domingo, 5 de dezembro de 2010

Reflexão do dia – Joseph A. Schumpeter

A maior parte das criações da inteligência ou da fantasia desaparece para sempre, em
espaço de tempo que pode variar de uma hora a uma geração. Com outras, porém, tal não
acontece. Sofrem eclipses, é certo. Mas ressurgem. E ressurgem, não como elementos
irreconhecíveis da herança cultural, mas com roupagens e cicatrizes próprias, que podem
ser vistas e tocadas. A estas podemos denominar de grandes, e não equivale a subestimar, unir a grandeza à vitalidade. Tomada em tal sentido, é, sem dúvida, a expressão que bem se aplica à mensagem de MARX. Há, ainda, uma vantagem em definir a grandeza pelo renascimento: a mensagem ressurge independentemente de nosso amor ou ódio. Não precisamos exigir que toda grande realização seja, necessariamente, fonte de luz, ou perfeita em seus pormenores e objetivos fundamentais. Ao contrário, podemos aceitá-la como um poder das trevas. Podemos achá-la fundamentalmente errada, ou não concordar com ela em numerosos pontos. No caso do sistema marxista, tal julgamento contrário ou mesmo refutação correta, por seu próprio malogro em feri-lo fatalmente, serve apenas para provar a força de sua estrutura.



(Joseph A. Schumpeter, Capitalismo, Socialismo e Democracia, pág. 22, - Editora Fundo de Cultura, Rio de Janeiro, 1961)

O guizo no pescoço :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

A eleição presidencial mostrou que a oposição tem um nicho eleitoral de cerca de 40% desde 2002, quando foi derrotada pela primeira vez pelo PT. Um nível bem acima do que o PT sempre teve antes de se decidir a ampliar suas alianças para chegar ao poder. Até 2002, a esquerda não passava de 30% do eleitorado brasileiro.

Mas, para ampliar seu eleitorado a fim de fazer frente aos governos petistas, a oposição precisará, para início de conversa, aumentar sua penetração no Norte e no Nordeste do país, regiões que já foram dominadas por partidos conservadores como o PFL, atual DEM, e hoje são fontes inesgotáveis de votos para os petistas.

Mas precisará, sobretudo, unificar seu principal partido, o PSDB. Como se tem visto nas últimas três eleições, qualquer que seja o candidato a presidente, não tem chances de vencer se não ganhar em Minas.

Mas também não será eleito sem ter o apoio de São Paulo. E o PSDB, embora esteja no governo já há algum tempo nos dois maiores colégios eleitorais do país, não consegue se entender politicamente.

Pior: há em curso uma disputa regional que leva a que essa cisão partidária se transforme em um obstáculo quase insuperável para a organização de uma candidatura viável em 2014.

Terminada a eleição presidencial, ficou a sensação entre os tucanos paulistas de que a máquina do partido em Minas não funcionou como deveria, a mesma sensação que já ficara nas eleições de 2002 e 2006, quando Lula venceu Serra e Alckmin em Minas da mesma maneira que Dilma venceu Serra desta vez.

Na raiz dessa atuação, há a impressão de que o mote do principal líder tucano de Minas, Aécio Neves, de que existe uma paulistização da política dentro do PSDB nacional, criou em Minas um sentimento de rejeição aos candidatos a presidente vindos de São Paulo, como Serra e Alckmin.

De fato, a base da campanha de Aécio para candidato à Presidência da República era a defesa da importância política de Minas, que já estaria na hora de dar o candidato do partido depois que Fernando Henrique, Serra e Alckmin se candidataram, todos políticos paulistas.

E, depois da terceira derrota seguida, o diretório regional de Minas começa a reivindicar a liderança do processo de reorganização partidária, através de seu presidente, o deputado Nárcio Rodrigues.

A declaração dele de que, depois de tantos paulistas, "agora é a nossa vez", referindo-se à candidatura de Aécio Neves à Presidência em 2014, abriu uma guerra nos bastidores do partido.

Nem Aécio nem Serra dão declarações oficiais com queixas recíprocas; ao contrário, defendem a unidade partidária.

Mas, nos bastidores, rola um clima de tensão até que se definam as posições em que cada um vai jogar nos próximos anos.

Aécio, eleito senador, terá um papel de relevância no Congresso e já começou a mostrar suas habilidades de costurar alianças políticas congressuais tanto com o PMDB quanto com o PSB.

A unificação de ações políticas entre PSDB e PSB seria uma alternativa perfeita, com os tucanos dominando o Sul e o Sudeste, e o pessebistas atuando no Nordeste, se não fosse a resistência dos tucanos paulistas à aproximação com o partido de Ciro Gomes.

O PSDB paulista nega ser hegemônico, e cita que os quatro principais cargos partidários estão com tucanos de outras origens: o presidente, Sérgio Guerra, é pernambucano; o secretário-geral, Rodrigo Castro, é mineiro; o líder na Câmara, João Almeida, é baiano; e o líder do Senado, Arthur Virgílio, é amazonense.

O candidato à Presidência derrotado, José Serra, está começando a reorganizar sua vida pessoal, vai dar aulas e palestras para ganhar a vida, mas também sua atuação política.

Ele pretende continuar "no ativismo", como tem definido, e fazendo uma linha de oposição mais agressiva, como quando assumiu a presidência do PSDB em 2003, após derrota para Lula.

No discurso inaugural, ele classificou o PT de "bolchevismo sem utopias", ressaltando o lado patrimonialista da atuação petista.

Ele nega que tenha tentado se aproximar de Lula no início da campanha, quando expôs sua foto com o presidente no programa eleitoral, atribuindo a essa aparição uma importância muito menor do que seus próprios eleitores deram, negativamente.

Mas não parece inclinado a tentar voltar à presidência do partido, e também rejeita a ideia de que possa vir a se candidatar à prefeitura paulistana novamente.

Mas quem conversa com ele sai convencido de que aquelas palavras de despedida no discurso da noite da derrota - "A luta continua. Não é um adeus, é um até logo" - não são mera retórica de palanque.

O que criará um clima de enfrentamento com o senador Aécio Neves, tido como "a bola da vez" por seus correligionários.

Serra acha que a situação do governo Dilma se agravará com a crise da economia mundial e com o que considera desmandos dos últimos anos, com uma política de juros errada e gastos públicos descontrolados.

Ele vê nas recentes medidas de contenção de gastos adotadas pelo governo a confirmação do que dizia na campanha presidencial. E chama a atenção para a questão da segurança pública, que destacou como das maiores prioridades, a ponto de anunciar a criação de um ministério para cuidar do assunto, enquanto Dilma desqualificava a proposta, chegando a afirmar que nossas fronteiras eram bem protegidas.

Ele aguarda o reconhecimento de suas críticas e denúncias para se lançar novamente como um postulante viável à Presidência da República, e não vê caminho para Aécio no PSDB se insistir em jogar São Paulo contra o restante do país.

O dilema tucano é que se Aécio não pode ser o candidato à Presidência pelo PSDB contra São Paulo, um candidato paulista, seja Serra, seja Alckmin, não pode aspirar ser escolhido contra Minas, muito menos com a seção mineira ostensivamente se opondo a ele.

Alguém vai ter que colocar o guizo no pescoço de um dos dois.

Ou então o partido rachará de vez, cada grupo indo para um lado.

É hoje. Saudações tricolores.

Lua de fel:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente Luiz Inácio da Silva é daquelas pessoas sortudas, mas que demonstram acentuada dificuldade em conviver com o que de bom a vida lhes dá. Querem sempre mais e acham que o mundo lhes é um eterno devedor.

Lula tem todos os motivos para celebrar o sucesso: veio da pobreza, viu o ambiente no qual soube aproveitar oportunidades e venceu ao custo de esforço, obstinação e uma sorte rara.

Chegou à Presidência da República, transitou por ela com apoio inédito - política e socialmente falando -, transpôs obstáculos aparentemente intransponíveis, chega ao fim de dois mandatos popular como nenhum outro e carregando consigo o feito de ter convencido a maioria dos brasileiros a eleger presidente uma desconhecida.

