sábado, 4 de dezembro de 2010

Reflexão do dia – Antonio Gramsci

Os elementos principais do senso comum são fornecidos pelas religiões e, consequentemente, a relação entre o senso comum e religião é muito íntima do que a relação entre o senso comum e sistemas filosóficos dos intelectuais. Mas, também com relação à religião, é necessário distinguir criticamente. Toda religião, inclusive a católica (ou antes, sobretudo a católica, precisamente pelos seus esforços de permanecer “superficialmente” unitária, a fim de não fragmentar-se em igrejas nacionais e em estratificações sociais), é na realidade uma multiplicidade de religiões distintas e frequentemente contraditórias: há um catolicismo dos camponeses, um catolicismo dos pequenos burgueses e dos operários urbanos, um catolicismo das mulheres e um catolicismo dos intelectuais, também este variado e desconexo. Sobre o senso comum, entretanto, influem não só as formas mais toscas e menos elaboradas destes vários catolicismos, atualmente existentes, como influíram também e são componentes do atual senso comum as religiões precedentes e as formas precedentes do atual catolicismo, os movimentos heréticos populares, as supertições cientificas ligadas às religiões passadas, etc.


(Antonio Gramsci, Cartas do Cárcere, volume I, pág. 115 – 4ª edição – Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2006)

Poder, real e aparente :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Então temos montado o novo "núcleo duro" do Palácio do Planalto, desta vez no primeiro (e talvez único?) governo Dilma Rousseff, apenas com petistas. No primeiro governo de Lula, o núcleo duro era também formado só por petistas graúdos: José Dirceu, Palocci, Gushiken, Luiz Dulci, Gilberto Carvalho.

A crise do mensalão e outras subsequentes varreram os três primeiros do mapa político ostensivo; foram substituídos pela própria Dilma, pelo então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e por Franklin Martins.

Hoje, pouca coisa mudou: Antonio Palocci estará na Casa Civil; Gilberto Carvalho, na Secretaria-Geral da Presidência; José Eduardo Cardozo, na Justiça; Miriam Belchior, no Planejamento; e Guido Mantega, na Fazenda.

Falta saber quem será o novo ministro da Comunicação Social, se terá status de ministro da Casa como tiveram os antecessores Luiz Gushiken e Franklin Martins.

O chefe da equipe de transição, na teoria, é o peemedebista Michel Temer, mas o PMDB não está conseguindo emplacar seus escolhidos sob seu comando, e a própria presidente eleita prefere negociar separadamente com o grupo do Senado a dar a força política que Temer reivindica para apresentar o grupo do PMDB em conjunto.

Pela enésima vez, entre a campanha eleitoral e o período imediatamente posterior à vitória nas urnas, o PMDB teve que impor sua presença na equipe principal, dominada pelos petistas, à base de discretas cotoveladas políticas.

Uma rebelião de deputados impediu o anúncio, ontem, do senador Edison Lobão para o Ministério das Minas e Energia, acertada entre a presidente e os senadores peemedebistas.

Assim como intrigas palacianas, juntamente com fogo amigo do PMDB, mataram no nascedouro a indicação do governador Sérgio Cabral para o Ministério da Saúde.

O veto ao secretário Sérgio Côrtes, já conhecido como "Viúva Porcina", a que enviuvou sem nunca ter casado, ao que tudo indica foi o troco que o governador Sérgio Cabral recebeu do próprio PMDB por ter vetado a nomeação do ex-governador Moreira Franco para o Ministério.

Sua indiscrição também ajudou muito seus inimigos.

Mas o fato é que o PMDB, o maior partido político do país, e por isso mesmo escolhido para dar o candidato a vice-presidente, não foi ouvido nem cheirado na formação da equipe de transição, e muito menos agora, na formação do Ministério.

A presidente Dilma já demonstrou que pretende agradar pontualmente a seus aliados dentro do PMDB, sem dar ao vice Michel Temer o status de interlocutor único, o que proporcionaria a ele um poder desmedido.

Temer quer manter esse poder, até mesmo para impedir que o partido volte a se dividir, mas tudo indica que a orientação no governo é mesmo tentar estimular essas divisões internas, contentando parcelas do partido, alimentando ilusões de poder e o apetite pontual.

É uma tática arriscada, que pode ter consequências políticas desastrosas nas votações no Congresso.

O PMDB queria mais poder político real, e o PT está tentando tratá-lo como apenas um partido fisiológico da base, que se contenta com nacos do poder.

Pelo andar da carruagem vai ter que se contentar com isso, pois não demonstra ter unidade para uma ação conjunta de confrontação com o governo.

Mesmo o blocão montado dentro da Câmara com outros partidos aliados para pressionar não teve o respaldo do PMDB do Senado, que avisou que lá essa prática não prevaleceria.

Os senadores já se acertaram entre si, e a indicação de Lobão é o primeiro passo, além do consenso em torno da presidência da Casa, que deve ficar mesmo com Sarney novamente.

Os demais partidos da base aliada estão insatisfeitos, mas não ousam sair do barco sem saber que pedaço do butim do Estado lhes caberá.

Por enquanto, o PT está demonstrando ter mais poder dentro do novo governo, o que já se imaginava. Mas o estranho é que a presidente eleita não está usando o PMDB para se contrabalançar às pressões do PT.

Ela está aceitando sem reclamar a influência de Lula e do seu partido de adoção. Mesmo porque aparentemente ela não tem grupo político que a siga e pelo qual ela possa se empenhar.

O único político ligado a ela, Fernando Pimentel, o é pela atuação na luta armada, anterior à existência do PT. Os dois encontraram-se no partido de Lula por acaso, pois Dilma, antes de ser lulista, era brizolista.

Por mais que tenha alcançado a aparência de poder, o PMDB não chega nem perto do poder real, e terá que retirar por conta própria, pontualmente, fatias de poder para se contrapor ao petismo que parece que vai prevalecer, pelo menos na primeira etapa do governo Dilma.

A não ser que abra mão de um projeto de futuro para continuar sendo o que sempre foi, um partido periférico, que se contenta com o poder fisiológico.

A dureza que foi chegar a uma unidade partidária inédita que permitisse indicar Michel Temer para a vice-presidência da República terá agora que resistir ao teste da vida real, no qual aparentemente está sendo tragado pelo poder de fato que está se concentrando no comando do presidente Lula.

A autorregulação da mídia :: Miguel Reale Júnior

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Estamos submersos no mundo da informação, alvejados continuamente por notícias ou torpedos, numa rede comunicacional em que se projeta a prevalência da mídia, que passou a conformar o nosso modo de ser. O virtual assume papel relevante na realidade, pois as formas de conhecer e avaliar deixaram de ser fruto da leitura e da reflexão para se alicerçarem unicamente na informação rápida, no conhecimento por tiras, retirado das comunicações que são enviadas em processo contínuo de transmissão durante todo dia, compartilhadas por todos.

Dessa forma, a assunção de convicções individuais, bem como o silêncio e a solidão cederam passo a uma posição passiva de recepção contínua e coletiva de comunicações, com aceitação indiscutida da informação urgente trazida pelos órgãos de imprensa. Neste mundo em rede, vive-se com a mídia e pela mídia, como diz Manuel Castells. E o grande meio de informação ainda é a televisão, em especial no Brasil, malgrado o crescimento da internet. Mas o que é a televisão?

A televisão pode ser uma via autoritária, na medida em que penetra nossa existência em todos os instantes, de manhã até a noite. Não há mais horário para ver televisão, vê-se televisão a todo tempo. Não se escolhe um programa de televisão, liga-se a televisão, cuja mensagem é recebida enquanto se conversa ou durante o jantar. Há um ato automático de ligar a televisão que cria um monólogo. Assim, a televisão impõe a lei do mínimo esforço e gera uma audiência preguiçosa. A televisão é uma imposição de modos de ser, de pensar, que vão sendo introjetados imperceptivelmente.

