domingo, 21 de novembro de 2010

Reflexão do dia – Fernando Henrique Cardoso

Igual atenção deve ser prestada ao surgimento de novas práticas e valores afins com uma cultura cívica de participação e responsabilidade. Cidadãos informados, opinião pública ativa, expansão dos espaços públicos de deliberação são valores para o fortalecimento do “espírito democrático” nas sociedades abertas do século XXI. Pode não haver incompatibilidades excludentes entre a manutenção de traços de um corporativismo renovado, submetido a controles democráticos e certas formas contemporâneas de democracia. Nas sociedades de massas, grandes organizações burocráticas, públicas e privadas, com sua corte de interesses corporativos, podem conviver com uma sociedade civil participante, desde que a forma política instituída garanta espaço para a discussão do interesse público e que prevaleça um clima de liberdade no qual convivam opiniões e interesses plurais e mesmo contraditórios.

(Fernando Henrique Cardoso, no livro ‘Xadrez internacional e social-democracia’, pags.140-1 – Editoria Paz e Terra - , São Paulo, 2010)

Balões :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Entre o que ela diz e o que dizem que ela pensa, há uma enorme diferença que apenas o anúncio de seu Ministério inicial poderá esclarecer. Os balões de ensaio lançados nos últimos dias dão conta de que a presidente eleita, Dilma Rousseff, parece inclinada a fazer o que assustava o mercado financeiro no candidato oposicionista José Serra: retirar o poder do Banco Central para colocá-lo em sintonia com o Ministério da Fazenda.

Teria optado por Guido Mantega na Fazenda e descartado Henrique Meirelles no Banco Central, lugar que seria ocupado por um burocrata de carreira.

O que seria uma clara decisão de centralizar a política econômica em suas mãos, na busca de objetivos que dificilmente são convergentes: crescimento médio de 5,5% do PIB ao ano, redução da taxa de juros real a 2% ao ano e diminuição da dívida com redução do superávit primário.

O que parece estar novamente em jogo é a discussão sobre o nosso PIB potencial, que em outros momentos provocou um debate técnico entre Mantega e Meirelles.

Em 2007, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, comemorou o anúncio do crescimento do PIB de 5,4% afirmando que estava sendo derrubado um mito de que o PIB potencial do Brasil era de 3,5%, nível acima do qual começaríamos a ter problemas de inflação e de "hiato de produção", isto é, falta de produtos e, no nosso caso, até mesmo apagão de energia.

Quando assumiu o ministério, em março de 2006, Mantega vinha de uma disputa com o Banco Central exatamente sobre o PIB potencial e garantiu no discurso de posse que levaria a economia "até o limite do seu potencial de crescimento", que ele dizia ser mais próximo de 5% do que dos 3,5%, um limite psicológico nunca explicitado, mas com que trabalhava a equipe econômica do ex-ministro Antonio Palocci.

A presidente eleita, Dilma Rousseff, aparentemente comprou a briga de Mantega, assumindo como factível um crescimento médio de 5,5% sem provocar inflação.

O mercado, porém, continua apostando no limite anterior, talvez um pouco ampliado para 4% ou no máximo 4,5% de crescimento.

O aquecimento da economia está levando a que as projeções para a inflação deste ano já estejam na casa dos 6%, o que obrigaria o Banco Central a ter que elevar a taxa de juros já no início do novo governo, coisa que parece não agradar à presidente eleita.

Além do mais, para aumentar as contradições, ao mesmo tempo em que o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, anuncia metas para conter os gastos públicos, aparentemente ecoando antigas posições do ex-ministro Antonio Palocci, já se anuncia também a disposição do governo de manter aumentos do salário mínimo bem acima da inflação, apesar da regra que limitaria esse aumento, e ampliar o Bolsa Família para casais sem filho, quebrando de vez o tênue compromisso que ligava o auxílio assistencialista a uma ideia de emancipação da segunda geração de famílias carentes.

O projeto inicial do Bolsa Família era exatamente permitir que os filhos de pessoas excluídas, tendo cuidados com a educação e a saúde na infância - as chamadas condicionalidades -, pudessem entrar no mercado de trabalho.

Dar o Bolsa Família diretamente para os casais carentes sem filhos é acentuar o seu caráter assistencialista, uma espécie de retribuição a um nicho eleitoral que se destacou na recente eleição, especialmente no Nordeste, que o sociólogo Candido Mendes chama de "o povo de Lula".

Na sua palestra no seminário da Academia da Latinidade que se encerrou na sexta-feira no Rio, ele defendeu a tese, que desenvolve com mais aprofundamento no recente livro "Subcultura e mudança, por que me envergonho do meu país", de que na vitória de Dilma há uma relação simétrica entre "o país pobre e seu aperfeiçoamento social imediato".

Sem constrangimentos, Candido Mendes associa a vitória de Dilma diretamente ao Bolsa Família, tratando com naturalidade a enxurrada de votos que a presidente eleita recebeu no Norte e no Nordeste, onde tirou cerca de 12 milhões de votos em relação a seu adversário.

Segundo Candido Mendes, "são votos ligados à experiência do benefício social para esses 42 milhões de brasileiros e à consciência do ganho irreversível de seu bem-estar".

Essa seria a base para o "desenvolvimentismo" que é reafirmado pela permanência de Guido Mantega no Ministério da Fazenda sem o Banco Central para contrabalançar ou pelo menos sem a força política que teve no governo Lula.

Assim como no início do governo o presidente Lula tinha uma meta básica como o Fome Zero, que acabou se transformando em uma marca propagandística que acabou gerando o Bolsa Família, a presidente eleita, Dilma Rousseff, parece ter dois objetivos definidos no campo social, além de manter e ampliar os programas assistencialistas: tornar realidade o programa Minha Casa, Minha Vida, parte do PAC, e fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS).

Não é por acaso que começaram a surgir logo depois da eleição de Dilma Rousseff diversas propostas de aumento de arrecadação do governo, desde a recriação da CPMF até mesmo a legalização dos bingos.

Será preciso elevar a arrecadação do governo para manter todas essas ações assistencialistas e aumentar os investimentos, no mínimo para que possamos mesmo realizar a Copa do Mundo de 2014 e sediar as Olimpíadas no Rio em 2016.

Uma ideia que volta e meia ronda os governos, e começa a surgir novamente neste, é aumentar a taxação sobre o lucro dos bancos e criar o imposto sobre as chamadas "grandes fortunas".

Seria uma maneira de aumentar os ganhos do governo com um cunho social que teria apoio na sociedade.

Tudo, no entanto, está em processo de decisão. O papel que o ex-ministro Antonio Palocci terá no futuro governo é crucial. Ele já esteve colocado em ministérios da área social, e hoje parece certo que ocupará um gabinete no Palácio do Planalto, mas mais perto da política do que da economia.

O papel de Lula:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Na condição de inventor da candidatura e de posse da prerrogativa de mentor de Dilma Rousseff, o presidente Luiz Inácio da Silva tem se comportado como previsto nesta etapa de transição entre a eleição e a posse da sucessora.

Ninguém de bom senso pode imaginar que Dilma possa se tornar independente de Lula de uma hora para outra. Acreditar nisso é se abstrair da realidade e conferir excessivo e precipitado crédito às histórias de distanciamento entre criadores e criaturas.

Essas coisas levam tempo. No caso específico de Dilma, é preciso levar em conta também que determinadas atitudes não são condizentes com a natureza feminina.

O dever de lealdade é mais acentuado nas mulheres, ou há alguma dúvida a respeito?

O caso de Lula como criador também é peculiar: ele detém uma força e um poder de mobilização dentro e fora do partido que sempre lhe assegurarão ascendência sobre Dilma, por mais que os deveres e os prazeres da Presidência a tornem a cada dia mais senhora de si. Isso sem falar que ele sabe fazer política e ela não.

A liderança dela é derivada e isso é um fato.

Nada há de estranho, portanto, que Lula influa decisivamente na composição do ministério. Pode não ser adequado, mas durante toda a campanha os gestos, mais que as palavras (embora estas também), deixaram bastante claro que não haveria solução de continuidade, sendo ela a eleita.

Só por isso não se pode dizer que Dilma será necessariamente uma marionete. Esquisito seria se ela fizesse escolhas à revelia dele.

Quanto à interferência de Lula para barrar o apetite de setores do PMDB no episódio do "blocão", há o óbvio: o presidente é ele até o dia 31 de dezembro.

Antes disso fica difícil fazer análises definitivas sobre qual será mesmo o papel de Lula como ex-presidente pelo simples fato de que a situação concreta ainda não se apresentou. Até lá, o que se faz são suposições.

Conjecturas a esse respeito é o que mais tem sido feito no mundo político. É consenso entre amigos e aliados de Lula que Dilma transitará em terreno complicado: não poderá desagradá-lo, mas também não poderá deixar que o poder lhe seja usurpado.

Nesse aspecto, a iniciativa teria de ser dele, deixando o governo para ela e cuidando da política em duas dimensões: a da própria biografia e a do projeto de poder de seu grupo - vale dizer o PT e área de influência.

Lula cuidará do instituto que levará seu nome, mas gostaria de ocupar algum posto que lhe permitisse liderar programas de ajuda a nações mais pobres, na África, como já se diz. Internamente, funcionaria como referência política nos grandes debates.

Um papel que Fernando Henrique poderia ter cumprido se o PSDB tivesse deixado, mas que com o PT Lula certamente poderá cumprir. Surpreendente na visão de amigos e aliados é a unanimidade da dúvida em relação a uma possível volta em 2014.

Ninguém acha que Lula voltará a disputar eleições. Para não se arriscar a macular o patrimônio da inédita popularidade ao fim de dois mandatos que já lhe garante lugar de honra na História.

Outro patamar. A direção do PMDB avisou nas internas que vai desautorizar quaisquer iniciativas de pressão por cargos sobre a presidente eleita. Não porque o partido não queira participação à altura da parceria que lhe confere a Vice-Presidência da República.

A questão é que nem todos no PMDB compreenderam que tais truques já não são necessários como eram à época em que o partido era um poderoso aliado, mas não passava de um anexo garantidor da "governabilidade".

Quando os idealizadores do "blocão" se juntaram a partidos como o PTB e o PP, que nem sequer se aliaram ao PT na eleição, emprestaram a eles a força e não o contrário como quiseram dar a entender. Reduziram o PMDB ao posto de agregado, subtraindo-lhe importância.

"Pela primeira vez não podemos ser chamados de adesistas, não disputamos espaços, mas dividimos naturalmente o poder conquistado nas urnas", diz o ex-ministro Geddel Vieira Lima, lembrando que ataques a Dilma Rousseff atingem igualmente o vice, Michel Temer.