Nunca se viu nada igual (para o bem e para o mal) e dificilmente o País verá tão cedo algo parecido.

Lula tem razões de sobra para estar feliz. Felicíssimo. No entanto anda triste. Tristíssimo. Chorando por qualquer coisa, segundo relatos de correligionários. Destilando ressentimento e insatisfação como se pode observar por seus atos e palavras nos últimos tempos.

Durante a campanha eleitoral poder-se-ia atribuir esse estado de espírito à tensão do combate.

Na hora da despedida é difícil perceber por que no lugar de estar em lua de mel consigo, Lula cultiva o fel e se dispõe ao exercício da grosseria com uma frequência atípica para quem teria tudo para estar de bem com a vida.

Não quer largar o poder. Entende-se, mas até certo ponto, pois a compreensão da regra do jogo é um imperativo a todo governante. Bem como uma razoável conexão com a realidade.

Lula sai iludido de que é a própria "encarnação" do povo brasileiro. Convenceu-se de que está acima dos demais e que tudo pode. Inclusive dar-se ao desfrute da covardia.

Gratuita, para dizer pouco, a agressividade com que atacou o repórter Leonencio Nossa, do Estado, por causa de uma pergunta sobre o motivo de sua visita ao Maranhão, na última terça-feira. O jornalista quis saber se a presença do presidente no Estado era uma forma de agradecimento à "oligarquia Sarney".

Uma pergunta crítica. Respondida de maneira tosca e covarde: "Você tem de se tratar, quem sabe fazer uma psicanálise para diminuir o preconceito."

De uma investigação psicanalítica necessita o presidente para compreender a razão de defender-se assim diante de uma mera indagação sem nenhuma ofensa. Consciência pesada por ter se aliado ao que há de mais retrógrado na política?

Arrependimento por não ter tentado o lance maior do terceiro mandato?

Consciência tardia de que quebrou o juramento de cumprir a Constituição?

Seja o que for não justifica a ignorância. No sentido de ignorar o sentido do termo oligarquia (governo de poucas pessoas, pertencentes a um mesmo partido, classe ou família) e no sentido da hostilidade e, sobretudo, da covardia, pois sabia que o rapaz não poderia reagir ao ataque.

Esse é só um exemplo entre vários. Demonstração de que o ofício do poder requer preparo, principalmente para deixar de exercê-lo com um mínimo de nobreza.

Apetites. Fisiologismo por fisiologismo, justiça seja feita ao PMDB: foi quem mais perdeu até agora na composição do ministério. Ocupava as pastas da Saúde, Defesa, Agricultura, Integração Nacional, Minas e Energia e Comunicações.

Se não houver acréscimo, ficará com Minas e Energia, Agricultura, Turismo e Previdência. Um rebaixamento quantitativo e qualitativo.

Até sexta-feira à tarde apenas o PT havia tido ministros confirmados e, apesar disso, o partido continuava reivindicando mais postos a fim de apaziguar a briga interna por cargos.

A presidente eleita está precisando atender aos pedidos do presidente Lula, dos derrotados, dos amigos, dos que assumiram compromissos eleitorais, dos que precisam ser agora bem atendidos por terem sido maltratados, dos que necessitam de espaço para assumir mandato não disputado e de mais todos os representantes de correntes ora em guerra por um lugar na Esplanada.

Do político ao técnico :: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Celso Amorim, bem ou mal, tem ideias, arroubos e luz própria. Foi um ministro político num governo político.

Antônio Patriota é um diplomata mais introspectivo, formal, cioso da hierarquia. Será um ministro técnico num governo técnico.

A troca de Amorim pelo pupilo Patriota reflete a diferença de Lula para Dilma. Sai uma dupla do barulho, entra o casamento da inexperiência com a discrição na área externa. Não se espere que Dilma, pelo menos no início, vá ousar, perturbar ou correr riscos nessa delicada seara. Patriota menos ainda.

O próximo governo deverá ter um perfil relativamente baixo na política externa, mantendo a prioridade sul-sul e confirmando os votos condescendentes com ditaduras no Conselho de Direitos Humanos na ONU. No máximo dando uma cotovelada ou outra em Washington, só para marcar posição.

Muita gente chiou quando Lula comprou um avião logo ao assumir, mas justiça seja feita: se houve algo útil no seu governo foi o AeroLula, que cruzou oceanos, cordilheiras, rios e ideologias pelo mundo afora. Já o inexplicável AeroDilma corre o risco de se tornar um enfeite no pátio da Base Aérea, fazendo a festa de brigadeiros doidos para cumprir as horas de voo num brinquedo tão sofisticado.

O provável é que Lula leve Amorim como seu assessor especial pós-governo e que Dilma (que não gosta do chanceler) delegue a América Latina e os subdesenvolvidos para Marco Aurélio Garcia e empurre os EUA e os ricos para Patriota.

Ela vai visitar Obama, claro, mas vai falar menos, aparecer menos, propor menos e, portanto, criar muito menos confusão do que Amorim-Lula. Só não dá para dizer até onde isso é bom ou ruim.

PS - O que é mais humilhante? Fazer escalas em viagens longas ou o Brasil parecer ao mundo como o novo rico que joga dinheiro fora num avião para cada presidente, com tanta coisa por fazer?

O golaço carioca :: Fernando Henrique Cardoso

DEU EM O GLOBO

'Articulação entre governo, policias e Forças Armadas foi importante'

O Rio marcou um gol, um golaço. E digo bem: foi a cidade do Rio de Janeiro, e não apenas seu governo, a polícia ou as Forças Armadas. A César o que é de César: a articulação entre governo, polícias e Forças Armadas foi importante e deixa-nos a lição de que sem articulação entre os muitos setores envolvidos na luta contra o crime organizado e sem disposição de combatê-lo a batalha será perdida. Mas sem o apoio da sofrida população do Rio, dos cariocas e brasileiros que habitam a cidade, e muito particularmente sem o apoio da população que vive nas comunidades atingidas pelos males da droga e pela violência do tráfico, o êxito inicial não teria sido possível.

Estive no Morro Santa Marta há pouco tempo, quando a Unidade da Polícia Pacificadora já estava estabelecida, e pude ver que efetivamente o medo e o constrangimento da população local haviam desaparecido. A droga ainda corre por lá, mas entre usuários, e não nas mãos de traficantes locais. Sei que em São Paulo e em outras regiões do País também há tentativas bem-sucedidas de devolver ao Estado sua função primordial: o controle do território e o monopólio do exercício da violência (sempre que nos marcos legais). Mas o caso do Rio é simbólico porque a simbiose entre favela e bairro, entre a cidade e a zona pretensamente excluída está entranhada em toda parte.

Há, portanto, o que comemorar. Faz pouco tempo eram quase 100 mil moradores de comunidades cariocas que se haviam libertado, graças à presença da Polícia Pacificadora, da sujeição ao terror do tráfico e das regras de "justiça pelas próprias mãos" ordenadas pelo chefões locais e cumpridas por seus esbirros. Com a entrada do Estado no Complexo do Alemão e na Vila Cruzeiro, há a possibilidade de incorporar mais gente às áreas restituídas à cidadania.

Mas essas populações serão mesmo restituídas à vida normal numa democracia? E neste passo começam as perguntas e preocupações. Sem que se restabeleçam as normas da lei, sem a permanência da força policial, sem que a Justiça comum volte a imperar, sem que a escola deixe de ser um local onde se trafica, sem que os mercados locais sejam interconectados com os mercados formais da cidade e sem que a educação e o emprego devolvam esperança aos "aviões" (os jovens coagidos a ser sentinelas dos bandidos e portadores de droga para os usuários), a vitória inicial será de Pirro. Neste caso, a não guerra em algumas comunidades pela fuga dos traficantes com parte de suas armas pode desdobrar-se adiante num inferno a que serão submetidas populações de outras comunidades, seja por traficantes ou membros das milícias.

