõe seja ou deva ser a administração pública. Segundo notícias correntes, o sindicato dos professores públicos do Estado teria convidado candidatos ao governo do Rio Grande para uma entrevista ou apreciação acerca do ensino público esquecendo a governadora do Estado, que, é notório, é candidata à reeleição. Ora, há pessoas que aplaudem a governadora gaúcha, há pessoas que lhe são indiferentes, como há as que lhe são antipáticas e até hostis. E isto se pode dizer que se aplica a qualquer autoridade, por melhor que seja, ou por pior que pareça ser. E suponho essa variedade de opiniões a respeito de governantes não começou agora, nem vai terminar tão cedo, se é que possa esgotar-se em algum dia. Mas o que me parece pouco civil, ou pouco educado, uma vez que se trata do mundo do ensino e da educação que é mais ampla que aquele, é excluir a pessoa de uma candidata exatamente a que hoje é a governadora e que pretende voltar a ser. Será que existe tamanha inimizade entre o magistério estadual e a governadora, a ponto de caracterizar aquilo que as leis denominam de inimizade capital a contrastar com a amizade íntima? Se isto ocorrer, o que admito tão só para argumentar, seria o caso de dizer que mal vai o setor, que é dos mais relevantes no presente e no futuro de mais de uma geração.

Outrossim, não me parece que um sindicato ou que outro nome tenha possa posicionar-se com tamanho simplismo ou radicalismo ou personalismo. E se esses sentimentos medram a ponto de dominar e impor uma fisionomia a um setor da administração, exatamente o voltado à educação, não será temerário supor que ele mais se aproxime ou identifique com a antieducação do que com a educação que liberta, redime, eleva heróis e modelos, na postura cívica e pessoal, na família e na sociedade, no presente e no futuro. Ou teremos chegado a tamanho desconserto mental, sentimental ou humano que o veto oposto seja natural e apropriado?


*Jurista, ministro aposentado do STF

A igualdade não é uma bala de prata :: José Graziano da Silva

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Um governo comprometido com a justiça social garante, ao menos, um ponto de partida igual para todos

Diferente da esfera política - onde a democracia requer, de saída, a equivalência consagrada no binômio a cada cidadão um voto - na esfera econômica o pleito da igualdade dissolve-se em utopia se não for materializado em metas de avanços progressivos. Não existe bala de prata nesse caminho.

O rumo de um governo comprometido com a justiça social consiste em perseguir, permanentemente, o ideal republicano de garantir, ao menos, um ponto de partida igual para todos. No entanto, a igualdade não pode ser tomada como um fetiche de boa sociedade. Comunidades mais pobres e primitivas se mostravam menos desiguais que as modernas economias do nosso tempo. É discutível, porém, que aquele padrão de vida fosse preferível ao atual. O legado da história nos deixa uma opção: avançar e corrigir.

No Brasil, o desafio hoje é assegurar às pessoas mais pobres direitos e acessos que permitam ascender a um padrão de vida mais digno. Ainda que isso esteja distante da "igualdade absoluta", diferentes pesquisas são unânimes em mostrar a importância dos ganhos obtidos nesse percurso até agora.

Em países em desenvolvimento como o Brasil é imperativo crescer para poder gerar empregos; e os empregos formais representam hoje a primeira aproximação indispensável de um Estado de Bem-Estar Social. Mais de 13 milhões brasileiros ingressaram no mercado de trabalho formal entre 2003 e 2010, um aumento de quase 50% segundo levantamentos da Caged/Ministério do Trabalho.

Reverter a engrenagem da exclusão acentuada nos anos 80 e 90 é outro requisito incontornável. Dados da PNAD constatam forte redução da pobreza. A proporção de brasileiros com renda mensal per capita inferior a meio salário mínimo caiu de 43% da população em 2003 para 29% em 2008. Em números absolutos, mais de 24 milhões de pessoas superaram a pobreza no período.

A classe media também aumentou. De 43% da população em 2003 passou a 54% em 2009, de acordo com a FGV. A desnutrição infantil em crianças menores de cinco anos foi reduzida de 13% para 5%, entre 2003 e 2008, segundo o Ministério da Saúde.

O primeiro Objetivo de Desenvolvimento do Milênio, de reduzir à metade a fome e a pobreza extrema até 2015, já foi alcançado e consagrou algumas ferramentas de política social enfeixadas no guarda-chuva do Fome Zero. Voltadas para a promoção da segurança alimentar, incluem ações que vão do Bolsa Família à agricultura familiar e que se tornaram uma referência para iniciativas semelhantes em diversos países em desenvolvimento.

Essas são evidencias de uma estratégia bem sucedida de reconciliação do crescimento com justiça social, o que, como sabemos, não decorre de automatismos de mercado, exigindo políticas de Estado para vingar.

O Brasil cresceu em média 3,6% desde 2003 (apesar do resultado negativo de 0,2% em 2009, decorrente da crise internacional). Ao contrário dos ciclos anteriores de expansão, desta vez a "divisão do bolo" ocorreu simultaneamente aos avanços do PIB. Podemos dizer que finalmente experimentamos o gosto de um ciclo de forte crescimento econômico com desenvolvimento social. E parece que os brasileiros gostaram dessa mistura, a julgar pelo grande respaldo da opinião pública ao Governo e a figura do presidente da República ainda que em final de mandato.

No entanto, nem tudo são flores. Em seu relatório regional, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) destaca a contribuição de programas de transferência condicionada de renda ao combate à pobreza e à fome, mas também nota que a desigualdade continua muito alta no Brasil, assim como em toda a América Latina e Caribe, considerada a região mais desigual do planeta.

A elevada desigualdade brasileira decorre da má distribuição dos ativos que permitem gerar rendas, especialmente capital e terra. Se quisermos diminuir o fosso que hoje separa os ricos dos pobres e promover uma distribuição mais justa da renda temos que mudar as condições de acesso e usufruto a esses ativos.

O Brasil tem progredido no equacionamento da questão agrária, de modo especial no apoio à agricultura familiar. Também tem obtido sucesso em melhorar o acesso dos filhos dos mais pobres à educação e saúde, o que se espera possa ter um impacto futuro na distribuição da renda (infelizmente só na próxima geração).