Por outro lado, a programação tem de estar de acordo com o mais baixo denominador comum, pois assim haverá uma grande receptividade com tranquila admissão das ideias transmitidas, de forma a crescer o índice de audiência. Os programas de baixo nível, nada educativos e exploradores de anseios de sucesso segundo o modelo dos "famosos", são fenômenos graves, pois hoje não mais têm força os emissores simbólicos tradicionais: a religião, a escola, o sindicato, a família. Concentra-se a capacidade de transmissão simbólica nos meios de comunicação, com fácil penetração dos estereótipos forjados pela mídia em campo aberto, dada a desavisada recepção.

Assim, o rádio e a televisão têm um impacto extraordinário porque expressam manifestações de cunho valorativo, mesmo no campo político, e modelam a opinião pública. Mas, em que consiste a opinião pública?

A opinião pública não é a opinião de todos nem é a opinião da maioria. A opinião pública é opinião daquele que é o seletor da notícia e o fautor da notícia.

Não se trata apenas de escolher a notícia, mas especialmente de escolher como revelar, como comunicar a notícia. Importante é o que se denomina gate keepper, ou seja, aquele que seleciona a notícia e decide como deva ser transmitida. Assim se forma a opinião pública.

Essa opinião "pública" é retroalimentada, ou seja, o público, após ser manipulado, é consultado sobre a opinião que lhe foi enviada por meio de sondagens de opinião pública. E o público, em resposta, repete a opinião que lhe foi revelada. Essa opinião "pública" passa a ser, então, legitimada pela resposta positiva da sondagem. Portanto, há um círculo vicioso: quem cria a notícia depois busca legitimar a notícia por via de sondagens que apenas confirmam o que os seletores e emissores de notícias transmitiram. A opinião veiculada pela mídia ganha, assim, uma legitimação que nada mais é do que uma mistificação, por meio da qual a transmissão recebe um cunho de veracidade e uma aprovação.

A notícia selecionada e transmitida sob determinado viés, sob uma perspectiva, legitima-se e alcança ares de objetividade e de seriedade. Deixa de ser uma visão parcial ou de alguém individualizado para ser a "opinião pública".

Toda essa digressão importa para verificar se a mídia, em especial o rádio e a televisão, por sua imensa força, deve estar sujeita a regulação para garantia do interesse geral na preservação de outros valores constitucionais, como a veiculação de opiniões diversas, o direito à informação veraz, a proteção às crianças e aos adolescentes, mormente em vista da exploração do sexo e da violência, a privacidade, a honra.

Tome-se a curiosa coincidência do ocorrido quando o dono do SBT, como controlador do Banco Panamericano, em via de liquidação pelo Banco Central, veio a estar com o presidente da República, no auge da crise do Panamericano, durante as eleições, para logo a seguir a emissora dar notícia truncada, minimizando a agressão sofrida pelo candidato de oposição. Tal demonstra a necessidade de regulação, mas também mostra que jamais pode estar nas mãos do poder político, como se pretende na proposta emanada da 1.ª Conferência Nacional de Comunicação.

Em grande parte dos países democráticos há formas de controle, porém prevalece a autorregulação, tal como no Canadá, na Austrália, na Inglaterra. A autorregulação, a meu ver, cabe ser exercida por via de um ombudsman, dotado de independência e inamovibilidade durante seu mandato, como um canal aberto com os destinatários do meio de comunicação.


Deverá este ouvidor pautar sua ação em código de conduta do órgão de imprensa a ser registrado em conselho constituído segundo lei federal. Este conselho, constituído por representantes dos órgãos de imprensa, bem como por jornalistas e, principalmente, por membros da sociedade civil, teria por fim examinar e admitir os códigos de conduta e analisar se o ombudsman de cada órgão está exercendo com amplitude e liberdade o seu mister.

Desse modo, conciliam-se o direito de liberdade de expressão e o direito de preservação dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, como expressa a nossa Constituição no artigo 221, IV. Faz-se, assim, a conjugação, e não a colisão de direitos.

Advogado, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi Ministro da Justiça

Fernando de Barros e Silva: Guerra sem paz no PSDB

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - José Serra já deu sinais de que não aceita desistir de seu sonho presidencial, o que soa hoje, para muitos tucanos, como um pesadelo. Aécio Neves sabe que pela ordem natural das coisas agora é a sua vez, mesmo considerados todos os "senões" e nuvens imprevistas da política. Mas nem Serra nem Aécio têm condições ou disposição de medir forças abertamente neste momento. Não é a hora.

Diante do impasse existencial dos tucanos, a melhor saída, por ora, é não resolvê-lo. E é por isso que a permanência do senador Sérgio Guerra como presidente do partido por mais um mandato se tornou quase uma unanimidade.

Guerra é uma figura "boa praça" e transita bem entre as alas do partido, sem manifestar muita vontade própria. Arbitrar divergências nunca foi o seu forte. Sua manutenção seria mais ou menos a senha e a garantia de que nada de importante vai ser decidido no ninho.

Não é, obviamente, a solução ideal para um partido fragilizado e sem bandeiras definidas, que deveria passar, segundo a expressão de Aécio, por um processo de "refundação". Mas é a solução encontrada para evitar um racha mais traumático entre Minas e São Paulo.

Aécio chegou a defender o nome de Tasso Jereissati para dirigir o partido. Seria alguém capaz de fazer o diálogo entre os mineiros e Geraldo Alckmin. Serra, no entanto, não quis saber dessa solução.

O candidato tucano derrotado à Presidência parece ser hoje um quadro político com poder para vetar nomes e paralisar mudanças, mas não para construir algo em torno de si ou de interesse do partido.

Há um descompasso flagrante entre o comportamento pós-eleitoral de Serra e as expectativas dos demais líderes de peso do PSDB. Sua insistência em permanecer no jogo na condição de opção preferencial de poder é vista hoje como um estorvo, uma ambição sem lastro nas condições reais da política. A tarefa de Sérgio Guerra é ficar parado e torcer para o balão desinflar.

O futuro do PSDB na oposição ao governo Dilma :: Bolivar Lamounier - segunda parte

Modelo de organização – muito cacique pra pouco índio

Outra percepção negativa dos eleitores em relação ao PSDB é a de um partido de “caciques”.

Absorvidos numa perpétua disputa de egos e projetos individuais, todos deixam em segundo plano a construção do partido enquanto tal.

A disputa entre José Serra e Aécio Neves pela candidatura presidencial e a frustração por Aécio não aceitar a posição de vice com certeza agravaram essa percepção.

Trata-se também aqui de uma questão complicada, com vários componentes. Há, em primeiro lugar, certa tendência a medir o PSDB pela régua do PT. Assim, o que deveria ser visto como sinal de vitalidade – um partido com dois ou mais aspirantes viáveis à presidência - passa a ser visto como sinal de fraqueza.

No sentido inverso, o PT passa a ser “admirado” por sua agilidade (ou verticalidade) decisória, que só existe em razão do domínio da organização pela figura individual de Lula.

A eleição deste ano está bem viva na memória de todos. O “dedazo” de Lula não se limitou à invenção de Dilma como candidata. Em vários estados – Minas Gerais e Maranhão, por exemplo -, os petistas foram obrigados a digerir sapos assaz indigestos .

O que essa verticalidade decisória expressa é evidentemente a total dependência do PT em relação a Lula – um grande líder, quanto a isso não há dúvida -, o primeiro e único aspirante viável à presidência que o partido produziu em seus trinta anos de história.

Em partidos democráticos, sobretudo nos que tenham produzido uma segunda geração de líderes, a cúpula dirigente tende a ser plural. Isto é praticamente inevitável e quase sempre saudável, contanto que haja um mecanismo coletivo reconhecido e legítimo para a tomada das decisões mais importantes.

Juridicamente, o mecanismo existe: é a convenção partidária. Mas o mecanismo a que me refiro é anterior a ela. Não havendo consenso, bater chapa na convenção é o caminho mais curto para agravar os dissensos.

O que prejudicou o PSDB no período recente foi a falta de tal mecanismo. O método de tomar de decisões por meio de um pequeno grupo de “notáveis” foi posto em questão a partir de 2006, após sua primeira grande falha e na esteira da derrota de Alckmin para Lula na eleição presidencial.