Não escrevo isso para diminuir a importância do que já se conseguiu, ao contrário. Mas, sim, para chamar à responsabilidade todos nós, como cidadãos, como pais, avós, como partes da sociedade brasileira, pelo que acontece no Rio e em quase todo o País. Fiquei muito impressionado com o que aprendi e vi ao integrar um grupo que está preparando um documentário sobre drogas. Estive em Vigário Geral num encontro que José Junior, do AfroReggae, proporcionou para que eu pudesse entrevistar traficantes arrependidos e policiais envolvidos nas guerras locais. Entrevistei muitas mães de família, mulheres em presídios, jovens vitimados pelo tráfico (e quem sabe se não partes dele também).

Eu havia estado na Palestina ocupada por forças de Israel e vi o constrangimento a que as populações locais são submetidas. Pois bem, no Rio de Janeiro, o constrangimento imposto pelo crime organizado e às vezes exacerbado pela violência policial, que por vezes se confundem, é pelo menos igual, se não maior, ao que vi na Palestina. A falta de liberdade de ir e vir que os bandidos de diferentes facções impõem a seus "súditos" forçados e o medo da "justiça direta" tornam as populações locais prisioneiras do terror do tráfico. E não adianta dar de ombros em outras partes do Brasil e pensar que "isso é lá no Rio". Não, a presença do contrabando, do tráfico e da violência do crime organizado está em toda parte. E a ausência do Estado também, para não falar que sua presença é muitas vezes ameaçadora pela corrupção da polícia e suas práticas de violência indiscriminada.

Se agora no Rio de Janeiro as ações combinadas das autoridades políticas e militares abriram espaço para um avanço importante, é preciso consolidá-lo. Isso não será feito apenas com a presença militar, a da Justiça e a do Estado. Este está começando a fazer o que lhe corresponde. Cabe à sociedade complementar o trabalho libertador. Enquanto houver incremento do consumo de drogas, enquanto os usuários forem tratados como criminosos, e não como dependentes químicos ou propensos a isso, enquanto não forem atendidos pelos sistemas de saúde pública e, principalmente, enquanto a sociedade glamourizar a droga e anuir com seu uso secreto indiscriminadamente, ao invés de regulá-lo, será impossível eliminar o tráfico e sua coorte de violência. A diferença entre o custo da droga e o preço de venda induzirá os bandos de traficantes a tecer sempre novas teias de terror, violência e lucro.

Sem que o Estado, inclusive, se não que principalmente, no nível federal, continue a agir, a controlar melhor as fronteiras, a exigir que os países vizinhos fornecedores de drogas coíbam o contrabando, não haverá êxito estável no controle das organizações criminosas. Por outro lado, sem que a sociedade entenda que é preciso romper o tabu e veja que o inimigo pode morar em casa, e não apenas nas favelas, e se disponha a discutir as questões fundamentais da descriminalização e da regulação do uso das drogas, o Estado enxugará gelo.

Ainda assim, só por liberar territórios nos quais habitam centenas de milhares de pessoas, o Rio de Janeiro enviou a todos os brasileiros um forte sinal de esperança.

Sociólogo, foi Presidente da República

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Lançamento do livro: Em torno de Marx - Leandro Konder

Ao longo do último século, modificações impressionantes ocorreram. Em ritmo vertiginoso, os computadores transformaram as condições de trabalho de um número crescente de pessoas. A “indústria cultural” ganhou influência por meio da manipulação do entretenimento. Com todas essas mudanças o pensamento marxiano vem sendo submetido a uma severa revisão. Os que usam as ideias do mestre, ou simpatizam com elas, manifestam certa perplexidade. O marxismo morreu? Se ainda está vivo, onde se acham seus principais centros de elaboração teórica?

Leandro Konder se debruça sobre essa questão buscando um enfoque novo. Marx se tornou uma celebridade por suas intervenções polêmicas no campo da história, na crítica da economia política, na análise das lutas de classes e na mudança das relações de produção. Entretanto, um aspecto de sua contribuição à construção do conhecimento na cultura do Ocidente ficou subaproveitado: a dimensão filosófica.

O livro é dividido em três partes. A primeira explora os temas da moral e da religião, da história e da dialética, passando pelo da morte, sempre dialogando em torno de Marx. A segunda abre espaço para reflexões sobre Adorno, Marcuse, Sartre, Benjamin, Lukács e Gramsci, autores vitais da linhagem iniciada pelo filósofo alemão e que tanto influenciaram Konder. A terceira parte retoma formulações sobre o marxismo brasileiro nas primeiras décadas da República, mostrando também, como contraponto, um pouco da cara de nossa direita.

Para o autor, houve um inevitável prejuízo na avaliação do alcance de conceitos políticos, econômicos e históricos que se apoiavam em concepções teóricas – mais especificamente filosóficas – que não haviam assimilado toda a importância das ideias de Marx sobre o homem e a história. Lukacsiano desde suas primeiras produções, Leandro Konder teve papel de relevo, junto com Carlos Nelson Coutinho e José Paulo Netto, na introdução do filósofo húngaro em nosso país. Navegando como um mestre, da filosofia à política e à crítica literária, com um texto claro e elegante, Leandro formou uma ampla geração de marxistas brasileiros.

Em sua trajetória posterior, acercou-se das ricas formulações ontológicas de Gramsci e também de autores frankfurtianos como Adorno, Marcuse e Benjamin.

Os personagens da história do marxismo, que se destacaram pela qualidade de seu pensamento, são bastante conhecidos e pagaram um preço alto por sua independência. Uma recuperação da criatividade e do vigor crítico do pensamento radical de Marx depende desses teóricos ousados, pois são eles que o mantêm vivo; mas, para ser coerente com sua concepção da história, para ressurgir com toda a força no campo de batalha, o marxismo precisa encontrar nos movimentos sociais seu “exército”, seus “portadores materiais”, aos quais leva sua perspectiva revolucionária.
É o encontro da ação com a teoria – aquilo que Marx chamou de práxis.

Numa época em que Marx, ao mesmo tempo que está ontologicamente atualíssimo, permanece sepulto e enterrado epistemologicamente por muitas escolas da irrazão, a publicação deste novo livro de Leandro Konder é um convite aberto para que seus leitores possam redescobrir Marx.

Trecho

“A concepção do homem em Marx é clara: o homem é o sujeito da práxis, que existe transformando o mundo e a si mesmo. É um ser que inventa a si mesmo, por isso às vezes nos surpreende e escapa. Na confusão criada hoje em dia pelo capitalismo, os indivíduos se libertam de grilhões envelhecidos, mas assumem outros vínculos, novos grilhões, que também os aprisionam. Bertolt Brecht, em sua Mãe coragem e seus filhos8, põe em cena uma mulher do povo que descobre que pode fazer da guerra um bom negócio, porém a guerra vai lhe matando os filhos. Não foi por acaso que Brecht disse certa vez que Marx era o espectador ideal de suas peças.”

Sobre o autor

Leandro Konder nasceu em 1936, em Petrópolis (RJ), filho de Valério Konder, médico sanitarista e líder comunista. Formado em Direito, Leandro exilou-se em 1972, após ser preso e torturado pelo regime militar, e morou na Alemanha e depois na França até seu regresso ao Brasil em 1978. Doutorou-se em Filosofia em 1987 no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. É professor do Departamento de Educação da PUC-RJ e do Departamento de História da UFF.
Tem vasta produção como conferencista, articulista de jornais, ensaísta e ficcionista. Em 2002 foi eleito o Intelectual do Ano pelo Fórum do Rio de Janeiro, da UERJ. Um dos maiores estudiosos do marxismo no país, é autor, entre outras obras, de Sobre o amor (Boitempo, 2007), As artes da palavra – elementos para uma poética marxista (Boitempo, 2005), A questão da ideologia (Companhia das Letras, 2000), Barão de Itararé, o humorista da democracia (Brasiliense, 1982) e Os marxistas e a arte (Civilização Brasileira, 1967).

