quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Reflexão do dia – Luiz Werneck Vianna

Democracia, suas instituições e seu aperfeiçoamento, assim como programas de governo, contudo, foram considerados temas fora do alcance do entendimento da massa do homem comum e, como tais, marginalizados, quando não completamente ignorados pelos candidatos, inclusive no segundo turno eleitoral. O diagnóstico, que lhes vinha das pesquisas, era o da satisfação dos eleitores com o estado de coisas reinante no país, do qual derivaria a orientação comum de se apresentarem como agentes da continuidade.

As questões ameaçadoras, como as das reformas tributária, política, trabalhista e sindical - nem pensar na agrária e, menos ainda, na previdenciária - deveriam ser deixadas para depois do período eleitoral, com o que se infantilizou o eleitor, visto como um mero consumidor de bens e serviços. É certo que, por acaso, pelo estudo dos votos evangélicos obtidos pela candidata Marina Silva no primeiro turno, veio à tona uma questão efetivamente ameaçadora, a do aborto, que suscitou paixões falsas nos candidatos, postas no lugar das que poderiam revelar as verdadeiras, mantidas dentro do armário e que vão sair dele a partir de agora.

(Luiz Werneck Vianna, no artigo, ‘E la nave va’ Valor Econômico, 8/11/2010)

Política sem mitos:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

A despolitização da recente campanha eleitoral brasileira para a Presidência da República, com os dois candidatos seguindo quase que cegamente os conselhos de seus marqueteiros, não é um fenômeno novo na política brasileira, e muito menos na norte-americana, mas ganhou mais destaque depois da eleição de Barack Obama para a Presidência dos Estados Unidos em 2008.

Guardadas as devidas proporções, durante as prévias no Partido Democrata, a oponente Hillary Clinton fez o mesmo que Serra tentou a certa altura da campanha brasileira: desconstruir o adversário, tentando marcar Obama como uma criação do marketing político, sem capacidade nem experiência para governar os Estados Unidos.

Quando a “Obamamania” começou a se espalhar pelos Estados Unidos, havia uma palavra que definia o candidato democrata, à falta de qualidades mais evidentes: refreshment.

Dizia-se que Obama trazia refreshment à política americana, no sentido de revigorá-la.

Curiosamente, a palavrinha mágica é muito usada na propaganda americana para vender desde refrigerantes até pasta de dente, quando não se tem muita coisa para dizer deles.

Na campanha presidencial brasileira, Serra tentou marcar na adversária petista o fato de que ela era uma desconhecida, “um envelope fechado”, sem história pregressa que pudesse atestar-lhe a capacidade de dirigir o país.

Uma invenção de Lula apurada pelos marqueteiros.

No Brasil, desde que o candidato Fernando Collor introduziu na campanha presidencial de 1989 as modernas técnicas de marketing político, incrementando sua propaganda eleitoral na televisão com efeitos tecnológicos usados pela primeira vez, nunca mais as campanhas políticas brasileiras foram as mesmas.

Outra inovação daquele ano foi a utilização das pesquisas eleitorais como guia para a ação política. Collor valeu-se do parentesco com o sociólogo Marcos Coimbra, dono do Instituto Vox Populi, para, através das pesquisas, dizer o que o povo queria ouvir, e identificar os pontos fracos e fortes de sua candidatura e da dos adversários.

O marketing político e as pesquisas de opinião ganharam nas campanhas eleitorais brasileiras o papel proeminente que têm há muito tempo nos Estados Unidos, berço dos estudos mais importantes sobre essas técnicas.

O exemplo mais marcante de transformação de um candidato pelo marketing é o do “Lulinha paz e amor” inventado pelo marqueteiro Duda Mendonça, que transmutou o líder operário radical de cabelos e barba grandes e olhar messiânico de 1989 no candidato cordato e moderado vencedor em 2002, com ternos bem talhados.

O mesmo processo de transformação foi feito com sucesso com a candidata oficial Dilma Rousseff, eleita presidente, que foi reconstruída à vista de todos, tanto física quanto ideologicamente.

Essa ditadura do marketing político, no entanto, esterilizou o debate político. De um lado, a oposição temia confrontarse com a popularidade de Lula, e de outro a candidata oficial, bem treinada, evitou desastres nas entrevistas e debates, claramente engessada dentro de um modelo previamente estipulado.

Sua dificuldade de expressão foi turbinada pelo receio de errar, e na primeira entrevista como presidente eleita ela já se saiu bem melhor, mais espontânea, embora tenha voltado a chamar jornalistas por “minha filha” ou “meu filho” quando a pergunta a irrita, um dos temores de seus treinadores, e continuasse com dificuldades de falar fluentemente.

O debate sobre o aborto é um exemplo dramático sobre como o marketing tomou o lugar dos conceitos de políticas públicas, que é como veem a questão os dois candidatos.

Pois ambos tornaram-se carolas, exacerbando um lado religioso que nunca fez parte de suas personas políticas, mas que, em determinado momento, parecia ser o que o eleitorado queria.

Há um livro sobre a predominância do marketing sobre a política que é básico para a discussão do problema: chamase “Politics Lost”, do jornalista Joe Klein, e cita como o último lance realmente verdadeiro de um político nos Estados Unidos a reação de Bob Kennedy, então candidato a presidente, quando soube do assassinato de Martin Luther King.

Bob Kennedy estava justamente se preparando para fazer um discurso em um bairro negro, e foi aconselhado por seus assessores a não comparecer, pois a frustração com a morte de King certamente provocaria uma reação enfurecida das multidões.

Pois Bob Kennedy recusou os conselhos e ele mesmo anunciou o assassinato de Luther King, num discurso emocionante e emocionado, que ajudou aquela comunidade negra a lidar com o choque da morte de seu líder sem provocar reações agressivas.

Essa praga marqueteira foi muito bem analisada pelo expresidente do governo da Espanha Felipe González, em entrevista ao jornal “El País”.

Segundo ele, o que se está fazendo é seguir a opinião pública, banalizando o debate político a tal ponto que não se pode desenvolver projetos políticos que em certo momento podem ir na contramão da opinião pública, que, como se sabe, ressalta González, é muito volúvel.

Ele conta que se encontrou com Henry Kissinger em Washington e ouviu dele a seguinte análise: “A política está nas mãos de pessoas que fazem discursos pseudo-religiosos e simplistas e que são na verdade ofertas de venda de eletrodomésticos”.

Nos Estados Unidos, a crise econômica fez com que o encanto de Obama se quebrasse, e ele agora está tendo que enfrentar a realidade da política que o Partido Republicano tenta lhe impor.

Aqui, por não ser Lula nem ter sua capacidade de negociação, a presidente eleita Dilma Rousseff dependerá da política partidária para levar adiante seu governo. Conta com uma base de suporte no Congresso tão grande quanto heterogênea, e tem no PMDB e no PT a solução e o problema de seu governo.