O problema é portanto o mecanismo. Se, como parece, o colégio de notáveis deixou de ser adequado, o partido terá de inventar outro.

Outro problema, não menos importante, é o modelo de organização. Num eleitorado de grandes dimensões, como o brasileiro, a maioria não atina com este assunto. Mas ele é relevante para os eleitores mais politizados e ideológicos, que tendem a projetar no partido os ideais e anseios que nutrem a respeito da própria democracia.

Para muitos adeptos do PSDB, o problema é o partido não ser “ainda” um PT. Consciente ou inconscientemente, tais eleitores parecem desejar um partido que seja uma antítese ideológica do PT, mas que se pareça com ele em tudo o que se refere à organização: verticalidade, disciplina, militância, penetração nos mais variados grupos sociais, base sindical e corporativa etc.

Dessa forma, eles olham para o PT não como algo diferente, um indivíduo de outra espécie, mas como um exemplar mais desenvolvido da mesma espécie: um modelo (no que tange a organização) a ser atingido.

Esse raciocínio envolve um sério equívoco. Construir uma organização semelhante à do PT é uma empreitada fadada ao fracasso, mas esse nem é o ponto mais importante. A questão é que isso não é desejável.

Sim, o PSDB precisa de uma organização permanente, maior, mais ágil; precisa se capacitar para exercer de fato o papel de oposição e se preparar para as próximas disputas eleitorais. Mas entre fazer isto e emular a estrutura petista, vai uma grande distância.

Como organização e até certo ponto como ideologia, o petismo conserva traços incomodamente semelhantes aos de certos partidos não democráticos – de esquerda e de direita.

Um desses traços é o culto da personalidade. Outro, quiçá pior, é o simplismo (pobres versus elite, por exemplo) ao que tudo indica deliberado que o PT estimula, transformando questões sérias num catecismo ideológico que ele possa levar a todos os nichos da sociedade. E não preciso me estender sobre práticas de aparelhamento, violação de dados sigilosos e outras que já chegaram abundantemente ao conhecimento público.

Resumindo, a disjuntiva que o PSDB cedo ou tarde precisará enfrentar não é entre um partido de notáveis como os de um século atrás, de um lado, e um modelo de penetração e arregimentação como o do PT, do outro. Entre esses dois extremos, há opções eficazes e mais consentâneas com a democracia.

Lições da eleição presidencial

A título de conclusão, mencionarei brevemente dois pontos que não posso desenvolver a contento neste artigo.

Do ponto de vista do PSDB, um dado importante da eleição presidencial foi a presença de uma base (pena não termos uma tradução adequada para o inglês “constituency”) tucana facilmente reconhecível como tal ; os 44% dos votos dados a Serra são clara evidência disso.

Com todas as restrições que a referida base pudesse ter ao partido ou ao candidato, o fato é que ela compareceu, votou, renovou seu apoio. Não veio por gravitação, veio por querer o robustecimento do partido em função de seu programa e como antítese ao lulo-petismo.

Em termos programáticos, o ponto-chave é incorporar de maneira efetiva o legado do governo Fernando Henrique. Em regiões e áreas específicas de atuação, numerosos prefeitos, governadores e parlamentares tucanos têm muito a mostrar.

Mas em nível nacional, o PSDB se confunde praticamente com o governo Fernando Henrique.

A estabilização, as reformas, a renovação das políticas sociais e – não menos importante, a postura de seriedade e probidade daquele período – são a memória, a identidade, o capital político, enfim, do PSDB. No plano nacional, não há outro.

Fernando Rodrigues: Moderados e lulistas

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - A julgar pelos nomes já anunciados para a Esplanada dos Ministérios, Dilma Rousseff escolheu optar por pessoas adeptas da moderação. Não há nenhuma personalidade mercurial como as de alguns que habitaram as equipes de Lula no início de seus dois mandatos presidenciais.

Pode-se não concordar com as ideias ou as metodologias de Antonio Palocci, Guido Mantega, Gilberto Carvalho e José Eduardo Cardozo, entre outros já anunciados como ministros, mas nenhum deles é dado ao confronto.

Mesmo a modorrenta e já previsível acomodação do PMDB no primeiro escalão federal caminha por enquanto para nomes que não chamam a atenção pela beligerância. Nos outros partidos aliados a Dilma tampouco há indicações de futuros ministros dados a produzir arestas políticas em série.

Há um outro aspecto muito notado na equipe de Dilma: a imensa maioria dos nomeados pertence ou pertenceu ao governo Lula. Alguns se espantam com o lulismo excessivo a partir de 2011 ou o criticam.

A realidade demonstra, entretanto, que seria uma grande surpresa se a presidente eleita tivesse feito escolhas em sentido oposto. Primeiro, porque não há sinal de desacordo entre ela e seu padrinho político. Segundo, porque, diferentemente do atual presidente, a futura ocupante do Planalto não tem uma equipe numerosa de assessores que a acompanha há décadas.

Moderados e lulistas, essas são as duas marcas principais da equipe de Dilma. Se vai dar certo é outra história, mas esse "baixo perfil" dos principais nomes do próximo governo dá até um certo ar blasé para a formatação dos ministérios. Nunca houve tanta previsibilidade nesse processo depois que o Brasil saiu da ditadura militar.

Essa é a rota natural da democracia. Quando vai se consolidando, nomeação de ministros passa a ter um caráter mais de normalidade e muito menos de espetáculo.

Devagar com o andor:: Celso Ming

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O Conselho Monetário Nacional e o Banco Central anunciaram ontem as duas primeiras providências destinadas a conter a expansão do crédito. O efeito colateral será o encarecimento dos financiamentos e, possivelmente, a redução do consumo. Em parte, devem ajudar os juros básicos (Selic) a dominar a inflação.

A primeira dessas medidas aumenta em 50% as necessidades de capital dos bancos para as operações de crédito por períodos de mais de um ano. Ou seja, ou os bancos terão menos interesse em esticar os prazos de financiamento; ou esse crédito ficará bem mais caro; ou, ainda, as duas coisas juntas.

A outra decisão impõe elevação de 50% nos recolhimentos compulsórios dos bancos, que, assim, terão à disposição menos dinheiro para emprestar.

O objetivo é reduzir os riscos de formação de bolhas financeiras que a farta distribuição de crédito pode produzir. Para justificar esse passo, o diretor de Política Monetária do Banco Central, Aldo Mendes, explicou que o índice de inadimplência está subindo fortemente nos segmentos de crédito de três a quatro anos e nos de cinco a dez anos.

Ficou claro o objetivo de não atingir, pelo menos por enquanto, os financiamentos imobiliários, provavelmente porque o Banco Central não quer desestimular o programa Minha Casa, Minha Vida.

No entanto, essas operações com garantia hipotecária estão crescendo a alta velocidade, nem sempre atendendo à exigência de renda familiar proporcional ao valor do financiamento. É o que explica a enorme valorização dos imóveis urbanos. Por enquanto, não há sinais de formação de perigosa bolha financeira nas proporções das que deflagraram a crise nos Estados Unidos e na Irlanda. Mas, a continuar nesse ritmo, mais cedo ou mais tarde, as autoridades serão chamadas a arrochar também esse segmento do crédito.

São medidas prudenciais, avisou o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. É outro jeito de lembrar que o santo é de barro e que é preciso seguir mais devagar com o andor. O setor mais atingido pelas restrições ao financiamento será o das vendas de veículos, um dos mais aquecidos no momento. As montadoras terão de lidar com três fatores que as obrigarão a reduzir a marcha: relativo saturamento do mercado interno; baixo apetite do mercado externo; e perspectiva de aperto dos cintos na administração das finanças públicas, o que deverá contribuir para um avanço mais moderado do consumo.

O aperto na área do recolhimento compulsório não veio apenas com o objetivo de complementar as decisões anteriores que restringem o crédito. Retiram definitivamente os estímulos ao consumo e à produção que haviam sido concedidos em 2008 e 2009 com o objetivo de dar mais flexibilidade ao País no enfrentamento da recessão imposta pela crise global.

