quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Reflexão do dia – Fernando Henrique Cardoso

Não é uma questão só do Brasil. É global, sociológica, a sociedade de massa e o avanço das forças de mercado se deram de tal maneira que o papel que os partidos exerciam no passado como polarizadores e condutores, eles perderam muito, não só no Brasil. Isso não quer dizer que a sociedade não tenha avançado bastante nos seus próprios pés, de uma maneira que -visto aos olhos do que pensávamos há 30 anos- é sem política, sem partido político. Será que é um mal? Acho que o mal é quando você não tem partidos políticos capazes de propiciar pelo menos um quadro geral de referência. Os partidos não incorporaram o tema do cotidiano. Os temas da vida do cidadão hoje cortam transversalmente a sociedade, não é de uma classe só. Todas sofrem com insegurança, poluição, com tráfego ruim. É o governo, qualquer governo, mas qual é a posição, como a sociedade é tocada por esse problema?

(Fernando Henrique Cardoso, entrevista , Folha de S. Paulo, em 22/6/20o8)

A rampa:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O vazamento de documentos sigilosos da diplomacia dos Estados Unidos pelo blog WikiLeaks revelou diversos "segredos de Polichinelo", coisas que todo mundo sempre comentou mas que, ditas assim em tom de segredo de Estado e reveladas por vazamentos, ganham uma dimensão política que pode ser catastrófica para o Departamento de Estado americano.

É o caso, por exemplo, da relação entre o presidente russo Dmitri Medvedev e o primeiro-ministro Vladimir Putin, comparada, em um dos telegramas, à relação entre Batman e Robin, com o problema adicional de que Batman, "o macho alfa", é Putin, ficando Medvedev no papel de submisso, sendo o Robin.

Relatei aqui na coluna, durante a campanha presidencial, uma conversa que tive com um investidor estrangeiro interessado no que aconteceria no país na sucessão presidencial, e me surpreendi com sua pergunta:

"Dilma vencendo, não pode ser como na Rússia, com Lula ficando por trás manejando os cordões?".

Respondi que, se fôssemos uma República parlamentarista, o presidente Lula poderia fazer como Vladimir Putin, que, depois de presidir o país por dois mandatos, transformou-se em primeiro-ministro e indicou Dmitri Medvedev para presidente.

O que a oposição brasileira acusava como defeito da candidata oficial, ser um mero títere de Lula, era a esperança desse investidor - dos grandes - de que tudo continuaria como está na economia brasileira, com Lula dando seu suporte à sua sucessora.

O modelo chegou a ganhar um apelido que revelava a visão crítica da situação - "Dilmedvedev" -, mas foi vendido subliminarmente pela campanha de Dilma ao eleitorado como garantia de que Lula continuaria a dar as cartas.

Sem dúvida, foi essa "garantia" que pesou muito na eleição de Dilma à Presidência, mas eu achava o modelo de difícil implementação, dadas as condições brasileiras.

É mais provável, dizia, que Dilma, eleita, ficasse dependente de partidos como o PT e o PMDB do que de Lula, pois o presidencialismo brasileiro dá muitos poderes ao presidente da República.

Mas Lula, mais uma vez, está desmentindo a tradição histórica, e a dificuldade de implementação que eu via para que influenciasse a montagem do Ministério de Dilma está se transformando, na verdade, em uma facilidade surpreendente.

Talvez nem mesmo Dilma estivesse preparada para uma atuação tão contundente de seu preceptor, mas Lula não tem constrangimentos em sua ação política.

Há uma parte disso que é natural. Se a ministra Dilma Rousseff foi candidata porque Lula quis, porque Lula decidiu, e a elegeu presidente da República, nada mais natural que ele continue atuando na montagem do Ministério.

Esse é um governo de continuidade, argumentam os governistas, alegando que foi isso que foi aprovado nas urnas.

O que espanta e preocupa, no entanto, é que ela não transparece nenhuma vontade de dar marca própria ao governo que está montando.

Era exatamente essa a grande crítica que se fazia a ela, que não existe politicamente, que não tem luz própria, e seria um mero fantoche do presidente Lula.

E ela parece estar aceitando esse papel com muita resignação.

Até o momento, ela está ressaltando o que de pior há na sua indicação para presidente, que é a de ser uma continuidade no sentido de estar "esquentando a cadeira" para a volta de Lula.

Demonstra não ter capacidade de promover mudanças do governo para imprimir sua marca própria, mesmo dando continuidade às políticas.

Se manteve as mesmas pessoas nos mesmos lugares, ou em lugares semelhantes, por que mudariam de maneira de pensar e agir?

Há, porém, indicações de que algumas diretrizes poderão ser mudadas, se levarmos em conta o discurso que a presidente eleita fez logo depois do anúncio oficial de sua vitória, ou as declarações dos primeiros escolhidos para a equipe econômica.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, por exemplo, continuará no cargo, mas com uma motivação totalmente contrária à sua atuação nos últimos anos.

Ele mesmo diz que o Estado gastou muito nos últimos anos e agora chegou a hora da contenção de gastos.

A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, um nome novo no primeiro escalão, mas bastante antigo na hierarquia petista, já atuava no Palácio do Planalto.

Foi casada com o prefeito de Santo André Celso Daniel, assassinado misteriosamente em 2002, assassinato sendo julgado só agora em São Paulo e cuja motivação o Ministério Público atribui a uma estrutura de corrupção montada pelo PT nas prefeituras que administrava à época.

Pois Miriam Belchior, que continuará cuidando das obras do PAC, está anunciando que chegou a hora de fazer mais com menos recursos, o que seria uma boa novidade.

Pode ser, portanto, que, em vez de estar subjugada pela pressão de Lula e do petismo, a presidente eleita esteja só dando demonstrações de habilidade política e deixando para montar seu verdadeiro governo mais adiante, quando já estiver com as rédeas do poder nas mãos.

Há um precedente histórico, que já relatei aqui na coluna. O governo do general João Figueiredo começou com uma estrutura baseada no governo do antecessor, general Geisel, principal responsável por sua indicação.

Em pouco tempo, Figueiredo começou a montar seu governo sobre o que herdara de Geisel: Golbery, que permanecera no Gabinete Civil, acabou saindo, dando lugar a Leitão de Abreu; o economista Mario Henrique Simonsen saiu, deixando em seu lugar Delfim Neto, e assim por diante.

Golbery então comentou que, quando o presidente eleito sobe a rampa do Palácio do Planalto com todos aqueles guardas batendo continência, ao chegar no topo já está convencido de que chegou ali por méritos próprios, e terá sempre algum amigo para garantir isso a ele.

Dilma ainda não subiu a rampa como presidente eleita.

Sob a ótica do eleitor:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Conversando sobre reforma política, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ricardo Lewandowski, chamou atenção para a necessidade de a sociedade se incluir e ser incluída nesse debate, sob pena de não se contemplar o principal interessado nessa discussão que há anos não ata nem desata.

Talvez exatamente pela falta do que o ministro chama de "perspectiva da sociedade".

Por mais óbvio que isso seja, quando se fala em reforma política pensamos numa tarefa a ser executada pelo Congresso Nacional, mas nunca acentuamos que enquanto o eleitorado não entrar para valer nesse debate, dificilmente os meios e os modos da política vão se modernizar.

Na verdade, a conversa com o ministro Lewandowski era sobre a pesquisa encomendada pelo TSE ao instituto Sensus para avaliar o trabalho da Justiça Eleitoral e alguns comportamentos do público na última eleição.

O dado divulgado com destaque nos jornais foi sobre o grau de lembrança do eleitor em relação aos candidatos escolhidos por ele no primeiro e no segundo turnos - 3 e 31 de outubro respectivamente.

Quase todo mundo lembra em quem votou para presidente: 89,3% lembram. Menos um pouco, 80,6%, recordam do voto para governador. Mas 20,6% esqueceram os candidatos a senador, 21,7% não sabem mais quem escolheram para deputado federal e 23% já não fazem a mais pálida ideia quais os nomes que teclaram na urna para deputado estadual.

Preocupante? O presidente do TSE não acha. Também vê com naturalidade o índice de 20% de abstenção. "Considerando que a sanção por não comparecer para votar é quase inócua, acho a presença significativa." Aliás, na mesma pesquisa mais de 80% dos consultados se consideraram muito bem preparados para votar e mais de 70% motivados a participar.

Mas, voltando ao apagão dos que já se esqueceram das escolhas para a Câmara e o Senado, Lewandowski considera o porcentual encontrado até baixo. Isso porque, com todos os defeitos do sistema proporcional, que não produz vínculo algum entre representantes e representados, ainda assim quase 70% lembram dos senadores escolhidos, 67,2% não se esqueceram dos deputados federais e 65,4% sabem quem foram seus candidatos a deputado estadual dois meses depois das eleições.