Sobre a Coleção Marxismo e Literatura

A coleção resgata a análise da literatura do ponto de vista da teoria crítica, em reflexões sobre a cultura e seu papel transformador. Outra linha importante desta série é a publicação de textos que conjugam a qualidade literária com o engajamento político.

Ficha técnica
Título: Em torno de Marx
Autor: Leandro Konder
Páginas: 136
Ano de publicação: 2010
ISBN: 978-85-7559-167-3
Preço: a definir

Não há solução mágica:: Luiz Carlos Bresser-Pereira

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Tráfico e corrupção são complexos e não podem ser resolvidos por política de segurança milagrosa

Na semana anterior, o Rio de Janeiro voltou a ser palco de guerra que, afinal, foi "vencida" pelo Exército. Bela vitória, mas é claro que o problema não está resolvido. Nem é aconselhável que o Exército permaneça no Complexo do Alemão.

Por que o Estado não logra afirmar a sua autoridade nas favelas do Rio de Janeiro? As razões são conhecidas.

Porque os lucros com o tráfico de drogas são grandes. Porque os jovens pobres da favela têm poucas alternativas de trabalho. Porque há corrupção na polícia. Porque o inimigo não é apenas a máfia dos traficantes, é também a máfia das milícias militares.

Não digo que haja consenso a respeito, mas políticos, policiais e militantes dos recursos humanos estão bem a par do que estou afirmando. Os três notáveis filmes de José Padilha, "Ônibus 174", "Tropa de Elite" e "Tropa de Elite 2", apresentaram essas três causas de maneira didática. Por que, então, o problema não é resolvido?

Lendo as análises dos últimos acontecimentos, identifico uma resposta quase unânime. É preciso que o governo federal e o governo estadual adotem em conjunto uma política ampla de segurança pública.

Há também um razoável consenso entre os analistas da crise recente de que as UPPs (Unidades Policiais Pacificadoras) que o governo do Rio de Janeiro vem instalando nas favelas é um bom caminho.

Embora esquerda e direita divirjam quanto aos princípios que devem orientar essa política nacional -para a primeira, aumento do emprego e diminuição das desigualdades, para a segunda, aumento da repressão-, estão todos de acordo que ela é necessária. E, todavia, a política salvadora do problema não se materializa. Por quê?

Essencialmente porque essa política salvadora não existe. Porque é evidente que mais emprego e menos desigualdade ajudariam a resolver o problema, da mesma forma que mais repressão é essencial para enfrentá-lo.

Mas o problema do tráfico e da corrupção é complexo demais, e suas causas estão inseridas na própria lógica da sociedade em que vivemos. Não pode, portanto, ser resolvido por uma política de segurança mágica.

Um individualismo radical caracteriza os atores do drama. A cocaína é um vício de ricos que estão dispostos a pagar o que for necessário para sustentá-lo. O tráfico é organizado por máfias bem organizadas e realizado por jovens que aprenderam a não prezar a própria vida.

Os policiais estão de tal forma próximos da corrupção que é impossível evitar que muitos deles se deixem subornar.

O Estado brasileiro, entretanto, está avançando no caminho de impor sua ordem. A grande maioria dos políticos já percebeu que sua reeleição depende da firmeza com a qual imponham a segurança.

Os policiais federais estão hoje sendo bem pagos. É preciso caminhar na mesma direção a polícia do Rio de Janeiro, e equipá-la melhor.

Por outro lado, o grande pacto político popular e nacional que, na primeira metade dos anos 1980, presidiu a transição democrática, previa uma diminuição das desigualdades via aumento do gasto social que vem acontecendo.

Portanto, não obstante a permanência do problema do tráfico de drogas, o Brasil caminha na direção certa.

Além do Alemão :: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Foram dias intensos, os vividos no Rio desde a tomada da Vila Cruzeiro e do Alemão. Depois da natural euforia com o sucesso da operação, vem tudo o mais que desafia o Brasil na área de segurança. O Nordeste desbancou o Sudeste como região mais violenta, conta o sociólogo Gláucio Soares. O antropólogo Luiz Eduardo Soares alerta que estamos mascarando o mais desafiador.

Conversei com os dois no meu programa da Globonews e faço aqui um resumo da entrevista e conversas que tivemos durante o encontro. Luiz Eduardo acha que nos últimos dias se constituiu uma imagem muito forte, infelizmente não verdadeira, de que está havendo uma luta do bem contra o mal:

- O nosso drama é que essa polaridade foi revogada na prática. O tráfico só virou isso por causa dos segmentos corruptos dentro da polícia.

Ele tem batido na tecla de que o atual formato da exploração do tráfico no Rio, com o controle do território, gastos com a corrupção de autoridades, manutenção de um verdadeiro exército fortemente armado, é antieconômico e por isso a tendência é que seja derrotado. O mais difícil é vencer milícias porque elas têm um custo menor: usam em parte a estrutura do próprio Estado para suas práticas ilícitas, são armados pela sociedade.

Gláucio tem demonstrado, em números, que boas políticas públicas salvam vidas. Um dos dados que mostrou no programa é que no primeiro governo Cabral, "com todas as suas imperfeições", morreram três mil pessoas a menos por violência do que no governo Rosinha Garotinho. Mesmo assim, as mortes intencionais, nos últimos quatro anos, chegaram a quase 17.000 pessoas. Em um gráfico impressionante (vejam no meu blog), mostrou que os homicídios estão crescendo muito no Nordeste e a tendência do Sudeste é de queda:

- Há 15 anos, o Sudeste era a região mais violenta do Brasil, e o Nordeste, a menos violenta. Agora, trocou.

Ele explicou que o país tem o cacoete de olhar taxa de homicídio como resultado de fatores econômicos, mas a violência tem outras causas como família, drogas, armas. Ele disse que estão havendo explosões de violência em Maceió, Belém e Salvador, sempre ligadas ao tráfico de drogas.

Há várias chances abertas pela ocupação do maior complexo de favelas do Rio. Uma delas é a de fortalecer a parte virtuosa da polícia. Luiz Eduardo acha que isso depende dos rumos do debate no país, do jornalismo, das pesquisas e estudos, da mobilização da sociedade, da transformação institucional da polícia, e, sobretudo, do consenso político que o país conseguir construir em cima dessa crise:

- Não há estado democrático sem polícias controladas e controláveis.

Luiz Eduardo acha que precisamos tirar do armário algumas discussões: o fato de que os orçamentos das polícias são insuficientes; os salários são baixos; os policiais fazem trabalhos por fora para complementar a renda e seus comandantes sabem, apesar de ser ilegal.

- E eles fazem esse trabalho na sua área de especialidade, que é a segurança. Começam aí várias dinâmicas malignas, como provocar a insegurança para vender segurança, a formação de grupos de extermínio e a formação de milícias.

Ele elogia o atual secretário de Segurança, José Mariano Beltrame: uma pessoa honesta que tem feito um bom trabalho. A Draco (Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas), no governo anterior, havia prendido quatro milicianos e o delegado que prendeu foi punido. Hoje, há 400 milicianos presos.

Gláucio diz que a continuidade das políticas produz resultados palpáveis. Em Bogotá, sucessivos prefeitos, mesmo de partidos diferentes, conseguiram reduzir consistentemente as estatísticas da violência. Em Medellin, houve uma queda a menos de um terço de mortes, e depois voltou a subir por mudanças de políticas. O êxito vem da continuidade das políticas.

Há vários outros desafios no combate à violência, explicam os dois. Um deles é o controle de armas. Vindas de fora? Não. Do Brasil mesmo: 85% das armas que circulam são armas leves fabricadas aqui. E o que mais mata é o 38.

Os dois falaram brevemente de outro polêmico assunto. Gláucio acha que o país precisa estudar mais as experiências de países que legalizaram as drogas. Ele acha que a legalização tem sido pouco estudada. Luiz Eduardo acha que é preferível legalizar e fiscalizar, já que mesmo países que gastam bilhões com tráfico não conseguem acabar com ele.