Mas há que se reconhecer que ainda é preciso avançar muito no principal instrumento que permitirá uma melhoria imediata sobre a distribuição dos fluxos de renda: uma reforma tributária que aumente a progressividade dos tributos e reforce laços de solidariedade tratando de forma desigual aos desiguais.

Hoje fazemos o inverso: abstraindo os sonegadores, todos brasileiros pagam os mesmos impostos sobre bens de consumo e isso penaliza os mais pobres. Cálculos do professor Amir Khair, um dos maiores especialistas na matéria, mostram que quem ganha até dois salários mínimos no Brasil paga 49% em tributos e os que ganham acima de 30 apenas 26%.

A isenção de impostos sobre produtos da cesta básica e a redução do IPI para materiais de construção e outros bens de consumo popular - decisões tomadas pelo governo Lula no auge da crise mundial e que podem ser emuladas no ICMS dos estados - sinalizam um caminho a ser institucionalizado. Como observa Khair em artigo recente, "a desoneração gera aumento do poder aquisitivo, com elevação do consumo reprimido de outros produtos, compensando a perda aparente de arrecadação".

Khair também chama a atenção para a necessidade de elevar alíquota do imposto sobre heranças, tributada com alíquota de 4%, inferior ao cobrado internacionalmente, que pode superar em alguns países a 50%. O imposto sobre herança é outro debate a ser retomado se quisermos agir sobre as estruturas que reproduzem a desigualdade e permitir que as novas gerações nasçam num berço menos desigual.

E não vamos nos esquecer que o Brasil não tem imposto equivalente ao IPTU para a propriedade rural, permitindo que os grandes detentores de patrimônios rurais, em alguns casos formados por milhares de hectares, continuem sem pagar impostos.

Deter a concentração de terra e promover o acesso mais equilibrado a ativos, não apenas terra, mas também infraestrutura, financiamento e capacitação técnica, é outro degrau básico de aproximação do Estado de Bem Estar Social.

Também falta um conjunto de leis que regule a relação entre a agroindústria e os fornecedores, como já existe nos países desenvolvidos, para garantir a participação de autônomos e agricultores familiares nas cadeias produtivas.

Ações como essas ajudam a consolidar, como aconteceu com a inclusão do direito à alimentação na Constituição, os avanços conquistados nos últimos anos para evitar retrocessos. Esses são os desafios do novo ciclo, para que o Brasil continue avançando no rumo de uma sociedade mais igualitária.


José Graziano da Silva é representante regional da FAO para America Latina e Caribe

Opinião - Nara Leão

Serra: petista já senta na cadeira

DEU EM O GLOBO

O candidato do PSDB, José Serra, disse que Dilma Rousseff está "sentando na cadeira" antes da hora ao dizer que estenderá a mão aos concorrentes, se eleita: "Pareceu uma atitude pouco respeitosa com os eleitores." Dilma, por sua vez, desautorizou disputa de cargos entre aliados em seu eventual governo.

Serra: Dilma "senta na cadeira" antes da hora

Para tucano, adversária está desrespeitando eleitores ao dar eleição como decidida; Marina lamenta clima de "já ganhou"

Silvia Amorim

SÃO PAULO. O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, disse ontem que a adversária Dilma Rousseff, do PT, desrespeita os eleitores e está sentando na cadeira antes da hora ao dizer que vai estender a mão aos concorrentes, se eleita. O tucano reagiu à declaração feita anteontem pela petista de que vai abrir espaço aos concorrentes que quiserem colaborar com seu eventual governo.

Acho que essa declaração tem certa falta de respeito com as pessoas. É alguém sentando na cadeira a mais de um mês da eleição. Quem vai decidir quem vai sentar na cadeira é o povo.

Me pareceu atitude pouco respeitosa com os eleitores disse Serra, que considerou o discurso de Dilma precipitado.

Em entrevista no escritório político da sua campanha, em Brasília, Dilma falou no dia anterior que, após a eleição, poderia convidar os oponentes para ajudar a governar.

As pessoas que concorrem conosco têm de ser respeitadas.

Depois da eleição, a coisa muda de figura. A gente desarma o palanque e estende a mão para quem for pessoa de boa vontade e quiser partilhar desse processo de transformação.

Em 1985, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, então candidato a prefeito de São Paulo e líder nas pesquisas de intenção de voto, atendeu a um pedido dos fotógrafos e sentou na cadeira de prefeito antes da eleição. Ele acabou sendo derrotado por Jânio Quadros.

Ao comentar a afirmação da petista, a candidata do PV, Marina Silva, disse estar preocupada com o clima de já ganhou.

Me preocupa o clima de já ganhou antes do tempo, ou de entregar a toalha. Estou na disputa para ir ao segundo turno.

Não vi a declaração (de Dilma), mas acho um tanto quanto maternal afirmou.

Marina também criticou a discussão por cargos que aliados de Dilma já estariam promovendo.

O que avilta o debate político no Brasil e depois a formulação de uma base de sustentação baseada em programas é a discussão por cargos.

Para tentar garantir sua ida ao segundo turno, Serra fez um apelo ontem aos nordestinos que moram na capital paulista.

Ele visitou a Associação de Nordestinos do Estado de São Paulo e pediu aos presentes que escrevam cartas aos familiares recomendando voto no tucano.

Eu quero pedir o voto de vocês. Mandem cartas para suas famílias no Nordeste. Escrevam para lá falando dos projetos que faço. Isso é muito importante porque as pessoas lá, às vezes, não sabem das coisas.

Nada melhor para saber do que um familiar dizendo afirmou, reforçando: Tem gente aqui de Pernambuco, Bahia, Piauí, Rio Grande do Norte, Maranhão, Ceará. Vamos escrever.

A comunidade nordestina em São Paulo é estimada em dois milhões de pessoas. No Nordeste, Dilma tem o triplo dos votos de Serra (66% a 20%), segundo pesquisa Ibope contratada pelo jornal O Estado de S. Paulo e pela TV Globo, divulgada anteontem.