Isso sem contar que a eleição parlamentar tende a ficar em segundo plano quando é "casada" com a presidencial.

Embora não considere os esquecimentos nada de muito extraordinário, o presidente do TSE não acha que as coisas funcionam a contento no sistema político-eleitoral. É, como a maioria, um pregador da reforma.

É a favor do voto distrital misto, do financiamento público de campanha, do voto facultativo, do fim das legendas de aluguel, bem como vê necessidade de se alterar a legislação eleitoral, a propaganda, publicação de pesquisas, o tempo de duração das campanhas etc.

"Sem a pretensão de subtrair prerrogativas de quem as tem para elaborar as leis", defende a ampliação do debate para além das fronteiras do Congresso.

Lembra que a Ordem dos Advogados do Brasil já começou uma rodada e anuncia a disposição de promover a discussão na Escola Judiciária Eleitoral ao longo do ano que vem.

Professor de "Teoria do Estado" na Universidade de São Paulo, o presidente do TSE diz que os temas precisam ser muito bem esmiuçados pela sociedade antes de se chegar à proposição de mudança. Por exemplo: ele é a favor do voto facultativo, mas acha que antes de se instituir esse sistema é preciso que os partidos funcionem de fato como representantes de correntes políticas.

"Estimula a participação."

Lewandowski também defende o voto distrital misto - em que o eleitor tem dois votos, um por votação majoritária no distrito e outro em votação proporcional com lista fechada -, mas considera que se não houver alteração da sistemática de decisão interna das legendas o voto em lista só alimentaria o poder das oligarquias partidárias.

Esse tipo de assunto difícil de a maioria compreender é que seria difundido com tradução popular se a reforma política deixasse de ser assunto de uso exclusivo dos partidos e dos políticos.

Risco espanhol:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

A Espanha é a porta de entrada para uma contaminação da crise europeia na América Latina. No México, 37% de todos os ativos financeiros estão nas mãos de bancos espanhóis. No Brasil, 10%. Nos próximos dois anos o governo espanhol terá US$341 bilhões em dívida para rolar. Isso representa 25% do PIB espanhol. Agora, até as empresas do país estão tendo que pagar mais caro para rolar as dívidas.

A desconfiança com as contas da Espanha tem feito com que o custo para a rolagem da dívida fique mais caro e, desta forma, o governo está entrando numa espiral negativa. Esta semana, esse custo bateu recorde desde a criação da Zona do Euro: chegou a 5,34% para títulos espanhóis de 10 anos, 3,11% a mais que os juros da dívida alemã. Ontem, caiu quando o Banco Central Europeu afirmou que iria continuar financiando a dívida dos países problemáticos. A crise se agrava porque a dívida do setor privado, que chega a 140% do PIB, também começou a ficar mais cara.

O PIB da Espanha representa 12% da Zona do Euro e chega a US$1,45 trilhão, pouco menor que o PIB brasileiro. Para se ter uma ideia do que isso significa, o PIB da Irlanda é de US$0,2 trilhão. Juntos, Portugal, Irlanda e Grécia somam US$0,75 trilhão. Daí, percebe-se o potencial de estrago de uma crise espanhola. O Fundo de socorro da Zona do Euro, de 750 bilhões, pode não ter fôlego para socorrer a Espanha.

- A Espanha preocupa e precisa ser acompanhada constantemente com lente de aumento porque é lá que está o grande risco para o mundo. A situação não é fácil - afirmou o economista Alexandre Póvoa, da Modal Asset.

Assim como Estados Unidos, Irlanda e Inglaterra, a crise espanhola tem origem no mercado imobiliário. A maior parte dos empregos criados no país nos anos 2000 teve vínculo com o setor de habitação. Em 2007, enquanto o investimento em construção da Zona do Euro somava 6% do PIB, na Espanha, a taxa chegava a 9%. Isso mostra por que o estouro da bolha em 2008 teve impacto tão grande no mercado de trabalho. O desemprego disparou de 8%, em 2007, para acima de 20%, este ano. É o maior da Zona do Euro e torna a recuperação mais difícil porque tira poder de compra das famílias. Também expõe os bancos a riscos de atrasos ou calotes.

O estouro da bolha e os prejuízos bancários levaram o governo a socorrer o sistema financeiro. As contas públicas se deterioraram rapidamente. Se em 2007 elas registraram superávit de 1,9%; em 2009 marcaram déficit de 11,2% do PIB. A dívida, que era de 36,1% do PIB em 2007, deve chegar a 69,4% em 2012, segundo projeção do governo.

Num mundo globalizado em que tudo se mistura, a Espanha corre riscos também por causa de Portugal. Os bancos espanhóis têm US$100 bilhões de títulos da dívida do governo de Portugal, de ativos de empresas portuguesas ou imóveis comerciais no país. E Portugal tem US$40 bilhões de dívida para rolar apenas no primeiro quadrimestre de 2011. Isso aumenta os riscos para os espanhóis. Ontem, a S&P colocou sob avaliação negativa o rating de Portugal.

Em relatório, o banco francês BNP Paribas disse que a "Espanha é a chave para a América Latina". Ou seja, se a crise chegar aos espanhóis, terá também impacto na região, mas o risco maior é do México porque 37% dos ativos bancários do país estão nas mãos de bancos espanhóis. No Brasil, a taxa é bem menor: 10%. Mas, segundo o Paribas, o risco no Brasil é menor porque 50% do mercado de crédito do país estão nas mãos de bancos públicos. É ironia que o mercado aponte o gigantismo do setor público no mercado brasileiro - sempre criticado - como um fator de segurança.

- O risco para o México é muito maior porque o país tem relações muito mais fortes com a economia espanhola do que o Brasil. O nosso problema seria dificuldade para o financiamento do déficit em conta corrente, que está crescente. Podemos ter menos Investimento Estrangeiro Direto e menos fluxo externo como um todo - explicou a economista Monica de Bolle, da Galanto consultoria.

Monica esclarece que os grandes bancos espanhóis privados estão bem e que os problemas estão concentrados nos bancos públicos:

- Os grandes bancos da Espanha estão bem. Entre eles, o Santander, que tem forte presença no Brasil. Inclusive a operação do Santander no Brasil é tão boa que a filial manda dinheiro para a matriz. O problema está nas chamadas cajas de ahorros, que são bancos de províncias. Muitos já quebraram e há um fundo do governo para socorrê-los - afirmou.

José Augusto de Castro, da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), vê impacto na balança comercial porque uma crise na Espanha afetaria toda a Zona do Euro:

- A Europa é grande compradora de commodities e destino de 21% de nossas exportações. Como a receita para a redução do déficit fiscal é corte de gastos, haverá menos crescimento e menos demanda por commodities. Além disso, um agravamento da crise, chegando a uma economia sólida como a espanhola, levará investidores a buscar ativos seguros e fugir do mercado de commodities. Isso terá reflexo nos preços.

O Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco escreveu que o temor sobre os países da Zona do Euro não sairá do radar tão cedo. A preocupação também é com o financiamento do nosso déficit em conta corrente.

"Torna-se imperativo encontrar uma nova fonte de financiamento para o crescimento brasileiro", disse.

A deterioração das contas públicas da Irlanda e da Espanha deve servir de exemplo para o governo brasileiro. É preciso sempre estar preparado para o pior, porque em caso de crise a reputação de um país vai de um extremo ao outro em curto espaço de tempo. A Irlanda demorou 15 anos para colocar as contas em ordem e apenas três anos para bagunçá-las novamente.

Vem aí a MMPRJ:: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Como uma das raras jornalistas que defende há anos a entrada do Exército na guerra urbana do Rio, peço licença para andar agora no sentido contrário.

Uma coisa é as Forças Armadas combaterem extraordinariamente uma situação extraordinária. Outra é virar uma ação ordinária, que pode durar sete meses, um ano ou até a Copa de 2014, quem sabe?

Este é o país da CPMF, contribuição provisória no nome e na sigla, mas eternizada pelos interesses de ocasião e para cobrir buracos de orçamentos frouxos. Acabou numa votação surpresa do Congresso. Pode voltar nas asas da maioria de Lula-Dilma no Congresso de 2011.

Assim, a missão de Exército, Marinha e Aeronáutica no Complexo do Alemão e na Vila Cruzeiro também tende a virar a MMPRJ -Missão Militar Provisória no Rio de Janeiro, aquela que não acaba nunca. É um passo para transformar militares em policiais, com tudo o que isso significa de preocupante, até pela "contaminação" no contato com bandidos comuns e traficantes dos mais variados níveis da hierarquia da criminalidade fluminense.