Arte de montar governo com palavras cruzadas:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL (ONLINE)

Com um mês e pouco ao seu dispor, o presidente Lula procurou ser menos Lula do que na campanha eleitoral, e deu o peteleco na armadilha ministerial montada pelo PMDB & mais quatro, a título de oposição amiga: “Parecia que ia acontecer, mas não aconteceu”.

Valeu como atestado de óbito.

O blocão do PMDB reúne nominalmente 202 deputados, mas ainda está longe de somar a metade do rebanho da Câmara, e mais um voto, dos 513 deputados, para dispor de maioria absoluta e botar o PT de joelhos. Os cálculos ainda refletem devaneios ociosos, e a realidade, que dirá a última palavra, não disse nem a primeira. Lula está avaliando como não ficar para trás dos acontecimentos, nem se habilitar mediante reserva de mercado para 2014.

Seria fazer pouco dos cidadãos.

Se ficar para trás, Lula expõe- se ao risco de colidir com as definições da sucessora, que já abateu um bom pedaço do seu débito com Lula ao perfilhar a indicação do seu ministro da Fazenda como retribuição pública e, tanto quanto possível, sem compromisso de continuísmo.

Se Dilma Rousseff e Luiz Inácio não se mantiverem juntos, a distância entre eles – que já não é a da campanha – tende a aumentar e, a partir de algum ponto, polarizar diferenças que também acabarão inconciliáveis. Não é demais, olhando pelo retrovisor, considerar que as duas candidaturas não chegarão juntas a 2014. Uma ficará pelo caminho. Ambas, por sinal, dividem os riscos de estarem à disposição dos interessados em eliminá-las pelas diferentes razões que dão à democracia o encanto de um jogo.

Lula é candidato sem alternativa. Mesmo a candidatura de Dilma Rousseff à reeleição depende do imponderável (no caso, do governo que fizer). E, se não acertar com o tom adequado, terá de se contentar com um mandato. À oposição, o que sobrar.

Se Lula, já ex-presidente, quiser exercer a tutela política como fez com a candidata até aqui, terá de considerar que o eleitor se deixa levar pelas pesquisas eleitorais, mas o cidadão mantém um pé atrás em relação aos governantes. Não existe a possibilidade de exercer mandato presidencial por telefone celular. Tem de ser na primeira pessoa do singular ou na primeira do plural. Ou não será presidencialismo.

No primeiro mandato Lula não conseguiu nem arrematar seu ministério e, se não fosse José Dirceu, não teria fechado a negociação com a arraia miúda parlamentar. No segundo, dispensou o mensalão e ficou com as consequências residuais. O Lula que sai não é mais o que entrou, mas não se sabe qual dos dois é melhor. O outro será automaticamente o pior.

Nos últimos dias do governo Lula, a presidente Dilma Rousseff está aproveitando as oportunidades de dizer a que veio e, principalmente, a que não veio. Monologando em voz alta, dá a entender a Lula que era uma e agora, depois de eleita, é outra para ficar à altura das responsabilidades que compõem a sua circunstância. Não quer ouvir falar de porteira fechada e de ministério promíscuo.

Na hora de montar governos não há formulas, mas circunstâncias clareadas pelo bom-senso, que às vezes atrapalha. Uma das questões é saber de que modo processar as demissões para preencher as vagas com nomeações por outra ordem de argumentos.

Dilma começou bem e, ao se recusar a fazer palavras cruzadas com ministérios e garantir reserva de mercado ao continuísmo, evitará que seu governo venha a parecer a sombra do que a precedeu. Apontou a porta de saída à mal vestida ideia de cotas fixas como base das definições que a deixariam de mãos amarradas.

Na formação de ministérios, não pode haver direito adquirido no governo anterior.

Deu um chega pra lá no PMDB ao chamar seu vice para enquadrar a mania de grandeza do partido dele, não no governo dela. Foi uma lição pelo menos oportuna.

Presidencialismo mitigado? Sem chance :: Gaudêncio Torquato

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

"Quem manda é a presidente, e não blocos partidários", brada o presidente do PT ante a perspectiva de criação de um conglomerado reunindo 202 deputados do PMDB, PP, PR, PTB e PSC. Se é verdade que o Brasil adota como sistema de governo o presidencialismo de coalizão, cujas dinâmica e eficácia dependem do número de partidos e de parlamentares que habitam o planeta governista, a dicotomia sugerida por José Eduardo Dutra não se sustenta. Quanto mais extensa a aliança em torno do Executivo, maior a probabilidade de seu comandante, o presidente, administrar sismos nas frentes congressuais e garantir, assim, a governabilidade. Siglas e blocos, portanto, detêm boa dose de mando na condução do País, mesmo que se reconheça a índole monárquica do presidencialismo brasileiro, que se revela avassaladora nos espaços do Legislativo. A relação de troca, esta, sim, é a medida do equilíbrio entre os dois Poderes. O presidencialismo de coalizão alimenta-se da base política e esta come do seu pasto para engordar. É assim o jogo. Aqui e alhures. Por isso mesmo, qualquer tentativa de atenuar a hegemonia presidencial por nossas bandas soa como loas à utopia.

O presidencialismo mitigado, ou um parlamentarismo à moda francesa ou portuguesa, nos termos debatidos por um grupo de juristas e cientistas sociais reunidos pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Brasília, na semana passada, não parece combinar com os traços de nossa realidade política. Sua arquitetura é mais refinada. Seu escopo, mais plural. Claro, é uma utopia a ser acalentada. É consenso que o modelo parlamentarista abriga uma coleção de adjetivos que emolduram a moderna política: avançado, racional, mais democrático, conectado à realidade, flexível, sensível à dinâmica social. Ocorre que na esfera dos costumes políticos estamos ainda no ciclo da carroça, do trem maria-fumaça, da construção das primeiras estacas éticas e morais. A semente presidencialista, como se sabe, viceja em todos os espaços, dos mais simples e modestos aos mais elevados. O termo presidente faz ecoar significados de grandeza, forma associação com a aura do Todo-Poderoso, com as vestes do monarca, com a caneta do homem que tem influência, poder de mandar e desmandar. Até no futebol o presidente é o mandachuva. O chiste é conhecido: como o ato mais importante da partida de futebol, o pênalti deveria ser cobrado por quem? Pelo presidente.

O jurista que coordena o projeto de reforma política da OAB, Luis Roberto Barroso, até pinça um episódio futebolístico para argumentar não contra o parlamentarismo (como a princípio se pode imaginar), mas contra o presidencialismo. Em 1980, no final do Campeonato Brasileiro, o Flamengo ganhou por 3 a 2 do Atlético Mineiro, em polêmica partida disputada no Maracanã. O árbitro expulsou três jogadores do Atlético, a bagunça tomou o campo e agitou os nervos. No fim, transtornado com o "resultado roubado", Elias Kalil, presidente do Atlético, exclamou aos berros:

"Vou apelar para o presidente da República, João Figueiredo! Vou falar pra ele de presidente para presidente!" O presidencialismo, tirado do coldre pelo dirigente do time mineiro, acabou transferindo para o campo parlamentarista o professor Barroso. Não se conformou ele com uso tão destrambelhado do conceito. O culto à figura do presidente e, por extensão, a outros atores com forte poder de mando faz parte da glorificação em torno do Poder Executivo. Tronco do patrimonialismo ibérico. Herdamos da monarquia portuguesa os ritos da Corte: admiração, bajulação, respeito e mesuras, incluindo o beija-mão.

O sociólogo francês Maurice Duverger defende a tese de que o gosto latino-americano pelo sistema presidencialista tem que ver com o aparato monárquico na região. O vasto e milenar Império Inca, com seus grandes caciques, e depois o poderio espanhol, com seus reis, vice-reis, conquistadores, aventureiros e corregedores, plasmaram a inclinação por regimes de caráter autocrático. O presidencialismo por estas plagas agregaria, assim, uma dose de autocracia. Já o parlamentarismo que vicejou na Europa se teria inspirado na ideologia liberal da Revolução Francesa, cujo alvo era a derrubada do soberano. Isso explicaria a frieza europeia ante o modelo presidencialista. A disposição monocrática de exercer o poder vem, no Brasil, desde 1824, quando a Constituição atribuiu a chefia do Executivo ao imperador. A adoção do presidencialismo, na Carta de 1891 - que absorveu princípios da Carta americana de 1787 -, só foi interrompida no interregno de 1961 a 1963, quando o País passou por ligeira experiência parlamentarista.

Portanto, o presidencialismo está fincado no altar mais alto da cultura política. O poder que dele emana impregna a figura do mandatário, elevado à condição de pai da Pátria, protetor, benemérito. Essa imagem ganhou tintas fortes no desenho de nossa cidadania. De acordo com o conhecido traçado do sociólogo Thomas Marshall, os ingleses construíram sua cidadania abrindo, primeiro, a porta das liberdades civis, depois, a dos direitos políticos e, por fim, a dos direitos sociais. Entre nós, os direitos sociais precederam os outros. A densa legislação social (benefícios trabalhistas e previdenciários) foi implantada entre 1930 e 1945, num ciclo de castração de direitos civis e políticos. Portanto, o civismo, o sentimento de participação ficaram adormecidos por muito tempo no colchão dos benefícios sociais. A imagem do Estado e a do governante imbricavam-se ontem como se juntam hoje, bastando olhar os mantos que vestem o presidente Lula. Sob essa configuração, imaginar que o parlamentarismo tenha chance por aqui é apostar que a fada madrinha decidiu deixar o reino da fantasia para nos visitar.

Temos de conviver mesmo com o fardão presidencialista. O que pode ser feito, isso sim, é um sistema para atenuar a força das águas que irrompem do oceano presidencial.

Mas essa é outra história.

Jornalista, é professor titular da USP e consultor político e de comunicação

O pano de fundo :: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

A Europa viverá no futuro próximo uma situação semelhante a que os países latino-americanos viveram. Uma crise da dívida que só será resolvida após uma reestruturação em que os bancos também percam dinheiro. A repartição das perdas é exigência da Alemanha e dos fatos. O reconhecimento disso está elevando o nervosismo nos mercados. Esse será o pano de fundo do começo do governo Dilma.

Crise da dívida soberana de alguns países europeus; baixo crescimento, alto desemprego e paralisia decisória nos Estados Unidos; queda livre da moeda americana. O presidente do Fed, Ben Bernanke, tem sido muito criticado no mundo inteiro pela nova injeção de liquidez no mercado. Mais dólares circulando estão aumentando o risco de formação de bolhas, o que nos levaria de volta à casa um do jogo: bolhas que podem estourar levando a mais crises e risco inflacionário em países emergentes.

O índice de commodities agrícolas medido pela S&P disparou 73% em pouco mais de cinco meses. Saiu de 282.181 pontos, no dia 6 de junho, para 490.634 pontos no dia 9 deste mês, quando atingiu a máxima do ano. Em 10 dias, já caiu 13% até o fechamento de ontem.