Em ambos os casos, sem os mitos, a política volta a ser o único caminho.

Tudo combinado:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Nessa fase complicada de partilha do latifúndio federal, os dois principais partidos de sustentação do governo Dilma Rousseff resolveram deixar de lado a disputa pelas presidências da Câmara e do Senado.

Já que as eleições no Congresso só ocorrem em fevereiro, mas a formação do ministério se inicia assim que a presidente eleita voltar de Seul, PT e PMDB no momento dão prioridade à ocupação de espaços no Executivo.

Não significa que estejam despreocupados com a tomada do poder no Legislativo.

Apenas não brigam em público por isso. E talvez nem precisem vir a brigar caso consigam se acertar entre si, uma vez que até onde a vista alcança não é possível identificar partido, grupo ou parlamentar pleiteando atrapalhar o jogo com outras candidaturas.

É comum que surjam candidatos avulsos ou que esse ou aquele partido ensaie algum movimento de independência para negociar posição melhor lugar na Mesa Diretora.

Mas o inesperado também acontece. Severino Cavalcanti durante anos foi esse tipo de candidato: lançava candidatura para presidente para ganhar uma segunda ou terceira secretaria. Assim foi até que o PT se enrolou, a oposição e o baixo clero aproveitaram o ensejo e Severino virou presidente da Câmara.

Desta vez, se não houver a visita do inusitado, PMDB presidirá o Senado e o PT a Câmara. E quem admite isso são os pemedebistas que embora façam de conta que sustentam a postulação do líder do partido, Henrique Eduardo Alves, já admitem que não há razão para arrumar briga com o PT por causa disso.

Inclusive porque os petistas têm a maior bancada da Câmara e, pelo critério da tradição, começariam o rodízio acertado entre os dois partidos deixando a presidência para o PMDB em 2013 e 2014. Quanto aos candidatos petistas, não há consenso.

Por enquanto, Cândido Vaccarezza - um líder de governo com baixo grau de credibilidade na Câmara e de confiabilidade no Planalto pelo número de derrotas que acumulou em 2010 - concorre contra dois ex-presidentes da Casa: Arlindo Chinaglia e João Paulo Cunha.

No Senado o PMDB avisa a quem interessar possa que não há a mais remota possibilidade de vir a dar certo qualquer articulação em prol do nome do senador eleito Aécio Neves, do PSDB.

Os pemedebistas têm as melhores relações com o ex-governador mineiro, mas não abrem mão da presidência nem por decisão do papa. Aécio sabe disso, tanto que já tratou de dizer que não postula o cargo.

O que corre nas internas do PMDB é que o atual presidente, José Sarney, com todo o desgaste que enfrentou nos últimos dois anos e aos 80 anos de idade, adoraria ter mais um mandato.

Faz o jogo de sempre: diz que não quer para ver se, no fim, surge como a "única" solução. Para não sucumbir ao peso das críticas, incentiva Renan Calheiros a tentar a retomada da presidência, sabendo perfeitamente bem que haverá reação contrária forte.

Sarney aposta também na falta de opções. Edison Lobão quer ser ministro de Minas e Energia; há novatos, há inexpressivos, há complicados, mas há Garibaldi Alves, que já cumpriu mandato tampão e é cogitado como possível solução.

Troca na guarda. O mandato na presidência do PMDB do vice-presidente eleito e também presidente da Câmara, Michel Temer, só termina em 2012, mas ele deixará o posto em dezembro.

Quem conclui o mandato no PMDB é o senador Valdir Raupp, réu em ação no Supremo Tribunal Federal por uso do dinheiro destinado ao Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia para saldar dívidas do Estado quando era governador.

Na teoria Temer havia se licenciado da presidência do partido quando assumiu a presidência da Câmara. Na prática, porém, a tese da "incompatibilidade republicana" ficou só no discurso porque ele nunca se afastou do posto, essencial para levá-lo a compor a chapa presidencial com Dilma Rousseff.

Um dos possíveis candidatos à sucessão de Raupp daqui a dois anos será Geddel Vieira Lima, ex-ministro da Integração Nacional e deputado cujo mandato expira em fevereiro.

Voto do nordestino vale o mesmo que o do paulista:: Maria Inês Nassif

DEU NO VALOR ECONÔMICO

O Brasil elegeu, por dois mandatos, um ex-metalúrgico como presidente da República. Agora elege uma mulher. Ambos de centro-esquerda. Para quem assistiu de fora a eleição de Dilma Rousseff e os dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pode parecer que o país avança celeremente para uma civilizada socialdemocracia e busca com ardor o Estado de bem-estar social. Para quem assistiu de dentro, todavia, é impossível deixar de registrar a feroz resistência conservadora à ascensão de uma imensa massa de miseráveis à cidadania.

Ocorre hoje um grande descompasso entre classes em movimento e as que mantêm o status quo; e, em consequência de uma realidade anterior, onde a concentração de renda pessoal se refletia em forte concentração da renda federativa, há também um descompasso entre regiões em movimento, tiradas da miséria junto com a massa de beneficiados pelo Bolsa Família ou por outros programas sociais com efeito de distribuição de renda, e outras que pretendem manter a hegemonia. A redução da desigualdade tem trazido à tona os piores preconceitos das classes médias tradicionais e das elites do país não apenas em relação às pessoas que ascendem da mais baixa escala da pirâmide social, mas preconceitos que transbordam para as regiões que, tradicionalmente miseráveis, hoje crescem a taxas chinesas.

A onda de preconceito contra os nordestinos, por exemplo, é semelhante ao preconceito em estado puro jogado pelos setores tradicionais no presidente Luiz Inácio Lula da Silva e na própria eleita, Dilma Rousseff, durante a campanha eleitoral. É a expressão do temor de que os "de baixo", embora ainda em condições inferiores às das classes tradicionais, possam ameaçar uma estabilidade que não apenas é econômica, mas que no imaginário social é também de poder e status.

Há resistências à mobilidade social e regional

São Paulo foi a expressão mais acabada da polarização eleitoral entre pobres de um lado, e classe média e ricos de outro. Os primeiros aderiram a Dilma; os últimos, mesmo uma parcela de classe média paulista que foi PT na origem, reforçaram José Serra (PSDB). A partir de agora, pode também polarizar a mudança política que fatalmente será descortinada, à medida que avança o processo de distribuição regional de renda e de aumento do poder aquisitivo das classes mais pobres. A hegemonia política paulista está em questão desde as eleições de 2006 - e Lula foi poupado do desgaste de ter origem política em São Paulo porque era também destinatário do preconceito de ter nascido no Nordeste; e, principalmente, porque foi o responsável pela desconcentração regional de renda.