Há que se reconhecer que o sucesso da operação até aqui se deve em muito à presença militar. As quadrilhas estão armadas até os dentes, e só não houve um banho de sangue de todos os lados, incluindo a população civil, porque os blindados da Marinha garantiram a entrada e a ocupação do terreno. E as tropas fardadas foram decisivas para afugentar os líderes.

Daí em diante, a permanência das três Forças não só pode como principalmente deve gerar um bom debate. Dos 150 mil homens do Exército no país, por exemplo, só 10% tiveram treinamento prático de ação urbana no Haiti.

Um sistema de rodízio, como quer o Exército para a ampliação da ação no Rio, até ajuda. Mas é paliativo. O risco real é as tropas se instalarem e nunca mais saírem. Ou ele deixa de ser Exército, ou o Brasil vira uma Colômbia?

Divã para livrar o país da síndrome do quepe:: Maria Inês Nassif

DEU NO VALOR ECONÔMICO

O período militar é um cadáver insepulto. A jovem democracia brasileira tem uma enorme dificuldade de lidar com seu passado. Nos momentos em que os conflitos políticos são de baixa intensidade, a tendência da sociedade é simplesmente jogar esse período negro da vida do país para debaixo do tapete. Quando são de média intensidade, o passado põe a cabeça de fora e lembra que continua no ar, como uma nuvem, e a chuva pode desabar a qualquer momento sobre nossas cabeças. Em situações de grandes conflitos, como no recente período eleitoral, grupos sociais mais conservadores retiram do embornal um discurso que parece ter saído da boca de um general-presidente, com grande espaço para teorias conspiratórias dando conta de perigosas "ameaças comunistas".

Como o uso do cachimbo normalmente entorta a boca, os movimentos políticos, desde o pré-64, voltam sempre para a lógica segundo a qual um lado sempre deve estar na ofensiva e o outro, na defensiva. A contaminação da oposição pelo velho udenismo trouxe junto o hábito de pedir a tutela dos quartéis, quando seu projeto político não consegue se viabilizar pelo voto. Mas uma das coisas que alimenta a recaída permanente da elite brasileira ao conservadorismo - e ao militarismo - é o outro lado. O velho PSD, de Tancredo Neves, também permanece como padrão de comportamento político: a recusa a qualquer tipo de confronto, em especial quando pode resvalar na área militar. Os dois lados se alimentam de um consenso forjado sabe-se lá onde, de que a direita tem legitimidade para levar o confronto ao limite, enquanto, do centro à esquerda, os atores políticos tornam-se irresponsáveis se não estiverem sempre conciliando.

As Forças Armadas são peça central nas situações de confronto: não só assimilam apelos de tutela da democracia, como são a instituição que avaliza as pressões de um grupo minoritário - de direita - sobre o resto da sociedade. A lembrança do passado só vem à cena política quando serve a esse jogo de pressão.

O Ministério da Defesa, concebido teoricamente para submeter o poder militar às instituições democráticas, nem bem nasceu e parece estar contaminado pela visão udenista das Forças Armadas, que requer sempre uma ação pessedista, de conciliação, para evitar o pior. O ministro Nelson Jobim, que o governo Lula considera ter desempenhado um papel importante na consolidação do Ministério da Defesa, é tido como um ponto de equilíbrio não por ter assumido o comando das armas, mas por ter exercido um papel de mediador das pressões militares junto a um governo civil de esquerda.

O vazamento de documentos relativos ao ministro, pelo Wikileaks, trouxe à luz provas de que as forças militares continuam um capítulo à parte na história da democracia brasileira - e isso, mesmo quando o seu chefe é civil. Um ministro da Defesa que foi mantido e se fortaleceu nas brigas que comprou dentro do governo, com colegas mais comprometidos com visões não-conservadoras sobre os Direitos Humanos e sobre a forma de lidar com o passado autoritário do país, expôs as suas divergências com o Ministério das Relações Exteriores a ninguém menos que o embaixador dos Estados Unidos no Brasil. Gentilmente, cedeu ao embaixador a informação, dada confidencialmente pelo seu chefe, o presidente da República, sobre o estado de saúde do presidente da Bolívia, Evo Morales. As inconfidências ganham os jornais dias depois de Jobim ter sido confirmado, na mesma pasta, para o próximo governo. Continua ministro de Lula e será o ministro de Dilma Rousseff.

O governo Dilma acena para a manutenção de uma situação em que o Ministério da Defesa - e portanto as Forças Armadas - não se integra a um governo legitimamente eleito, mas se mantém no governo com altíssimo grau de autonomia, graças a ondas de pânico criadas por grupos de direita. Paga o mico das inconfidências de "um ministro da Defesa invulgarmente ativo", segundo definição do próprio Sobel em um de seus telegramas.

A falta de reação a ofensivas da direita tem seu preço. As Forças Armadas são um terreno fértil à pregação conservadora e a absorve com rapidez e clareza. Não deve ser à-toa que, depois de um processo eleitoral particularmente radicalizado - onde prevaleceu a lógica do udenismo que confronta e apela aos quartéis e do pessedismo que concilia - que a turma que se forma este ano na Academia Militar de Agulhas Negras (Aman) tenha se batizado com o nome do general Emílio Garrastazu Médici, presidente militar do período mais sangrento da ditadura.

Os militares se retiraram para os quartéis, mas é evidente que continuaram reproduzindo internamente uma ideologia altamente conservadora, que não afasta o papel de tutela sobre a sociedade civil. Isso aconteceu porque não houve uma contra-ofensiva capaz de colocar outra visão sobre o papel dos militares na sociedade e fazê-la dominante. A discussão do aprimoramento da democracia deve passar por uma profunda revisão do papel das Forças Armadas e por uma integração, de fato, da instituição nos esforços democráticos da sociedade.

A propósito: as consultas sobre os processos contra os adversários políticos da ditadura instruídos pela Justiça Militar podem ser consultados na Unicamp, que recebeu todos os arquivos reunidos pelo grupo Tortura Nunca Mais, abrigado na Arquidiocese de São Paulo, durante a ditadura. O grupo copiou os processos na Justiça Militar e, com base neles, fez um importante trabalho de denúncia de torturas e assassinatos de opositores políticos do regime. O trabalho final do grupo assume como legítima a ideia de que as denúncias de tortura por parte dos presos políticos, feitas no período à Justiça Militar, tornam sem valor as informações obtidas por esses meios. Para saber o que fizeram os presos políticos para se tornarem presos políticos, é mais garantido que se pergunte isso a eles hoje. Na democracia e em liberdade.


Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

O futuro do PSDB na oposição ao governo Dilma :Bolivar Lamounier (Primeira parte)

DEU NO BLOG DO BOLIVAR

Até a eclosão do affair Erenice, no início de setembro, a eleição parecia se encaminhar para uma vitória arrasadora do governo. Muita gente (eu inclusive) chegou a temer pelo futuro da oposição – portanto da própria democracia – nos próximos anos.

Essa preocupação foi porém atenuada pelos resultados finais, menos ruins para a oposição do que se antevia. Desde o segundo turno, o foco das discussões deslocou-se para o futuro do PSDB, especificamente, com ênfase na necessidade ou não de uma “refundação” profunda do partido, na importância relativa de suas seções mineira e paulista e até na questão obviamente prematura da candidatura presidencial para 2014.

Neste post e no de amanhã eu tento tratar desses temas, mas numa perspectiva mais ampla.
O capital político-eleitoral da oposição

Começo pelo capital com que a oposição (não só o PSDB) poderá em tese contar nos próximos anos. No Congresso, como é sabido, a correlação de forças será muito desfavorável aos partidos de oposição. O governo fez ampla maioria nas duas Casas, suficiente até para a aprovação de emendas constitucionais.

O DEM e o PSDB saíram-se bem na eleição de governadores, aquele elegendo dois e este seis – inclusive os de São Paulo e Minas Gerais. Mas não podemos estimar a força política oposicionista diretamente a partir deste dado.

O sistema político brasileiro restringe bastante a latitude legítima de comportamento dos governadores. Em tempos normais, não lhes é lícito ostentar perfis marcadamente partidários ou de oposição X situação. O governador governa e representa todos os cidadãos de seu estado, não só os de seu partido. A atitude ostensivamente partidária adotada por Lula no tocante ao processo sucessório não deve ser considerada a regra e sim a exceção.

Outro indicador importante do capital oposicionista são os 44% da votação obtidos no segundo turno por José Serra. Tomar essa cifra como uma medida do eleitorado tucano seria exagero, mas ela tem uma importância inegável como estimativa da parcela que o lulo-petismo não conseguiu atrair. Os 44% que votaram em Serra no segundo turno fizeram-no com certo grau de reflexão, resistindo ao apelo embutido na popularidade de Lula e à interferência avassaladora da máquina pública nas eleições deste ano.