Perguntei sobre o risco de corrupção no Exército, se for muito prolongado o uso das Forças Armadas na operação. No México, Felipe Calderón usou o Exército e as denúncias de jornalistas mexicanos são de que os militares se corromperam.

Gláucio disse que é difícil evitar que a corrupção penetre, até porque o soldado é local. Não é uma força nacional que vem de outro lugar:

- O soldado mora nas favelas do Recife e lá serve.

Luiz Eduardo acha que as Forças Armadas podem dar apoio, ajudar, mas nunca substituir. A reforma da Polícia continuará sempre sendo essencial. Uma pesquisa que ele fez, junto com outro estudiosos, mostrou que 70% dos policiais são favoráveis à mudança nas corporações. Isso, segundo ele, mostra que haverá apoio à reforma da Polícia. O grande problema é que isso é um trabalho longo, em que um governo fará e só o seguinte colherá resultados. O desafio acaba adiado pelo ciclo eleitoral.

Nada é simples nesse problema crônico, que só ganha mais espaço na imprensa nos episódios agudos, como agora. A entrevista completa com os dois está no blog:

Livro revela capitalismo de compadres no país

DEU EM O GLOBO

Gilberto Scofield Jr.

SÃO PAULO. O maior mérito do livro "Capitalismo de laços", do professor Sérgio Giovanetti Lazzarini, do Instituto de Ensino e Pesquisa de São Paulo (Insper, antigo Ibmec SP), é documentar, de forma acadêmica, aquilo de que os estudiosos de políticas industriais no Brasil já suspeitavam: o compadrio entre o governo - por meio de BNDES e fundos de pensão de estatais - e grupos privados no controle de grandes empresas como Vale, Embraer e Oi. O livro, que será lançado amanhã, é fruto de seis anos de pesquisa com 804 empresas.

Lazzarini aborda o início do programa de vendas de estatais no governo FH (1996), o fim do processo de privatização (2003) e os lançamentos de ações, as fusões e aquisições do período Lula (o estudo termina em 2009). Em um universo de 624 companhias, o governo manda em 119, em parceria com empresas ligadas entre si por laços diretos e indiretos, conceito batizado de centralidade de poder. Os eleitos privados mudam com o tempo ou se consolidam: Benjamin Steinbruch (CSN) e Julio Bozano (Embraer) estavam no início das privatizações; hoje Eike Batista (EBX) e Joesley Batista (JBS) participam dos projetos de Lula. Há ainda conglomerados financeiros (Bradesco e Itaú Unibanco), empresariais (Votorantim e Camargo Corrêa) e bancos de investimento (GP e Opportunity).

Em 13 anos, poder dos fundos de estatais disparou

Mas o que surpreende em "Capitalismo de laços" é a ascensão dos fundos de pensão ligados a estatais - em especial Previ, do Banco do Brasil; Petros, da Petrobras; Funcef, da Caixa Econômica Federal; e Funcesp, da Cesp - a principais atores do capitalismo de compadrio praticado no Brasil. O epicentro dos projetos são os empréstimos e participações do BNDES. Os fundos, em primeiro lugar, e depois o BNDES, explica Lazzarini, funcionam como "conectores" dessas aglomerações empresariais, escolhendo parceiros e vetando outros nos projetos do governo.

- A Previ está no controle de 78 empresas, a Petros, na de 31, a Funcef, em 18, e a Funcesp, em 14. Os fundos foram incluídos no capitalismo de laços no governo FH para viabilizar os leilões. Só que os conflitos nos grupos de controle de algumas dessas empresas, especialmente nas telefônicas, com a participação do Opportunity de Daniel Dantas, transformaram os fundos em atores mais agressivos, dispostos a participar não apenas como acionistas passivos, mas como administradores das empresas - diz Lazzarini.

De 1996 a 2009, os fundos de estatais foram o grupo que mais poder ganhou no país, segundo o livro. De 1997 a 2008, o valor dos investimentos em ativos de risco (principalmente ações) deles mais que quadruplicou, passando de R$27,3 bilhões a R$127,5 bilhões, enquanto os fundos de pensão de empresas privadas assumiram postura conservadora, investindo em renda fixa.

A centralidade (capacidade de ser proprietário e estar conectado com um grande número de proprietários) dos fundos de estatais era 224% superior à média das empresas brasileiras em 1996, segundo o estudo. Em 2009, atingiu 936%. Na era Lula, a agressividade dos fundos de pensão chegou ao auge.

Segundo Lazzarini, como o alto escalão das estatais envolve "pessoas de confiança" (leia-se: integrantes da coalizão política reinante), que apontam a diretoria dos fundos, logo se estabelece um canal de influência do governo sobre estes. "Esse entrelaçamento é maior quando a coalizão política do governo tem penetração junto a sindicatos e associações de trabalhadores, como foi o caso do governo Lula", resume o livro.

"Associando-se aos fundos em determinado contexto societário, tornou-se possível confrontar outros acionistas, cooptar aliados ou aumentar a voz na decisão da empresa. Adicione-se a isso o fato de fundos atuarem em uníssono (seus analistas e gestores comunicam-se com frequência) e representarem um importante canal de comunicação com o governo", diz o livro.

A prática, segundo o pesquisador, tem lados positivos e negativos. A vantagem é a garantia de financiamento barato para os projetos e a redução dos riscos. O problema, além do clientelismo, é a manipulação de estatais para fins políticos, com comprometimento de seu lucro. Justamente por isso muitas das empresas que têm fundos como acionistas, bem como seus parceiros privados, estão nas listas de maiores contribuintes do partido no governo e de políticos ligados a ele, como foi o caso de Lula nas eleições de 2006.

Presidente da Funcef discorda de pesquisador

Guilherme Lacerda, presidente da Funcef, não concorda com Lazzarini. Ele diz que a fundação tem liberdade para recusar sugestões de investimento:

- Os fundos têm presença em muitas empresas, não há compadrio nisso. Temos participação em mais de 80 empresas porque acreditamos no futuro dos projetos, não por indicação de governo.

O BNDES disse que não se pronunciaria sobre o assunto. Previ, Petros, Funcesp, Camargo Corrêa, Itaú e grupo Jereissati não responderam aos pedidos de entrevista. A Votorantim afirmou em nota que sempre apostou no desenvolvimento do Brasil.

"Os fundos de pensão das estatais foram e provavelmente continuarão sendo instrumentos políticos do governo - qualquer governo", diz Lazzarini.

Conglomerados conquistam influência

SÃO PAULO. O professor Sérgio Lazzarini gosta de chamar, seu livro "Capitalismo de laços" de "Facebook do empresariado brasileiro". O governo, seja através do BNDES e dos fundos de pensão ligados a estatais, é o que mais tem conexões com outras instituições. Mas o setor privado ganha influência, especialmente entre as famílias donas de conglomerados financeiros e industriais tradicionais. De 1996 a 2009, por exemplo, os grupos privados que mais ganharam influência no mapa empresarial nacional foram a Participações Morro Vermelho (do grupo Camargo Corrêa), o Opportunity (Daniel Dantas e família), os grupos Itaú Unibanco (famílias Moreira Salles, Villela e Setúbal) e os Ermírio de Moraes, com a Votorantim.

Na lista, em oitavo lugar aparece o banco JPMorgan Chase, uma exceção à regra, admite o próprio Lazzarini. "Os dados não suportam a ideia de que aumentou a influência relativa do capital internacional com os eventos de reestruturação da economia após a década de 90. Os dados mostram o contrário: os principais atores centrais continuam sendo, com crescente importância, entidades ligadas ao governo e alguns grupos locais", diz o pesquisador. "A realidade é que o poder, muitas vezes, não está na empresa estrangeira que entra, mas na empresa local que é amplamente conectada à economia".