Virada eleitoral é o novo slogan dos tucanos Para cerca de 50 pessoas, Serra prometeu acesso a financiamento para casa própria, bolsa de qualificação profissional para desempregados e ampliar projetos de irrigação para combater a seca. A mulher de Serra, Monica, acompanhou o candidato na visita e, ao final, eles dançaram ao som de Luiz Gonzaga.

O discurso da virada eleitoral, que ganhou força nos últimos dias na campanha tucana, se transformou em slogan do site oficial de Serra ontem. Ao lado de uma foto do presidenciável e do vice, Indio da Costa, aparece a frase É a hora da virada. Mais abaixo, a campanha pede aos internautas depoimentos sobre por que o Brasil pode mais com Serra.

Desde sexta-feira, o site estava fora do ar, e só foi restabelecido ontem. Segundo a campanha, ainda não se sabe a causa da pane. Não se descarta a hipótese de invasão de hackers.

Colaborou: Marcelle Ribeiro

Dilma já prepara nova reforma da Previdência

DEU EM O GLOBO

Caso seja eleita, a candidata do PT, Dilma Rousseff, deverá apresentar ao Congresso uma proposta de nova reforma da Previdência. Ela já negou anteriormente, mas o projeto está sendo elaborado na Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Para reduzir o custo político, as mudanças só valeriam para os novos, trabalhadores da iniciativa privada e do setor público, e sem regras de transição para quem está no mercado. A idade mínima de aposentadoria aumentaria.

A reforma de Dilma

Governo já prepara plano de mudança da Previdência que petista apresentará se for eleita

Geralda Doca


BRASÍLIA - De forma reservada, a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, comandada por Nelson Barbosa, trabalha em uma nova proposta de reforma da Previdência, a ser apresentada ao Congresso pela candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, caso ela seja eleita. Barbosa é o principal interlocutor de Dilma na área econômica, e cotado para assumir o Ministério da Fazenda em caso de vitória petista. Para apressar o processo de aprovação e reduzir o custo político, as mudanças na Previdência só valeriam para os novos trabalhadores, tanto os da iniciativa privada (INSS) como os do setor público.

Pelos estudos em curso, não haveria regras de transição para quem já está no mercado, porque elas tornariam o novo modelo mais complicado e ele enfrentaria forte resistência no Congresso e entre os sindicatos, como já ocorreu em outras tentativas. Ou seja, não se pretenderia mais o grande desgaste de tentar mexer nos direitos adquiridos dos trabalhadores. Em mais de uma oportunidade, Dilma negou a intenção de reformar a Previdência, justamente pelo receio desse desgaste.

Por isso, uma das hipóteses é fazer um corte no tempo, de forma a incluir no novo regime de aposentadoria quem nasceu a partir de 1990 (hoje, com 20 anos, a pessoa está, em tese, entrando no mercado de trabalho), tanto no setor privado quanto no funcionalismo. Segundo fontes, os pontos que estão sendo alinhavados devem se transformar numa proposta em dezembro, se Dilma for eleita, e enviada ao Congresso nos primeiros meses do novo governo.

Benefício de 3 anos para viúvas jovens

Para requerer o benefício, segundo fontes envolvidas na discussão, uma das propostas é que os futuros trabalhadores tenham que cumprir um requisito principal: que a soma da idade e do tempo de contribuição alcance 105 anos, no caso do homem, e 95 no caso da mulher. Isso, na prática, resultaria em nova idade mínima de aposentadoria, mas a proposta teria a preocupação de não prejudicar quem entrou no mercado mais cedo (com menos de 18 anos, por exemplo), como sempre defendeu o presidente Lula.

Por essa regra em estudo, uma pessoa que comece a trabalhar aos 18 anos poderá se aposentar aos 62,5 anos de idade, depois de 42,5 anos de recolhimento da contribuição previdenciária.

Outro conceito sempre defendido pelo presidente Lula também deve ser mantida na proposta de reforma de um eventual governo Dilma: as regras diferentes, e favoráveis, para as mulheres trabalhadoras, por causa da chamada dupla jornada de trabalho (em casa e no emprego).

A convergência entre os regimes de aposentadoria público e privado seria um dos pilares da proposta de reforma da Previdência, a fim de evitar as enormes disparidades entre os dois sistemas, ambos deficitários e com custos semelhantes sendo que o público tem cerca de 1 milhão de beneficiários, e o privado, 24 milhões.

Para isso, os estudos que estão sendo feitos insistem na criação de um fundo de aposentadoria complementar para os servidores público, de modo que eles recebam do Tesouro apenas o teto do INSS (hoje em R$ 3.467,40), com complementação do fundo de pensão.

Essa regra valeria também apenas para os novos funcionários ou seja, aqueles que ingressarem no serviço público após a aprovação dessa eventual reforma.

Há consenso que a proposta que já tramita no Congresso com essa finalidade é inviável, porque permite que os atuais funcionários migrem para o novo fundo, deixando de ajudar a bancar, junto com o Tesouro, as aposentadorias atuais. Uma migração em massa poderia gerar um rombo de até 6% do Produto Interno Bruto (PIB) no sistema previdenciário, segundo interlocutores. O déficit nos dois sistemas está em pouco mais de 1% do PIB em 2010.

Já as futuras pensões, que hoje são integrais e pagas pelo resto da vida, tanto pelo INSS como pelo regime próprio do serviço público independentemente da idade da viúva e se ela tem filhos ou não , teriam mudanças profundas na proposta em estudo. Por exemplo, se a viúva do segurado for jovem e sem filhos, seria concedido um benefício temporário de três anos, por conta do trauma. O prazo da concessão do benefício pode levar em conta o número de filhos menores.

Segundo interlocutores da presidenciável petista, o objetivo da reforma é preparar o sistema previdenciário brasileiro para as próximas três décadas, além de sinalizar uma preocupação de um eventual novo governo do PT com as contas públicas. O aumento da expectativa de vida e o rápido envelhecimento da população, com cada vez menos trabalhadores jovens para ajudar a dividir a conta, dão o alerta de que o modelo atual não é sustentável a longo prazo.