Essa disparada coincide com os primeiros sinais de que a economia americana não teria a recuperação forte que se esperava. Foi quando começaram a surgir os primeiros rumores de que haveria uma nova rodada de estímulos econômicos por parte do Fed, que de fato acabou se concretizando. Sob a perspectiva de que haveria mais dinheiro circulando a juros zero, os especuladores correram para o mercado de commodities em busca de rentabilidade. O dinheiro está queimando na mão. O aumento de preços de commodities agrícolas é bom para o produtor brasileiro, mas a volatilidade e as bolhas podem provocar perigosos efeitos colaterais.

O professor José Márcio Camargo, da PUC-Rio, não vê saída para os europeus que não seja a moratória negociada. Ou seja, que os próprios credores aceitem novos prazos e juros para o pagamento das dívidas de Irlanda, Portugal, Espanha e Grécia. No caso da Irlanda, o contexto não deixa saída: governo endividado, baixo crescimento, deflação e bancos enfrentando uma crise de confiança. O Allied Irish Bank admitiu na sexta-feira que depende cada vez mais dos recursos do Banco Central Europeu.

- Crise fiscal só pode ser resolvida de duas formas: ou o governo devedor paga ou então renegocia. No caso da Europa, estamos vendo aumentar pouco a pouco o diferencial de juros para a rolagem da dívida dos países problemáticos em relação ao risco alemão. O quadro está se agravando lentamente desde o início do ano. O problema da renegociação é que ele vai quebrar a regra de que país desenvolvido não dá calote, então isso pode afetar a credibilidade da União Europeia como um todo - afirmou.

A Alemanha e a França negociaram à parte um acordo sobre a reforma das normas de resgate de países em dificuldades. Prevaleceu na discussão dos dois grandes a exigência alemã de repartição dos prejuízos. Isso aumentou a percepção de risco dos investidores, elevou ainda mais o custo das dívidas soberanas dos países mais frágeis e azedou ainda mais o clima entre os países da região. Segundo uma nota técnica da diretora do Centro Europeu para a Reforma, Katinka Barysch, se a Alemanha concordasse com a prorrogação dos fundos de assistência financeira, sem essa repartição dos custos, a decisão seria bloqueada pela Corte Constitucional da Alemanha.

Bernanke, para se defender das críticas que tem recebido pela decisão de aumentar a liquidez num momento de queda do dólar, disse que a raiz dos desequilíbrios comerciais e cambiais do mundo atual está na subvalorização da moeda chinesa, que representa um crescente risco econômico e financeiro. Ou seja, o tiroteio entre os dois gigantes continua, cada um culpando o outro.

Os dois têm razão: tanto um quanto o outro está, com sua política, ajudando a fomentar a instabilidade. José Márcio Camargo acha que o aumento de liquidez no mercado americano agora não faz sentido.

- Em 2008, fez todo sentido o aumento da base monetária porque o sistema financeiro havia entrado em colapso. O objetivo era destravar o mercado de crédito. Agora, a situação é diferente. Não há falta de crédito, há muita oferta. O que está faltando por lá é demanda por crédito, o que é bem diferente. E isso não será resolvido colocando mais dinheiro em circulação - afirmou.

O governo Lula surfou numa onda de crescimento mundial, aumento do comércio, elevação dos preços dos produtos que o Brasil exporta e aumento do fluxo de investimento. De 2003 até a crise do Lehman Brothers, houve um período enorme de prosperidade. Visto da situação atual, o mundo parecia simples. Hoje, a crise internacional é cheia de sutilezas, riscos, ineditismos.

A economista Monica de Bolle, da Galanto Consultoria, em artigo no seu blog com o sugestivo título "Help", e a citação da letra dos Beatles, disse que 2010 é o ano dos pedidos de socorro dos países. Ela conclui, depois de falar da crise nas economias maduras, que "o Brasil parece muito distante de qualquer possibilidade de crise", mas alerta que até as recuperações jovens e pujantes perdem a vitalidade "especialmente quando abusam de certas substâncias tóxicas como crédito excessivo e gasto público descontrolado."

Num pano de fundo conturbado, o Brasil vai bem, mas anda contratando riscos demais para uma temporada de instabilidade como a que o mundo vive.

As microrreformas de Palocci :: Suely Caldas

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O discurso lido por Dilma Rousseff no dia de sua vitória foi escrito a dez mãos. Mas, sem dúvida, as mais pesadas eram as da própria presidente e as do ex-ministro Antonio Palocci. Controle da inflação, estabilidade econômica, melhoria da qualidade do gasto público, respeito aos contratos, autonomia das agências reguladoras são compromissos que Palocci, quando ministro da Fazenda, herdou da gestão FHC e por eles brigou com o PT e com a própria Dilma até deixar o ministério, em março de 2006. Hoje são compromissos também da futura presidente.

Nos próximos dias Dilma deve anunciar a composição de sua equipe econômica e, no xadrez em montagem, Palocci e Paulo Bernardo despontam como peças-chave, estrategicamente colocadas ao seu lado no Palácio do Planalto para funcionarem como conselheiros, intermediários com os demais ministros, anteparos de pressões políticas, cinturão de proteção a ela e também influentes produtores de ideias e projetos para o governo. Bem aceitos por empresários, pelo mercado financeiro e pela oposição, os dois atuaram em dobradinha no primeiro mandato de Lula.

Dilma ainda não tomou posse, mas eles já recuperaram a dobradinha e começaram a atuar em harmonia. Em entrevista à repórter deste jornal Raquel Landim, Paulo Bernardo avisou que a nova presidente retomará as reformas microeconômicas de Palocci na Fazenda, interrompidas pelo efeito furacão do mensalão no Congresso.

Arquitetadas pelo secretário de Política Econômica na época, Marcos Lisboa, a partir do documento Agenda Perdida, elaborado por um grupo de 17 economistas e cientistas sociais, algumas dessas reformas andaram, entre elas a Lei de Falências e o sistema de crédito popular. Outras paralisaram, como o crédito imobiliário e o encurtamento do trâmite burocrático de abertura de empresas. O conjunto tinha por objetivo "apoiar o crescimento de longo prazo, criar ambientes propícios a novos negócios, aumentar a eficiência do mercado, a produtividade, a renda, o consumo e induzir novos investimentos", como definiu Lisboa (hoje diretor do Itaú-Unibanco) ao Estado, em maio de 2004.

Dessas reformas, a desoneração da folha de salários é a mais importante, mas também a mais complexa e difícil. Hoje os tributos que oneram a folha somam 27,8% assim distribuídos: 20% de contribuição previdenciária; 2,5% destinados ao Sistema S (Sesi, Senai, Sesc, etc.); 2,5% de salário educação; 2% para acidentes e doenças do trabalho; 0,6% para o Sebrae; e 0,2% para o Incra.

Em fevereiro de 2008 o presidente Lula manifestou a intenção de reduzir de 20% para 14% a contribuição previdenciária ao longo de seis anos e eliminar os 2,5% do salário educação, caindo a tributação total para 19,3%. Os sindicatos foram contra. O Ministério da Fazenda vem trabalhando com esses parâmetros, mas até agora não concluiu seu projeto. O obstáculo maior a essa alternativa é que reduzir a alíquota da Previdência aumenta ainda mais o já elevado déficit do INSS.

Em 2004 a proposta de Palocci para desonerar a folha era diferente. A desoneração não era linear e geral, mas seletiva e aplicada só aos salários de baixa renda, justamente para incentivar a legalização de trabalhadores informais que vivem sem nenhum direito trabalhista e sem garantia de aposentadoria na velhice. Com isso a reforma de Palocci isentava as empresas do pagamento de 20% à Previdência até o limite de um salário mínimo e, acima disso, reduzia a alíquota de uma parcela até dois mínimos. Essa eventual perda de receita seria compensada com um tributo sobre valor agregado que seria introduzido gradativamente na economia com alíquotas mais elevadas para setores de capital intensivo que pouco utilizam mão de obra - siderurgia e petroquímica - e desonerados setores de mão de obra intensiva, como têxtil, construção civil e calçados. Tudo seria feito aos poucos e com cuidado, de forma a não aumentar a carga tributária, garantia Lisboa na época.

Há, portanto, duas alternativas em jogo - a de Mantega e a de Palocci. Qual delas irá prevalecer?


Jornalista, é professora da PUC-RIO

Cenário desafiante para 2011 :: José Roberto Mendonça de Barros

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Bastaram poucas semanas após a eleição para se tornar muito claro o grau de dificuldade que o novo governo vai enfrentar na área econômica.

Embora o primeiro discurso da presidente Dilma tenha sido muito positivo e equilibrado (especialmente pela afirmação da regra democrática, pelo suporte à liberdade de imprensa, pela não aceitação do malfeito e pela reafirmação do tripé básico da política macroeconômica - o equilíbrio fiscal, o câmbio flutuante e as metas de inflação), várias falas e eventos recentes mostram a dimensão da tarefa a encarar. Consideremos os seguintes pontos.

Câmbio. O câmbio continua nas cercanias de R$ 1,70, apesar da elevação de alíquotas e da abrangência do IOF. Não é difícil explicar este resultado: a tendência à valorização do real vem de fora, consequência da inundação de moeda patrocinada pela ação do Fed (banco central dos EUA) e pela manutenção do yuan super desvalorizado, o que coloca a conta do ajuste para outros países, inclusive o Brasil.

Como esperado, a última reunião do G-20 empurrou com a barriga o problema, pois nem a China nem os EUA estavam dispostos a ceder em suas posições. Abre-se, portanto, a oportunidade para os países fazerem o que bem entendem na área externa, desde medidas heterodoxas na área cambial até ensaios protecionistas. As declarações de nossas autoridades não têm exatamente ajudado a reduzir a incerteza, até porque o arsenal de possíveis medidas intervencionistas (mais IOF, quarentenas, operações no mercado futuro, atuações regulatórias, etc) é miseravelmente pobre em eficácia e generosamente rico em consequências danosas para a economia. A questão do câmbio vai continuar a assombrar a agenda econômica.

Inflação. A inflação insiste em fugir da meta. O IPCA de outubro foi mais alto que o esperado por muitos, atingindo 0,75%. Embora a alimentação tenha sido o componente mais pressionado no período, está longe de ter sido o único. Serviços continuam sendo reajustados a uma taxa anual de mais de 7%, refletindo a pressão do mercado de trabalho, que não é sazonal.

Não surpreende, portanto, que os núcleos estejam subindo firme, tendo passado de 0,16% em agosto para 0,38% em setembro e 0,52% em outubro. Como então sugerir e esperar que os juros sejam reduzidos no início do próximo ano? Como acenar com juros reais de 2%, exceto se for para bem médio prazo? Ao contrário, se os juros fossem elevados, tendo em vista a inflação, como ficaria o câmbio, pressionado por estímulo adicional à entrada de capitais?