Na lista de empresas que mais controlam outras no país hoje surge um nome relativamente pouco conhecido do jogo de poder empresarial brasileiro: a Fama Investimentos, que controla nove companhias junto a gigantes como Votorantim e grupo Jereissati. O Fama é um fundo de investimentos bastante agressivo, fundado em 1993, que define assim sua estratégia: "Sempre compramos negócios (e não simplesmente papéis) com a postura de acionistas investidores, participando, sempre que possível, das assembleias e dos conselhos fiscais das empresas investidas". Seu diretor, Mauricio Levi, não quis se pronunciar alegando que não havia lido o livro. (Gilberto Scofield Jr.)

Um banquete para o apetite dos aliados: 14 diretorias nas agências reguladoras

DEU EM O GLOBO

Dilma terá de indicar os presidentes da Anvisa e da Anac até março de 2011; a ideia é lançar mão de técnicos afinados com a estratégia de reduzir os poderes das entidades

Vivian Oswald e Mônica Tavares


BRASÍLIA. A complicada equação que está sendo montada pela equipe de transição para preencher os cargos de comando na Esplanada dos Ministérios deve se estender às principais agências reguladoras do país - o que pode abrir nova frente de batalha entre os partidos da base. A presidente eleita, Dilma Rousseff, precisa indicar nada menos que 14 novos diretores até o fim do primeiro trimestre de 2011, entre eles os presidentes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), cujos mandatos terminam, respectivamente, em janeiro e março.

Dilma tentará resistir às indicações políticas, sobretudo nas agências que regulam setores de infraestrutura. A ideia é lançar mão de técnicos afinados com a estratégia de reduzir os poderes das agências - o que já vinha sendo aplicado desde o início do governo Lula. Mas ainda não se sabe qual será a sua margem de manobra para priorizar quadros técnicos em detrimento de acomodações políticas.

Na equipe de transição de governo, na qual a preocupação da cúpula é resolver o primeiro escalão, a nova composição das agências faz parte das discussões técnicas.

Partidos que tradicionalmente garantem assentos nas entidades responsáveis por regular e formular políticas para diversos setores não vão querer abrir mão de suas cotas. É o caso da Agência Nacional do Petróleo (ANP). O presidente Haroldo Lima, indicação do PCdoB, deixa o cargo em dezembro de 2011, quando completa o segundo mandato e oito anos à frente da entidade.

Acredita-se que o partido não tenha dificuldades de garantir sua vaga. A ANP deve perder poderes com a criação da Petrosal, que ficará responsável pela exploração do petróleo do pré-sal.
Na Anatel, que tem uma diretoria considerada politizada, um dos conselheiros foi indicado pelos petistas; outro seria cota do PMDB. A vaga da presidência será aberta em novembro de 2011.

Em agosto deste ano, o administrador de empresas Jorge Luiz Macedo Bastos assumiu o cargo de diretor da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Indicado pelo ex-senador do PMDB Wellington Salgado (MG), Bastos foi seu assessor direto e dirigiu o time de basquete Universo (da família Salgado), campeão em 2010. À época, o executivo admitiu ter familiaridade com os complexos temas do setor apenas como usuário. Até o fim de seu mandato de quatro anos, terá de decidir sobre temas como a licitação e a construção do Trem de Alta Velocidade, as novas regras do setor ferroviário e as concessões de rodovias.

Na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), onde há três diretorias vazias, a indicação do presidente no ano passado causou desconforto. Mais de 60 entidades ligadas às áreas da saúde e da defesa do consumidor lançaram à época manifesto contra a indicação de Maurício Ceschin para o cargo de diretor de Desenvolvimento Setorial. Ceschin ocupava a presidência executiva do grupo Qualicorp, que comercializa planos e seguros de saúde coletivos das maiores operadoras do país. A função da agência é regular os planos de saúde.

A oposição acusa o governo de ter politizado as agências, criadas em 1997 para intermediar as relações entre o poder público e a iniciativa privada. Fora as vagas de diretoria, as agências ainda dispõem de aproximadamente 1.200 cargos.

Colaborou Geralda Doca

Lula já chamou organismos de 'poder paralelo'

DEU EM O GLOBO

Conselho esvaziou força da Aneel como formuladora de política

BRASÍLIA. Desde o início do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo não escondeu a má vontade com as agências reguladoras. A principal crítica do PT ao modelo vigente, criado em 1997, ainda durante a era Fernando Henrique Cardoso, é o fato de conferir a estas entidades poderes para regular e formular políticas. Em fevereiro de 2003, o presidente Lula chegou a chamar as agências de "poder paralelo" e disse que estavam "acima da lei".

- (O governo anterior) transferiu parte do planejamento e gestão política para as agências - disse esta semana um integrante da equipe de transição.

Paulatinamente, o partido tem tentado conter o que considera os excessos. A ideia é repensar o papel dessas entidades e retirar delas a capacidade de formular políticas.

- É preciso trazer de volta para a administração direta o poder político do gestor. Isso interfere de forma específica no poder (atual) das agências. Elas têm que recuar um pouco.

O que aconteceu com o setor elétrico, segundo integrantes do governo, revela o que Dilma quer para as agências. A criação do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) tirou da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) parte de seu poder. O CNPE passou a formular políticas a serem seguidas.

A intenção é prosseguir na mesma linha com outras agências, como já está previsto no projeto de Lei Geral das Agências (PL 337).

Partidos não querem perder força das indicações

Mas não será fácil a tarefa de esvaziar o poder destas entidades. Os partidos que mantêm pessoas de sua confiança nas diretorias colegiadas destes órgãos não vão querer perder o peso de suas indicações. Prova disso é o fato de o PL 337, apresentado pelo Executivo em 2004 com mudanças que limitam a atuação das agências, estar parado no Congresso.

A Aneel foi blindada pelo governo. Ligado a Dilma Rousseff, o atual presidente é de sua extrema confiança. Foi seu chefe de gabinete entre 2003 e 2005, na época em que ela era ministra de Minas e Energia e montou o modelo do setor elétrico.

Nelson Hubner ocupou também a secretaria executiva do ministério por 2 anos e, em 2007, foi ministro interino. Ao final do mandato, pode ser reconduzido ao cargo por mais 4 anos. De todo modo, a presidente eleita não terá que se preocupar com a Aneel tão cedo. A diretoria da Aneel é composta por um diretor-geral e quatro outros diretores, todos técnicos que pertenceram aos quadros do próprio órgão regulador. Pela lei do setor elétrico, os diretores da Aneel são indicados e nomeados pelo presidente da República, após aprovação do Senado. (Vivian Oswald, Martha Beck e Mônica Tavares)

Com vagas abertas, agências perdem poder de decisão

DEU EM O GLOBO

Anatel tem funcionado só com quatro dos seus cinco diretores

BRASÍLIA. O desafio de preencher as vagas nas diretorias colegiadas das principais agências reguladoras do país vai além das questões políticas. A falta de integrantes nesses cargos-chaves - alguns vazios há vários meses - deve começar a prejudicar o trabalho desses órgãos e a sua capacidade de tomar decisões importantes para a economia brasileira.

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que está funcionando com quatro de seus cinco diretores desde o início de novembro, precisa concluir, até o fim do mês, o complexo Plano Geral de Metas de Universalização das empresas de telefonia fixa. O programa, que terá de ser cumprido pelas companhias de 2011 a 2015, envolve obrigações que vão da instalação de orelhões ao atendimento de telefonia e banda larga na área rural. As empresas divergem dos investimentos bilionários previstos pela agência.

Há ainda na pauta da Anatel a licitação da Banda H da telefonia móvel, marcada para o próximo dia 14. Para aumentar a competição e facilitar a vida do consumidor, a agência impediu que as empresas que já estão no mercado participem do leilão, o que está sendo questionado pelas próprias companhias.

Cade tem duas vagas e atua com quorum mínimo

A equipe de transição do governo tem sobre a mesa algumas opções para preencher a vaga na Anatel. Um forte candidato é o deputado Paulo Henrique Lustosa (PMDB-CE), que não se reelegeu. Atuante na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, o parlamentar tem forte apoio de vários partidos e do setor. E, agora, mais ainda, do próprio PT.