Oposição e atitude de oposição

Sem oposição, não há democracia. Não vejo como alguém possa discordar desta afirmação. Mas é preciso observar que ela tem dois significados diferentes. O primeiro diz respeito à força numérica do partido (ou partidos) de oposição, especialmente no parlamento. Neste sentido, como vimos acima, a situação do momento não é auspiciosa.

O segundo sentido, muito mais complexo, tem a ver com a existência de uma atitude de oposição. Quanto a este aspecto, a melhor intervenção das últimas semanas foi provavelmente a de um senador nominalmente situacionista : Jarbas Vasconcelos, do PMDB de Pernambuco.

Afirmando que não se intimidará com a maioria governista no Senado a partir de fevereiro, o senador pernambucano comprometeu-se a fazer uma oposição firme e altiva, o que obviamente não significa comportar-se como o fez o PT no período Fernando Henrique, opondo-se cerradamente a tudo o que o governo propôs.

Em essência, Jarbas concitou a presidente eleita a se distanciar do precedente estabelecido por Lula. Sugeriu-lhe manter “uma relação de respeito com a oposição, uma convivência republicana, sem tentativas de cooptação ou de acordos de gabinete, [abstendo-se de pregar] o extermínio daqueles que pensam de forma diferente, pois, sem oposição, não há democracia”.

O problema – agora sou quem fala – é que, ao longo do tempo e em vista das situações práticas que vão surgindo, os representantes oposicionistas eleitos podem legitimamente divergir quanto ao exercício de seu papel.

Não estarei a revelar nenhum segredo se disser que muitos eleitores tucanos sentiram-se frustrados com o desempenho do partido no transcurso do governo Lula.

A questão, como se vê, não é simples, desde logo porque envolve um jogo de espelhos, ou seja, avaliações dos representantes a respeito dos problemas que eles têm diante de si e dos representados a respeito das avaliações dos representantes. Reações dos deputados ou senadores às situações que enfrentam no plano do poder e dos eleitores acerca daquelas mesmas reações.

Dou um exemplo. Muitos eleitores criticam o comportamento da direção e dos parlamentares do PSDB (e do DEM) por não terem proposto o impeachment de Lula quando da conjuntura do mensalão. Entendem que houve medo, acomodação ou falta de tirocínio.

Mas outros entendem, com igual legitimidade, que tal proposta teria sido imprudente e contraproducente ; que seu efeito mais provável seria precipitar uma crise institucional extremamente grave, dando ensejo a uma reação e a uma concentração de poder ainda maior nas mãos de Lula .

O que me parece razoável afirmar é que o PSDB, em todas as suas instâncias, demorou demais a perceber a metódica malevolência com que Lula se pôs em campo para subjugar, senão a oposição em geral, com certeza a oposição tucana de São Paulo.

Essa atitude de Lula ganhou nitidez nos últimos dois anos, a partir da unção de Dilma Rousseff como sua sucessora, mas era perceptível muito antes disso, desde o primeiro mandato, como qualquer pesquisador competente poderá averiguar.

As promessas e os passos de Dilma em favor da estabilidade e de investimentos privados:: Jarbas de Holanda

1) Só alguns meses após o início do governo Dilma Rousseff haverá fatos concretos para uma análise objetiva de suas opções e medidas na condução da economia (bem como nas esferas política e institucional). Até lá, sobretudo agora quando apenas parte do seu ministério está definida, as previsões a respeito, favoráveis ou contrárias, carecem de maior consistência, podendo virem a ser desmentidas na prática. Feita a ressalva, cabe assinalar que a maioria dos analistas e de matérias opinativas (editoriais) dos grandes veículos da mídia vem avaliando positivamente – parcela deles explicitando surpresa – os sinais emitidos pela presidente eleita através das diretrizes recomendadas à equipe econômica indicada, bem como por meio do papel importante que Antonio Palocci e Paulo Bernardo deverão ter no núcleo de decisões do Palácio do Planalto.

2) Tais diretrizes, já antecipadas no “discurso da vitória”, proferido por Dilma tão logo foi concluída a apuração do 2º turno presidencial, traduziram o reconhecimento por ela de que seu governo terá de enfrentar de saída a combinação de dois sérios problemas: uma piora significativa do cenário econômico externo e, no plano doméstico, um processo de descontrole das contas públicas. Resultante do grande aumento dos gastos federais, sobretudo os de custeio, ocorrido nos últimos anos e que se agravará se não for revertida a ameaça de explosão deles configurada em vultosas demandas corporativas em tramitação no Congresso. Esse reconhecimento induziu-a, ou compeliu-a a trocar suas antigas posturas – de desenvolvimentista bastante radical – contrárias à política monetária pela defesa, reiterada, do corte dos gastos públicos e dos chamados fundamentos da estabilidade macroeconômica.

3) Nesse contexto, aos aplausos iniciais da mídia ao “discurso da vitória” têm-se seguido nos seus principais veículos a valorização e um tratamento basicamente favorável aos critérios e aos passos da presidente eleita, na escolha dos primeiros ministros e nas articulações para a seleção de mais outros. Eis trechos de avaliação de tais processos feita na edição desta semana da Veja (na Carta ao Leitor) – um veículo de forte postura crítica ao situacionismo federal: “Os novos integrantes da equipe econômica ecoaram as diretrizes da presidente”. “Vamos ter de fazer mais e melhor com menos”, disse Miriam Belchior, a futura ministra do Planejamento. “O Banco Central terá total autonomia na tarefa de manter a inflação sob controle”, afirmou Alexandre Tombini, sucessor de Henrique Meirelles no BC. Primeiro nome confirmado da equipe, o atual e futuro ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou uma inflexão na rota. Ao divulgar cortes de R$ 20 bilhões no orçamento da União para 2011 e de R$ 50 bilhões para o BNDES, Mantega disse: “Gastamos demais nos últimos dois anos, é hora de abandonar o estímulo fiscal e os subsídios. A ordem é mão pesada”.

4) Seguem-se outros destaques da imprensa a objetivos proclamados pela presidente eleita e sobre a composição do seu governo. – Do Globo, de ontem: “Dilma estuda conceder 7 aeroportos a setor privado”. “O plano sugere que sete aeroportos, com maiores gargalos sejam concedidos à iniciativa privada antes mesmo da abertura de capital da Infraero. São eles: Guarulhos, Tom Jobim, Confins, Porto Alegre, Salvador, Brasília e Viracopos”. Cabe lembrar que tal abertura, proposta por Nelson Jobim como ministro da Defesa do primeiro governo Lula, foi bloqueada por veto do Palácio do Planalto, adotado certamente com aval da então chefe da Casa Civil Dilma Rousseff. – Manchete do Valor, da última sexta-feira: “Palocci, deve voltar ao núcleo do poder”, com a legenda “Depois de relutância inicial, ex-ministro teria aceitado assumir segundo cargo de maior projeção do Planalto”.

5) Da Folha de S. Paulo, de ontem: “Dilma corteja Gerdau para seu governo”. Abertura da reportagem: “A presidente eleita, Dilma Rousseff, está fazendo a corte para levar o empresário Jorge Gerdau para seu governo. Os dois são próximos desde que ela ocupava a Secretaria de Minas e Energia do Rio Grande do Sul. A petista já fez três sondagens a um dos principais homens da siderurgia brasileira. Primeiro foi para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Dois outros destinos são agora analisados: a Secretaria de Assuntos Estratégicos e o comando do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social”.


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O povo sou eu – Editorial : O Estado de S. Paulo

O mesmo presidente Lula que aconselhou um repórter deste jornal a fazer psicanálise para se tratar da "doença do preconceito", revelou ter dito de si certa vez algo que deveria levá-lo ao divã do terapeuta mais próximo. Não fosse a inconfidência, a sua grosseria com o jornalista Leonencio Nossa, baseado no Palácio do Planalto, mereceria ser largada no aterro onde se amontoam os incontáveis rompantes, bravatas e despautérios do mais prolixo dos governantes brasileiros. Mas o encadeamento das coisas obriga a revolver as palavras do presidente, em consideração ao interesse público.

As cenas constrangedoras se passaram quando Lula visitava as obras da hidrelétrica de Estreito, no Maranhão, para o fechamento simbólico da primeira das 14 comportas da usina. Perguntado pelo repórter do Estado se a visita era uma forma de agradecer o apoio da oligarquia Sarney ao seu governo, ele perdeu as estribeiras. Embora o presidente do Senado seja o patriarca do clã que sabidamente controla a vida política maranhense há cerca de meio século e embora seja também notória a sua sintonia com os interesses do lulismo - e vice-versa -, Lula reagiu com indisfarçada hostilidade.