Com a expansão do eleitorado petista no Norte e no Nordeste do país, houve uma natural perda de força dos petistas paulistas, diante do PT nacional. Do ponto de vista regional, o voto está procedendo a mudanças na formação histórica do PT, em que São Paulo era o centro do poder político do partido. Isso não apenas pelo que ganha no Nordeste, mas pelo que não ganha em São Paulo: o partido estadual tem dificuldade de romper o bloqueio tucano e também de atrair de novos quadros, que possam vencer a resistência do eleitorado paulista ao petismo.

No caso do PSDB, todavia, a quebra da hegemonia paulista será mais complicada. Os tucanos continuam fortes no Estado, têm representação expressiva na bancada federal e há cinco eleições vencem a disputa pelo governo do Estado. No resto no do país, têm perdido espaço. Parte do PSDB concorda com o diagnóstico de que a excessiva paulistização do partido, se consolida seu poder no Estado mais rico da Federação, tem sido um dos responsáveis pelo seu encolhimento no resto do Brasil.

Mas é difícil colocar essa disputa interna no nível da racionalidade, até porque o partido nacional não pode abrir mão do trunfo de estar estabelecido em território paulista; e, de outro lado, o partido de Serra tem uma grande dificuldade de debate interno - como disse o governador Alberto Goldman em entrevista ao Valor, é um partido com cabeça e sem corpo, isto é, tem mais caciques do que base. Não há experiência anterior de agregação de todos os setores do partido para discutir uma "refundação" e diretrizes que permitam sair do enclave paulista. Não há experiência de debate programático. E aí o presidente Fernando Henrique Cardoso tem toda razão: o PSDB assumiu substância ideológica apenas ao longo de seu governo. É essa a história do PSDB. A política de abertura do país à globalização, a privatização de estatais e a redução do Estado foram princípios que se incorporaram ao partido conforme foram sendo assumidos como políticas de Estado pelo governo tucano.

Todos os partidos, sem exceção, estão diante de um quadro de profundas mudanças no país e terão que se adaptar a isso. Fora a mobilidade social e regional que ocorreu no período, houve nas últimas décadas um grande avanço de escolaridade. A isso, os programas de transferência de renda agregaram consciência de direitos de cidadania. O país é outro. Não se ganha mais eleição com preconceito - até porque o voto do alvo do preconceito tem o mesmo valor que o voto da velha elite. Se os grandes partidos não se assumirem ideologicamente, outros, menores, tomarão o seu espaço.


Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

Herança maldita :: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA -Foi só passar a eleição com seus programas alegres e coloridos e a realidade insiste em pipocar nas suas mais variadas formas. Como uma chuva de bolinhas, não exatamente de papel.

Aliás, o escândalo da vez é no banco PanAmericano, do Sílvio Santos, que visitou Lula no meio da campanha e é dono também do SBT, a rede que reduziu o rolo de fita da agressão a José Serra no Rio a uma mera bolinha de papel. Deve ser só coincidência. De concreto, o rombo é milionário, a solução foi negociada com BC e CEF e tudo foi descoberto durante a campanha, mas só divulgado agora.

Outro "probleminha" detectado antes da eleição, mas que vem à tona depois dela, é que uma das turbinas da usina de Itaipu, com mais de 30 anos de uso, apresenta trincas de até 30 cm. Quantas outras estão assim? Taí uma boa pergunta, enquanto os dez partidos aliados se estapeiam pelo rico Ministério de Minas e Energia.

E como o país da urna eletrônica, um dos sistemas mais sofisticados de votação do mundo, não consegue fazer o Enem direito? Rolou de tudo um pouco. Teve prova repetida, erro de gabarito, aluno tuitando, um festival de irregularidades. É nisso que dá fazer as coisas sem licitação -uma semana depois do segundo turno.

Para completar, mal acabaram de fechar as urnas e lá vem a eleita falar em CPMF, enquanto projetos de aumentos salariais tramitam no Congresso e grassa a suspeita de que as contas públicas chegam a 2011 fora de controle.

Deve ser por essas e outras que se discute a tal regulamentação da mídia, uma das coisas que a gente sabe como começa e não sabe como acaba. Como as CPIs dos bons tempos do PT na oposição, lembra?

Lula deveria ter pensado bem antes de abandonar o governo às moscas e às Erenices para só fazer campanha. Até porque Dilma, coitada, não vai ter a surrada bengala da "herança maldita".

G-20, o espetáculo da soberania :: Demétrio Magnoli

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Aquilo que o ministro Guido Mantega define como guerra cambial é a paisagem superficial da longa crise do sistema de Bretton Woods. O desequilíbrio entre os superávits chineses e os déficits americanos forma o relevo destacado nessa paisagem, mas não a esgota nem a explica. A crise de fundo tem uma dimensão econômica, mas uma raiz geopolítica. No fim das contas, as engrenagens institucionais da ordem econômica global parecem emperradas, pela primeira vez desde o pós-guerra. O G-20, palco da estreia de Dilma Rousseff na cena internacional, não é a ferramenta milagrosa de solução da crise. Antes figura como uma expressão singular do impasse evidenciado desde a quebra do Lehman Brothers.

Na sua versão original, o edifício de Bretton Woods praticamente excluía a necessidade de interferência política no sistema monetário. O dólar refletia o ouro, que lhe servia de lastro nominal, e uma coleção de moedas orbitava em torno do dólar segundo um mecanismo de paridades quase fixas. As fundações do edifício estavam assentadas na rocha da escassez de dólares, num tempo em que os EUA eram os credores do mundo. O arranjo promoveu as três décadas gloriosas de crescimento acelerado das economias de mercado. Voluntariamente, para salvar o capitalismo, os EUA ajudaram a criar centros independentes de poder econômico, sacrificando no caminho a posição de hegemonia absoluta adquirida durante a guerra.

Quando a escassez de dólares desapareceu, premido pelo financiamento da Guerra do Vietnã, Richard Nixon levantou a âncora da paridade com o ouro. Bretton Woods 2 não emanou de uma conferência, mas de um gesto unilateral do gerente do sistema: a retomada da prerrogativa soberana de imprimir moeda. No novo ambiente de flutuação cambial, a interferência política dos principais atores tornou-se um imperativo. O G-5 e o G-7, seu sucessor, nasceram como respostas à necessidade de tecer consensos em torno da governança econômica global. Eles operaram como um clube seleto, que compartilhava uma visão de mundo similar e tomava decisões informais em reuniões fechadas, protegidas do assédio da imprensa.

Desde 1971 os EUA agem de olho nas suas prioridades nacionais, dividindo com o resto do sistema internacional o custo das políticas domésticas. A desvalorização de Nixon difundiu para o mundo as pressões inflacionárias geradas no interior da economia americana. Dez anos depois, a "revolução econômica" de Ronald Reagan provocou a elevação dos juros globais, o desvio da liquidez mundial na direção de Wall Street e uma forte apreciação do dólar. Poucos anos mais tarde, tornou-se inadiável uma brusca correção de rumo, com a depreciação do dólar ante o marco e o iene, algo que demandava a aquiescência da Alemanha e do Japão. Washington obteve o que desejava no Acordo do Plaza de 1985, uma prova indiscutível da eficácia política do clube das potências.