Campanha não admite a discussão

O crescimento da economia acima de 5%, com impacto positivo na geração de emprego e melhoria na arrecadação, explicou uma fonte, ajudarão a equilibrar o sistema atual, se for aprovada uma nova reforma.

Também é consenso que as mudanças precisam partir da Fazenda (que administra a arrecadação e cobre o rombo) e não da Previdência, cuja tarefa é cuidar do pagamento dos benefícios, além de ser foco de maior pressão dos aposentados.

Oficialmente, nenhum integrante da campanha de Dilma ou da área econômica do governo admite a discussão em curso até mesmo para não interferir nas eleições.

E também porque não faz parte do programa de governo do PT, e nem das declarações públicas de Dilma, qualquer proposta de mudança na Previdência.

Mas é certo entre esses economistas que uma reforma na Previdência é o primeiro, e principal, passo de um ajuste fiscal nas contas públicas. Especialistas no assunto estão sendo convidados a dar contribuições.

Dilma 'senta na cadeira de presidente' antes da hora, acusa Serra

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Para Serra, Dilma 'sentou na cadeira' antes do tempo
Tucano vê desrespeito e diz que "quem decide quem vai sentar na cadeira é o povo"
O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, acusou a adversária Dilma Rousseff (PT) de ter sentado na cadeira de presidente antes da eleição e advertiu que essa atitude pode demonstrar falta de respeito com os eleitores. Foi uma referência à declaração de Dilma segundo a qual não está de "salto alto" com a liderança nas pesquisas, mas que pretende "estender a mão" a Serra num eventual governo do PT. "Essa declaração tem uma certa falta de respeito. É alguém sentando na cadeira (presidencial) a um mês da eleição. Quem vai decidir quem vai sentar na cadeira é o povo", disse o tucano.

Na opinião do candidato do PSDB, falar de "estender a mão" a adversários antes do final da eleição é falta de respeito ao eleitor

Gustavo Uribe

O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, acusou ontem a adversária do PT, Dilma Rousseff, de ter sentado na cadeira de presidente um mês antes da eleição. Essa atitude, segundo ele, demonstra falta de respeito com os eleitores.

Serra fez a acusação ao comentar uma declaração da petista, que aparece no topo das pesquisas sobre intenção de voto. No sábado, mesmo ressalvando que não está de "salto alto", por causa da liderança, Dilma disse que está disposta a "estender a mão" para o candidato tucano num eventual governo chefiado por ela.

"Essa declaração tem uma certa falta de respeito. É alguém sentando na cadeira (presidencial) a um mês da eleição", afirmou Serra. "Quem vai decidir quem vai sentar na cadeira é o povo, não um candidato isoladamente."

O comentário do tucano foi feito durante evento com representantes da comunidade nordestina de São Paulo. Ao lado da esposa Monica, ele fez um discurso para cerca de 300 pessoas, durante o qual afirmou que nunca teve "padrinho" ou "patrocinador", em mais um ataque a Dilma. Insinuou que ela estaria liderando as pesquisas não pelas qualidades pessoais, mas sim pelo fato de ser apadrinhada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

"O que eu me apresento é com o que eu disse. E não com o que os outros dizem que eu fiz ou o que vou fazer", disse. No discurso também prometeu, se eleito, dar moradia às famílias que recebem até três salários mínimos.

Casas. O candidato questionou a eficácia do programa Minha Casa Minha Vida, afirmando que é constituído "mais propaganda do que fato". De acordo com sua análise, a meta de entregar um milhão de moradias até o final deste ano não será alcançada pelo programa: "Não vão entregar mais do que 1/5 disso."

Numa sequência de ataques ao Planalto, o candidato disse ainda que sob a gestão Lula nada foi feito pela favela de Heliópolis, a maior de São Paulo. Contrariando o que vem sendo dito na propaganda de Dilma, no horário eleitoral, assegurou que os programas de moradia daquela comunidade foram implementados pelo governo paulista.

"Sabe quem está querendo faturar com isso? É a candidata federal, a Dilma", ironizou. "Eles não fizeram nada por lá."

Serra foi convidado a cantar Asa Branca, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, e acabou cantarolando algumas frases.

Monica, usando um chapéu de cangaceiro, foi chamada pela apresentadora do evento de "mainha dos nordestinos". Um chapéu semelhante foi oferecido a Serra, mas era pequeno demais para sua cabeça. Um dos anfitriões tentou socorrê-lo dizendo: "Serra pode ter a cabeça grande, mas tem um coração bom."

O candidato do PSDB ao governo de São Paulo, Geraldo Alckmin, que prometeu acompanhar Serra em todos os eventos em que o presidenciável comparecesse em São Paulo, não apareceu. Serra justificou a ausência, dizendo que "não dá para fazer 100% tudo junto".

Antes de sair, ainda pediu aos presentes para que enviem cartas aos seus parentes no Nordeste, contando sobre sua gestão à frente do governo do Estado.

Ataque

JOSÉ SERRA CANDIDATO DO PSDB

"Quem vai decidir quem vai sentar na cadeira é o povo, e não um candidato isoladamente"

"O que eu me apresento é com o que eu disse. E não com o que os outrosdizem que eu fiz ou o que vou fazer"

Alckmin cola em Serra e reforça campanha na rua

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Evandro Spinelli

DE SÃO PAULO - Se Aloizio Mercadante (PT) aposta em Lula e Dilma Rousseff para virar a eleição ao governo de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) vai colar em José Serra para manter a liderança e para que o presidenciável recupere a dianteira no Estado.

Nos últimos dez dias, Alckmin não fez um discurso, não participou de um debate ou palestra sem falar no presidenciável tucano.

Alckmin e Serra não são do mesmo grupo no PSDB. Isso ficou claro em 2008, quando Alckmin se lançou candidato a prefeito de São Paulo apesar da preferência de Serra, então governador, por Gilberto Kassab (DEM).

Porém, pesquisas internas do PSDB detectaram que o eleitor paulista identifica muito Alckmin e Serra como sendo aliados e integrantes do mesmo grupo político.As mesmas pesquisas demonstram que o eleitor de Alckmin espera que ele defenda a eleição de Serra a presidente, inclusive aquele eleitor de Alckmin que está disposto a votar em Dilma.