Essas decisões têm de ser examinadas à luz da situação em que foram tomadas, ou seja, logo depois das eleições e imediatamente antes da última reunião do Copom da administração Lula, agendada para a próxima quarta-feira.

Na medida em que esperaram para que se fechasse o ciclo eleitoral, tiveram o cuidado de não criar obstáculos para a escolha da então candidata apoiada pelo governo, a nova presidente, Dilma Rousseff. Como foram tomadas antes da reunião do Copom, reforçam a percepção de que uma nova alta dos juros básicos, necessária para reduzir a velocidade da inflação, pode ser deixada para janeiro de 2011.

As cotações do ouro continuam lá em cima (veja gráfico), refletindo as turbulências do momento. Nem o dólar, nem o iene japonês, nem tampouco o euro passam segurança.

O tamanho do bolo

No final de junho, a carteira de investimentos (reservas) dos fundos de pensão do Brasil tinha R$ 489 bilhões em ativos. Desses, 62,8% correspondiam a aplicações de renda fixa; 29,6%, a renda variável (ações); 2,9%, a imóveis; e 2,6%, a empréstimos a participantes. O maior de todos, o Previ (Banco do Brasil), detinha R$ 86,6 bilhões em reservas.

BC aponta riscos:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O Banco Central deu claros sinais ontem de que teme o risco de formação de bolhas pelo excesso de crescimento do crédito. Mostrou também que está preocupado com a elevação da inflação. Mas no mercado existem interpretações diferentes para as decisões da autoridade monetária. Os bancos terão menos dinheiro para emprestar e terão normas mais rigorosas de concessão de crédito.

O Brasil passou por um crescimento forte do ritmo de concessão de empréstimos para empresas e pessoas. O crédito em relação ao PIB praticamente dobrou no governo Lula, de 25% para 47%. Os economistas costumavam responder às perguntas, sobre se o risco não estaria crescendo, com a resposta de sempre: comparado com outros países, o percentual brasileiro não está tão alto. Mas o problema é o ritmo desse crescimento e o fato de que no Brasil os juros são altos demais.

As decisões de elevação do compulsório e de regras mais rigorosas foram anunciadas na semana anterior à da reunião do Copom. Como há um ambiente de falta de confiança na autonomia do Banco Central no governo Dilma, as interpretações sobre as decisões de ontem foram conflitantes.

Há quem considere que por ter tomado essa decisão agora, o BC terá ainda mais trabalho para justificar uma possível manutenção dos juros na reunião da semana que vem. Subir compulsório é medida prudencial, ou seja, tem a finalidade de impedir a formação de bolhas de crédito. Mas ontem ela foi anunciada também como instrumento de combate à inflação. Se o BC reconhece que há risco inflacionário, ele teria então que subir os juros.

Há quem pense o oposto: que o compulsório faz o trabalho de elevação dos juros cobrados dos consumidores sem elevar o custo da dívida, portanto a decisão de elevar os juros pode ser adiada.
Alguns economistas viram na decisão um aumento da influência do ministério da Fazenda sobre o Banco Central. A decisão de subir compulsório é tomada pelo Conselho Monetário Nacional, e o ministro da Fazenda é um dos participantes. No anúncio de ontem, o presidente do BC, Henrique Meirelles, falou que há equivalência entre o aumento do compulsório e o aumento da taxa Selic, porque ambos atuam no combate aos preços. De fato, ao retirar R$61 bilhões da economia, o BC estará ajudando a reduzir a demanda. Mas esse efeito é muito limitado, tem impacto somente nas compras de bens duráveis de longo prazo, como automóveis, eletrodomésticos e eletroeletrônicos.

- O risco com o anúncio de ontem é que as expectativas de inflação fiquem piores daqui para frente, caso os juros não subam na reunião da semana que vem. A pressão sobre o Copom ficará ainda maior na reunião de janeiro. Mexer nos juros básicos atinge mais canais de combate à inflação. Quando a autoridade monetária está preocupada com a inflação, ela tem que atuar de maneira mais ampla e não de forma restrita - explicou o economista José Júlio Sena, da MCM consultores.

A economista Monica de Bolle, da Galanto Consultoria, também acredita que o aumento do compulsório deve ser encarado como medida de diminuição de riscos e não de combate à alta dos preços:

- O aumento do compulsório tem que ser visto como medida prudencial, ou seja, que reduz riscos no sistema financeiro. É medida regulatória e não monetária; é para reduzir riscos e não combater a alta dos preços. Meirelles falou que ela remove liquidez, e de fato faz isso, mas não é um instrumento clássico, com eficiência comprovada sobre a queda da inflação. Para reduzir a inflação, o que funciona comprovadamente é aumento de juros.

O lado positivo do anúncio é que finalmente a autoridade monetária admitiu que há sim o risco de formação de bolhas de crédito no Brasil, apesar de os economistas insistirem na tese de que a relação crédito/PIB é baixa. Há financeiras fazendo anúncios oferecendo dinheiro para quem está "negativado" no mercado, e até para quem já estourou seu limite no consignado. Excessos assim são o primeiro passo para a formação de subprime. O economista Carlos Thadeu de Freitas, da Confederação Nacional do Comércio, disse que já esperava um anúncio assim.

- As medidas já eram esperadas porque o Acordo da Basiléia está exigindo regras macroprudenciais de todos os países para evitar bolhas. No Brasil, ainda não temos sinais de bolhas, mas a decisão é bem-vinda porque se o ritmo de concessão de crédito continuasse forte, poderíamos ter problemas no futuro - explicou.

O Banco Itaú interpretou que as medidas reduzem a urgência de elevação dos juros porque, na prática, elas elevam o custo de financiamento dos bancos e reduzem o ritmo de crescimento do crédito. O banco viu como um sinal de que aumento de juros virá em janeiro.

Se for isso, eleva-se a expectativa em relação à primeira reunião do Copom do governo Dilma. O ministro da Fazenda acha que a inflação está na meta porque olha o teto da meta, ou seja, dois pontos acima. O BC mira o centro da meta, tradicionalmente. Quem olha o IPCA em 5,2% acha que é preocupação exagerada, mas a inflação de serviços está acima de 7%, os IGPs, acima de 10%, e parte da inflação de alimentos é resultado de alta de commodities. Há razões sim para preocupação. Mas que remédios o próximo governo vai usar? Essa dúvida é que está alimentado a especulação sobre como interpretar o que o BC fez ontem.

As medidas foram acertadas, mas não conversam com o tom tranquilo que o Banco Central deu nas suas comunicações recentes como atas do Copom e relatórios de inflação.

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
Clique o link abaixo

Os fatos desmentem Lula – Editorial: O Estado de S. Paulo

Fiel a seu costume de contar a história à sua maneira, sem o mínimo compromisso com os fatos e a verdade, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mais uma vez falou sobre a "herança maldita" recebida em 2003, ao iniciar seu primeiro mandato. Desta vez, o rosário de inverdades foi desfiado perante o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. O evento foi uma das várias despedidas programadas pelo presidente para este mês. De novo ele falou sobre o País quebrado e sobre o mau estado da economia no momento da transição do governo. De novo ele se entregou a uma de suas atividades prediletas, a autolouvação despudorada, atribuindo a si e a seu governo a inauguração de uma economia com fundamentos sólidos, estabilidade e previsibilidade. As pessoas informadas e capazes de discernimento conhecem os fatos, mas talvez valha a pena recordá-los mais uma vez, para benefício dos mais jovens e dos vitimados pela propaganda petista.

A primeira informação escamoteada pelo presidente Lula e pela companheirada é a origem da crise inflacionária e cambial de 2002. Os problemas surgiram quando as pesquisas mostraram o crescimento da candidatura petista. Não surgiram do nada e muito menos de uma perversa maquinação dos adversários. Os mercados simplesmente reagiram às insistentes ameaças, costumeiras no discurso petista, de calote na dívida pública e de outras lambanças na política econômica. Figuras importantes do partido haviam apoiado um irresponsável plebiscito sobre a dívida e mais de uma vez haviam proposto uma "renegociação" dos compromissos do Tesouro.