Há dois anos os EUA buscam uma reedição do Acordo do Plaza, sob a forma de um pacto de limitação de superávits ao máximo de 4% dos PIBs nacionais, o que implicaria forte apreciação do renminbi chinês. A proposta faz sentido, mas não decola, pela conjunção de dois motivos. Um: a China não admite reproduzir a função desempenhada pelo Japão há um quarto de século. Dois: o G-20 não é um G-7 ampliado.

Os chineses temem repetir a trajetória do Japão depois do Plaza, quando o influxo de capitais se coagulou em bolhas especulativas nos mercados de imóveis e ações, que explodiram na crise financeira de 1990 e redundaram numa estagnação de quase dez anos. O consenso interno em torno do renminbi depreciado estende-se do núcleo dirigente do Partido Comunista, que resiste a conferir direitos econômicos à população, até as empresas transnacionais estabelecidas no país, que funcionam como plataformas de exportações.

O G-20, consolidado após a quebra do Lehman Brothers, reflete o declínio relativo dos EUA e a multiplicação dos centros de poder econômico gerados pela globalização. Ele não é um clube, mas um fórum. Seus integrantes, especialmente a China, não compartilham a visão de mundo que moldou o sistema de Bretton Woods. Suas reuniões, escancaradas ao escrutínio público, são teatros do espetáculo da soberania. Hoje, em Seul, chineses, alemães, brasileiros e sul-africanos erguerão sua voz para acusar os EUA. Todos eles estarão de olhos postos nas manchetes dos telejornais e das publicações impressas.

A decisão do Federal Reserve de inundar o mercado com uma torrente de US$ 600 bilhões assinala um ponto de inflexão. Os EUA cansaram-se de esperar e resolveram mudar unilateralmente o cenário mundial. A China retrucou num tom incomum, anunciando que erguerá uma "muralha de fogo" contra o ingresso de capitais especulativos. A guerra cambial assume a configuração de um confronto político e ameaça converter o G-20 em praça de combates. Em meio aos disparos, o governo brasileiro transforma a justificada indignação com a iniciativa americana em pretexto para circundar o debate sobre a conexão entre os gastos públicos, as taxas de juros e a apreciação do real.

Uma falência do G-20 não serviria a nenhum dos atores de uma ordem econômica global que precisa da "mão visível" da política para conservar alguma estabilidade. Mas o espetáculo da soberania, por sua própria dinâmica, pode desandar em guerra cambial e comercial, arrastando o mundo pela ladeira da depressão. Hoje só o FMI, que faz reuniões fechadas, propícias à separação entre a soberania e seu exercício espetacular, tem as condições políticas para exercer a mediação entre as potências do G-20. Depois dos retumbantes fracassos dos anos 90, o FMI pode encontrar um novo papel útil nessa função de intermediação. Se isso acontecer, o Brasil de Dilma Rousseff reconhecerá na antiga instituição de Bretton Woods um parceiro insubstituível. Ironias da História.

Sociólogo, é doutor em Geografia Humana pela USP.

Sergio Guerra: “Não há decisão. Mas o PSB não é nosso inimigo”

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Cecília Ramos

Após seis dias de férias em Miami, o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra, retorna hoje ao Recife. Em entrevista ao JC, por telefone, ontem, de Brasília, o tucano, eleito deputado federal, mostra como está cada vez mais próximo do PSB do governador Eduardo Campos.

JORNAL DO COMMERCIO - A oposição em Pernambuco, o PMDB, DEM, PPS e os próprios tucanos, aguardam uma definição do PSDB sobre os rumos da legenda. Se permanece na oposição ou migra para a base do governo Eduardo Campos (PSB). Qual a decisão?

SÉRGIO GUERRA - Sobre o PSDB de Pernambuco, eu sempre disse que tem a ver com o PSDB no Brasil. Evidentemente que não vamos decidir isso agora. Acabamos de sair de uma eleição presidencial. Cheguei ontem (terça-feira) de viagem. Estou tomando pé das coisas. Agora (ontem), para você ter uma ideia, estou aqui em Brasília conversando com o Cássio (candidato a senador pelo PSDB mais votado na Paraíba nestas eleições, Cássio Cunha Lima teve a candidatura barrada pelo TSE com base na Lei da Ficha Limpa).

JC - Quais os critérios, então, para definir a posição do PSDB em Pernambuco?

GUERRA - Depende do relacionamento que vamos (o PSDB) ter com o PSB nacional e com todas as forças no sentido nacional. O PSB não é inimigo nosso. Só para lhe dar dois exemplos, na Paraíba e em Alagoas, que são limites com Pernambuco, PSDB e PSB são parceiros. Mas estadualmente (PE) não posso me colocar antes de me colocar no nacional.

JC - O PSDB nacional é oposição ao futuro governo da presidente Dilma Rousseff (PT). O que falta definir?

GUERRA - Oposição vamos ser sempre (a Dilma). Isso já está combinado nos Estados, mas não quer dizer que somos oposição aos governos estaduais (da base aliada a Dilma).

JC - O senhor tem insistido na boa relação entre o PSDB e o PSB. Seria uma indicação sobre o futuro, em Pernambuco?

GUERRA - Não estou dizendo nada. Ainda não tenho nada a declarar sobre isso. Ainda não coloquei minha cabeça na questão pernambucana.

JC - O senhor está voltado para o nacional, trabalhando, então, para ser reconduzido à presidência do PSDB?

GUERRA - (Risos) Não estou trabalhando para nada. Todo mundo ficou de acordo em prorrogar (o mandato na presidência do partido até junho). Fora disso, ninguém tratou do assunto. A gente acaba uma eleição presidencial com oito governadores, uma bancada forte... Veja, não posso atropelar os fatos. Temos tempo.

JC - Após o desgaste que foi a eleição estadual, ainda há espaço para o PSDB marchar com o PMDB de Jarbas Vasconcelos e o DEM de Mendonça Filho?

GUERRA - Não estou falando uma palavra sobre o futuro. O que posso garantir é que a União por Pernambuco acabou. Não fomos nós (do PSDB) que acabamos. Antes da eleição o próprio Jarbas já havia dito isso.

JC - O senhor causou desconforto entre aliados ao declarar, em entrevista ao JC, que teria apoiado a reeleição de Eduardo Campos caso o PSDB não tivesse candidato a presidente. Não é estranho, já que o PSDB apoiou Jarbas?