Custos. Os custos das empresas não param de subir. A energia elétrica para a produção segue subindo. Neste ano, o encargo que permite o subsídio para as tarifas dos sistemas isolados da Região Norte (CCC) foi simplesmente dobrado, pois passou a cobrir não apenas o custo do combustível, mas também toda a operação, o que retira qualquer estímulo à eficiência das empresas locais.

Essa decisão implicou mais de R$ 2 bilhões a serem rateados entre os consumidores. Além disso, a forte seca deste ano colocou os níveis de reservatórios abaixo daqueles de 2007 (período em que namoramos o racionamento) e resultou na necessidade de maior uso das usinas térmicas, cujo custo excede em muito o da fonte hidrelétrica. Com os atrasos nos cronogramas de construção das linhas de transmissão a partir dos grandes aproveitamentos da região norte, a pressão altista sobre as tarifas vai continuar nos próximos anos. Mais ainda, os custos de transporte seguem pressionados e os salários reais continuarão a subir nos próximos anos. Finalmente, como pensar em menores custos de produção se parece certo que uma nova CPMF vai se agregar à nossa robusta carga fiscal? Como lidar com a equação dólar barato/custos elevados?

Questão fiscal. Apesar da maquiagem cada vez mais pesada utilizada na contabilidade do saldo primário, é cada vez mais claro que o grande problema a enfrentar está na área fiscal. A utilização de parte dos recursos vindos da capitalização da Petrobrás como fonte primária, a título de receita de concessão, é absolutamente insustentável; não por provir de concessão, como argumentou o secretário do Tesouro, mas porque o dinheiro em tela, que circulou por várias entidades antes de voltar ao caixa da República, tem origem na emissão de dívida pública.

Não há como escapar da constatação de que a deterioração na situação fiscal é altamente preocupante, não apenas pela piora verdadeira do saldo primário (expurgados os truques contábeis), como pelos compromissos já assumidos, inclusive no esforço de eleger a candidata oficial e, especialmente, pelo que tramita no Congresso Nacional e pelas pressões vindas dos diversos grupos que compõe a base de apoio da situação. Vale mencionar ainda o valor das garantias assumidas pelo Tesouro em vários projetos (como no caso da usina hidrelétrica de Belo Monte, por exemplo), que representam passivos verdadeiros, mas não contabilizados nem provisionados. Só para mostrar como esse fator poderá ser importante no futuro, basta lembrar os custos de limpeza, nos anos 90, dos sistemas Eletrobrás e Siderbrás, da ordem de US$ 40 bilhões na ocasião, originados em garantias muito semelhantes às dadas pela União atualmente.

Consideremos, por exemplo, uma lista parcial dos projetos em andamento no Congresso: aumento de 56% para os servidores do Poder Judiciário; proposta de reajuste de 14,79% dos vencimentos dos ministros do STF, com repercussões sobre a folha de pagamento do Poder Judiciário e do Ministério Público, federal e estadual; a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que cria um piso salarial para os policiais civis, militares e bombeiros; a PEC equiparando o salário dos delegados de polícia ao do Ministério Público; a PEC que suprime a contribuição previdenciária de inativos e pensionistas do serviço público; o projeto de lei recompondo as perdas das aposentadorias pagas pelo INSS. Embora de forma precária, estima-se que, se aprovados, esses projetos podem criar custos de até R$ 100 bilhões anuais, de forma permanente. Segurar tudo isso no Congresso é um desafio talvez excessivo para o novo governo.

O campeonato mundial de futebol e a Olimpíada representam compromissos que terão de ser atendidos, mesmo a um custo elevado. Fala-se em algo como US$ 35 bilhões, mas de pode dizer com segurança que serão muito superiores ao orçado, dada a experiência dos Jogos Pan-americanos e os atrasos dos cronogramas de projetos, quer de estádios, quer de aeroportos.

No campo dos esforços realizados com coincidências eleitorais, remeto o leitor para o excelente artigo de Claudio Sales, que o Estado publicou em 11 de novembro passado, onde se analisa o pacote editado para salvar as Centrais Elétricas de Goiás (Celg), da ordem de R$ 4 bilhões, um dia antes de o governo estadual anunciar seu apoio à candidatura oficial. Naturalmente, o Estado de Goiás agradece.

O trem-bala, por sua vez, foi contemplado com R$ 5 bilhões de subsídios diretos e R$ 20 bilhões de financiamento subsidiado. Finalmente, o salário mínimo e o Orçamento devem ser definidos até o fim do ano por um Congresso cheio de amor para dar.

Confesso que eu mesmo fiquei surpreso ao verificar o tamanho das pressões fiscais, atuais e futuras. A pergunta que se coloca é a seguinte: qual será a distância entre o ajuste fiscal que será proposto e o necessário?

Os primeiros sinais conhecidos indicam que essa distância será bem considerável. Voltaremos a isso mais adiante.

Lá vem o Patto! :: Urbano Patto

DEU NO JORNAL DA CIDADE DE PINDAMONHANGABA/SP

Uma primeira demonstração concreta da capacidade de articulação política da futura presidente apareceu nessa recente disputa sobre a formação (ou não), dentro das hostes governistas, de um “blocão” parlamentar do PMDB, PP, PR, PTB e PSC e de outro “bloco” com PT, PCdoB, PSB, qual seja: depois de toda teatralização e estica e puxa, de cá e de lá, a maçaroca teve que ser desfeita. Por quem? Ninguém mais, ninguém menos que Lula, o futuro ex-presidente.

Segundo as informações dos jornais, ele teve que pessoalmente desmobilizar os líderes do PP e do PR e, embora discretamente, definir a estratégia, conduzir as ações e instruir os posicionamentos da agora presidente eleita, Dilma Roussef.

Entre os governistas, tem gente que vai achar isso ótimo porque entende que é assim mesmo deve ser, há sempre de se ter o “grande timoneiro e guia genial dos povos” mantendo as rédeas do governo e há aqueles que vão achar péssimo, porque a presidente eleita perdeu a oportunidade de se impor e, eventualmente, mudar as relações de poder dentro do governo de modo a favorecê-los numa nova composição.

Pode ser que ainda aconteçam mais rusgas e sobrem algumas mágoas, mas no fim todos se entendem, pois nada mais unificador e pacificador que o poder. À oposição cabe acompanhar os acontecimentos e ,democraticamente, tirar proveito do fogo amigo entre os governistas.

Porém, essa situação demonstra, de forma clara e insofismável, a maior adequação, didatismo e transparência do sitema parlamentarista para a consolidação da Democracia. Dispensa os ridículos teatros, muxoxos e chorumelas como esses recentemente encenados, com atores sem qualquer receio em parecerem canastrões.

No parlamentarismo, um primeiro-ministro, que é o chefe de governo, é designado pelo chefe de Estado - o presidente ou o monarca - com a obrigação constituir uma maioria parlamentar concomitantemente com a formação do gabinete ministerial. Para isso deve apresentar programas e negociar metas e composições. Se conseguir fazer isso bem feito, governa bem; se conseguir fazer apenas em parte, governa com dificuldades; se não conseguir, a casa cai. Um novo primeiro ministro pode ser designado para resolver os impasses e se a resolução se mostrar inviável volta-se ao povo, do qual o poder emana, e novas eleições são realizadas para compor um novo parlamento e legitimar uma nova maioria e compor um novo governo.

Lógico que inúmeras outras condições deverão ser estabelecidas, dentre elas, orçamento impositivo, burocracia profissionalizada e estável, arcabouço legal e Justiça sólida e ágil.

Não é um sistema tão emocional e novelesco como esse nosso presidencialismo quase monárquico, mas é bem menos hipócrita, muito mais revelador das verdadeiras intenções dos agentes políticos. Mais maduro e objetivo para construção de consensos, maiorias e governos e para a execução de programas de trabalho.

Também não permite tão facilmente o surgimento de caudilhos e lideranças messiânicas.


Urbano Patto é Arquiteto Urbanista, Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional e membro do Conselho de Ética do Partido Popular Socialista - PPS - do Estado de São Paulo

O que pensa a mídia

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Entrevista de Roberto Freire, um aperitivo

Deu no Blog Pitacos

Pitacos fez uma longa entrevista com Roberto Freire, um político que se destaca dos demais por dizer abertamente o que pensa e de não fugir de nenhum ponto polêmico.

Vamos aguçar a curiosidade de vocês e avançar algumas questões palpitantes que ele abordou. Em Breve publicaremos a entrevista na íntegra – Antônio Sérgio está tendo um trabalho danado para colocá-la no papel, com fidelidade máxima, com tudo que ela tem de nitroglicerina.

Claro que ele falou qual o papel que Serra deve jogar e, principalmente, o que o futuro reserva a Aécio, caso ele se coloque à altura das exigências que a história lhe fará, brevemente. Vêm novidades, da parte de Freire, mas não vamos contar antes da hora. Esperem a entrevista na íntegra.

Oposição boazinha

Roberto Freire foi cáustico, quanto ao desempenho da oposição, nos últimos oito anos. "Líderes oposicionistas defenderam mais a política econômica de Palocci e Lula do que o próprio PT”. Acha ele que a oposição pagou um preço por isto, nas últimas eleições.

Sem papas na língua, o presidente do PPS disse que a oposição tem que fazer autocrítica do tipo de oposição que fez, restringindo-se à denúncia dos casos de corrupção no governo e violações institucionais. É como se ele tivesse uma avaliação de que o DEM e o PSDB tivessem feito uma oposição tipo “udenista”, passando inteiramente ao largo da crítica à política econômica de Lula.

Para Roberto, o governo Lula apenas surfou na onda internacional favorável. Não inovou nada, muito menos em termos de uma política de esquerda. Sentou o sarrafo na “política redistribuitivista”, sem poupar o Bolsa-Família, que considerou como um programa necessário, mas humilhante para o país. “Esta política, nem é de direita nem é de esquerda. Ela é emergencial e aplicada em todos os quadrantes políticos”. Governos de “direita” e de “esquerda” podem adotar medidas socais compensatórias, que em si não têm nada de transformadoras.

Freire não esconde o seu orgulho diante a atitude diferenciada tomada pelo PPS em 2003, quando rompeu com o governo Lula por divergir dos rumos econômicos adotados pelo governo petista.

Conservadorismo na Campanha

Como explicar a derrota de Serra? Para Roberto Freire, isto aconteceu, em parte porque a oposição repetiu o mesmo erro de antes de não atacar as questões econômicas e os erros cometidos pelo governo Lula neste terreno. Deu para sentir que ele não concordava muito com aquele negócio de a oposição faria mais, do mesmo, só que de forma melhorada. De novo ele criticou os oposicionistas por ficarem apenas na crítica moral, na denúncia da corrupção.