A pergunta "preconceituosa", investiu, demonstraria que o jornalista não teria aprendido que o Senado é uma instituição autônoma e que, ao se eleger e tomar posse, todo político "passa a ser uma instituição". "Sarney não é meu presidente", emendou. "É o presidente do Senado deste país." Lula domina com maestria o tipo de mentira que consiste em omitir uma parte, a mais importante, da verdade. No caso, o pacto de mútua conveniência entre ambos - que se sobrepõe ao caráter institucional das relações entre dois chefes de Poderes.

Que o diga o PT do Maranhão, obrigado este ano a desistir da candidatura própria no Estado em favor da reeleição da governadora Roseana Sarney. Foi ao pai que Lula se dirigiu em dada ocasião para transmitir uma ameaça ao Congresso. Segundo a história que o presidente contou na sua fala de improviso em Estreito, no decorrer da crise do mensalão, em 2005, pediu que Sarney advertisse os parlamentares da oposição de que, "se tentassem dar um passo além da institucionalidade, não sabem o que vai acontecer". Porque "não é o Lula que está na Presidência, mas a classe trabalhadora"

Ou, mais precisamente, porque ele é "a encarnação do povo". Não há o mais remoto motivo para duvidar de que isso é o que ele enxerga quando se olha ao espelho. Luiz XIV teria dito que "o Estado sou eu". Era, de toda sorte, uma constatação política - e a mais concisa definição que se conhece do termo autocracia. Mas nem o Rei Sol, que via a sua onipotência iluminando a França, tinha a pretensão de encarnar os seus súditos. Não ousaria dizer "o povo sou eu". Em psiquiatria há diversas denominações para o que em linguagem leiga se chama mania de grandeza.

Lula disse ainda que de início tinha medo do que lhe poderia acontecer à luz de um passado que incluía o suicídio de Vargas, a tentativa de impedir a posse de Juscelino, a deposição de Jango, a renúncia de Jânio e o impeachment de Collor. A julgar por sua versão, o migrante que passou fome e privações e refez a vida sem renegar as suas origens seria um candidato natural a engrossar a lista dos governantes brasileiros apeados do poder de uma forma ou de outra, no que seria uma interminável conspiração dos descontentes. Mas "eles", teria dito naquela conversa com Sarney, "vão saber que eu sou diferente".

O que espanta, além da teoria encarnatória, são as circunstâncias que levaram Lula a invocar alguns dos momentos mais turbulentos da história nacional. Em 2005, a oposição não conspirava para "dar um passo além da institucionalidade" nem o País estava convulsionado por um confronto ideológico que se resolveria pela força. Os brasileiros, isso sim, estavam aturdidos com as evidências de que o lulismo usava dinheiro que transitava pelos desvãos da política e do governo para comprar votos na Câmara dos Deputados - o mensalão. Lula não estava nem um pouco preocupado com as instituições. Queria dar dimensão histórica ao que não passava de um caso de polícia. Encarnou uma mistificação.

Alertas do PPS sobre crise na economia brasileira já são realidade no Orçamento 2011

DEU NO PORTAL DO PPS

Por: Assessoria do PPS
O que o jornal Folha de São Paulo mostra na edição desta quarta-feira, quando aborda a necessidade real de um forte aperto fiscal ou aumento da carga tributária para o governo de Dilma Rousseff cumpra a meta fiscal em 2011, vem sendo alvo dos alertas emitidos pelo PPS ao longo dos últimos meses.

A partir de análise da proposta orçamentária em tramitação, o jornal constatou que “se a receita não crescer mais que a economia do país será necessário reduzir as despesas em mais de R$ 70 bilhões para atingir o prometido superávit primário”.

Durante reunião do Diretório Nacional do PPS, ocorrido no último fim-de-semana em Brasília, o presidente nacional da legenda, deputado federal eleito Roberto Freire (SP), havia dito que, além de problemas com austeridade fiscal o governo da petista deverá enfrentar situações nada fáceis com a subida da inflação.

"Não sei se teremos um governo de euforia, porque o processo inflacionário, se vier, não haverá propaganda que dê jeito", observou Freire.

Gastança

Na opinião do líder do partido na Câmara, Fernando Coruja (SC), a “gastança” promovida por Lula ao longo de sua gestão é uma espécie de herança maldita que Dilma terá que enfrentar.

“O presidente atual gastou de forma desordenada e sem prioridades e, agora no final do governo, num viés claramente eleitoral. E estes gastos precisam ser cobertos porque há este rombo”, observou.

O líder do PPS afirma que o endividamento foi muito grande e que a equipe econômica terá que tomar cuidado para não estourar a “bolha” criada por Lula.

Ainda segundo a reportagem da Folha, desde o ano passado as receitas do governo federal estão praticamente estagnadas como proporção do PIB, enquanto as despesas se mantiveram em alta

Década da crise

Advogado e integrante do Diretório Nacional do PPS, Laércio Noronha (CE), em intervenção feita também durante encontro do partido, afirmou que o governo Lula não conseguiu reduzir gastos e alertou que o mundo deverá passar por um processo de ajuste fiscal em suas contas públicas. “O Estado terá que ser mais eficiente. Vamos passar por uma década de crise”, disse.

Armadilha

“Uma armadilha econômica vai cair no colo da presidente eleita Dilma Rousseff”. O alerta é do economista da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Eduardo Rocha. Segundo ele, o Brasil vive hoje um processo macroeconômico perverso, difícil de desarmar, e que já mostra seus efeitos.

O país, analisa Rocha, vive um processo de desnacionalização da economia que ganhou força com fusões e aquisições de empresas. Aliado a isso, está avançando no Brasil um cenário de desindustruialização. “E não só por falta de uma política para a área, mas também pelo problema cambial (que faz os produtos brasileiros perderem competitividade no mercado externo) que passa a atingir com força a nossa economia”, afirma.

Não bastasse isso, ainda há, na opinião do economista, uma financialização da economia que “solapa a capacidade de investimento do Estado”. Outro fator que merece atenção é a primarização de nossa pauta de exportações. “Esse é outro fenômeno regressivo preocupante”, alerta Rocha, explicando que ao concentrar suas exportações nas matérias primas, o Brasil atrasa ainda mais seu processo de desenvolvimento.

A estrutura tributária é outra área que vai gerar problemas para a economia brasileira em curto prazo. “Ela penaliza a produção e o trabalho. Com isso, nossos produtos perdem inserção no mercado internacional”, explica o economista, que salienta que esse setor ainda é atingido diretamente pela apreciação do real frente ao dólar. “Não é há toa que estamos registrando sucessivos déficits em conta corrente”.

O economista finaliza lembrando que Dilma ainda não mostrou intenção de promover uma mudança na economia. “Disse que vai manter a política de metas de inflação, superávit primário e juros altos. Desse jeito, o país não conseguirá sair dessa armadilha”.

FHC afirma que ação contra tráfico no Rio é 'um passo adiante'

Ex-presidente diz que expulsão de traficantes não para criminalidade.

Tucano concedeu entrevista nesta quarta-feira (1°) à Rádio CBN.

Do G1, em São Paulo

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso elogiou na manhã desta quarta-feira (1º), em entrevista para a Rádio CBN (ouça a íntegra), a combinação de esforços entre as polícias e as Forças Armadas na operação no Morro do Alemão, no Rio de Janeiro. “Houve um passo adiante”, disse. Entretanto, ele alertou que o tráfico pode se reorganizar e que é preciso traçar estratégias para diminuir o consumo. “É provável que vão expulsar essa gente para Bahia, Espírito Santo, sei lá para onde, para continuar traficando. Tem que baixar o consumo”, disse.

Para FHC, é fundamental diminuir a procura pelas drogas. Segundo ele, é preciso que as "classes média e alta", além de “todos que consomem”, ajudem no combate ao tráfico. “Isso (recuperação do território no Alemão) não vai por si mesmo resolver a diminuição do consumo”, disse, apontando a necessidade de campanhas e outras medidas de apoio aos dependentes. “Quando todo mundo fica contente pelo que aconteceu no Rio é porque o Estado está recuperando o monopólio da força naquela área. Precisa ver se vai recuperar em um conjunto maior”, questiona.

O ex-presidente citou como um bom exemplo de enfrentamento as medidas adotadas por Portugal, que conseguiu reduzir de "maneira mais notável" o consumo. “Descriminalizaram todas as drogas, o que não quer dizer legalizar”, afirmou.

Baseado em sua própria experiência no governo, FHC admitiu que é difícil fazer o controle da chegada de armas e drogas pelas fronteiras, mas disse que é preciso avançar na questão e atingir os verdadeiros chefes do tráfico. “Os heróis da bandidagem no Rio têm propriedade na favela. São pé de chinelo, são funcionários dos grandes importadores e exportadores“, disse.