A conclusão dos tucanos é que Alckmin precisa defender Serra para não perder votos. Abandonar o barco soaria como uma traição.

Além do mais, o levantamento tucano aponta que a gestão Serra no governo do Estado é bem avaliada, assim como a do próprio Alckmin.

MAIS CAMPANHA

Como prevenção pelo avanço das intenções de voto em Mercadante, Alckmin reforçará sua campanha de rua. O partido vai organizar eventos da militância (panfletagem, bandeiraços e adesivaços) e agendas de "cabos eleitorais de luxo".

O candidato a vice-governador Guilherme Afif Domingos (DEM), a mulher de Alckmin, Lu Alckmin, e os candidatos ao Senado da chapa, Orestes Quércia (PMDB) e Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), terão agendas próprias a partir de setembro.

Alckmin se concentrará na Grande São Paulo, deixando o interior principalmente para Quércia, Aloysio e Afif. A avaliação é que ele já foi muito para o interior, onde sua liderança é mais consolidada -55% a 20% de Mercadante.

SP continuará a comandar PSDB, diz Richa

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Para tucano, líder nas pesquisas no Paraná, ascensão de novos nomes não muda "hegemonia" paulista na sigla

Ex-prefeito afirma estar engajado na campanha de Serra e sugere que o presidenciável priorize Estados em que vai pior

Estelita Hass Carazzai

DE SÃO PAULO - Um dos poucos tucanos apontados como favorito nas pesquisas para os governos estaduais, o ex-prefeito de Curitiba Beto Richa, candidato ao governo do Paraná, afirma que, mesmo que se eleja governador, será difícil tirar a "hegemonia" dos paulistas no PSDB nacional.

Dois dias após a divulgação da pesquisa Datafolha, que aponta Richa com possibilidade de vencedor as eleições já no primeiro turno, o tucano diz, justamente por conta dessa circunstância, que não tem a pretensão de liderar o PSDB no país. Por telefone, o candidato falou à Folha antes de iniciar carreata em Palmas (370 km de Curitiba), no interior.

Folha - Uma possível vitória sua no Paraná pode transformá-lo num nome importante do PSDB nacionalmente?

Beto Richa - É duro dizer. Estou fazendo meu trabalho aqui, agindo com coerência na vida pública, com o meu partido, e isso acho que tem feito a diferença. O crescimento político de alguém está baseado no trabalho que realiza. Eu acabei virando candidato a governador em razão da boa gestão que fiz na capital, reconhecida nacionalmente.

O Paraná pode ser um novo celeiro de líderes tucanos?

O Paraná tem grandes nomes, fundadores nacionais [do PSDB]. O meu pai [José Richa, ex-governador do Paraná] foi um fundador nacional do PSDB. Mas [o Paraná] não tem a densidade de um Estado como São Paulo.
Eu não tenho essa pretensão de o meu Estado ser aquele que vai liderar o PSDB nacionalmente. Acho que temos que nos unir, todos devem ter espaço conforme a importância e a densidade de cada Estado, como é hoje.
Eu não tenho essa visão de alguns, de dizer que vamos tirar a hegemonia de São Paulo. Temos que admitir que o PSDB é forte em São Paulo. É o maior Estado do país e há uma estrutura partidária muito forte lá.

É ruim que o PSDB seja um partido ainda muito associado a São Paulo?

Liderança não se dá, se conquista, com trabalho, com resultados. E o PSDB teve resultados extraordinários no Estado mais populoso do Brasil. Acho que é uma coisa natural São Paulo acabar tendo uma força partidária maior. É normal. Não tenho nada contra São Paulo.

Dilma Rousseff ultrapassou José Serra no Paraná, segundo o Datafolha. Há como reverter essa situação?

Ele tem vindo bastante [ao Paraná], mas tem que cuidar dos Estados em que a situação está mais desfavorável. Até porque aqui a gente tem cuidado da campanha dele.

Marina cobra Mantega por vazamentos

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Gustavo Uribe

Em café da manhã com colaboradores de campanha, ontem na capital paulista, a candidata do PV à sucessão presidencial, Marina Silva, classificou o episódio do vazamento de dados sigilosos da Receita Federal de "situação de descontrole" e alertou quanto à vulnerabilidade da instituição.

"Onde já se viu mais de 40 pessoas estarem envolvidas na quebra de informações sigilosas que devem ser respeitadas pela legislação brasileira?", questionou. "Os brasileiros todos estão vendo uma situação de vulnerabilidade num sistema que tem a obrigação legal de proteger o cidadão", emendou, cobrando do ministro da Fazenda, Guido Mantega, uma posição sobre o caso.

Ao defender a apuração rigorosa do episódio, ela ironizou o discurso dos adversários sobre a eficiência administrativa: "Nós temos de ter gestão. Em um mundo em que as pessoas se vangloriam tanto da gestão e da gerência, que gerência é essa?"

Durante o encontro, a candidata do PV voltou a falar da preocupação com o clima de "já ganhou" que vem crescendo desde a ampliação da vantagem da candidata petista, Dilma Rousseff, nas pesquisas eleitorais.

Ainda nas críticas aos adversários, Marina falou sobre a suposta tentativa de se criar na campanha um "mundo mirabolante". "Não existe essa história de um mundo cor-de-rosa e um mundo azulzinho, em que se resolvem as coisas com um passe de mágica", disse. "Esses problemas não foram resolvidos nos últimos 16 anos", emendou, numa referência às gestões do PT e do PSDB à frente do Palácio do Planalto.

Prestação de contas. Após o café da manhã, o coordenador do comitê financeiro da campanha de Marina, Álvaro de Souza, informou que amanhã já terá em mãos o total arrecadado pelo PV no segundo mês de campanha. A expectativa é de que o montante de R$ 4,6 milhões, coletado no primeiro mês, dobre.

Souza disse que a campanha na internet já coletou cerca de R$ 75 mil em doações. Por fim, reconheceu que esperava um resultado melhor. "Não existe no Brasil uma tradição de doação política."