Outro nome cotado para a vaga da Anatel é o do assessor especial da Casa Civil André Barbosa. Ele trabalhou com Dilma e é um dos principais articuladores da TV digital no Brasil. A expectativa era que o presidente Lula pudesse indicar o novo conselheiro o mais rapidamente possível, mas ele preferiu aguardar e definir com Dilma.

No mês passado, Ronaldo Sardenberg foi reconduzido à presidência da agência por um ano, até novembro de 2011. Não é só o nome do próximo diretor que está em jogo. O papel que caberá à Anatel no governo Dilma e a força do Ministério das Comunicações estão sendo avaliados.

Para o lugar de Artur Badin, ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), responsável pela análise de fusões de empresas, especula-se o nome de Ricardo Cueva, ex-conselheiro. A situação do Cade é grave porque, enquanto houver duas vagas a serem preenchidas, a autarquia estará trabalhando com seu quorum mínimo, de cinco conselheiros. Isso significa que o Cade não poderá analisar alguns processos de fusão, como a compra da Sadia pela Perdigão, porque o presidente interino Fernando Furlan está impedido por ter relações familiares com a Sadia. (Vivian Oswald e Monica Tavares)

Esquerda articula pacto com oposição na Câmara

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Partidos governistas, PC do B, PSB e PDT buscam se fortalecer no Legislativo, depois de escanteados pela prioridade do PT na coalizão com o PMDB

Denise Madueño / BRASÍLIA

Aliados do governo, os partidos da base considerados de esquerda - PC do B, PSB e PDT - articulam um pacto inédito na Câmara com a oposição para se contrapor à hegemonia do PT e do PMDB. Acima das diferenças e da ideologia, esses partidos governistas buscam entrar no jogo político no Legislativo, depois de escanteados pela prioridade dos petistas na coalizão com os peemedebistas, e a oposição procura a sobrevivência.

O acordo é pragmático. Os dois lados sabem das discordâncias entre si e não esperam estar juntos em todos os assuntos no Congresso nem em futuros projetos políticos de poder, mas não aceitam o "prato feito" que tem sido imposto pelos maiores partidos para os próximos quatro anos. O PT e o PMDB dividiram entre eles os dois biênios do comando da Câmara, repetindo o que foi feito nos últimos quatro anos.

O lançamento de um nome alternativo para disputar a presidência da Casa não é descartado por essa nova articulação. Sobre isso, porém, as discussões estão embrionárias.

Antes aliados preferenciais dos petistas, PC do B, PSB e PDT avaliam que o PT e o PMDB não apenas querem dividir o governo como também tomar conta da política no País, asfixiando os demais partidos. "O PT e o PMDB já resolveram tudo até 2014. A insatisfação é generalizada. Eles decidiram como vai ser e outros partidos ficarão na geral, batendo palmas", resumiu um líder.

No primeiro encontro do grupo, na semana passada, representantes das legendas reclamaram da gestão do presidente da Câmara e vice-presidente eleito, Michel Temer (PMDB-SP). Eles lembraram que Temer entregou todas as relatorias importantes para petistas e peemedebistas. Temer e seu antecessor, Arlindo Chinaglia (PT-SP), já foram eleitos no esquema de divisão do poder entre as duas legendas.

"Eles acham que são donos da Casa. Ninguém está satisfeito com essa hegemonia exagerada", afirmou José Carlos Aleluia (DEM-BA). O movimento do PMDB de constituir um bloco com outros quatro partidos da base - PR, PTB, PP e PSC, somando 202 deputados - preocupou os demais deputados.

Os partidos da base já alertaram o PT sobre o pacto. Na quarta-feira, representantes do PSB, do PDT e do PC do B tiveram uma reunião tensa com líderes petistas. "A oposição está de braços abertos para nós e o governo está nos virando as costas", disse um líder da base.

Nas contas do grupo, com outras pequenas bancadas, o bloco poderá somar cerca de 200 deputados, número suficiente para desequilibrar o jogo parlamentar.

Bloco é a saída para ''participar do jogo''

Os líderes apontam uma distorção resultante das eleições. Um partido médio, por exemplo, ficará sem espaço na Câmara se não se juntar a outras siglas. O regimento trata o bloco parlamentar como um único partido para efeito de distribuição dos cargos na Casa. "Queremos participar do jogo", avisa Rodrigo Maia (RJ).

Arrocho fiscal pode ser maior que o do início do governo Lula

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Um levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV), comandado pelo economista Samuel Pessôa, mostra que o governo Dilma Rousseff pode ser obrigado a fazer cortes mais expressivos no Orçamento para cumprir a meta de superávit primário de 3,3% do PIB em 2011.

Arrocho deve ser maior do que no 1º ano de Lula

Para atingir superávit primário proposto por Guido Mantega, corte no início do governo Dilma terá de ser maior que o de 2003

Fernando Dantas

O governo federal terá de fazer um arrocho fiscal maior que o de 2003, primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, para que o superávit primário do setor público consolidado atinja 3,3% do PIB em 2011. Essa meta foi sinalizada recentemente pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. A estimativa foi feita por economistas da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

O superávit de 3,3% se justifica para auxiliar o Banco Central (BC), já que o risco inflacionário está em alta, como prova o recente aumento dos recolhimentos compulsórios, anunciado na sexta-feira. O controle dos gastos públicos segura a demanda da economia, e ajuda no combate à inflação. A presidente eleita, Dilma Rousseff, porém, já deixou claro que é contra ajustes fiscais drásticos como o de 2003.

Chefiada por Samuel Pessôa, uma equipe do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV no Rio, fez uma projeção detalhada das medidas fiscais necessárias para a obtenção do superávit primário de 3,3% em 2011, sem artifícios contábeis. Eles partem do princípio de que o salário mínimo será reajustado para apenas R$ 540,00, e que o PIB vai crescer 4,9% no próximo ano.

Ao contrário de uma expressiva corrente do mercado financeiro, Pessôa acha possível se chegar aos 3,3% de primário em 2011. Mas isso não significa que ele considere a meta politicamente fácil: "Vai ser muito duro, mas impossível não é". Pessôa vê riscos, inclusive, para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a viga principal da plataforma eleitoral de Dilma.

Os economistas do Ibre compararam o esforço fiscal prometido para 2011 com aquele realizado pelo ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci, em 2003. A conclusão é que a contenção de despesas em 2011 terá de ser maior, seja qual for o critério, para se atingir o primário de 3,3%.

Segundo os cálculos do Ibre, a parte do governo federal no superávit primário total do setor público, para que este atinja 3,3% em 2011, terá de ser de 2,28% do PIB. Isso significa um grande salto, de 1,12 ponto porcentual do PIB, ou R$ 43,8 bilhões, ante a economia realizada em 2010.

Para que essa economia seja alcançada, o governo federal terá de limitar a 0,7% o crescimento da sua despesa, em termos reais. É um desafio e tanto, dada a forma quase automática como os gastos federais aumentam, impulsionados pelo salário mínimo, pelo salário dos funcionários e pelas aposentadorias do setor público e privado. Para se ter uma medida de comparação, o crescimento real médio anual das despesas federais entre 2004 e 2010 foi de 9%. O aumento em 2010, projetado pelo Ibre, é de 11,6%.

A expansão da despesa real em 2011, na verdade, terá de ser ainda menor do que a de 2003, um ano de arrocho, quando o crescimento foi de apenas 1,3%. Pela ótica da comparação com o PIB, a coisa não melhora. As despesas federais terão de recuar de 19,04% do PIB, em 2010, para 18,25% em 2011 - um queda de 0,79 ponto porcentual. Em 2003, o corte de despesa federal foi menor, de 0,58 ponto porcentual do PIB.