Tinha sólidos motivos quem decidiu fugir do risco proclamado pelos próprios petistas. A especulação cambial e a instabilidade de preços foram o resultado natural desses temores. A Carta ao Povo Brasileiro, com promessas de seriedade, foi o reconhecimento do vínculo entre a insegurança dos mercados e as bandeiras petistas.

Essas bandeiras não foram inventadas pelas fantasmagóricas elites citadas pelo presidente nas perorações mais furiosas. São componentes de uma longa história. Petistas apoiaram algumas das piores decisões econômicas dos últimos 30 anos. Uma de suas figuras mais notórias aplaudiu entre lágrimas uma das mais desastradas experiências dos anos 80, o congelamento de preços do Plano Cruzado. Nenhum petista ensaiou uma discussão séria quando os erros se tornaram mais que evidentes e o plano começou a esboroar-se.

Naquele período, como nos anos seguintes, petistas continuaram pregando o calote da dívida externa. Ao mesmo tempo, torpedearam todas as tentativas importantes de reordenação política e econômica e resistiram a assinar a Constituição.

O PT combateu as inovações do Plano Real. Foi contra a desindexação de preços e salários. Resistiu ao saneamento das finanças estaduais e municipais. Combateu - como já vinha combatendo - a privatização de velhas estatais, mesmo quando não havia a mínima razão estratégica para manter aquelas empresas sob o controle do Tesouro. Criticou a Lei de Responsabilidade Fiscal e atacou todas as iniciativas de ajuste das contas públicas.

A economia foi retirada do caos e seus fundamentos foram consertados, nos anos 90, contra a vontade do PT. O saneamento e a privatização de bancos estaduais permitiram o resgate da política monetária. Graças a isso foi possível, em 2003, conter o surto inflacionário em poucos meses. O Banco Central simplesmente manejou ferramentas forjadas na administração anterior.

Todos os princípios e instrumentos de política econômica essenciais à estabilidade nos últimos oito anos são componentes dessa herança mais que bendita. Se os tivesse abandonado há mais tempo, o governo Lula teria sido não só um fracasso, mas um desastre. Mas a fidelidade aos princípios do governo FHC nunca foi total. O inchaço da administração, o loteamento de cargos, a desmoralização das agências de regulação e o desperdício são partes da herança deixada à sucessora do presidente Lula, além de compromissos irresponsáveis, como o de um trem-bala mal concebido e contestado econômica e tecnicamente. Esse legado não será descoberto aos poucos. Já é bem conhecido.

Dilma define pastas para o PMDB

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Em nota, a presidente eleita, Dilma Rousseff, oficializou ontem mais três nomes para o ministério: Antonio Palocci (Casa Civil), Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) e José Eduardo Cardozo (Justiça).

Dilma definiu as quatro pastas que ficarão com o PMDB: Minas e Energia, Agricultura, Previdência e Turismo. Uma quinta vaga está em negociação - Moreira Franco na Secretaria de Assuntos Estratégicos.

Nelson Jobim, da Defesa, entra na cota da presidente.

Aloizio Mercadante foi convidado para a pasta de Ciência e Tecnologia e Helena Chagas, para a Secretaria de Comunicação Social. Ambos aceitaram.

Dilma dá 6 pastas a PMDB; Mercadante é confirmado

Além de 4 nomeados pelas bancadas, partido terá Jobim e indicado de Temer

Resolvido impasse com partido do vice, eleita anuncia núcleo político e define senador de SP em Ciência e Tecnologia

Ana Flor, Valdo Cruz, Márcio Falcão e Natuza Nery

BRASÍLIA - Depois de dias de impasse, a presidente eleita, Dilma Rousseff, acertou ontem que o PMDB ficará com as pastas da Previdência e do Turismo, além das já definidas Minas e Energia e Agricultura.

Uma quinta vaga está em negociação na cota do vice-presidente, Michel Temer. E o partido terá ainda a Defesa, com Nelson Jobim.

Também ontem, em reunião na Granja do Torto, o senador Aloizio Mercadante (SP) foi convidado e aceitou assumir o Ministério de Ciência e Tecnologia, que sai do controle do PSB e ao do PT.

Em nota divulgada pela assessoria, Dilma oficializou as escolhas de Antonio Palocci para a Casa Civil, Gilberto Carvalho na Secretaria-Geral da Presidência e José Eduardo Cardozo no Ministério da Justiça. Agora são seis os ministros já confirmados.

Pela solução encontrada para debelar a crise, o PMDB terá duas pastas na cota dos deputados e duas na dos senadores. Dilma chegou a cogitar anunciar ontem Edison Lobão (Minas e Energia) e Wagner Rossi (Agricultura), mas adiou atendendo a um pedido da cúpula.

O deputado Mendes Ribeiro Filho é considerado certo no Turismo. Para a Previdência foram indicados os senadores Eduardo Braga (AM) e Garibaldi Alves (RN).

Caso Braga seja escolhido, o PR vai aumentar a pressão pela volta de Alfredo Nascimento para os Transportes, já que ambos disputam espaço político no Amazonas.

Já a escolha de Mendes Ribeiro tem por objetivo abrir uma vaga na Câmara para o ex-ministro Eliseu Padilha (RS), que é amigo de Temer.

Além dos quatro ministérios, Dilma negocia com Temer a ida de Moreira Franco para a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE).

Nelson Jobim, que fica na Defesa a pedido de Lula, é considerado pelo partido escolha pessoal de Dilma.

O debate sobre o espaço do PMDB no governo consumiu boa parte dos últimos dias da presidente eleita.

O motivo da crise foi o fato de o governador do Rio, Sérgio Cabral, depois de conversa com Dilma, ter anunciado que seu secretário Sergio Côrtes seria ministro da Saúde, sem avisar o partido.

Com Côrtes queimado, o mais cotado para a Saúde passou a ser Fausto Pereira dos Santos, do PT de Minas. Outro nome cogitado para o posto é Helvécio Magalhães, que foi secretário da área na gestão de Fernando Pimentel em Belo Horizonte.

'Se o presidente Lula abusar, cabe à Dilma controlar', diz FHC sobre ministérios

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ex-presidente acredita que atual mandatário está interferindo demais na formação do governo

Anne Warth

SÃO PAULO - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) disse nesta sexta-feira, 3, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está interferindo demais na formação da equipe de ministros da presidente eleita, Dilma Rousseff. Porém, ponderou que cabe a ela limitar os abusos que Lula cometer . "O presidente Lula sempre me criticou porque dizia que eu me metia demais na política depois da presidência. Agora e ele quem está se metendo demais", disse, após participar da inauguração do Orquidário Professora Ruth Cardoso no Parque Villa Lobos, na Capital paulista.

"Mas deixa ele fazer, ainda acho que os outros é que tem de limitar. Se o presidente Lula abusar, cabe à Dilma controlar. Mas esse é o temperamento do Lula. Ele critica os outros e faz a mesma coisa", alfinetou o ex-presidente tucano. FHC ficou muito emocionado com a homenagem feita à esposa, que faleceu em junho de 2008, e que dá o nome ao orquidário inaugurado pelo governador de São Paulo, Alberto Goldman.

Fernando Henrique disse ser normal sentir falta da Presidência depois de deixar o cargo. Ele evitou dar conselhos a Lula, que deixará o cargo em menos de 30 dias. Mas, citou sua experiência como ex-presidente assim que deixou o posto. "O Lula me deu tantos conselhos que acho melhor não dar nenhum. Não quero me meter a ser conselheiro do rei e nem do antigo rei, não é meu papel", afirmou.

O tucano contou que, assim que deixou a Presidência, viajou com sua mulher Ruth Cardoso para a Europa. "Sem assessor, sem seguranças e sem automóvel, sem nada. Você agora é um cidadão como os outros", disse. Segundo ele, existem vantagens em deixar o Palácio do Planalto e 'descer a planície". "Agora, estou mais livre, tenho a possibilidade de andar sem gravata entre o pessoal engravatado, o que deixa muito feliz", afirmou. "O Lula também anda sem gravata, é verdade.
Quem sabe agora, ele use fraque", ironizou.