Ficamos com a impressão que aquela imagem de Lula levada ao programa de Serra deve ter provocado urticária em Roberto. Mas o centro de sua crítica à campanha é outro: “houve um peso desproporcional e perigoso das forças políticas ligadas a religiões que conseguiram dar marca conservadora a questões de costumes. Felizmente Serra não caiu na condenação da união civil dos gays”. Mas não pensem que ele poupa Lula. Responsabiliza o presidente de ter introduzido, durante o seu governo, a questão religiosa, através da “Concordata com o Vaticano” e depois, “para compensar teve que inventar um Estatuto das Religiões”, para contemplar principalmente os evangélicos. Mas um pouquinho, o Brasil de Lula seria igualzinho à Argentina, onde existe uma religião oficial! Os governos dos “Hermanos” pagam os salários dos sacerdotes da Igreja Católica.

A oposição tem saída

Roberto Freire é um político realista e reconhece que, no Congresso Nacional, a oposição enfrentará enormes dificuldades, em função da diminuição de sua bancada. Mas acha que os partidos oposicionistas podem atuar unitariamente no Congresso, sem perder a identidade própria. Na sua cabeça, está em elaboração a proposta de um Protocolo das Oposições, que pautaria sua atuação parlamentar, assegurando a autonomia de cada partido.

Ele não acha que estas dificuldades deixaram a oposição no mato sem cachorro. Avalia que na sociedade a correlação de forças é outra, não só pela votação obtida por Serra, mas também pela eleição de um número expressivo de governadores e em Estados de peso, como São Paulo, Minas Gerais, Paraná, só para citar alguns.

Chamou ainda a atenção para mudanças no cenário internacional, onde o quadro de hoje é mais complexo do que a realidade dos dois governos de Lula. Segundo ele, isto levará a sociedade a se mexer, pois não basta agora o Brasil apenas surfar na onda.

Na sua avaliação, a crise só não nos atingiu com maior intensidade porque o Brasil tem uma inserção mínima na economia mundial: cerca de 1,6 % do comércio internacional. Essa participação já foi um pouco maior, antes dos governos de Lula. Mas alerta para os riscos de o nosso país ser apenas um exportador de matérias-primas e de sofrer uma forte desindustrialização, uma vez que o governo Lula não teve uma política de defesa do parque industrial brasileiro.

Esta mudança do cenário possibilitará a oposição ter um comportamento mais combativo. “Inevitavelmente, a sociedade se mexerá”, diz ele.

A nova esquerda

Deixamos para o fim um tema que angustia muitos pitaqueiros.

Como é que Roberto Freire vê o futuro da esquerda democrática no Brasil, a possibilidade de fusão com o PSDB ou a criação de uma nova formação política neste campo?

Não vamos entregar o ouro. Deixamos para a entrevista, a ser publicada no começo da semana.

Adiantamos a questão da esquerda. Esta “não é uma tarefa das oposições, mas da própria esquerda”. De cara, descarta qualquer incorporação do seu partido a outra agremiação de esquerda de maior capilaridade. Fala claramente. Nada de “entrismo” no PSDB, porque, no seu entendimento, este partido não é o estuário natural da esquerda e porque o PPS se esfacelaria.

Sua proposta é outra: criar uma nova formação política, democrática, de esquerda e laica, na qual “o PSDB é o leito principal e o PPS é a ‘sementinha’”. Sonha com algo chamado de Movimento Democrático de Esquerda (claro, citou uma sigla qualquer en passant). A esta nova formação (não gosta do termo “partido”, prefere “movimento”, até por ser mais moderno) se agregariam ainda setores do PMDB, do PDT e de outras formações políticas, além de muita gente sem partido, mas alinhado neste campo.

Lula, Chávez, Evo Morales

Claro que Roberto falou sobre o lulismo e suas afinidades com o peronismo (ou com o subperonismo, como o qualificou Fernando Henrique), sobre a aliança dos descamisados com o grande capital, com os movimentos sociais desfigurados e cooptados – características presentes no fascismo.

Apenas para despertar o apetite de vocês: Lula não tem nada de anticapitalista, segundo Roberto Freire. “Nisto, ele não chegou aonde chegou Chávez e nem aonde chegou Evo Morales”. De esquerda, Lula e hoje o seu PT não têm nada. “Governam pela centro-direita e têm um discurso de centro-esquerda”. Para inglês ver.

Nitroglicerina

Esperem a entrevista na íntegra. Foram duas horas de uma discussão franca, transparente, ousada, sobre a atualidade da política.

Os entrevistadores, Tibério Canuto e Antônio Sérgio Martins, sentiram que tinham nitroglicerina pura no gravador.

Comunicação do PSDB com eleitor é mínima, diz Guerra

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Presidente do partido diz que "não se pode reclamar das cúpulas se falta base partidária" e propõe filiados "vivos e ativos"

Julia Duailibi

Após amargar a terceira derrota consecutiva na disputa presidencial, o PSDB avalia agora que o partido precisa de uma base de filiados "real", "de verdade". "O PSDB precisa ter filiados vivos, ativos, participantes", diz o presidente da legenda, Sérgio Guerra. Com a tarefa de equilibrar o partido perante os anseios do PSDB mineiro, de Aécio Neves, e do paulista, de José Serra e Geraldo Alckmin, Guerra afirma que, sem um quadro "seguro" de filiados, o partido nem sequer pode pensar em prévias partidárias para as eleições presidenciais de 2014.

"Falar de prévias sem filiados é conversa fiada", completa.

Cauteloso para não alimentar mais polêmica interna, o senador evita falar sobre a sucessão. "É uma completa dor de barriga, uma cólica desnecessária começar a discutir como será 2014", desconversa. Guerra despista ao falar sobre seu futuro na presidência da sigla em 2011 - a tendência é que continue na direção do partido.

O sr. anunciou reestruturação no PSDB. Como será?

A primeira coisa é encontrar canais de comunicação com os setores que votaram em nós. E nesse aspecto a capacidade do PSDB é mínima. Isso pressupõe atualização do programa, no qual se confirme sua história e que tenha capacidade de lançar novas propostas para que a diferenciação entre o que somos e o que é o PT fique evidente e para que se tenha a confirmação de uma identidade firme, sem vacilação. Uma reestruturação organizacional pressupõe a confirmação do partido em todos os municípios e, de maneira especial, onde se mostrou fraco.

Na eleição, o PSDB pagou por ser um partido sem militância?

Não há possibilidade de falar em democracia no partido sem que o partido tenha filiados de verdade. Tudo é sofisma. Se não tem quadro de filiados vivo, seguro, ativo, não pode pensar em prévias nem em democracia. Nem pode reclamar das cúpulas, porque falta base para elas. O PSDB ainda é um partido com lideranças fortes, mas sem organização partidária. Isso pressupõe quadro de filiados real, vivo. Falar de prévias sem filiados é conversa fiada.

Por que esse trabalho não foi feito para a eleição de 2010?

Na eleição de 2006 para 2010, o partido avançou. Não houve nessa campanha, em nenhum momento, explicitação de crise interna. Ela se deu com divisões controladas. Houve muito mais solidariedade na campanha de Serra do que na de Geraldo, no sentido de participação, especialmente nas áreas de dificuldade, como no Nordeste.

Qual o papel que Serra terá?

Terá um papel ativo. Essa semana estive com ele, e ele manifestou opinião sobre várias coisas que estão acontecendo na vida política brasileira, como a conduta de um padrão oposicionista, qual deve ser o foco, quais previsões para a economia.

A oposição será mais ativa?

Se a gente hoje tem dificuldade numérica no Congresso, é maior a exigência de sermos mais efetivos. Não podemos ficar como às vezes acontece. A gente estabelece um contencioso, e os caras dizem: "Mas vocês também têm parte nisso". Não devemos deixar que essa frase prospere.

É um mea culpa pela oposição feita nos últimos anos?

A oposição foi diminuída pela redução do Congresso. Lula fez uso desproporcional da propaganda e da manifestação do presidente. Não houve oposição? É uma grande mentira, uma superficialidade. Lula disse que a gente fez oposição radical, violenta, sanguinária, lembra?

Enquanto governador, Serra evitou discurso de oposição.

Governadores não devem e não vão liderar oposição. Eles têm prioridade na ação governamental, que passa pela relação com a burocracia federal.

O sr. fica na presidência?

Vou cumprir meu papel até quando estiver na presidência. Depois, outra pessoa terá capacidade de fazer. Ainda vou ter uma conversa com amigos sobre esse assunto.

O próximo presidente do partido terá de unir e arbitrar anseios do PSDB mineiro e paulista?

Fizemos agora uma reunião da Executiva. Ninguém falou sobre candidatos à Presidência. Não vamos desenvolver essa agenda agora. O problema não é unir. Convivi com eles na direção de forma harmoniosa. O problema é fazer os eleitorados adotarem o mesmo caminho.

Aécio tem interesse nessa agenda. Agora é a vez dele?

A questão de Aécio, ou de qualquer companheiro, é legítima. O próprio Aécio deseja ajudar na reestruturação do partido. Serra está me dizendo que vai se inserir no esforço até para organizar as campanhas municipais. Não tem nesse momento isso. É uma completa dor de barriga, uma cólica desnecessária começar a discutir como será 2014, se nós, anteontem, saímos de 2010.

FHC falou que o partido demorou a lançar candidato neste ano.Tudo bem, nesse caso está falando para trás, não para frente.

Como vê o movimento para lançar Aécio presidente do Senado?Não é isso que Aécio me diz. Ele me disse que vai desempenhar papel de senador na sua plenitude. Pelo menos agora.

Serra continua presidenciável?

Não posso dar opinião sobre isso. Vou falar o contrário do que estou dizendo. Não é hora de falar de cotados ou de cotações.

O PSDB perde com a ida do prefeito Kassab para o PMDB?

Ele respirou a mesma atmosfera que nós nos últimos anos. Acredito que continue nela.

No PMDB, Kassab flertaria com o governo federal.

Sobre esse assunto, não vou comentar. Tenho conversado com o DEM, não com ele.

Legislação atual já regula comunicação no Brasil

DEU EM O GLOBO

Governo é criticado por tentar criar agência para controlar a mídia

Fabio Brisolla

Uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado do Rio vai discutir a criação de um conselho de comunicação social para "orientar e fiscalizar" os órgãos de imprensa. Em outros sete estados brasileiros tramitam projetos de lei semelhantes, que sinalizam a censura do conteúdo produzido por jornais, revistas, e emissoras de TV e rádio. Desencadeadas nos últimos três meses, as iniciativas coincidem com o plano do governo federal de criar um marco regulatório para as empresas de radiodifusão e telecomunicação. Responsável pela elaboração do documento, o ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Franklin Martins, sustenta que as leis sobre o assunto são insuficientes. Já as entidades contrárias à criação de uma agência reguladora enfatizam que já existe uma ampla rede de normas em vigor.