GUERRA - Não sei a razão do desconforto. Desde a primeira eleição de Eduardo ao governo, em 2006, eu disse que o apoiaria não fosse o fato de que estava na coordenação da campanha de Geraldo Alckmin a presidente. Quando Mendonça se candidatou (ao governo) eu disse. Desta vez (2010), não apoiei Eduardo porque coordenei a campanha de José Serra. Estou coerente.

JC - Jarbas terminou a campanha dizendo que não falaria mais uma palavra sobre o senhor. Ambos terminaram a eleição completamente afastados. E permanecem?

GUERRA - Não vou comentar.

Centrais iniciam campanha por mínimo de R$ 580

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ana Paula Scinocca

BRASÍLIA - Mesmo diante da resistência do governo, as centrais sindicais iniciaram um corpo-a-corpo em defesa do salário mínimo de R$ 580 em 2011, aproximadamente US$ 300. Hoje, líderes sindicais, sob o comando do deputado e presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), se reuniram com o vice-presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), e com o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), na tentativa de sensibilizar os congressistas para aprovação do salário mínimo no valor desejado. Na mesma tarde, Paulinho apresentou duas emendas ao Orçamento para tentar garantir o reajuste do mínimo e aumento das aposentadorias acima do salário mínimo em 9,1%.

"Há espaço para negociar e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) já prevê mínimo de R$ 540. A decisão, ao final, será política", anotou, antes de se reunir com Maia e Sarney. Segundo Paulinho, todas as categorias têm conseguido, em média, reajustes entre 9% e 10%. "Com o mínimo não pode ser diferente." Atualmente, o salário mínimo é de R$ 510. O mínimo de R$ 580 é resultado da aplicação do índice de 5,5% (inflação prevista para 2010) sobre o Produto Interno Bruto (PIB) de 7,5%, estimado para o ano de 2010. "O resultado é um aumento de 13% ou de R$ 70 sobre o salário atual. Adotar tais parâmetros é a melhor maneira de corrigir a distorção decorrente da aplicação da variação do PIB em 2009", justificou Paulinho ao apresentar uma das emendas hoje na Câmara.

O presidente da Força Sindical lembrou que na véspera a entidade fechou acordo de reajuste de 9% mais 24% de abono para os 800 mil metalúrgicos do Estado de São Paulo.

Para os aposentados que ganham acima do mínimo, o pleito das centrais sindicais é de reajuste de 9,1%. "Vamos negociar até onde for possível, mas a decisão é política. Esse debate só vale até quando a presidente eleita (Dilma Rousseff) falar", afirmou Paulinho.

Na próxima terça-feira, representantes das centrais sindicais devem se reunir com o relator da Comissão Mista de Orçamento, senador Gim Argello (PTB-DF), e com os ministros do Planejamento, Paulo Bernardo, e da Previdência, Carlos Eduardo Gabas, para discutir o reajuste do mínimo. No Senado, o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), apresentou emenda para garantir o mínimo em R$ 600. O valor foi o mesmo defendido na campanha pelo então candidato tucano à Presidência, José Serra.

'Enfrentamento não leva a democracia a lugar algum'

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Gabriel Manzano

O professor Eugenio Bucci, da Escola de Comunicações e Artes da USP, reagiu ontem às afirmações feitas na véspera pelo ministro Franklin Martins, sobre a necessidade de uma regulamentação para a mídia no País, afirmando que "o enfrentamento não leva a democracia a lugar algum". O ministro, titular da Secretaria de Comunicações (Secom), havia dito que a regulação do setor da mídia "vai ocorrer, seja num clima de enfrentamento ou de entendimento". Entrevistado pela TV Estadão, Bucci admitiu que a regulação e a regulamentação da radiodifusão no Brasil "são um tema em aberto" e que faz sentido "a discussão de um marco legal atualizado". Isso "pode ser debatido, sim, mas não pelo enfrentamento".

Entre os temas que poderiam ser incluídos nesse debate, prosseguiu Bucci, estariam a propriedade cruzada dos meios de comunicação e a posse dessas empresas por parlamentares. Mencionou ainda que é preciso haver uma lei que impeça que uma igreja seja dona de meios de comunicação "e que emissoras sejam controladas por alianças entre partidos políticos e igrejas".

O professor reagiu também, na entrevista, à avaliação de Franklin Martins de que não passa de "fantasma" ou de "mito" dizer-se que a liberdade de imprensa esteja exposta a riscos.

Bucci ressaltou que há liberdade de imprensa no País - apesar de censura judicial - mas pode-se entender como "potenciais iniciativas de intimidação" a campanha de criação de conselhos de comunicação nos Estados. "Ora, o Estado não tem competência legal para ceder canal de televisão. Não tendo, não deveria opinar, ou mais que isso, fustigar essas atividades." Ele ressaltou que, no Ceará, esse conselho fica dentro da Casa Civil.

Conflito de interesses. "Ora, o Executivo é que deve ser fiscalizado pela imprensa, não o contrário", explicou à TV Estadão. Outro fator que, segundo ele, atrapalha a discussão é um conflito de interesses que decorre do fato de a Secom ter vínculo com a TV Brasil. Isso significa que ela é parte interessada na radiodifusão - porque controla uma emissora de TV que é uma rede. "É responsável, também, pela imagem do presidente, e controla as verbas publicitárias. É a anunciante dos veículos privados". Essa posição dúbia "faz com que alguns setores olhem com certa reserva. Com que interesse estariam propondo uma regulamentação?"

O entrevistado lembrou, ainda, que "o Brasil deixa muito a dever", comparado com a legislação do tema em outros países. Mas ele vê "como um sinal tranquilizador" as afirmações da presidente eleita Dilma Rousseff, no discurso de vitória, em favor da liberdade de expressão. "Acho que ela falou aquilo a sério".

Lula afirma que constatações do TCU nem sempre são verídicas

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Obras irregulares

MAPUTO - O presidente Lula afirmou ontem que as constatações do TCU (Tribunal de Contas da União) nem sempre são verídicas.

Anteontem, o tribunal enviou ao Congresso lista de 32 obras, sendo 18 do PAC, que não devem receber recursos por irregularidades graves.

"O TCU investiga, manda seus engenheiros e seus técnicos, eles constatam algumas coisas e nem sempre o que constatam é verídico", disse, durante visita a Moçambique.

Segundo o presidente, as investigações fazem parte da "normalidade administrativa" do país e os ministérios ou empresas atingidas pela suspensão irão recorrer da decisão.

Entre as 32 obras, o TCU recomendou ao Congresso que não envie recursos para duas refinarias da Petrobras: a Getúlio Vargas (Repar), no PR, e a Abreu e Lima, em PE.

No ano passado, essas duas obras também constavam da lista do TCU. O Congresso ratificou a recomendação do órgão, mas o presidente vetou a interrupção de recursos.