Sobre os nomes dos ministeriáveis da equipe de Dilma, FHC afirmou não ver nenhuma surpresa.
"Não me parece um governo agressivo e acho até melhor que seja assim, por enquanto é a copa e a cozinha. Vamos esperar." Em relação às negociações do novo governo para acomodar os partidos aliados, o ex-presidente afirmou considerar as articulações normais, mas questionou os reais objetivos. "O importante não é isso, importante é: qual é o programa, para onde é que a gente vai. Quando nos aliamos com alguém, ou é pra fazer alguma coisa e Lever outras adiante, ou é só distribuição de cargos. Se for só distribuição de cargos, é algo que só interessa aos que vão recebê-los e não ao povo. Se for para ajudar o País, é isso que precisa."

A respeito da refundação do PSDB, ele disse não acreditar na possibilidade de refundar a legenda.
"Não é questão de refundação, tem de revitalizar. Todos os partidos, depois de vários anos e tantas lutas, tem que pensar um pouco no que fez, para onde vai, quem são e qual é o futuro. Acho positivo", afirmou. "Agora, refundar, fundar de novo, não é possível. Já está fundado. E um partido dá um trabalho que vocês não imaginam. Fazer outro? Deus me livre."

Serra

O candidato derrotado à Presidência da República José Serra (PSDB) também participou da inauguração do Orquidário Ruth Cardoso, mas evitou a imprensa. "Só quero falar de orquídeas", disse. "Me deixem curtir o meu sabático."

CMN retardou medidas para ajudar Dilma, diz Goldman

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Anne Warth

O governador de São Paulo, Alberto Goldman, criticou hoje as medidas de aperto ao crédito anunciadas nesta manhã pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Em sua avaliação, as ações foram adotadas tardiamente, com a clara intenção de evitar a influência no processo eleitoral e beneficiar a presidente eleita Dilma Rousseff.


"É evidente que houve, no período pré-eleitoral, facilidades que foram dadas de todas as ordens possíveis e imagináveis e a gente sabia que isso não tinha sustentabilidade. Aqueles que conhecem um pouquinho de economia sabiam que o que se estava fazendo era artificial e tinha como finalidade o processo eleitoral: garantir a vitória da candidata oficial", afirmou, durante inauguração do Orquidário Professora Ruth Cardoso, em São Paulo. O evento contou com presença do candidato derrotado à presidência, José Serra (PSDB), e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Goldman afirmou que o processo inflacionário é evidente e foi motivado pela "irresponsabilidade pré-eleitoral". "Para se ter uma ideia, aqui em São Paulo, no mês passado, o aumento do custo da cesta básica foi de 4,6% em apenas um mês. Tivemos a inflação prevista para o ano todo em novembro. Portanto, nós temos uma explosão inflacionária motivada pela irresponsabilidade pré-eleitoral.

Agora, evidentemente, o governo vai ter de agir e todos nós vamos ter de pagar por isso", disse o governador.

Para Goldman, as medidas foram mais duras do que se esperava porque estão atrasadas. "Passadas as eleições, começa-se a tomar as medidas duras que têm de ser tomadas, mais duras agora porque não se teve responsabilidade antes."

Entre as medidas anunciadas hoje pelo Banco Central (BC) e pelo CMN estão o aumento da exigência de capital para operações de crédito com pessoas físicas com prazos superiores a 24 meses; o aumento da exigência de capital em operações de financiamento ou leasing de veículos; e o aumento do depósito compulsório dos bancos (recursos que obrigatoriamente são depositados na autoridade monetária).

Helena Chagas vai para vaga de Franklin no governo Dilma

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Jornalista, que chefiou equipe de imprensa na campanha, será responsável pela Secretaria de Comunicação Social

Titular do cargo vai manter o status de ministro; semana que vem, deve ser anunciada permanência de Padilha

Valdo Cruz, Márcio Falcão e Ana Flor

DE BRASÍLIA - A jornalista Helena Chagas, chefe da equipe de imprensa do governo de transição, será a responsável pela Secretaria de Comunicação Social do governo Dilma.Ela foi convidada pela presidente eleita para substituir Franklin Martins, que deixa o governo ao final do mandato do presidente Lula.

Deve seguir no governo Ottoni Fernandes, secretário-adjunto de Comunicação Social e braço direito de Franklin, responsável pela área que comanda a distribuição da verba publicitária da Presidência da República.

A Secretaria de Comunicação Social ganhou relevância e o status de ministério quando Franklin assumiu o posto no governo Lula. Continuará assim no governo Dilma.

O anúncio de Helena Chagas deve ser feito na próxima terça-feira, quando Dilma também divulgará o último nome da cozinha palaciana: o de ministro das Relações Institucionais, responsável pelas negociações com a base aliada no Congresso.

Está praticamente certo que ficará no cargo o atual ministro, Alexandre Padilha, que ontem esteve reunido com a presidente eleita na Granja do Torto.

Padilha foi chamado para auxiliar nas negociações com os partidos da base aliada. Sua pasta é a que detém as informações sobre cargos que os aliados ocupam.

Padilha, porém, ainda pode ser deslocado para o Ministério da Saúde, mas isso acontecerá apenas se um dos cotados para a pasta não passar pelo crivo de Dilma.

Na próxima semana, Dilma vai acertar os nomes do PSB, partido que vai comandar o Ministério da Integração Nacional e manter a Secretaria Especial de Portos.

Definirá também o nome do futuro ocupante do Ministério das Cidades, que deve seguir sob o comando do PP. Está praticamente certo que o partido do senador Francisco Dornelles (PP-RJ) irá indicar o ministro.

Jornalista foi citada no caso do caseiro Francenildo Costa

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - A jornalista Helena Chagas, convidada a ocupar a partir de janeiro a Secretaria de Comunicação Social, foi diretora de jornalismo da TV Brasil. Ela hoje coordena a equipe de imprensa do governo de transição.

Em 2006, Helena teve seu nome citado no caso da quebra de sigilo do caseiro Francenildo Costa.

Em depoimento à PF à época, o então ministro Antonio Palocci (Fazenda) afirmou ter sido informado por ela -então em "O Globo"- de que o caseiro havia recebido uma quantia de dinheiro. À PF ela negou.

Adiado anúncio de ministros do PMDB

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A presidente eleita, Dilma Rousseff, adiou a divulgação dos ministros do PMDB depois de o partido se rebelar contra o que classificou de anúncio a conta-gotas.

PMDB faz exigência e Dilma cancela anúncio parcial de ministros do partido

Transição. Apesar da expectativa, somente três futuros ministros - Palocci, Gilberto Carvalho e Cardozo - foram confirmados ontem pela equipe de transição; peemedebistas avaliam que perderão poder de fogo se nomes do partido não forem anunciados em bloco

Eugênia Lopes e Denise Madueño / BRASÍLIA

A insatisfação do PMDB com os rumos da composição ministerial impediu que a presidente eleita, Dilma Rousseff, anunciasse ontem peemedebistas que farão parte de seu governo. Diante da rebelião do PMDB, a presidente eleita formalizou apenas os integrantes da "cozinha do Palácio do Planalto" , deixando para a semana que vem o anúncio em bloco dos nomes de todos os peemedebistas que vão integrar o primeiro escalão.

Inicialmente, Dilma pretendia formalizar ontem os nomes dos peemedebistas Edison Lobão (MA) na pasta de Minas e Energia e a manutenção de Wagner Rossi no Ministério da Agricultura. O PMDB reagiu ao anúncio a conta-gotas. O receio dos peemedebistas é que a formalização de apenas dois nomes da legenda no futuro governo acabasse enfraquecendo o partido nas negociações futuras.

A presidente eleita confirmou oficialmente ontem só a indicação de Antonio Palocci (Casa Civil), Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) e José Eduardo Martins Cardozo (Justiça). O nome de Alexandre Padilha na pasta de Relações Institucionais deveria ter sido ratificado, mas saiu da lista de confirmados no último momento.