Minha Casa Minha Vida deixa de lado quem ganha menos

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Programa federal, que é uma das bandeiras eleitorais de Dilma, ajuda pouco as famílias com renda de até 3 salários mínimos

Flávia Tavares

Um dos programas mais usados pela candidata petista Dilma Rousseff como bandeira de suas realizações, o Minha Casa Minha Vida tem dificuldades em atender as famílias com renda de até três salários mínimos, faixa em que se concentram 90% do déficit habitacional do Brasil.

Dados da Caixa Econômica Federal mostram que, até 31 de julho deste ano, apenas 3.588 casas foram entregues a famílias com esse perfil. Para aquelas com renda entre três e dez salários, foram entregues 149 mil unidades. Das 604 mil unidades contratadas até essa data, 275 mil atingem a faixa mais baixa.

O vice-presidente de governo da Caixa, Jorge Hereda, admite que o programa não teve como foco principal, nessa primeira fase, as famílias de baixíssima renda. "A faixa de zero a três salários é importante, mas tem uma parcela significativa de famílias com 3, 4 e 5 salários mínimos que precisavam desse acesso também", diz Hereda.

Segundo ele, o Minha Casa Minha Vida foi elaborado para resolver duas questões iniciais: a ampliação do mercado imobiliário e uma ausência quase completa de subsídios nesse setor. "Mais de 22 milhões de pessoas chegaram à classe C e há baixos índices de desemprego. Havia uma demanda para esse público que, antes, não passaria nem na porta de um empreendimento imobiliário." Além disso, cerca de 50 mil famílias que recebem entre dois e três salários já conseguem se financiar, sem subsídio total.

Espaço. Um dos obstáculos encontrados para a construção de casas para a baixíssima renda, de acordo com Hereda, é o preço dos terrenos nas grandes cidades. Os críticos do programa creditam essa distorção ao fato de as empreiteiras escolherem os terrenos onde os projetos serão construídos. A Caixa nega. "A empreiteira não pega a terra que quer. Só aceitamos terras inseridas na malha urbana, com toda a infraestrutura garantida", defende-se Hereda.

O rigor nesses critérios seria o motivo de, apesar de a Caixa ter recebido mais de 550 mil propostas de projetos para a faixa de zero a três salários, ter aprovado pouco mais da metade disso.

Ele argumenta que quem aprova os projetos nas cidades são as prefeituras e, em alguns casos, com licenças que devem ser dadas pelo Estado. "A questão da terra só vai se resolver quando as cidades abrirem espaço legal, não em favelas, para os pobres, aplicando o Estatuto da Cidade."

Uma maior interação de ações nas esferas federal, estadual e municipal seria a saída para a destinação mais eficiente dos terrenos, que tenha como foco as classes mais baixas. Hereda reconhece que Estados e municípios começaram a ter maior participação no programa só recentemente, já que os primeiros empreendimentos foram contratados com empresas, que entregariam unidades mais rapidamente. "As parcerias estão aumentando. Foi um período de aprendizado, mas em São Paulo, por exemplo, temos ações conjuntas com o Estado e a prefeitura", afirma.

Tempo de entrega. O vice-presidente da Caixa justifica o baixo número de imóveis entregues até aqui pelo programa, afirmando que ele está dentro de uma média razoável de tempo de construção das casas. "Uma casa não sai do nada. Para fazer casas em conjuntos habitacionais levamos de 12 a 24 meses. Vale lembrar que uma incorporação já durou 3 anos neste país."

Em 2009, de acordo com Hereda, foram contratadas 275 mil unidades, mas o grosso das contratações foi em novembro e dezembro. "As entregas vão acontecer mais intensamente no fim deste ano e no ano que vem."

É também para o ano que vem que está previsto o lançamento do Minha Casa Minha Vida 2, versão atualizada do programa, que deve fazer correções em alguns pontos criticados da primeira versão. O principal é aumentar a proporção de investimentos nos imóveis para a faixa de 0 a 3 salários mínimos, dos atuais 40% para 60%.

'Tudo o que foi feito até aqui está equivocado, porque não atende o pobre'

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Flávia Tavares

ENTREVISTA

O secretário estadual de Habitação de São Paulo e presidente do Fórum Nacional de Secretários de Habitação e Desenvolvimento Urbano (FNSHDU), Lair Krähenbühl, critica duramente o Minha Casa Minha Vida e a falta de foco do programa nas famílias com renda de zero a três salários mínimos.

"Tudo que foi feito até aqui está equivocado, porque não atende ao pobre", diz ele.

Para Krähenbühl, ao anunciar que faria 1 milhão de casas, o governo criou uma expectativa irreal. "Quiseram criar uma expectativa, não sei se foi um equívoco ou medida eleitoreira, mas ela estava errada. Fizeram a festa da cumeeira, aquela em que se põe um ramo de arruda quando o telhado da casa fica pronto, antes de comprar o terreno."
A seguir, os principais pontos da entrevista:

Qual é a principal crítica que o senhor faz ao programa?

Eles estão com o foco errado. Em primeiro lugar, o programa não atendia a áreas de risco. Mas saiu uma portaria na semana passada dando prioridade para essas áreas. Estão atrasados, porque já contrataram quase tudo. Outro ponto é que 60% dos imóveis são para famílias de 3 a 10 salários mínimos e 40% para de 0 a 3. É o inverso da lógica da demanda. Por fim, não ouviram Estados e municípios, que sabem onde as casas precisam ser construídas. As construtoras escolhiam os terrenos ou já tinham esses terrenos. O interesse atendido é o delas e não o da gestão pública.

A iniciativa privada não deveria ter sido envolvida no Minha Casa Minha Vida?

A lógica de atuar com a iniciativa privada está correta. Mas precisa ouvir o Estado e o município. No modelo atual, a CDHU não pode apresentar projetos. Só empresa privada pode apresentar. Minha proposta é que a CDHU e as Cohabs possam também. Mas o governo disse que a lógica era de fazer rápido, com as empresas, porque o Brasil precisava gerar empregos com urgência por causa da crise.

O programa foi anunciado como uma alternativa para as classes mais baixas.