Cotado para Saúde, secretário do Rio é alvo de denúncias

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Secretaria estadual diz que investigação começou na própria pasta e que assessor sob suspeita foi demitido

Sérgio Côrtes, criador das UPAs, foi indicado para equipe de Dilma pelo governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB)

Dimmi Amora


BRASÍLIA - O secretário de Saúde do Rio de Janeiro, Sérgio Côrtes, cotado para o Ministério da Saúde de Dilma Rousseff por indicação do governador Sérgio Cabral (PMDB), enfrenta uma série de denúncias contra sua gestão.

Ontem, o Ministério Público obteve da Justiça autorização para quebrar sigilos, bloquear os bens e fazer busca e apreensão na casa de Cesar Romero, o ex-subsecretário-executivo de Saúde, primo da mulher de Côrtes e braço direito dele na secretaria.

A ação ocorreu porque Romero foi indiciado sob acusação de fraude em licitação ao contratar manutenção de ambulâncias superfaturada em mais de 1.000%. Essa é uma das investigações sobre irregularidades nos quatro anos de Côrtes à frente da Saúde do Estado.

A secretaria diz que a ação do Ministério Público começou após investigação interna, e o secretário exonerou o então subsecretário quando foram encontrados os indícios de irregularidades.

Informa ainda que tem uma corregedoria própria para apurar irregularidades, mas que faz 85% das compras em pregões públicos. Isso, diz a secretaria, vem gerando economia em compras e multiplicando o número de atendimentos ao público.

Ex-diretor do Instituto Nacional de Traumato-Ortopedia, hospital federal no Rio, Côrtes foi escolhido por Cabral, em 2006, pela fama de combater a corrupção.Em sua gestão no órgão, sofreu atentados que foram atribuídos a descontentes com seu controle.

CRIADOR DAS UPAS

Seu passaporte para o ministério é ser o criador das UPAs (Unidades de Pronto Atendimento). Espécie de pequena emergência, teve grande sucesso atendendo a mais de 6,5 milhões de pessoas em menos de quatro anos. Foi incorporada como projeto federal pelo ministério e depois ao programa de governo da presidente eleita.

As UPAs, contudo, têm um alto custo de manutenção. Isso foi decisivo para que, por dois anos seguidos, o orçamento acabasse antes do fim do ano, e os fornecedores parassem de receber.

Os problemas não se resolveram. Há suspeitas de contratos emergenciais superfaturados no fornecimento de remédios e equipamentos hospitalares pela Barrier, empresa sediada em paraíso fiscal e em nome de laranjas.

Os contratos sob suspeita somam R$ 17 milhões. As movimentações da empresa estão sendo investigadas.

A Barrier afirma que está legalmente no país, foi chamada e forneceu o que foi pedido a preço de mercado.

No caso das ambulâncias, a licitação, segundo o Ministério Público, foi direcionada para a vitória da Toesa Service. Como não havia projeto, pagava-se um preço fixo pela manutenção, não importando se algum serviço era feito.

De acordo com o Ministério Público, isso gerou um prejuízo de R$ 1,6 milhão. A Justiça suspendeu o contrato ontem liminarmente.

A empresa foi procurada pela Folha, mas não se pronunciou sobre o caso.

Entidades reagem a ameaças de Franklin Martins

DEU EM O GLOBO

Ministro afirmou que regulação da mídia virá, mesmo com enfrentamento; empresários defendem debate e negociação

Evandro Éboli, Mônica Tavares e Fábio Brisolla*

BRASÍLIA. Um dia depois de o ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Franklin Martins, ter declarado que a regulamentação sobre a mídia será feita mesmo que num clima de enfrentamento, entidades do setor deixaram claro que o tema deve ser tratado com diálogo e não com confronto. Dirigentes da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) e da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e outras ligadas à empresas de telecomunicações evitaram polemizar com o ministro e afirmaram que pretendem contribuir com a discussão.

Na abertura do Seminário Internacional das Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias, anteontem, o ministro disse que nenhum setor ou grupo pode impedir a discussão sobre a regulação da mídia.

— Nenhum grupo tem o poder de interditar a discussão.

A discussão está na mesa. Terá de ser feita. Pode ser num clima de enfrentamento ou de entendimento.

Eu acho que é muito melhor fazer num clima de entendimento — disse Franklin.

Antes de deixar o governo, Franklin vai enviar ao presidente Lula um anteprojeto com proposta de regulamentação da mídia.

A decisão de enviá-lo ou não ao Congresso será da presidente eleita, Dilma Rousseff.

Para Daniel Slaviero, ex-presidente da Abert, não há clima de embate entre o governo e as empresas de comunicação.

Slaviero afirmou que a entidade gostaria de participar de um grupo de trabalho para contribuir na elaboração do texto do anteprojeto de lei sobre o setor, antes de seu envio ao Congresso.

— O seminário mostrou que há vários modelos e que temos uma legislação, de 1962, que precisa ser atualizada. Estamos prontos para esse diálogo e a sentar e conversar. Só que vamos reagir fortemente, se houver interferência no conteúdo de rádios e TVs, cerceamento da liberdade de imprensa — disse Slaviero.

Ele não considerou ofensivas as declarações de Franklin: — Acho que o ministro não carregou na tinta, como se diz. Foi dentro da sua linha.

Presidente do Grupo Bandeirantes de Comunicação, o empresário João Carlos Saad, que participou do seminário, fez duras críticas ao evento: — O debate aqui é muito difícil. Para você se inscrever tem que escrever a sua pergunta, por suas impressões digitais, e aí vai para um professor da UnB que, se quiser, decide ler a sua pergunta.

Ele também considerou confuso o seminário, que durou dois dias: — Ele não é feito pelo Ministério das Comunicações, que é quem deveria estar fazendo isso.

Não é feito pela Anatel. Ele é feito pela Secom, que não tem nada a ver com isso. Se não tem nada com isso, por que está fazendo? Ele ocorre no oitavo ano do presidente Lula. E a informação é que eles querem fazer todo um marco regulatório nesses trinta, sessenta dias.

Para o presidente da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA), Alexandre Annenberg, não há “discrepâncias insanáveis” entre o setor e o governo. Para ele, a discussão tem o objetivo de encontrar o modelo mais adequado para o Brasil: — Não chamaria de embate, para não caracterizar posições antagônicas. Não creio que deva ser esse o ponto de partida. Temos que partir para aprofundar a discussão. Num nível de franqueza, mas de entendimento, como foi colocado aqui — disse Annenberg.

O presidente da associação disse que cabe ao governo a regulação do setor, mas isso precisa ser feito sem posições ideológicas: — A regulação é um instrumento do Estado e ponto final.

Não existe você ser contra ou a favor do marco regulatório.

Ele tem de existir.

Ricardo Pedreira, da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), considerou positiva a realização do seminário e a adoção de um marco regulatório, como há em países europeus e nos Estados Unidos.