A expectativa é que Dilma consiga fechar o xadrez ministerial com os partidos aliados até meados da semana que vem.

Após 34 dias da eleição, Dilma enfrenta dificuldades em montar seu ministério. Além do PMDB, o PSB quer aumentar sua cota. O governador de Pernambuco e presidente do partido, Eduardo Campos, já garantiu a pasta da Integração Nacional. O PSB poderia levar o Turismo, mas ontem o ministério passou a ser cotado para o PMDB.

O líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), observou que o partido espera ganhar outros dois ministérios para compensar a perda da Integração Nacional e das Comunicações, que ficará provavelmente com Paulo Bernardo (PT), hoje titular do Planejamento.

"A diferença agora é essa: o PMDB se preocupa com o conjunto do futuro ministério. Não briga mais", disse Alves.

Madrugada. A decisão de brecar o anúncio de fragmentado dos ministérios do PMDB foi acertada na madruga de ontem em reunião entre o futuro chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, o vice-presidente eleito, Michel Temer (PMDB-SP), e os líderes do partido no Senado, Renan Calheiros (AL), e na Câmara. Os peemedebistas avaliaram que como só uma parte do PMDB seria contemplada agora, o restante perderia "poder de fogo" para negociar mais espaço no governo.

O PMDB reivindica cinco ministérios: dois com indicação da bancada da Câmara e outros dois com os titulares escolhidos por senadores. O quinto ministério seria uma indicação de Temer. O seu candidato é o ex-governador do Rio Moreira Franco. Nessa contabilidade não entra o peemedebista Nelson Jobim, da Defesa, considerado da cota pessoal de Dilma.

Além de Minas e Energia e da pasta da Agricultura, o PMDB ontem era cotado para o Turismo e a Previdência. A ideia é que a pasta do Turismo fique com o deputado Mendes Ribeiro (RS). Sua eventual nomeação permitirá o retorno à Câmara do deputado Eliseu Padilha (RS), que ficou com a primeira suplência.

O Ministério da Previdência deverá sair das mãos do PT e ir para o PMDB com a nomeação de Moreira Franco. Nesse caso, o PMDB do Senado pleiteia outra pasta.

BC aperta crédito para o consumidor

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Medidas reduzem em R$ 61 bilhões a oferta de empréstimos pelos bancos e encarecem financiamentos de longo prazo, como carros

O Banco Central (BC) endureceu as regras para concessão de empréstimos. As novas medidas vão afetar diretamente os financiamentos de prazos mais longos, como os de automóveis, televisão, geladeira e fogão. O BC também reduziu em R$ 61 bilhões o volume de dinheiro disponível para crédito no sistema financeiro. As mudanças passam a valer a partir de segunda-feira e, segundo fonte do governo, devem afetar as vendas de Natal. O BC disse que as medidas têm o objetivo de frear a alta da inadimplência, que vem subindo principalmente nas operações de crédito de longo prazo. Analistas, porém, avaliam que a intenção principal é frear a alta dos índices de inflação sem ter de elevar a taxa básica de juros.

Banco Central limita crédito para segurar calotes e conter a inflação

Bancos terão de seguir normas mais duras para dar empréstimos, o que deve restringir os financiamentos e provocar alta nos juros

Renato Andrade, Fabio Graner e Célia Froufe

Os financiamentos de longo prazo, com entrada facilitada, estão com os dias contados. A partir da próxima semana, os bancos terão que seguir normas mais duras para conceder empréstimos ao consumidor que quiser financiar, por mais de dois anos, a compra de produtos como carros, televisão, geladeira e fogão.

O arrocho faz parte de um pacote de medidas anunciadas ontem pelo Banco Central (BC) que tem por objetivo reduzir o ritmo de expansão da oferta de crédito, controlar o nível de calote das prestações e, por tabela, colocar um freio na inflação, evitando assim um indesejável aumento dos juros logo no início do governo Dilma Rousseff.

De acordo com uma fonte do governo, a estimativa é que as medidas correspondam a uma alta da taxa de juros básica (Selic) entre 0,5 e 1 ponto porcentual e que as medidas já devem afetar as compras de Natal.

Além do estabelecimento de novas condições para os empréstimos de longo prazo, o volume de dinheiro que os bancos precisam deixar depositado no BC (compulsórios) foi elevado, reduzindo a disponibilidade de recursos a serem emprestados. A ação põe fim às medidas de aumento da oferta de crédito tomadas durante a crise.

O efeito prático do pacote será a redução no número de financiamentos concedidos pelos bancos e a elevação dos juros nos financiamentos. "Embora sejam ações de natureza evidentemente prudencial, pode-se afirmar com razoável grau de segurança que terão implicações macroeconômicas, por exemplo, impactando a dimensão quantitativa (do volume de crédito) e também os preços (dos empréstimos)", afirmou o presidente do BC, Henrique Meirelles.

"Garantias". A partir de segunda-feira, os bancos terão que elevar a reserva de dinheiro que são obrigados a guardar para garantir empréstimos com mais de 24 meses de prazo. Para cada R$ 100,00 emprestados, as instituições financeiras terão que reservar R$ 16,50, um aumento de 50% em relação à regra atual, que exige uma reserva de R$ 11,00 para cada R$ 100,00 concedido num financiamento para pessoas físicas.

No caso dos empréstimos para compra de veículos, que cresceram 50,9% nos últimos 12 meses, as novas regras são ainda mais rígidas. Para manter o volume de reserva atual, e com isso evitar uma elevação dos custos dos empréstimos para o tomador final, os bancos terão que exigir do consumidor uma entrada de mais de 20% do valor financiado, nas operações com prazo entre 24 e 36 meses.

No caso dos financiamentos com prazo superior a 60 meses a situação é ainda mais drástica. A reserva exigida será equivalente a 16,5% do valor do empréstimo, independente do tamanho da entrada dada.

Para os empréstimos com desconto na folha de pagamento, o crédito consignado, a exigência de garantias maiores só valerá para as operações com prazo superior a 36 meses. Estão fora do arrocho as operações de crédito rural, o financiamento da compra de veículos de carga e os empréstimos para a compra da casa própria, que gira em torno de um patamar baixo, de 3,5% do PIB.

O aumento do calote nos empréstimos de longo prazo foi a razão apontada para o pacote. "A alta da inadimplência justifica a tomada de medida prudencial", afirmou Aldo Mendes, diretor de Política Monetária do BC.

Segundo o BC, a taxa de inadimplência dos financiamentos de veículos com prazo de um a dois anos, ao fim dos primeiros 12 meses do contrato, é de cerca de 1,5%. Nas operações com prazo de três a quatro anos, a taxa sobe para quase 6% e se aproxima de 9% nos financiamentos de cinco a dez anos.

BC lança pacote para frear crédito e esfriar consumo

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Medidas incluem alta do compulsório dos bancos, que retira da economia R$ 61 bi, e restrição ao financiamento de carros

O Banco Central anunciou uma série de medidas para frear o crédito e esfriar o consumo, a fim de evitar que a inflação suba no início do governo Dilma Rousseff. A principal delas é a alta do compulsório (dinheiro dos bancos que fica depositado no BC), que vai retirar R$ 61 bilhões da economia.

Com compulsório maior, os bancos terão menos dinheiro para emprestar, o que resultará em juro mais alto para os consumidores.

Além disso, o BC restringiu recursos para financiamentos de carros com prazo superior a 24 meses - quanto mais longo for o prazo, maior a entrada a ser paga.

A expectativa é que até o número de parcelas em compras simples no cartão, como presentes de Natal, caia. O mercado espera que as medidas permitam ao governo adiar para janeiro a alta do jura básico.

BC quer esfriar economia para Dilma

Medidas restringem crédito e retiram R$ 61 bi de circulação para desacelerar crescimento, sob risco de inflação

Aumenta o depósito que bancos precisam deixar no Banco Central como garantia, o que reduz novos empréstimos

Eduardo Cucolo

BRASÍLIA - Passadas as eleições e a crise do PanAmericano, o Banco Central anunciou medidas para reduzir o ritmo de aumento do crédito e intensificar o processo de desaceleração da economia, a fim de evitar o aumento da inflação.