WikiLeaks e Lula

O ex-presidente afirmou ainda que a divulgação de documentos pelo site WikiLeaks mostra que é muito difícil manter conversas que não se tornem públicas. Segundo ele, os vazamentos devem mudar a postura dos funcionários diplomáticos, que devem se tornar mais "reservados". “Não sei se isso vai causar um estrago maior”, disse.

FHC também comentou uma declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teria dito no Maranhão que FHC teria feito mais pelo país se as condições econômicas tivessem ajudado. “Ele voltou a pisar no real? Não no Real, na moeda, na realidade? É bom ser ex-presidente. Ele ainda não é ex-presidente e já está mais sensato”, afirmou.

Negociação entre eleita e Cabral gera crise com PMDB

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA = A estreia da presidente eleita, Dilma Rousseff, na negociação com sua base de apoio para a montagem do governo gerou uma crise com o principal aliado, o PMDB.

A principal fonte de desgaste foi o anúncio feito pelo governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), de que seu secretário Sérgio Côrtes assumiria o Ministério da Saúde.

O partido ficou tão insatisfeito com a proposta apresentada ontem que o vice-presidente eleito, Michel Temer, veio a público dizer que a legenda não aceita ter apenas quatro ministérios e quer comandar cinco.


Segundo relatos, Temer ficou "magoado" por não ter participado da negociação.

As bancadas peemedebistas reagiram. Na Câmara, os deputados soltaram um manifesto dizendo que não aceitam na sua cota nenhum nome que não passe por eles.

Diante da resistência, Dilma negou o que havia acertado no dia anterior com Cabral. "Eu queria adiantar que ainda não escolhi o ministro da Saúde", afirmou, ao abrir um seminário sobre o tema no escritório da transição.

Nos bastidores, questiona-se a permanência de Côrtes, nome sem lastro entre os congressistas de seu partido.

"Acho que Côrtes dormiu ministro e acordou outra coisa. A forma com que foi anunciado acabou servindo para enfraquecê-lo", ironizou o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR).

Temer avisou, ainda, que o PMDB não considera os Ministérios da Defesa e da Saúde na cota do partido com os atuais escolhidos (Nelson Jobim e o próprio Côrtes).

A legenda insiste na escolha de quatro ministros ligados a deputados e senadores, além de uma quinta pasta para a cota do vice.

Durante a reunião da bancada, os congressistas aclamaram o atual ministro da Agricultura, Wagner Rossi, para continuar no cargo. Outro nome mencionado foi o do deputado Mendes Ribeiro Filho (PMDB-RS), amigo da eleita. Já o ex-governador Moreira Franco, interessado em Cidades, não recebeu a mesma deferência.

No seminário sobre saúde com sua equipe de transição, Dilma deu sinais de incômodo com o gesto de Cabral de anunciar Côrtes, que foi convidado para o encontro, mas não compareceu.

Cabral telefonou ontem para Temer se justificando sobre a indicação de Côrtes.

Cotado para Agricultura, Blairo doou a Dilma R$ 1 mi

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Cotado para assumir o Ministério da Agricultura, o senador eleito Blairo Maggi (PR) doou, por meio de suas empresas, R$ 1 milhão para a campanha presidencial de Dilma Rousseff (PT), informa José Roberto de Toledo. A doação foi feita depois da eleição. O setor que mais contribuiu para ajudar Dilma a fechar a conta da campanha foi o sucroalcooleiro. As doações de empresas do setor atingiram ao menos R$ 3,5 milhões nas últimas semanas.

Candidato a ministro de Dilma, Blairo Maggi doou à campanha após vitória

José Roberto de Toledo

Cotado para assumir uma pasta no futuro governo de Dilma Rousseff, possivelmente a Agricultura, o senador eleito Blairo Maggi (PR-MT), além de ter se empenhado na eleição da petista à Presidência, colaborou financeiramente com a campanha. Por intermédio de suas empresas, o ex-governador de Mato Grosso doou R$ 1 milhão para o Comitê Financeiro Nacional para Presidente da República, administrado pelo PT.

Foram duas doações, registradas na contabilidade oficial da campanha petista. O mais curioso é que elas ocorreram na semana passada, muito depois do término da eleição. O empresário, um dos maiores produtores de soja do mundo, ajudou a fechar a conta da campanha de Dilma.

"Fizemos mesmo a doação (a empresa) porque houve um pedido do comitê financeiro para fechar as contas e a companhia tinha caixa", admitiu o ex-governador ao Estado. Ele afirmou, ainda, que não chegou a ser convidado para ser ministro e que disse a Dilma que não poderia assumir a Agricultura por conta dos negócios da família. "Eu atrapalharia mais do que ajudaria."

A maior doação foi feita pela Amaggi Exportação e Importação Ltda.: R$ 700 mil, na quinta-feira passada. No dia seguinte, a Agropecuária Maggi Ltda. doou mais R$ 300 mil ao mesmo Comitê Financeiro Nacional.

Anteontem Blairo foi convidado a acompanhar a presidente eleita em viagem a Tucuruí, no Pará, para inauguração de duas eclusas construídas por outro doador da campanha de Dilma, a Camargo Corrêa. Se emplacar mesmo no ministério, ele deverá entrar na cota do PR.

Doadores. O comitê financeiro nacional para presidente, do PT, recebeu 46 doações de empresas com valores superiores a R$ 10 mil após o término da eleição. Elas somam R$ 12,741 milhões. A maior doação foi feita pela Construtora Queiroz Galvão S/A, no valor de R$ 2 milhões.

Mas o setor que mais contribuiu após o fechamento das urnas foi o sucroalcooleiro. Foram pelo menos R$ 3,5 milhões nas últimas semanas. Usineiros consultados pela reportagem confirmam que o segmento foi convidado a ajudar a fechar a contabilidade da campanha de Dilma.

A Cosan, maior empresa do setor, fez duas doações em novembro, somando R$ 1,5 milhão. A Copersucar doou R$ 500 mil no dia 23 passado. E a Usina São Martinho fez dois aportes no dia seguinte que totalizaram também R$ 500 mil.

A Açúcar Guarani S/A, controlada pelo grupo francês Tereos, fez duas doações a Dilma, que totalizaram R$ 1 milhão, nos dias 19 e 22 de novembro. A Petrobrás é sócia da empresa.

Em abril, a Guarani recebeu um aporte da Petrobrás no valor de R$ 682 milhões, o que garantiu 26,3% das ações da companhia à Petrobrás Biocombustível. A PBio, o braço da estatal voltado ao etanol, deverá investir mais R$ 929 milhões na Açúcar Guarani ao longo de cinco anos.

A Guarani informou que as doações compreenderam vários candidatos de diferentes partidos políticos, "sempre à luz da legislação eleitoral vigente". O tesoureiro de Dilma, José de Filippi Júnior, disse não haver nenhuma irregularidade na doação.

Colaborou Marta Salomon

PMDB reage e veta Côrtes para a Saúde

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Depois de ser indicado e anunciado como escolhido para o Ministério da Saúde do novo governo, o médico ortopedista Sérgio Côrtes viu seu nome ser descartado. A mudança decorreu de uma crise política envolvendo o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), e a bancada do partido na Câmara dos Deputados. A própria presidente eleita, Dilma Rousseff, se encarregou de dar o recado. "Ainda não escolhi o meu ministro da Saúde", disse.

Reação no PMDB barra Côrtes na Saúde

Secretário vira alvo de disputa entre governador do Rio, seu padrinho, e a direção do partido; suspeita de corrupção também atrapalha

Eugênia Lopes, Vera Rosa, Rosa Costa/BRASÍLIA

Menos de 24 horas depois de ter sido anunciado como o escolhido para o Ministério da Saúde da presidente eleita, Dilma Rousseff, o médico ortopedista Sérgio Luiz Côrtes viu seu nome revogado do cargo em meio a uma crise política envolvendo o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), e a bancada peemedebista na Câmara.

Cabral era o padrinho da indicação, que não foi acatada nem pelo vice de Dilma, o deputado Michel Temer (PMDB-SP), nem pela bancada do partido.

Dilma ficou irritada com o que chamou de "precipitação" no anúncio de nomes do ministério. Em reunião com médicos, ontem, no Centro Cultural Banco do Brasil, ela afirmou que os indicados para o setor ainda não foram definidos. "Eu queria deixar claro para vocês que ainda não escolhi o meu ministro da Saúde", alertou, diante de uma plateia formada por nomes de peso, como o cardiologista Adib Jatene. E acrescentou: "Mas ele (o novo ministro) honrará a tradição de Temporão e Adib Jatene".

"O anúncio precipitado do nome de Côrtes o fez, provavelmente, dormir ministro e acordar sem a pasta", resumiu o deputado Rocha Loures (PR). Em reunião na Câmara, as lideranças do PMDB rejeitaram endossar o nome do secretário de Saúde do Rio. Se a presidente quiser mantê-lo, ele entra como parte de sua "cota pessoal", disseram.