Mas ele teme a ameaça à liberdade de imprensa: — O que não cabe é qualquer controle prévio aos meios de comunicação — disse ele, que não polemizou com Franklin: — Todo mundo tem direito de dar opinião. Não há enfrentamento.

Diretor-executivo do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel e Celular e Pessoal (SindiTelebrasil), Eduardo Levy disse que, em qualquer mudança de marco regulatório, os interesses de todos os envolvidos são lícitos. Ele acha que o anteprojeto a ser elaborado pelo governo será negociado com todos os segmentos: — Não tem como ser imposta.

Não é rápida, é lenta. E qualquer mudança tem que ser debatida à exaustão e no fórum adequado, que é o Congresso — disse ele.

Ontem, no discurso de encerramento, Franklin evitou criticar as empresas de comunicação.

Disse que a regulação não é um “bicho de sete cabeças” e que o debate continuará: — É normal a oposição ao projeto. Esse é um tema complexo e sensível. Natural também que seja controverso.

Mas o Brasil quer discutir esse tema — disse o ministro.

Associação repudia ações contra mídia

DEU EM O GLOBO

Na Espanha, entidade aprova resolução sobre liberdade de expressão

BRASÍLIA. A 40° Assembleia Geral da Associação Internacional de Radiodifusão (AIR) aprovou ontem, em Cádiz, na Espanha, uma resolução de repúdio a iniciativas do governo brasileiro que coloquem em risco a atividade de emissoras de rádio e de TVs no Brasil e que possam ferir os preceitos constitucionais da liberdade de expressão. A decisão da entidade ocorreu a partir de pedido da Associação Brasileira de Emissoras de Rádios e TVs no Brasil (Abert).

A associação brasileira decidiu recorrer à entidade internacional por conta de algumas iniciativas do governo que a Abert considera ameaçadoras ao direito de informar. Entre elas estão a 1° Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) e a decisão de algumas Assembleias Legislativas de criar em seus estados os conselhos estaduais de comunicação.

A Abert citou também a criação de uma comissão do governo para elaborar o projeto que cria o marco regulatório para os serviços de telecomunicação. A regulamentação é defendida pelo ministro da Comunicação Social, Franklin Martins.

A resolução da Associação Internacional de Radiodifusão criticou também a possibilidade de qualquer alteração na lei de concessões de rádios e TVs, como a redução do prazo legal das licenças ou a proibição de suas renovações.

A entidade internacional também lembrou que sites jornalísticos de multinacionais da telecomunicação não respeitam o limite imposto pela Constituição brasileira para empresas de comunicação. Segundo o texto constitucional, empresas jornalísticas e de radiodifusão só podem ter 30% de seu capital sob controle de estrangeiros.

O diretor-geral da Abert, Luis Roberto Antonik, afirmou que foi a primeira vez que a associação de radiodifusão adota uma resolução dessa natureza para o Brasil. Antonik disse que a decisão em Cádiz foi tomada antes da realização do seminário internacional que terminou ontem em Brasília.

— A decisão expressa mais uma vez a preocupação que se tem com o ambiente regulatório no Brasil, ainda que o presidente Lula seja um defensor da liberdade de expressão — afirmou Antonik.

Transição de Dilma tem ré da máfia dos sanguessugas

DEU EM O GLOBO

A advogada Christiane de Oliveira, contratada para trabalhar na equipe de transição de Dilma Rousseff, foi indiciada pela Polícia Federal e é ré em ação movida pelo Ministério Público Federal por envolvimento na máfia dos sanguessugas, que desviava verbas da saúde. Christiane era assessora parlamentar do ex-deputado federal João Caldas (PSDB), também denunciado pelos crimes.

Nomeada para a transição de Dilma é ré

Advogada alagoana é acusada de envolvimento com a Máfia dos Sanguessugas: "Não há sentença contra mim"

Odilon Rios

MACEIÓ. Nomeada para a equipe de transição da presidente eleita Dilma Rousseff, com nome publicado ontem no Diário Oficial da União, a advogada alagoana Christiane Araújo de Oliveira foi denunciada e é ré em duas ações de improbidade na Justiça Federal de Alagoas, por envolvimento com a Máfia das Sanguessugas. Em março de 2008, a Justiça Federal aceitou as ações de improbidade, propostas em 2006 pelo Ministério Público Federal contra integrantes da máfia dos sanguessugas.

A advogada era assessora parlamentar do ex-deputado federal João Caldas, também indiciado na Operação Sanguessuga, esquema descoberto pela Polícia Federal que incluía o desvio de verba federal destinada à saúde. O escândalo foi chamado de “máfia das ambulâncias”. O outro assessor — James Sampaio Calado Monteiro —, também indiciado, é hoje prefeito de Palmeira dos Índios (AL).

— Não tem sentença no processo, está na instrução. Ela era secretária de João Caldas, não há evidências da participação dela. Ela era secretária, fazia o que o chefe mandava. Se o deputado pedia para ligar para fulano ou beltrano, ela ligava — disse o advogado de Christiane, Welton Roberto.

Filha de um pastor, Christiane era estudante de Direito e estava em Brasília quando começou a trabalhar para Caldas.

— Ela trabalhou em meu gabinete, ficou cinco ou seis anos.

Depois, foi para o GDF (Governo do Distrito Federal) — disse o ex-deputado João Caldas (PSDB), que não sabia da nomeação da ex-assessora. — Ela é competente, boa advogada.

Christiane disse que constituiria um outro advogado para falar com O GLOBO: — Estou orando a Deus. A Globo está atrás de mim. Não há sentença contra mim em nada.

Perguntada sobre o que faria na transição, disse: — Estou vendo, não sei se vou ser. Se Deus quiser que eu seja, serei — disse.

Verônica Ferriani - Me deixa em paz

Lula e MEC divergem sobre nova prova do Enem

DEU EM O GLOBO

Diante da confusão no governo, até bancada do PT pede a demissão do ministro da Educação

O presidente Lula e o Ministério da Educação não se entendem sobre o que fazer para reparar os erros no Enem 2010. Em Moçambique, Lula cedeu e disse que se for preciso, o MEC fará outra prova: "Nenhum jovem deixará de cursar a universidade porque teve problema no exame”. Mas, em nota, o MEC insistiu que não há necessidade de nova prova para todos os candidatos, embora o erro no cartão de respostas tenha sido geral. O MEC tentou até explicar a declaração de Lula: "O que o presidente afirmou é que o projeto do novo Enem, como anunciado na implantação, se consolidará com mais de uma edição por ano". Diante de tanta confusão, a bancada do PT na Câmara pediu a cabeça do ministro Fernando Haddad, informa Ilimar Franco no Panorama Político.