Haverá aumento do compulsório (dinheiro dos bancos que fica depositado no BC), para retirar R$ 61 bilhões da economia, e restrição a empréstimos de longo prazo para consumo.

O governo decidiu prorrogar, no entanto, a ajuda a bancos de menor porte anunciada durante a crise.

A decisão foi tomada em conjunto com membros do atual governo que farão parte da equipe econômica da presidente eleita, Dilma Rousseff: Alexandre Tombini, atual diretor e futuro presidente do BC, e Guido Mantega, que vai continuar no Ministério da Fazenda.

O atual presidente do BC, Henrique Meirelles, indicou que esse é apenas o início de um processo cujo próximo passo deve ser o aumento da taxa básica de juros (Selic).

Disse também que a mudança inibe o surgimento de "bolhas" no crescimento do crédito e "riscos que podem ser negativos para a saúde da economia no futuro".

"Em março, o BC aumentou o compulsório e, em abril, adotou medidas de política monetária, com alteração da taxa Selic. As condições macroeconômicas e de expansão do crédito já justificam que o BC retome esse processo", afirmou.

A próxima reunião para discutir a taxa básica será realizada na próxima quarta-feira, mas a expectativa do mercado é que as medidas anunciadas ontem permitam ao governo adiar o aumento da Selic para janeiro.

As estimativas são que a Selic passe dos atuais 10,75% ao ano para mais de 12% ainda no primeiro semestre.

Além de frear o crédito ao consumo, um dos principais motores do crescimento econômico, o BC quer evitar a disparada da inflação no início do novo governo.

Projeções do mercado e do BC indicam que o índice oficial de preços ficará acima do centro da meta de 4,5% neste e no próximo ano.

O crédito ao consumidor cresce hoje acima de 20% ao ano e não dá sinais de arrefecimento. Mas o financiamento para a produção só agora começa a se recuperar.

No caso das empresas, o crédito será incentivado. O governo acabou com o compulsório sobre Letras Financeiras, instrumento que os bancos usam para captar recursos de longo prazo a pessoas jurídicas.

Também foi anunciada a manutenção das medidas de apoio aos bancos de menor porte, que têm como clientes pequenas empresas.

O incentivo à venda de carteiras de crédito dos bancos foi prorrogado por pelo menos mais seis meses.

A captação de recursos com garantia do FGC (Fundo Garantidor de Crédito) começa a acabar somente em 2012, mas só será extinta em janeiro de 2016.

O dinheiro retirado da economia pelo aumento do compulsório equivale a cerca de 20% do que os bancos recolhem. A maior parte foi injetada no sistema bancário na crise de 2008/2009.

Em março deste ano, parte desse dinheiro já havia voltado para o BC. Agora, os valores recolhidos já superam o nível pré-crise.

Medo de inflação e calote faz BC dificultar o crédito

DEU EM O GLOBO

Passada a eleição, governo decide esfriar onda de consumo que estimulara

Preocupado com a inflação em alta e o aumento da inadimplência nos financiamentos de longo prazo, o Banco Central anunciou um pacote de medidas para apertar o crediário e frear o consumo. Na contramão do que foi prometido pelo governo durante as eleições, foi elevado o compulsório sobre depósitos à vista e a prazo. Exigências para compra parcelada de veículos também foram elevadas. Redes de varejo acham que as vendas de Natal não serão reduzidas pois os recursos para financiamentos já estavam contratados. Mas o crédito nos bancos deve ficar mais caro. Com as medidas, o BC não deverá subir juros na próxima reunião do Copom.


Para Mantega, crédito poderia "passar do limite"

Temos de dar uma moderada", diz ministro

Martha Beck

BRASÍLIA. As medidas anunciadas ontem para conter o crédito mostraram que as preocupações da equipe econômica com o aumento da inflação eram maiores do que fazia crer o discurso oficial. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, que vinha dizendo nas últimas semanas que a elevação dos preços no país era pontual por conta de alguns alimentos, ontem mudou o tom. Ele afirmou que a nova medida foi acertada e deve evitar que o crédito "passe dos limites".

- Acho que as medidas são muito boas, são muito acertadas. O aumento do compulsório tira um pouco de liquidez do crédito, que cresceu muito ultimamente. Temos de dar uma moderada para que ele não passe dos limites - disse o ministro.

Mantega reconheceu que as medidas devem encarecer o crédito para os consumidores:

- As medidas prudenciais também são importantes. Elas exigem mais capital dos bancos para operações de maior risco, de modo que, se houver algum problema, eles vão ter cobertura. É claro que isso vai encarecer um pouco o crédito, mas nesse momento em que há uma expansão, é oportuno fazê-lo.

O ministro negou que o governo esteja preocupado com a qualidade do crédito:

- Não é que (a qualidade) esteja preocupante , mas o crescimento foi muito forte. Hoje, o crédito já foi totalmente restabelecido depois do período pós-crise e temos de dar uma moderada.

Duda Ribeiro - Se acaso você chegasse

O Relógio:: João Cabral de Melo Neto

1.

Ao redor da vida do homem
há certas caixas de vidro,
dentro das quais, como em jaula,
se ouve palpitar um bicho.

Se são jaulas não é certo;
mais perto estão das gaiolas
ao menos, pelo tamanho
e quadradiço de forma.

Uma vezes, tais gaiolas
vão penduradas nos muros;
outras vezes, mais privadas,
vão num bolso, num dos pulsos.

Mas onde esteja: a gaiola
será de pássaro ou pássara:
é alada a palpitação,
a saltação que ela guarda;

e de pássaro cantor,
não pássaro de plumagem:
pois delas se emite um canto
de uma tal continuidade

que continua cantando
se deixa de ouvi-lo a gente:
como a gente às vezes canta
para sentir-se existente.

2.

O que eles cantam, se pássaros,
é diferente de todos:
cantam numa linha baixa,
com voz de pássaro rouco;

desconhecem as variantes
e o estilo numeroso
dos pássaros que sabemos,
estejam presos ou soltos;

têm sempre o mesmo compasso
horizontal e monótono,
e nunca, em nenhum momento,
variam de repertório:

dir-se-ia que não importa
a nenhum ser escutado.
Assim, que não são artistas
nem artesãos, mas operários

para quem tudo o que cantam
é simplesmente trabalho,
trabalho rotina, em série,
impessoal, não assinado,

de operário que executa
seu martelo regular
proibido (ou sem querer)
do mínimo variar.

3.

A mão daquele martelo
nunca muda de compasso.
Mas tão igual sem fadiga,
mal deve ser de operário;

ela é por demais precisa
para não ser mão de máquina,
a máquina independente
de operação operária.

De máquina, mas movida
por uma força qualquer
que a move passando nela,
regular, sem decrescer:

quem sabe se algum monjolo
ou antiga roda de água
que vai rodando, passiva,
graçar a um fluido que a passa;

que fluido é ninguém vê:
da água não mostra os senões:
além de igual, é contínuo,
sem marés, sem estações.

E porque tampouco cabe,
por isso, pensar que é o vento,
há de ser um outro fluido
que a move: quem sabe, o tempo.

4.

Quando por algum motivo
a roda de água se rompe,
outra máquina se escuta:
agora, de dentro do homem;

outra máquina de dentro,
imediata, a reveza,
soando nas veias, no fundo
de poça no corpo, imersa.

Então se sente que o som
da máquina, ora interior,
nada possui de passivo,
de roda de água: é motor;

se descobre nele o afogo
de quem, ao fazer, se esforça,
e que êle, dentro, afinal,
revela vontade própria,

incapaz, agora, dentro,
de ainda disfarçar que nasce
daquela bomba motor
(coração, noutra linguagem)
que, sem nenhum coração,
vive a esgotar, gôta a gôta,
o que o homem, de reserva,
possa ter na íntima poça.