Foi o próprio governador Cabral que, no Rio, anunciou formalmente a suposta escolha de Sérgio Côrtes para suceder a José Gomes Temporão. "Foi feito o convite por mim, em nome da presidente, e ele aceitou", confirmou Cabral na terça-feira à tarde, no Rio. No encontro da noite anterior, na Granja do Torto, Dilma advertiu o governador de que a indicação teria de passar pelo crivo do PMDB na Câmara e no Senado.

Fato consumado. Em conversas reservadas, integrantes da equipe de transição entendem que Cabral quis "criar um fato consumado" e acabou causando desconforto político na aliança governista. O presidente do PMDB, Michel Temer, não escondeu sua contrariedade com o anúncio de Côrtes - ele sequer participou da reunião em que o assunto foi tratado. Segundo seu relato, Cabral lhe telefonou para dizer que o pedido partiu de Dilma. "Ele disse: "Ó Temer, não procurei ninguém (do partido) porque isso foi cota pessoal. Ela (a presidente) me chamou, queria um técnico para a Saúde, disse que aprecia muito o trabalho de Sérgio Côrtes e, portanto, entrava na cota pessoal dela"", afirmou o vice eleito. Além disso, a cúpula do PT descobriu que há várias denúncias contra a gestão de Côrtes na Saúde do Rio.

Sabendo da contrariedade da bancada, Temer pediu licença a Cabral para relatar a conversa ao partido. "Pode divulgar", respondeu Cabral.

O PMDB adianta que não pretende ser "barriga de aluguel" para abrigar o indicado de Sérgio Cabral. Assim como Nelson Jobim, na Defesa, não pode ser creditado à conta do partido, o mesmo se aplicaria no caso da Saúde. Ao final do encontro da bancada, ontem, o líder do partido na Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), foi evasivo sobre a manutenção da indicação de Côrtes: "Pode ser que sim, pode ser que não."

Colaboraram Andrea Jubé Vianna, Denise Madueño e Christiane Samarco.

PT nordestino deverá gerir Bolsa Família

DEU EM O GLOBO

Tendência é que petistas de Minas percam Desenvolvimento Social; Bahia e Sergipe deve ter ministérios

Maria Lima e Luiza Damé

BRASÍLIA. O PT do Nordeste, com os governadores Jaques Wagner (BA) e Marcelo Déda (SE) à frente, terá um ministério de peso no governo Dilma Rousseff e poderá tirar de Minas uma das maiores vitrines eleitorais do governo: o Bolsa Família do Ministério do Desenvolvimento Social. Os aliados nordestinos de Dilma deverão ficar também com o Ministério do Desenvolvimento Agrário; o mais cotado para a vaga é o o ex-governador do Piauí e senador eleito Welington Dias (PT). O Nordeste poderá ter quatro ministérios.

Dias tem um forte adversário no PT: o presidente da Petrobras Bio Combustível, Miguel Rossetto. Amigo de Dilma, Rossetto ocupou o cargo no primeiro mandato do presidente Lula.

Para a pasta da Reforma Agrária, Dilma gosta do ministro, Guilherme Cassel, indicado por Rossetto. Ambos são gaúchos e tiveram o controle do setor nos últimos oito anos. Mas o ex-governador do Piauí tem apoio do PT e de movimentos sociais de Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Dilma já teria decidido deixar o Ministério da Integração Nacional sob o comando do PSB de Pernambuco. Numa indicação pessoal de Dilma, o Nordeste poderá ganhar um quarto ministério: o novo Ministério da Pequena e Micro Empresa. Está cotado para o posto o senador José Carlos Valadares (PSB-SE), o que abriria vaga no Senado para o seu suplente, o presidente do PT, José Eduardo Dutra.

Há muitas decisões em aberto. O ex-prefeito de BH Fernando Pimentel pode migrar do cogitado Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio para a Previdência. No Ministério dos Transportes a indefinição continua. A pasta é hoje da cota do PR, mas além do ex-ministro Alfredo Nascimento (AM), são cotados o atual ministro Paulo Sérgio Passo e o o ex-governador Blairo Maggi (MT).

Petistas protestam contra ministra do Meio Ambiente

Deputados do PMDB criticam Dilma e cobram cinco pastas para o partido

DEU EM O GLOBO

Parlamentares afirmam que Sérgio Côrtes na Saúde não os representará

Cristiane Jungblut, Gerson Camarotti e Maria Lima

BRASÍLIA. Com o partido dividido e insatisfeito com os rumos das negociações para a formação do primeiro escalão do governo Dilma Rousseff, a bancada do PMDB na Câmara dos Deputados decidiu acirrar o clima e pôs em prática uma estratégia agressiva para derrubar a indicação do governador Sérgio Cabral (PMDB-RJ) - o secretário estadual Sérgio Côrtes - como ministro da Saúde.

Em reunião dos atuais e novos deputados do partido, ontem, o ex-governador de Minas Newton Cardozo, parlamentar eleito, e outros criticaram a condução de Dilma nas negociações e cobraram mais pastas para o PMDB. Querem cinco. Dilma oferece quatro. O deputado Antônio Palocci, futuro chefe da Casa Civil, passou o dia conversando com Temer e outros peemedebistas.

Os deputados decidiram fortalecer o vice-presidente eleito, Michel Temer, também presidente do partido, como interlocutor na transição, ao lado do líder da bancada, Henrique Eduardo Alves (RN). A bancada aprovou uma moção, com 54 assinaturas, que credencia Alves como negociador dos nomes para os dois ministérios que os deputados poderão indicar: Agricultura e Cidades.

A cúpula peemedebista fez chegar à equipe de transição que a forma como foi conduzida a indicação de Côrtes atropelou o PMDB.

- A indicação do Côrtes foi muito estranha. Foi uma indicação do governador Cabral que não obedeceu à tramitação normal do partido. Ele não representa a Câmara nem o Senado - disse o deputado Eliseu Padilha (PMDB-RJ).

- Foi precipitado o anúncio. Isso fez com que ele tenha dormido ministro e acordado sem o posto, pelo menos, se sua indicação depender do aval do PMDB - disse o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR).

No seu discurso para a bancada, Alves mandou um recado para o PT:

- Esse partido é governo. Mas no futuro pode ser e pode não ser. Está amadurecido, unido e coeso. É um partido que tem ciência de suas responsabilidades, mas é também consciente de seus direitos.

Depois da reunião da bancada, Temer reafirmou que a bancada quer "o que existe hoje". O início da reunião foi tenso. Newton Cardoso atacou Dilma e o PT.

- Durante a campanha a Dilma só faltou falar "uai". Depois de eleita, sumiu de Minas e tirou todos os nossos cinco ministros. Que ingratidão dessa mulher, meu Deus do céu?

O deputado e ex-ministro da Agricultura Reinhold Stephanes (PR) reclamou da cúpula do PMDB:

- Em princípio não vejo transparência nesse processo. Um pequeno grupo está decidindo e cada líder tem sua cota pessoal. Mas ninguém foi referendado. Acredito que o (deputado) Eduardo Cunha está criando dificuldades para o Temer, como o próprio Moreira Franco. Estão articulando em nome deles mesmos.

Dilma não quer mais Côrtes no Ministério

DEU EM O GLOBO

Irritada com o governador Sérgio Cabral, que vazou a informação de que ela se decidira pelo secretário Sérgio Côrtes para o Ministério de Saúde, a presidente eleita, Dilma Rousseff, negou ontem que tenha escolhido o titular da pasta. A bancada do PMDB na Câmara também reagiu e disse que não se sentiria representada por Côrtes, nome praticamente descartado.

Ascensão e queda em 24 horas

Contrariada com Cabral, Dilma praticamente descarta escolha de Sérgio Côrtes para a Saúde

Eliane Oliveira, Luiza Damé, Maria Lima e Gerson Camarotti

Azedou a relação da presidente eleita, Dilma Rousseff (PT), com o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), e a indicação do secretário estadual de Saúde, Sérgio Côrtes, para o Ministério da Saúde está praticamente enterrada. A própria Dilma e coordenadores da equipe de transição desautorizaram anúncios sobre a escolha de Côrtes e avisaram que o secretário só será ministro se todo o PMDB referendar a indicação, dentro da cota a que terá direito. Além desse problema, o PMDB exige cinco pastas, uma além do que Dilma pretende dar ao partido.

Ao encerrar uma reunião entre especialistas e integrantes da equipe de transição sobre os desafios para a saúde, Dilma tomou a iniciativa de afirmar, quando fotógrafos e cinegrafistas entraram para fazer imagem do encontro, que ainda não havia escolhido o substituto de Temporão:

- Ainda não escolhi meu ministro da Saúde. Mas ele honrará a tradição de Temporão e de Adib Jatene - disse a presidente eleita, reafirmando o perfil de excelência na área médica.