Em todo território nacional, os veículos de comunicação estão sujeitos às regras ditadas por Ministério das Comunicações, Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), Ministério da Justiça, Ancine (Agência Nacional do Cinema) e Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A legislação relacionada ao tema está presente ainda na Constituição Federal, no Código Brasileiro de Telecomunicações, na Lei Geral de Telecomunicações (LGT), nos códigos Civil e Penal, e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Um projeto de lei (o PL29) foi encaminhado ao Senado Federal criando novas diretrizes para as operadoras de TV por assinatura. E, na propaganda, o mercado segue as normas de uma agência não governamental, o Conar (Conselho de Autorregulamentação Publicitária).

"Censura sofisticada"

As eventuais infrações cometidas pelos veículos de comunicação são contestadas pelo Ministério Público em suas instâncias estaduais e federais. E o Juizado de Menores também costuma desempenhar função fiscalizadora semelhante, em assuntos relacionados a crianças e adolescentes.

- Querem passar a ideia de que não existem regras no setor. Essa tentativa de restringir a atuação dos veículos de comunicação é, na verdade, uma forma sofisticada de censura - avalia o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), ex-ministro das Comunicações do governo Lula.

Para justificar a opção pela centralização, Franklin Martins definiu a atual legislação como um "cipoal de gambiarras". A observação do ministro é contestada por Miro Teixeira, que considera um risco concentrar em um mesmo órgão todas as ações relacionadas à mídia.

- É inaceitável ter uma só entidade criando o regulamento, promovendo o julgamento e aplicando a sanção. Isso é a negação do estado moderno - acrescenta Miro.

Há duas semanas, em Brasília, Franklin Martins promoveu um seminário internacional para apresentar os modelos de regulação de mídia existentes na Europa e nos Estados Unidos. Na ocasião, ele citou o Código Brasileiro de Telecomunicações, criado em 1962, como um exemplo do atraso que vigora no setor. A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) questiona a crítica do ministro.

- A legislação de 62 passou por constantes adaptações ao longo dos anos. Por isso, nossa regulação não pode ser taxada de obsoleta. Isso não é verdade - ressalta Luís Roberto Antonik, diretor geral da Abert, que declara apoio a reformas de normas atuais.

- É claro que a atual legislação pode melhorar. Mas nós defendemos ajustes pontuais para adaptá-la, principalmente, às novas tecnologias que estão surgindo.

O presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais), Ricardo Pedreira, também é a favor de mudanças na legislação. Desde que as regras vigentes não sejam desprezadas.

- É importante haver uma atualização da legislação. Mas não cabe a nenhuma instância governamental ditar, controlar, monitorar ou fiscalizar a produção jornalística porque já existem parâmetros bem definidos nos termos da lei - diz o representante da ANJ.

Durante a 66ª Assembleia da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, em espanhol), realizada no México no início de novembro, o governo do Brasil foi criticado pela postura em relação aos veículos de comunicação. A organização expressou "sua mais profunda preocupação" com "os mecanismos de controle governamental sobre as liberdades dos meios de comunicação" no país.

Nas palestras realizadas no seminário organizado pelo governo em Brasília, os representantes de agências de regulação internacionais citavam com frequência as ações que visavam proteger os direitos dos menores de idade. A Abert cita o mesmo tema para ilustrar o rigor da legislação brasileira.

- O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece uma série de regramentos que são seguidos pelas emissoras. E, quando isso não acontece, as denúncias são encaminhadas à Justiça pelo Ministério Público ou pelos próprios cidadãos - lembra Luís Roberto Antonik, da Abert.

Mudanças em programas de TV

Em outubro de 2009, o Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro notificou a Rede Globo por apresentar uma criança no papel de vilã na novela "Viver a vida", de Manoel Carlos. O MPT contestou a participação da atriz mirim Klara Castanho, de oito anos, que fazia o papel de Rafaela, a filha de Dora (personagem de Giovanna Antonelli). Na avaliação do MPT, o trabalho infantil artístico deveria "ser comedido, observando não só os aspectos legais, mas principalmente eventuais reflexos que determinado personagem pode provocar no desenvolvimento da criança". No decorrer da trama, a personagem mirim ganhou contornos de vilã em alguns capítulos da novela. O MPT marcou então uma audiência com representantes da Globo, que recuou e promoveu as mudanças no perfil de Rafaela.

Já o SBT foi alvo do Ministério Público Federal, que instaurou um inquérito para analisar a exposição da apresentadora mirim Maísa Silva no Programa Sílvio Santos. Em 2009, ao participar do show conduzido pelo dono da emissora, a menina (com seis anos, na época) chegou a chorar no palco em duas situações.

Na primeira vez, ela ficou assustada com a presença de um menino fantasiado de monstro. Uma semana depois, Silvio Santos fez piada sobre o episódio na frente de Maísa, que saiu correndo em direção aos bastidores e bateu a cabeça em uma câmera. Uma notificação enviada ao SBT destacou: "submeter uma criança ou adolescente a constrangimento ou humilhação configura crime." Em seguida, as aparições de Maísa no programa foram canceladas.

A intenção do ministro Franklin Martins é concluir até dezembro o projeto do marco regulatório da mídia no Brasil. O documento será encaminhado à presidente eleita Dilma Rousseff, que vai definir se pretende prosseguir com a iniciativa tomada pelo atual governo. Paralelamente, nas esferas estaduais estão em andamento, nos mais diversos formatos, as criações de conselhos sociais para monitorar as ações da mídia.

No Rio de Janeiro, a audiência pública sobre o assunto está marcada para o dia 6 de dezembro na Alerj. Em pauta, o projeto de lei de autoria do deputado estadual Paulo Ramos (PDT-RJ). Seguindo o tom de seus similares em outros estados, o texto ressalta que o conselho vai exercer funções "consultivas, normativas, fiscalizadoras e deliberativas".

Parlamentar do Rio chefia fraude de R$ 850 milhões

DEU EM O GLOBO

Inquérito no STF apura evasão na venda de combustíveis

Uma investigação iniciada pela Polícia Civil e que está sob responsabilidade do Supremo Tribunal Federal concluiu que um parlamentar fluminense chefia um esquema de fraude na venda de combustíveis no estado, revela Chico Otávio e Maiá Menezes. Segundo levantamento feito em CPI na Assembleia Legislativa, o esquema de evasão fiscal já causou um prejuízo de pelo menos R$ 850 milhões. Escutas autorizadas pela Justiça comprovaram que "um deputado federal ou senador da República", segundo os investigadores, usava uma linha telefônica da Rádio Melodia para tratar da fraude com o empresário Ricardo Magro, do grupo que controla a Refinaria de Manguinhos, base operacional do esquema, que ainda envolveria um ministro.

O elo parlamentar de uma fraude

Investigação aponta envolvimento de "deputado ou senador" com esquema em Manguinhos

Chico Otavio e Maiá Menezes

Quem usava o telefone Nextel 7812-7026, ID 55*8375*19, para falar com o empresário Ricardo Andrade Magro? A resposta, agora a cargo do Supremo Tribunal Federal (STF), é a chave de uma investigação que já produziu 40 volumes de dados sobre fraudes na venda de combustíveis no Estado do Rio. A Polícia Civil concluiu que a linha telefônica foi usada por "um deputado federal ou senador da República", que comandava de Brasília, nos contatos com Magro (acusado de ser um dos responsáveis pelo esquema de evasão fiscal), as operações ilegais da suposta quadrilha.

Da linha, só se sabe até o momento que pertence à Rádio Melodia do Rio. A máfia contava com aliados em outros setores públicos para blindar o esquema de fraude. O inquérito também levanta suspeitas sobre o envolvimento de um ministro de estado, de seu filho e de funcionários da Agência Nacional do Petróleo (ANP), acusados na investigação de fornecer informações privilegiadas para prevenir a quadrilha de eventuais fiscalizações na Refinaria de Manguinhos, a base operacional do grupo.

Adquirida pelo grupo Andrade Magro em 2008, Manguinhos só se manteve refinaria no nome. Na prática, passou a funcionar como um centro distribuidor de combustível. Para aplicar o golpe, de acordo com as investigações, a empresa teria recorrido a um regime especial de substituição tributária, concedido pelo governo estadual (Benedita da Silva, em 2002, e Rosinha Garotinho, em 2005), que permite às distribuidoras comprar o produto sem recolher o ICMS devido diretamente na origem (refinarias).

O regime, porém, só pode ser aplicado nas operações interestaduais. Mas Manguinhos utilizou um artifício para também não pagar o imposto no destino (varejo): o "passeio de notas", ou seja, mandava apenas as notas fiscais para distribuidoras em outros estados e acabava por despejar no Rio os combustíveis não tributados.

Números levantados pela CPI que investigou o assunto na Assembleia Legislativa indicam evasão de R$850 milhões só entre a concessão do regime especial e 2006, quando ele foi suspenso. As distribuidoras e Manguinhos negaram, na época, a evasão.

- Tudo isso (o regime especial) favoreceu fortemente a sonegação fiscal - lamenta o deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), presidente da CPI.

O decreto de 2005 foi fruto de uma guerra jurídica. Logo que assumiu o governo, Sérgio Cabral suspendeu o decreto, que depois voltou a valer por força de liminar concedida pelo Tribunal de Justiça do Rio. A liminar foi cassada no Supremo Tribunal Federal (STF), e o decreto, finalmente, suspenso.

Parlamentar foi chamado de chefão

Conduzido pela Delegacia de Polícia Fazendária a pedido do Ministério Público, o inquérito 688/2009 chegou à participação do parlamentar pelo monitoramento das linhas telefônicas usadas pelos controladores da refinaria. Há transcrições de conversas do político, identificado como "VM" (voz masculina), com Ricardo Magro e Hiroshi Abe Júnior (sócio da empresa Inca Combustíveis, da qual Ricardo Magro foi advogado), que chega a chamar o interlocutor de "chefão".

Em duas dessas conversas, gravadas pela Polícia nos dias 25 e 26 de agosto do ano passado, Magro pede à "VM" que use a sua influência para contornar a recusa do Grupo Braskem, controlador da Refinaria Riograndense (antiga Refinaria Ipiranga), de continuar vendendo gasolina A para Manguinhos, o que cortaria a linha de suprimento para o esquema de sonegação. Os dois - Magro e o parlamentar - se reuniriam logo depois em algum ponto da Esplanada dos Ministérios - os celulares de ambos utilizaram a mesma antena, no mesmo horário.

Paradoxalmente, a descoberta de "VM" e o seu papel central nas ações da quadrilha imobilizaram a Polícia Civil. Os investigadores não puderam avançar, na direção do usuário da linha (principalmente o seu nome), porque não têm poderes para apurar crimes envolvendo parlamentares federais.