Mas o anúncio criou uma demanda que não existia. Famílias fizeram filas para se inscrever, queriam casa para todo mundo, acharam que ia ser a salvação. O governo quis criar uma expectativa que não sei se foi equivocada ou eleitoreira, mas ela estava errada. Eles fizeram a festa da cumeeira, aquela em que se coloca um ramo de arruda quando o telhado da casa fica pronto, antes de comprar o terreno.

O senhor foi ouvido na elaboração do programa?

Antes de o Minha Casa Minha Vida ser anunciado, fomos a Brasília eu, o governador José Serra e o governador Aécio Neves para uma reunião com a ministra Dilma Rousseff, o ministro Paulo Bernardo, Jorge Hereda, da Caixa, e o ministro Márcio Fortes. Isso foi em fevereiro de 2009. Nessa reunião, o foco para famílias de zero a três salários era de 20% dos recursos, não de 40%. Eles foram corrigindo o programa à medida que fomos pautando.

Eles vão continuar fazendo esses ajustes?

Vão corrigir o rumo, porque como está é insustentável.

Em SP, Aloysio contraria tendência e exibe FHC na TV

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Daniel Bramatti

Tucanos de todo o País evitam citar o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em suas campanhas eleitorais - alguns, como José Serra e Teotônio Vilela Filho, até se exibem ao lado do presidente Lula nos programas de TV. Todos se baseiam em indícios de que FHC "tira votos" de seus aliados, por ter o seu governo mal avaliado, em comparação com o do presidente Lula.

Em São Paulo, Aloysio Nunes, candidato ao Senado pelo PSDB, desafiou o senso comum e levou o ex-presidente à TV. Em depoimento de cerca de um minuto, FHC elogiou a atuação de Aloysio em seu governo, no qual ocupou os cargos de ministro da Casa Civil e da Justiça.

Talvez porque tenha se tornado mais conhecido, talvez porque FHC ainda mobilize parcela do eleitorado, o fato é que Aloysio subiu de 4% para 11% na pesquisa Ibope/Estado/TV Globo feita após o início do horário eleitoral.

Outros que se beneficiaram das aparições na televisão foram Marta Suplicy e Netinho, candidatos do PT e do PC do B ao Senado. Em um mês, Netinho subiu seis pontos porcentuais, de 18% para 24%, segundo o Ibope. Ele está empatado tecnicamente na segunda posição com Orestes Quércia (PMDB), que tem 21% das intenções de voto.

Marta, que tinha 31% das preferências, subiu para 36% e se manteve na liderança isolada da disputa por uma das duas vagas em jogo em São Paulo.

A ex-prefeita da capital e Netinho são os candidatos mais citados (18% e 13%, respectivamente) na pesquisa espontânea, em que os entrevistados manifestam suas intenções sem ler a lista de candidatos. A pesquisa Ibope foi registrada no TSE com o número 26048/2010.

Países como o Brasil creem em um mundo de fantasia

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

"A sorte do Lula foi ter tido ótimo antecessor", diz Ricardo Hausmann, de Harvard, crítico das políticas externa e econômica atuais.

Houve avanços desde que o sr. escreveu sobre as barreiras ao crescimento do país?

A crise foi bem administrada. Mas o principal problema com países como o Brasil é que, quando as coisas começam a parecer bem, passam a crer em um mundo de fantasia.

Sucessor não terá a mesma sorte de Lula, diz economista

ENTREVISTA RICARDO HAUSMANN

PROFESSOR DE HARVARD DIZ QUE, APESAR DO CAPITAL POLÍTICO, LULA NÃO FOI CAPAZ DE FAZER REFORMAS SIGNIFICATIVAS COMO AS DE FHC

Érica Fraga

DE SÃO PAULO - "A grande sorte do presidente Lula foi ter tido um ótimo antecessor. Mas o próximo presidente do Brasil não terá a mesma sorte."

Com esse comentário, em entrevista à Folha, o economista Ricardo Hausmann, diretor do Centro para o Desenvolvimento Internacional da Universidade Harvard e um dos mais respeitados especialistas em teoria do desenvolvimento econômico, encerrou uma série de críticas ao governo Lula.

Em 2008, ele escreveu o estudo "In search of the chains that hold Brazil back" ("Em busca das correntes que freiam o Brasil"), afirmando que a política de expansão fiscal dos anos recentes, alavancada pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico), é insustentável.

E, segundo ele, pode ter o mesmo efeito "desastroso" para a economia que a política externa de Lula teve para a diplomacia.

FOLHA - Houve avanços desde que o sr. escreveu sobre as barreiras ao crescimento no Brasil em 2008?

RICARDO HAUSMANN - Talvez você se lembre que [no estudo] eu era otimista sobre muitos aspectos estruturais do Brasil. O Brasil tem um setor privado muito forte, tem muito potencial de crescimento do investimento em muitas áreas promissoras.Mas, nos anos de boom antes da crise de 2008, o Brasil era um dos países que cresciam às menores taxas na América Latina.

Minha avaliação era a de que isso se devia a uma taxa baixa de poupança doméstica, que exigia taxas de juros ridiculamente altas para evitar que a economia tivesse um aquecimento excessivo.
Aí veio a crise e o governo respondeu com políticas anticíclicas. Aumentou significativamente a oferta de crédito via BNDES e Banco do Brasil em um momento em que havia uma parada cardíaca financeira.
Diria que, de forma geral, a crise foi bem administrada. Mas o principal problema com muitos países, e o Brasil é um exemplo, é que, quando as coisas começam a parecer bem, eles se tornam arrogantes. Passam a acreditar num mundo de fantasia.

O que o sr. quer dizer com mundo de fantasia?

Só porque o Brasil teve por um trimestre uma taxa de crescimento acima de 7%, o Brasil agora é a nova China e o Lula é um gênio das finanças, e todos os problemas anteriores não existem mais porque o Brasil é um país diferente.

Há toda uma narrativa que tem sido criada por conta de alguns bons trimestres no Brasil que pode levar a políticas macroeconômicas muito inconvenientes. Essa narrativa é particularmente conveniente na época de eleições.