Especulou-se que Côrtes participaria da reunião no CCBB, o que foi negado pelo deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), um dos coordenadores da transição. A declaração de Dilma foi confirmada depois por Cardozo:

- A presidente foi muito clara. Não escolheu ainda o ministro da Saúde - disse Cardozo, reforçando que Dilma quer alguém com experiência, competência e sustentação política.

O PMDB do Rio começou a semana com praticamente com dois ministros no governo de Dilma, mas corre o risco de ficar sem nenhum. A disputa interna no partido enfraqueceu também a indicação do ex-governador Moreira Franco para o Ministério das Cidades.

Houve forte contrariedade no partido com as declarações de Moreira, publicadas ontem pelo GLOBO, com críticas à condução da equipe de transição na formação do Ministério de Dilma. Isso obrigou o vice-presidente eleito, Michel Temer, a recuar da indicação de Moreira, e aceitar a pressão da bancada para nomear deputados para os ministérios peemedebistas.

Petistas contestam versão de Temer

Nos bastidores, interlocutores de Dilma revelaram o recuo em relação a Côrtes. Disseram que Cabral não tinha autorização para anunciar um ministro de Dilma e que a presidente foi clara com ele, ao dizer que admirava o trabalho de Côrtes, mas que ele precisava ser um nome do partido, e não de sua cota pessoal. Seria diferente do que ocorreu com o atual ministro Temporão, uma escolha de Lula apadrinhada por Cabral.

- Se fosse da cota pessoal dela, ela escolheria um petista ou uma pessoa do setor. O Cabral atravessou o samba. Quis dar uma de porreta e viajou na maionese. Não estava autorizado para anunciar nada. Quem tem que anunciar ministro é a presidente eleita. Se ele queria o Côrtes como ministro, prestou uma grande desserviço a ele e ainda criou uma quizumba no PMDB - disse um dos interlocutores de Dilma.

Em meio à confusão, a situação ficou ainda mais delicada para Cabral com a entrevista, pela manhã, de Temer. Sobre a polêmica indicação de Côrtes, Temer contou que Cabral ligou pra ele, ontem cedo, e disse que a indicação do secretário entrou na cota pessoal de Dilma:

- Ele (Cabral) disse: "Temer, não procurei ninguém porque, na verdade, foi na cota pessoal. Ela me chamou, disse que queria um técnico na Saúde, disse que aprecia muito o trabalho do Côrtes. E, portanto, queria um técnico que entraria na cota pessoal dela". Como entrou naturalmente a Defesa, na cota pessoal da presidente - disse Temer.

O vice-presidente eleito fez questão de ressaltar que a cota peemedebista é de cinco ministérios, sem contar Saúde e Defesa.

- O partido está pleiteando cinco, o que é mais ou menos o que existe hoje. Está pleiteando cinco ministérios, mas estamos ajustando esses ponteiros. E, se eu tiver cota pessoal, indico um nome. Está se discutindo cinco precisamente em função disso - disse Temer, confirmando o descontentamento do partido: - O que há é aquele desconforto muitas vezes daqueles que querem um pouco mais, um pouco menos. Mas o PMDB vai ter um espaço compatível com o seu tamanho.

A versão de Temer sobre a escolha de Côrtes foi contestada pela equipe de Dilma. Segundo os petistas, no encontro que Dilma teve com Temer, na manhã seguinte ao encontro dela com Cabral, a presidente eleita disse a seu vice que Côrtes era um bom nome. Porém, sua indicação precisaria ser referendada pelo o PMDB. Assim, Dilma abriu uma brecha para que Fausto Pereira dos Santos, ex-diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde (ANS), ganhe força entre os cotados para a pasta. Filiado ao PT, ele saiu da ANS para trabalhar na campanha de Dilma. Cabral e Côrtes viajaram ontem para Buenos Aires.

Câmara aprova emenda que tira royalties do Rio

DEU EM O GLOBO

A Câmara dos Deputados aprovou no início da madrugada de hoje, a Emenda Simon, que cria novas regras para a distribuição dos royalties e que impõe perdas significativas ao Rio e outros estados produtores de petróleo. Lula pode vetar parte do projeto.

Câmara aprova emenda que tira royalties do Rio

Deputados também aprovam regime de partilha; líderes esperam pelo veto do presidente Lula

Cristiane Jungblut

BRASÍLIA. Um ano e três meses após chegar ao Congresso Nacional, foi aprovado ontem o projeto que institui o regime de partilha de produção na exploração do petróleo na camada do pré-sal e em demais áreas consideradas pelo governo estratégicas. Esta foi a principal alteração sugerida pelo Executivo no marco regulatório. Também foi aprovado o Fundo Social, no qual serão poupadas as receitas auferidas pela União com a atividade. Às 23h15, permanecia em aberto a forma de distribuição dos royalties, que seria decidida em votação simbólica, ou seja, por contagem visual.

O líder do PMDB na Câmara e relator original do projeto da partilha, deputado Henrique Eduardo Alves (RN), celebrou:

- É o momento mais importante do pré-sal, porque é a adoção da partilha.

Os parlamentares aprovaram, por 204 votos a favor, 66 contrários e duas abstenções, o parecer do deputado Antonio Palocci (PT-SP). Apesar de Palocci ter retirado do texto a chamada Emenda Simon - que redistribui a renda auferida com a exploração de petróleo no Brasil, inclusive com as áreas já licitadas, e impõe perdas significativas ao Rio e demais estados e municípios produtores - houve apresentação de um destaque para tentar reintegrar ao projeto a discussão dos royalties.

Para barrar a iniciativa, o PR pediu, então, a votação simbólica. Foi apoiado pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que apostou na contagem visual, a partir dos braços levantados dos parlamentares:

- Adotei esta estratégia para garantir a aprovação do parecer do Palocci, que suprimiu a Emenda Simon - afirmou Cunha, pouco antes da votação do destaque começar.

Se a estratégia não desse certo, a bancada dos estados produtores passaria a contar apenas com o acordo fechado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva com os governadores do Rio, Sergio Cabral, e do Espírito Santo, Paulo Hartung, pelo qual ele vetará o artigo, deixando a distribuição como é atualmente. Futuramente, se construiria outro projeto com novas regras.

Palocci defende adiar debate sobre royalties

Ao ler seu relatório, antes da votação, Palocci disse que a questão dos royalties deveria ser discutida no futuro e não agora. Para o deputado, o modelo aprovado pelo Senado iria inviabilizar a criação do próprio Fundo Social, porque a União teria que gastar todos os recursos para compensar as perdas dos estados e municípios produtores.

- Há muitas complicações em relação aos royalties. A votação do Senado aniquilia o Fundo Social. É preciso construir um novo critério (de distribuição dos royalties), porque o Congresso não deseja como está (no projeto original). O projeto deve ficar com a partilha, deixando os royalties. Com isso, se aprovado, não muda nada do que é hoje. A questão dos recursos dos royalties seria um novo projeto - disse Palocci.

Com o texto aprovado ontem, consolida-se o modelo de forte caráter estatal no setor petrolífero.
Além da partilha, modelo no qual as empresas são prestadoras de serviço e o óleo extraído pertence à União, a Petrobras será a operadora única dos campos do pré-sal e terá, se quiser, 30% de todos os consórcios exploradores.

João Gilberto - Palpite Infeliz (Noel Rosa)

Pela rua::Ferreira Gullar

Sem qualquer esperança
detenho-me diante de uma vitrina de bolsas
na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, domingo,
enquanto o crepúsculo se desata sobre o bairro.

Sem qualquer esperança
te espero.
Na multidão que vai e vem
entra e sai dos bares e cinemas
surge teu rosto e some
num vislumbre
e o coração dispara.
Te vejo no restaurante
na fila do cinema, de azul
diriges um automóvel, a pé
cruzas a rua
miragem
que finalmente se desintegra com a tarde acima dos edifícios
e se esvai nas nuvens.

A cidade é grande
tem quatro milhões de habitantes e tu és uma só.
Em algum lugar estás a esta hora, parada ou andando,
talvez na rua ao lado, talvez na praia
talvez converses num bar distante
ou no terraço desse edifício em frente,
talvez estejas vindo ao meu encontro, sem o saberes,
misturada às pessoas que vejo ao longo da Avenida.
Mas que esperança! Tenho
uma chance em quatro milhões.
Ah, se ao menos fosses mil
disseminada pela cidade.

A noite se ergue comercial
nas constelações da Avenida.
Sem qualquer esperança
continuo
e meu coração vai repetindo teu nome
abafado pelo barulho dos motores
solto ao fumo da gasolina queimada.