Embora os gestores da refinaria evitem o tempo todo citar o seu nome por suspeitar de grampos, o conteúdo das conversas, que fazem referências recorrentes a gabinete, plenário e outros termos comuns à rotina do Congresso Nacional, levou os investigadores à certeza de se tratar de um "deputado ou senador". Sendo assim, a juíza da 20ª Vara Criminal, Maria Elisa Peixoto Lubanco, decidiu no mês passado remeter o inquérito ao Supremo, entendendo que o parlamentar e o ministro têm foro privilegiado.

A iniciativa de investigar a fraude fiscal partiu da Coordenadoria de Combate à Sonegação Fiscal do Ministério Público, que pediu a abertura de inquérito por "formação de quadrilha e crime contra a ordem tributária, econômica e relações de consumo" contra Manguinhos depois de constatar que a refinaria teria deixado de recolher o ICMS-ST (substituição tributária) de agosto e setembro de 2007.

O inquérito atribui a sonegação à "associação de um grupo de pessoas físicas e jurídicas relacionado à refinaria - cujo controle acionário foi adquirido pelo grupo empresarial Andrade Magro em dezembro de 2008 - que estaria manipulando as operações tributárias".

A investigação cita os empresários Ricardo Andrade Magro, Hiroshi Abe Júnior ("cabeça do grupo"), Elmiro Chiesse Coutinho Junior ("peça-chave no controle e representatividade do grupo, componente da cúpula administrativa da Refinaria de Manguinhos") e Jorel Lima ("alvo de grande valia, assessor de Elmiro e Hiroshi").

O parlamentar não identificado não é o único apoio do grupo nas esferas do poder. Numa das conversas, gravada em 18 de setembro do ano passado, Jorel comenta com "Carla Verônica" que seus patrões participaram de um jantar de negócios, na churrascaria Porcão, com duas "pessoas influentes" - uma delas chamada "Renó", e a outra seria assessora de José Dirceu.

A reunião teria o objetivo de negociar a compra de combustível da PDVSA, a estatal venezuelana de produção de petróleo.

Contatos do grupo também na ANP

As interceptações telefônicas revelaram que o grupo também mantinha contato com Edson Menezes da Silva, identificado no inquérito como superintendente da Agência Nacional do Petróleo (ANP) - ele continua até hoje lá, mas exercendo outra função. De acordo com os investigadores, Manguinhos contava com informações privilegiadas na agência para não ser surpreendida com ações de fiscalização.

As conversas mostram também que a refinaria tentava influenciar quando ocorria troca de nomes em cargos estratégicos da ANP.

Ex-assessor de Dirceu comandou refinaria no período das fraudes

DEU EM O GLOBO

Agora responsável por royalties, Marcelo Sereno presidiu Grandiflorum

Agora à frente da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Petróleo de Maricá, município da Região dos Lagos, no Rio, o ex-secretário de Comunicação do PT Marcelo Sereno esteve no comando da refinaria de Manguinhos durante o ano passado. Embora apareça nos registros do Serasa, até hoje, como integrante do Conselho da Grandiflorum, que tem o controle acionário da refinaria, ele afirmou ao GLOBO, através de sua assessoria, que se desligou do cargo no fim do ano passado.

Sereno, candidato derrotado do PT a deputado federal este ano, atuou no governo do estado durante a concessão do regime especial para as distribuidoras de combustível, como secretário executivo do gabinete da então governadora Benedita da Silva.

Sereno nega autoria de decreto sobre refinarias

Em dezembro de 2008, o grupo Andrade Magro, do qual fazem parte a Grandiflorum e a Ampar, arrendou a refinaria, que pertencia à petroleira espanhola Repsol e à família Andrade Magro. Sereno consta como integrante do conselho da empresa, assim como João Manuel Magro, pai de Ricardo Magro, citado nas investigações da Polícia Civil.

O ex-dirigente petista afirmou, em resposta ao GLOBO, que não teve qualquer relação, na época em que era secretário-executivo, com a criação do regime especial que beneficiou distribuidoras - entre elas a Inca, da qual Ricardo Magro foi advogado. Ele afirmou que deixou a Grandiflorum no fim do ano passado.

Sereno afirmou ainda não ter conhecimento sobre a investigação em torno da Refinaria de Manguinhos. Disse apenas conhecer Ricardo Magro, que é "da família controladora da Ampar". Também disse não ter se tornado sócio formal de Manguinhos.

A pasta que o ex-assessor especial de José Dirceu na Casa Civil assumiu em Maricá deverá administrar os R$20 milhões de royalties que Maricá passará a receber, por mês, a partir de dezembro, pela extração do pré-sal no campo de Tupi, na Bacia de Santos. Como O GLOBO informou na semana passada, o município recebe hoje R$3 milhões mensais da Petrobras.

Em nota sobre a posse, a Prefeitura de Maricá disse que a cidade passa por um momento de transformação, e isso poderá ser ampliado: "A expectativa é que o volume de recursos provenientes da exploração de petróleo possa ser ampliado, passando dos R$36 milhões atuais para R$240 milhões por ano e que Marcelo Sereno está pronto para assumir mais esse desafio e contribuir, trabalhando, pensando e executando para o desenvolvimento amplo de Maricá".

Sereno é uma das testemunhas de defesa do deputado cassado José Dirceu, que responde na Justiça pelo escândalo do mensalão.

A fábrica de votos não fechou

DEU EM O GLOBO

Apesar de terem perdido poder, áreas de milícia elegeram pelo menos dez políticos

Elenilce Bottari

O voto é a mercadoria mais valiosa que existe na favela. A afirmação do personagem coronel Nascimento, protagonista do filme "Tropa de elite 2" - ficção inspirada em fatos policiais ocorridos na última década no Rio -, ganha contornos de realidade na geografia dos votos das eleições deste ano. Mesmo com a prisão de vários líderes e até cassações de políticos, as áreas de milícia ainda mantêm, de forma discreta, seus currais eleitorais. Em um ano sem notícias de coação a candidatos, essas regiões garantiram votos para a reeleição de pelo menos três deputados estaduais, a eleição de um quarto político e ainda cinco suplentes.

Cotado para ser o próximo presidente da Assembleia Legislativa do Rio, o deputado estadual Domingos Brazão garantiu a sua reeleição nas cinco zonas eleitorais de Jacarepaguá, onde conquistou a metade dos 91.774 votos que obteve em todo o estado. Mas seu melhor desempenho foi nas comunidades de Rio das Pedras e Gardênia Azul, onde, nas eleições de 2006, não conseguiu ficar sequer entre os primeiros colocados.

Em Gardênia Azul, por exemplo, Brazão ficou com 22,44% dos 6.838 votos válidos, um desempenho ainda melhor do que o obtido nas seções eleitorais da Escola Municipal Carlos Lacerda, na Rua Nacional, na Taquara, que fica a 270 metros do centro social Ação Social Gente Solidária Domingos Brazão, fechado pela Fiscalização do TRE-RJ em julho deste ano. Ali, ele obteve 707 votos, 18,72% dos válidos.

- Em Rio das Pedras havia o grupo do Nadinho, mas, depois de sua morte, hoje não existe uma liderança que imponha candidaturas. O que houve nessa eleição foi uma manifestação espontânea. A mesma coisa aconteceu em Gardênia, com a prisão de seus líderes. Houve um enfraquecimento político das milícias - afirmou Brazão.

Sobre o fato de essas regiões continuarem concentrando um volume grande de votos em poucos candidatos, como ocorreu nas eleições de 2006, Brazão explicou que a origem está na pobreza:

- São regiões muito abandonadas pelo poder público. E eu venho trabalhando para levar serviços públicos a essas comunidades.

Deputado ainda recorre no TSE

Condenado pelo Órgão Especial do TJ a sete anos de cadeia, sob a acusação de comandar uma milícia na Zona Oeste, o deputado estadual e ex-policial civil Jorge Babu (PTN) fez 58,33% dos 21.093 votos que obteve em todo o estado nas cinco zonas eleitorais da região e estaria reeleito, não fosse o indeferimento pelo TRE-RJ de seu registro, acusado de não quitar uma multa eleitoral. O candidato está recorrendo no TSE.

Segundo o Ministério Público, ele comandaria a milícia que atua nos conjuntos habitacionais da Rua Murilo Alvarenga (em Inhoaíba), Cesarinho (em Paciência) e na Comunidade da Foice, em Pedra de Guaratiba, algumas das regiões onde conseguiu mais votos. Assim como Brazão, Babu também foi denunciado pelo MPE por uso eleitoral de três centros sociais - dois em Santa Cruz e um em Sepetiba.

Eleito suplente de deputado estadual pelo PT, o policial civil Edson Zanata conquistou em todo estado 11.205 votos, sendo 58% destes em apenas duas zonas eleitorais de Campo Grande, a maioria nas regiões de Santa Margarida e Urucânia.

Rogério Bittar, que conseguiu uma suplência pelo PSB, foi o campeão da 230ª ZE, fazendo 3.789 votos (10% dos válidos), índice que praticamente dobrou nas seções da Vila Catiri - só na escola Maria Quitéria, ele obteve 897 votos.

Outro que garantiu uma suplência foi Dilson Arena (PR). Vigilante e presidente da Associação de Moradores de Vila São Jorge, em Cosmos, na Zona Oeste, ele trabalhou em 2009 como auxiliar de gabinete da vereadora cassada Carminha, filha de Jerominho, vereador cassado e preso, acusado de chefiar uma milícia da Zona Oeste. De seus 5.941 votos, 3.863 (65%) foram conquistados em três zonas eleitorais, a maioria em seções de Cosmos que concentram eleitores das comunidades de São Jorge e Vila do Céu - em apenas uma escola que atende a essa favela, o candidato fez 667 votos.

- Sou morador de São Jorge há 54 anos e presidente da associação desde 1995.

Através de trabalho comunitário, consegui levar até o favela-bairro para a comunidade. Trabalhei no gabinete da vereadora Carminha, mas não fui apoiado por ela. Recebi apoio do Garotinho para minha campanha - contou o candidato, acrescentando que outros políticos fizeram campanha na comunidade, como Wagner Montes e Lucinha.

Apoiado abertamente por Carminha Jerominho, Thiago Pampolha, deputado eleito pelo PRP com 19.329 votos, não teve um desempenho muito expressivo em Cosmos nem em Campo Grande - que eram dominados pelo grupo miliciano chefiado pelo pai de Carminha. Porém, Thiago teve mais votos em Bangu.

- Eu conheço o marido de Carminha, e como ela não tinha candidato para deputado estadual, decidiu me apoiar. Sou de família tradicional de Bangu. Fiz campanha em várias comunidades e não tive que pedir autorização a ninguém para trabalhar. Até onde sei, Bangu tem mais áreas de tráfico do que de milícia.