A primeira coisa que já está acontecendo é que a Selic [taxa de juros básica da economia] está subindo. Se você quisesse que a Selic aumentasse menos, a ideia seria compensar com políticas fiscais e de empréstimo pelo setor público mais estritas.
Porque, de certa forma, o Brasil é um país esquizofrênico. Você tem uma política fiscal em que o BNDES tem o pé no acelerador e o Banco Central tem o pé no freio.Essas combinações são particularmente perigosas porque deixam a Selic muito alta em um período em que as taxas de juros globais estão muito baixas.
Isso leva os investidores a pegar dinheiro emprestado em dólares, em ienes ou em euros para colocar dinheiro no Brasil, o que gera uma forte apreciação da taxa de juros e a possibilidade de desindustrialização.

Alguns defensores da atuação recente do BNDES citam países da Ásia que atingiram altas taxas de crescimento sustentado por meio de políticas industriais. O que o sr. acha desse paralelo?

Não tenho problemas com políticas que complementam o setor financeiro, viabilizando a disponibilidade de crédito para investimentos em áreas difíceis da economia.Não sou, de forma alguma, crítico em relação à contribuição potencial do BNDES para o desenvolvimento do país. Mas é uma organização que foi desenvolvida na época da inflação alta para proteger a economia das taxas de juros reais muito altas.
A inflação não é mais um problema no Brasil.
Seria possível que o BNDES mantivesse o foco de sua política em empréstimos para investimentos municipais, investimentos de longo prazo, apoiando pequenas e médias empresas, mas a uma taxa de juros que refletisse a Selic e não a uma taxa de juros que é muito inferior à Selic, que cria a distorção de gerar demanda excessiva pelos fundos que o BNDES tem de gerenciar.


O sr. vê o crescente deficit em conta-corrente do Brasil, em tempos recentes, como um problema?

A deterioração do deficit em conta-corrente indica que a expansão do gasto no Brasil é mais rápida do que a expansão da produção.
O efeito disso é apreciar a taxa de câmbio, desestimulando as atividades exportadoras, para liberar recursos produtivos para atender a esse boom temporário do consumo. Todas as indicações são de que as condições fiscais e a política financeira do setor público são excessivamente expansionistas. Isso vai causar prejuízo para as perspectivas de crescimento de longo prazo do Brasil.

A economia brasileira ainda é bastante fechada ao comércio exterior. Isso limita o crescimento de longo prazo?

Acho que o Brasil tem os produtos com os quais poderia ter uma presença muito maior no comércio internacional. Vocês são gigantes em agricultura, em mineração. Têm uma presença marcante na produção de aeronaves. Há uma atividade industrial vasta que poderia gerar uma presença muito maior. Mas a administração macro no Brasil tem sempre conspirado contra o potencial de longo prazo.

E isso continua acontecendo?

Na minha opinião, está piorando. Quando o Lula foi eleito, em 2002, houve uma crise econômica e ele foi muito cuidadoso ao dar confiança ao setor privado.
Agora, eles começaram a pensar que sabem mais e estão menos dispostos a serem cuidadosos. Estão se tornando mais ideológicos.
Do ponto de vista econômico, as políticas são insustentáveis como as adotadas na diplomacia.
Agora que o Brasil é grande, pode ir para a cama com o Ahmadinejad [Mahmoud Ahmadinejad, presidente do Irã] no Irã ou hospedar o Zelaya [Manuel Zelaya, ex-presidente de Honduras deposto em junho de 2009] na sua embaixada em Honduras etc.
É uma atitude de que agora o país é independente, um poder diferente, e, portanto, pode confrontar o senso comum. Esse tipo de arrogância na política externa tem sido desastrosa.E esse tipo de arrogância tem o perigo de ser igualmente desastrosa para a administração macroeconômica.

As pesquisas de intenção de voto mostram grandes chances de vitória da candidata do presidente Lula. O sr. acha que isso levará a uma continuação dessas políticas que o sr. critica?

Todo mundo sabe que o presidente Lula tem sido superpopular e ele construiu um capital político enorme. Mas esse capital político enorme não se traduziu em nenhuma reforma significativa durante seu segundo mandato [2007-2010].
Ele não tem nada a mostrar em termos de ter resolvido problemas antigos relacionados à baixa taxa de poupança, ao sistema de previdência, à infraestrutura, a ter uma estrutura tributária mais normal e funcional.
Apesar do seu enorme capital político, ele não foi capaz de fazer nenhuma reforma significativa como as feitas pelo antecessor dele.
E, recentemente, ele tem se movido na direção contrária. A grande sorte do presidente Lula foi ter tido um ótimo antecessor [FHC]. Mas o próximo presidente do Brasil não terá a mesma sorte.

Frases
"De certa forma, o Brasil é um país esquizofrênico. Você tem uma política fiscal em que o BNDES tem o pé no acelerador e o Banco Central tem o pé no freio"

"A deterioração do deficit em conta-corrente indica que a expansão do gasto no Brasil é mais rápida do que a expansão da produção"

"O Lula tem sido superpopular e ele construiu um capital político enorme. Mas esse capital não se traduziu em nenhuma reforma significativa durante seu segundo mandato [2007-10]"


PERFIL

Venezuelano, Hausmann foi pioneiro no BID

Ricardo Hausmann nasceu na Venezuela em 1956.

Com doutorado em economia pela Universidade Cornell, nos EUA, Hausmann ocupou importantes cargos públicos em seu país natal, como ministro de Planejamento e diretor do Banco Central.

Foi o primeiro economista-chefe do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Desde 2005, é diretor do Centro para Desenvolvimento Internacional da John F. Kennedy School of Government, da Universidade Harvard.

Especialista em teoria do desenvolvimento econômico, ele defende a ideia de que um mesmo receituário de políticas não funciona necessariamente para todos os países.

O que pensa a mídia

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Bach - Matthaeus Passion - 01

Canção da garoa :: Mário Quintana

Em cima do telhado
Pirulin lulin lulin,
Um anjo, todo molhado,
Soluça no seu flautim.

O relógio vai bater:
As molas rangem sem fim.
O retrato na parede
Fica olhando para mim.

E chove sem saber porquê
E tudo foi sempre assim!
Parece que vou sofrer:
Pirulin lulin lulin...