Mais desencontros sobre Enem

Lula agora diz que alunos podem ter de fazer outra prova, mas MEC afirma não ser preciso

Chico de Gois* e Demétrio Weber

MAPUTO e BRASÍLIA - Depois da confusão nas provas, ontem foi a vez de o governo não se entender sobre como resolver o problema dos candidatos que fizeram o Enem 2010 no último fim de semana, diante de tantas falhas cometidas pelo Ministério da Educação na aplicação do exame. Ao se despedir de Moçambique, em sua última visita à África como chefe de Estado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que, se for preciso, o MEC fará outra prova do Enem. Lula não explicou, porém, se o novo teste será para todos os 3,4 milhões de alunos ou somente para aqueles que tiveram problemas durante o exame.

Em Brasília, o MEC divulgou nota insistindo em afirmar que não há necessidade de nova prova para todos os candidatos.

Lula disse que conversou anteontem à noite com o ministro da Educação, Fernando Haddad, para saber como estava o andamento do caso. Na conversa, Lula perguntou ao ministro qual a garantia que podia dar para os estudantes. Segundo o presidente, há duas garantias: — Primeiro, nós vamos investigar o que aconteceu efetivamente no Enem e a Polícia Federal já está em campo. Segunda coisa que podemos dar garantia é que nenhum jovem deixará de cursar universidade porque teve problema no Enem. Se for necessário fazer uma prova, se for necessário fazer duas, nós faremos.

O dado concreto é que nós vamos fortalecer o Enem, porque é a melhor coisa que aconteceu até agora.

Horas depois das declarações de Lula, porém, a nota do MEC informou que o ministério não considera necessário aplicar nova prova do Enem. Segundo MEC, o que Lula quis dizer é que o Enem será consolidado com a aplicação de mais de uma edição do exame por ano, como previa o projeto de reformulação do teste, em 2009.

“O Ministério da Educação esclarece que, até o momento, não vê necessidade de realizar uma nova prova do Enem”, diz a nota. “O que o presidente da República afirmou é que o projeto do novo Enem, como anunciado na sua implantação, se consolidará com mais de uma edição por ano.”

MEC quer reaplicar teste para dois mil

Em Maputo, Lula reafirmou que o Enem irá continuar, independentemente dos problemas apresentados nas duas primeiras edições, em 2009 e 2010, e garantiu que os estudantes não ficarão sem entrar na faculdade.

— O Enem é o exemplo de uma coisa bem-sucedida no Brasil — defendeu ele. — Se tem problemas no Enem, a gente vai consertando os problemas e vai fortalecendo o Enem. Primeiro foram dois milhões, agora foram três milhões, daqui a pouco serão quatro milhões, seis milhões.

O MEC mantém a intenção de reaplicar a prova do Enem deste ano apenas para um número restrito de candidatos que receberam cadernos de questões com erros de impressão (prova do modelo de cor amarela), sem que fossem substituídos a tempo, no último sábado. Esse número seria inferior a 2 mil, num universo de 3,4 milhões de participantes no sábado — no domingo, o total caiu para 3,3 milhões.

“As informações que estão sendo apuradas pelo consórcio Cespe/ Cesgranrio (contratado para aplicar e corrigir o exame) e pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, órgão do ministério) dão conta que o número de estudantes verdadeiramente prejudicados é muito pequeno”, conclui a nota do ministério.

Por conta de decisão da Justiça Federal do Ceará, o Enem está suspenso e o MEC não pode divulgar o gabarito oficial da prova nem permitir que alunos recorram para pedir nova correção.

Fraude já existia quando CEF se associou ao PanAmericano

DEU EM O GLOBO

Sílvio Santos negociou pessoalmente socorro a banco do seu grupo

As fraudes contábeis no Banco PanAmericano, do Grupo Silvio Santos, vinham sendo cometidas há pelo menos três ou quatro anos, segundo apurou o Banco Central. Ou seja, quando a Caixa Econômica Federal gastou R$ 739 milhões para comprar 49% do capital cia instituição, em dezembro de 2009 e em julho deste ano, a maquiagem nas contas já existia. Mas nada foi detectado pelas auditorias contratadas pelo governo. O rombo foi de R$ 2,5 bilhões. O problema só estourou no mês passado, quando o BC descobriu que executivos do PanAmericano fraudavam os balanços. O próprio Sílvio Santos negociou pessoalmente o socorro para o seu banco junto ao Fundo Garantidor de Crédito (FGC). O presidente Lula negou que a empresário tivesse pedido ajuda a ele. As ações do banco caíram 29,5%.

Silvio Santos participou da negociação pessoalmente

Empréstimo do Fundo Garantidor de Créditos teria sido condicionado à venda das empresas, à exceção do SBT

Ronaldo D’Ercole e Patrícia Duarte

SÃO PAULO e BRASÍLIA. O empresário Silvio Santos participou diretamente de toda a negociação que resultou no socorro de R$ 2,5 bilhões dado pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC) ao banco PanAmericano. Como se propunha a usar seu patrimônio para evitar a quebra do PanAmericano, o Banco Central (BC) propôs que ele negociasse um empréstimo com o FGC. O contrato teria uma cláusula que prevê a obrigatoriedade de o controlador vender todas as suas empresas, menos o SBT, no período de dez anos.

Segundo fontes ouvidas pelo GLOBO, esse termo foi adicionado porque há ceticismo sobre a capacidade de o grupo Silvio Santos obter receita suficiente para bancar o empréstimo.

A venda seria negociada pelo próprio FGC, e o PanAmericano seria o primeiro a ir. Segundo fontes próximas ao assunto, não será difícil encontrar compradores, já que o banco foi saneado. E o fato de ter a Caixa Econômica Federal (CEF) como sócia do PanAmericano é um chamariz.

O presidente do Conselho de Administração do FGC, Gabriel Jorge Ferreira, também deu a entender que a venda dos ativos teria sido condição para liberar o empréstimo: — Há o compromisso de esforço contínuo de venda das empresas, naturalmente daquelas que são mais rentáveis, caso do banco, que continuará tendo a Caixa como sócio relevante da instituição.

O primeiro contato de Silvio Santos com os dirigentes do FGC foi em 11 de outubro. No dia 13 eles já se reuniam para costurar uma solução.

Segundo Ferreira, pela primeira vez um empresário “propôs voluntariamente entregar seu patrimônio como garantia”. As empresas são: PanAmericano, Jequiti (de cosméticos), Liderança Capitalização, Baú Financeira e SBT. Mas este não faz parte da cláusula de venda por razões legais. Além de ser uma concessão pública (radiodifusão), a maior parte das suas ações pertence à pessoa física Silvio Santos, não ao grupo empresarial. A venda da TV só ocorreria no pior cenário possível, o que é descartado neste momento.

A holding SS Participações, que controla as 44 empresas do grupo, emitiu debêntures no valor de R$ 2,5 bilhões, adquiridas pelo FGC. Isso é menos de 10% do patrimônio atual do FGC, de R$ 28 bilhões.

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Cidadezinha qualquer::Carlos Drummond de Andrade

Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar ... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.