O coronel Jairo foi novamente campeão da 231ª ZE, com 3.837 votos (11,80% dos válidos). Outro candidato suplente é Lilico, ex-assessor parlamentar de Jerominho. Dos 1.417 votos que ele ganhou na 243ª ZE, onde ficou em quarto lugar na votação, 700 foram conquistados nas seções do Ciep Posseiro Mário Vaz, que atende a comunidade de Jardim Maravilha.

Candidato a uma vaga na Alerj, o suplente de vereador Luiz André Ferreira da Silva (PR), o Deco, deverá assumir em janeiro a vaga deixada pela vereadora Lilian Sá, eleita deputada estadual. Deco - que foi indiciado por homicídio e apontado no relatório final da CPI das milícias como o chefe do grupo que domina as favelas de São José Operário, Bateau Mouche, Chacrinha, Mato Alto e Bela Vista - conseguiu 7.249 votos nestas eleições. Destes, 3.133 foram conquistados na região da Praça Seca, onde estão essas comunidades. Ele foi o terceiro colocado na 185ª ZE, com 8,07% dos votos válidos, mas foi o campeão de das seções eleitorais do Ciep Adelino de Paula Carlos, onde seu desempenho subiu para 21,28%.

Freixo também teve votos na região

Presidente da CPI das milícias, o deputado Marcelo Freixo conquistou 17 mil votos em áreas dominadas por milicianos, 10% do total de sua votação.

- Fiz votos em várias comunidades dominadas, o que demonstra um movimento de resistência por parte de moradores contrários à presença de milicianos em suas regiões. É uma boa notícia.
Mas, apesar de todo o esforço feito, com várias prisões de líderes, as milícias continuam fortes, porque não foi desmontado seu poder econômico.
Outro deputado muito bem votado em praticamente todas as áreas de milícia foi o apresentador Wagner Montes.

Mantega divide os economistas e desperta dúvidas

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Elogiado por desenvolvimentistas, ministro traz preocupação aos ortodoxos por suposta falta de vontade de fazer contenção fiscal

Fernando Dantas / RIO

A decisão da presidente eleita Dilma Rousseff de manter no cargo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, agradou os economistas desenvolvimentistas e deixou os ortodoxos preocupados. Há muitas dúvidas, porém, sobre como Mantega vai de fato conduzir a economia num momento particularmente delicado, quando o aquecimento ameaça reacender a inflação e ampliar o déficit externo.

O discurso de vitória de Dilma e a atual influência sobre ela de Antonio Palocci contribuem para aumentar ainda mais ambiguidade das percepções, pois o ex-ministro da Fazenda é conhecido por suas posições ortodoxas.

O economista Ricardo Carneiro, da Universidade de Campinas, de inclinação desenvolvimentista, considera que "Guido fez uma excelente gestão na Fazenda". Carneiro elogia a política anticíclica de gastos públicos e isenções tributárias que contribuiu para o Brasil sair rapidamente da recessão provocada pela crise global; o aumento das compras de dólares que compõem as reservas brasileiras (que atribui em parte à Mantega); e a introdução do conceito de poupança pública no debate econômico, reduzindo a fixação no superávit primário. O governo poupa tanto pelo superávit fiscal quanto pelo aumento de investimentos públicos, em substituição a gastos correntes.

O economista espera que Mantega conduza agora uma política macroeconômica que combine, já a partir de 2011, redução da Selic, a taxa básica de juros (o que ele sabe que depende do BC), medidas para conter o crédito de consumo (como redução do número máximo de parcelas) e aumento do superávit primário efetivo, que poderia ir para algo entre 3% e 3,5% do PIB (hoje está em torno de 1,5% a 2%).

Para Carneiro, a redução do juro será expansionista, mas provocará desvalorização cambial, o que deve ter efeitos contracionistas por um a dois anos, por reduzir a renda do trabalho. Além disso, a contenção do crédito e o aumento do superávit primário ajudariam a conter a demanda. "Não faz sentido ter essa taxa de juro e muito menos essa taxa de câmbio", diz.

Os economistas mais ortodoxos acham, ao contrário de Carneiro, que o movimento inicial da Selic no próximo governo deveria ser para cima, para conter as pressões inflacionárias. Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco, prevê que um aumento de dois pontos porcentuais na Selic (hoje em 10,75%) terá de ser realizado em 2011 para evitar que a inflação se descole de 5,5% (já acima da meta de 4,5%).

Ceticismo. Os defensores da alta da Selic, porém, são mais céticos em relação à vontade e à capacidade de o governo aumentar significativamente o superávit primário em 2011. A confirmação de Mantega na Fazenda parece reforçar essa dúvida. "Essa escolha para mim indica que vamos ter política fiscal mais expansionista do que o mercado vinha assumindo quando começou a fazer cenário sobre como seria o governo da Dilma", comenta Affonso Celso Pastore, ex-presidente do BC.

Para Pastore, no caso de política fiscal expansionista, se o Banco Central não se dispuser a elevar os juros tanto quanto for necessário, "vamos ter a inflação subindo e saindo de controle".

Samuel Pessôa, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio, também vê a possibilidade de menor rigor fiscal com Mantega no início do próximo mandato, mas ressalva que "ainda temos de ouvir o que o ministro tem a nos dizer sobre isso".
Uma preocupação adicional de Pessôa é sobre a formulação de políticas de longo prazo. "Acho que o Mantega administrou muito bem a conjuntura, especialmente a crise, mas o Palocci tinha mais uma agenda estrutural de longo prazo."

Caixa perde R$ 320 milhões com crise do Panamericano

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A Caixa Econômica Federal perdeu mais de R$ 320 milhões com o derretimento do valor de mercado, de R$ 2,1 bilhões para R$ 1,2 bilhão, do Banco Panamericano. Há um ano, a Caixa adquiriu do banco uma participação de 35,5%, por R$ 740 milhões.

Caixa perdeu mais de R$ 320 milhões no Panamericano

Montante é obtido quando se calcula quanto o banco público pagou por parte do banco antes de seu valor de mercado desabar

Leandro Modé

Quando a Caixa Econômica Federal comprou 35,5% do Panamericano por R$ 740 milhões, em novembro de 2009, o banco de Silvio Santos valia R$ 2,1 bilhões na Bolsa de Valores de São Paulo. Na última quinta-feira, o chamado valor de mercado havia desabado para R$ 1,2 bilhão. Ou seja, só nesse item, a instituição controlada pelo governo federal perdeu mais de R$ 320 milhões - diferença entre a participação de 35,5% em relação a R$ 2,1 bilhões e a R$ 1,2 bilhão.

Uma das várias questões que intrigam o mercado no caso Panamericano é o fato de o banco ter conseguido dois grandes aportes de capital quando aparentemente já enfrentava problemas. Segundo o Banco Central (BC), há indícios de que as fraudes contábeis começaram há cerca de quatro anos, ou seja, em 2006. Mas não é só isso. Rumores sobre a solidez do banco eram correntes há alguns anos.

Ainda assim, o Panamericano conseguiu levantar quase R$ 800 milhões em uma abertura de capital (IPO, na sigla em inglês) realizada em novembro de 2007. Somando a compra pela Caixa e o IPO, está se falando de R$ 1,5 bilhão.

A abertura de capital foi coordenada por três instituições bastante ativas no mercado de capitais brasileiro: UBS Pactual (hoje BTG Pactual), Bradesco BBI e Itaú BBA. Antes de efetuar a compra de parte do Panamericano, a Caixa foi assessorada pelo Banco Fator e pela KPMG. "Como tanta gente qualificada não conseguiu ver nada?", indaga uma fonte que pediu para não ser identificada.

O Estado procurou todos os envolvidos. Com exceção do Fator, que designou um porta-voz para explicar a assessoria para a Caixa, os outros se pronunciaram por meio de notas.

Principal coordenador do IPO, o BTG Pactual diz que "seguiu os mesmos procedimentos adotados nos demais processos de abertura de capital". O Itaú BBA afirma "que se serve de informações públicas e auditadas como base para todos os negócios que assessora". Completa o Bradesco BBI: "Faz parte dos processos de IPO um relatório de empresa de auditoria especializada, o que ocorreu no caso em questão (foi a Deloitte)".

A KPMG diz que "os limites do trabalho executado, bem como das informações disponibilizadas no data room (um banco de dados com informações do Panamericano), não permitiriam a detecção dos fatos ora noticiados pela imprensa como irregularidades".

O diretor do banco de investimentos do Fator, Venilton Tadini, afirma que a instituição se baseou nas informações fornecidas pelo Panamericano. Segundo ele, o "escopo" do trabalho era fazer a chamada due diligence (análise e avaliação detalhada de dados e documentos de uma empresa) a partir de "informações primárias apresentadas pelo Panamericano". Como tais informações se têm revelado falsas, Tadini afirma que o Fator estuda processar o Panamericano.

Crise de 2008. O interesse da Caixa pelo Panamericano surgiu após a eclosão da crise internacional, em setembro de 2008. Na ocasião, os bancos médios brasileiros sofreram com falta de liquidez. Para evitar uma quebradeira em série, o governo (principalmente via Banco Central) adotou uma série de medidas. Uma delas, de 22 de outubro de 2008, autorizava o Banco do Brasil (BB) e a Caixa a comprar instituições em dificuldades.

O BB foi rápido. Em janeiro do ano seguinte, adquiriu metade do Banco Votorantim. A instituição da família Ermírio de Moraes sofria uma crise de confiança. O mercado não sabia o prejuízo que havia apurado com as operações que ficaram conhecidas como derivativos tóxicos (empresas que apostaram na alta do real ante o dólar e foram pegas no contrapé com a disparada da moeda americana). Uma dessas companhias era a VCP, braço do grupo na área de papel e celulose.

A Caixa demorou um pouco mais para agir. Negociou durante meses com o Panamericano, até divulgar publicamente a compra de metade do capital votante do banco de Silvio Santos. Foi a primeira aquisição realizada na história da Caixa.

Um ex-presidente do BC avalia que a falta de experiência nesse tipo de negócio prejudicou a Caixa. Segundo ele, a diretoria do BB é mais acostumada com aquisições. Portanto, ele argumenta que a chance de entrar em uma roubada é, ao menos em tese, menor que a da Caixa.

Se a Caixa pecou pela falta de experiência ou não, só o tempo vai dizer. Mas uma coisa já é certa: a oposição quer explicações sobre o caso e vai tentar usá-lo para que o governo Dilma Rousseff comece sob fogo cerrado. A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado convidou o BC, a Caixa, a Deloitte (auditoria do Panamericano) e a KPMG para uma audiência pública na próxima quarta-feira.

Em um discurso inflamado na semana passada, um dos líderes oposicionistas, o senador Antonio Carlos Júnior (DEM-BA), fez pesadas críticas à compra do Panamericano pela Caixa. "Quem tem culpa nisso? (A Caixa) pagou por ativos que não existiam e também pelas receitas decorrentes de ativos que não existiam", afirmou. Procurada, a Caixa não se pronunciou.