Um dos problemas do ajuste fiscal em 2011 é que as despesas obrigatórias correspondem a 77% do total, e nelas o espaço para economia é limitadíssimo. A equipe do Ibre prevê - na comparação com 2010 - um leve recuo, de 0,19 ponto porcentual do PIB, na folha salarial de ativos e inativos do Executivo e no INSS, a aposentadoria do setor privado. Em ambos os casos, há crescimento vegetativo (em termos reais, não como proporção do PIB) mesmo na ausência de aumentos, por causa de contratações, promoções de planos de carreira, expansão do números de aposentadorias, etc.

No grosso das outras despesas obrigatórias, composto por benefícios assistenciais, abono salarial, seguro-desemprego, subsídios e subvenções, o Ibre projeta que o governo federal, na verdade, aumente os gastos em 0,28 ponto porcentual do PIB.

O restante dos gastos federais, que está projetado para atingir 5,36%% do PIB em 2010, inclui ainda algumas despesas obrigatórias, como sentenças judiciais, folhas do Legislativo e do Judiciário e créditos extraordinários, e um bloco de 4,57% de despesas discricionárias.

É um conjunto variado, em que constam o custeio e os investimentos dos ministérios e o PAC. Nesse conjunto, tem de haver um recuo de 0,68 ponto porcentual do PIB em 2011 para se chegar ao superávit primário de 2,28% do governo federal projetado pelo Ibre. Os economistas acham difícil fazer isso sem mexer nos investimentos, e talvez até no próprio PAC, que cresceu de R$ 8,6 bilhões, ou 0,28% do PIB em 2007 para R$ 24,7 bilhões, ou 0,7% do PIB em 2010.

Dilma, Lula e o duplo comando :: Suely Caldas

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Quem conheceu Dilma Rousseff dos tempos de estudante até seu ingresso no governo Lula garante que ela nunca foi, e provavelmente nunca será, um poste. Personalidade forte, chefe exigente e métodos autoritários no convívio com comandados, Dilma só fraqueja e cede para uma pessoa: o presidente Lula - contrapõe alguém que a conheceu de perto no governo e com ela partilhou inúmeras reuniões com o presidente e ministros.

Compreensível a subserviência. Lula era o chefe e foi quem a inventou e impôs ao PT. Ele lhe deu apoio e ela tratou de retribuir, primeiro substituindo José Dirceu em momento político constrangedor e difícil do mensalão, depois arquitetando planos de governo (o PAC e o Minha Casa, Minha Vida) de resultados questionáveis, mas que serviram para inesgotável exploração política e ajudaram Lula a subir a rampa da popularidade. Os dois são gratos um ao outro.

Estariam quites? Certamente não. A dívida dela é maior. Sem Lula, Dilma não ganharia projeção no governo, muito menos chegaria à Presidência da República. Mas isso concede a ele o direito de interferir e dar a palavra final na escolha dos ministros dela? Certamente não. Dos escolhidos até agora ela só conseguiu emplacar Fernando Pimentel (ainda a ser confirmado) e rejeitar Henrique Meirelles no comando do Banco Central. O resto teve o dedo de Lula.

A partir de 1.º de janeiro sucessos e fracassos, erros e acertos, corrupção ou o contrário serão de responsabilidade da presidente e de seus ministros, não mais de Lula. Os dois precisam acertar já a linha divisória marcando o fim do governo dele e o início do dela. É de Dilma que a população cobrará responsabilidade pela escolha errada de ministros. E, como ela não tem estilo nem vocação política para sair pelo País proclamando discursos de autoglorificação e sem nenhum compromisso com a verdade, ela corre o risco de ouvir a comparação: "nos tempos de Lula não era assim..."

Na reta final de seus discursos diários, Lula vem dando incontáveis indícios de que a saudade do poder vai empurrá-lo para seguir interferindo em decisões de governo e que não pretende ficar bebendo água de coco em São Bernardo do Campo. Se ele tentar e Dilma ceder, esse duplo comando tem tudo para causar estragos no futuro governo. As consequências são conhecidas: fraqueza política da presidente, funcionários sem rumo e a disputa pelo poder instalada encontra campo fértil num governo minado de grupos petistas rivais e de dez partidos aliados defendendo seus próprios interesses (raramente coincidentes com os da população).

A falta de comando da presidente dirigida a uma linha única de governo já começa a fazer estragos antes mesmo da posse. No discurso da vitória, ao reconhecer que a carga tributária inibe novos investimentos, Dilma defendeu e prometeu reduzir impostos. Na semana seguinte ela já falava em recriar a CPMF. Afinal, o que vai valer em seu governo: reduzir ou elevar impostos? É o que perguntam, tontos, aqueles que precisam de definições claras para tomar decisões de investimentos.

O futuro da economia não será fácil para Dilma. Ela assume com a inflação em alta (estimativa de 6% para uma meta de 4,5% em 2011), a inadimplência em ascensão, a dívida pública bruta crescendo e em 60% do PIB, expectativa de agravamento de um déficit externo de US$ 60 bilhões em 2011, exportações prejudicadas pela crise nos países ricos, contas públicas abaladas pelo exagero de gastos do antecessor, investimento público atrofiado pela falta de dinheiro, taxa de investimento privado baixa e agravada por um emaranhado de regras burocráticas que inibem investidores a apostar no Brasil. Reverter tudo isso exige tenacidade, firmeza e segurança da presidente no comando do País, um programa de governo único e bem definido, percebido como competente, transparente e estável, com rumos e metas, que desenhe caminhos para superar dificuldades e atrair novos investimentos e crescimento econômico. Coisas impossíveis de conseguir quando a gestão pública reflete situações de insegurança de duplo comando no poder.

PAC: teoria e prática :: José Roberto Mendonça de Barros

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Semana passada voltei a Criciúma, em Santa Catarina, para participar de um evento. Foi um prazer rever uma região pujante, de bons empreendedores, de gente simpática. Entretanto, a viagem reservou-me uma grande surpresa, a condição da BR 101, a rota mais importante na ligação do Sudeste ao Sul do país e daí ao Mercosul.

Explico-me: minha última viagem a Criciúma foi em 2005; naquela ocasião havia grande expectativa com relação à duplicação da estrada, pois o Presidente de República havia há pouco estado na região dando início às obras. Eis o que encontro em novembro de 2010: a duplicação da BR 101 se inicia no trevo de Palhoça, município bem próximo de Florianópolis. De lá até o trevo de Içara e Criciúma há uma distância de, aproximadamente, 185 quilômetros.

Nos primeiros 70 quilômetros até Garopaba existem apenas três pequenos trechos duplicados e liberados. Dali até Laguna são mais 40 quilômetros em pista dupla. De Laguna a Jaguaruna volta-se à pista simples, por algo como 30 quilômetros. Finalmente, pegamos um trecho duplicado de uns 45 quilômetros até o trevo de Içara-Criciúma.

Além dos desvios e trechos a serem duplicados, acrescentaria duas observações: indo e voltando, não cruzei com mais de 100 pessoas trabalhando no trecho todo. Além disso, existem três estrangulamentos cujas obras não foram sequer licitadas: os túneis previstos nos morros do Formigão (Tubarão) e dos Cavalos (Palhoça) e a nova ponte em Laguna. Levei três horas e meia, tanto na ida como na volta, para fazer o trecho desde o aeroporto, sem que tivesse perdido muito tempo para passar pela ponte na entrada de Florianópolis.

Na melhor das hipóteses, teremos ainda algo como dois anos para o término total da duplicação das pistas. Nesse caso serão sete anos para completar uma obra de menos de 190 quilômetros, numa das estradas mais importantes do Brasil!

A parte aérea de minha viagem foi feita via Florianópolis. Numa área onde a disputa é feroz, o aeroporto da cidade é uma das grandes "não realizações" da Infraero: pequeno e acanhado, uma enorme injustiça que se faz a Santa Catarina.

Não é preciso ser técnico para antever grandes congestionamentos a partir de dezembro, quando se inicia a temporada de verão.

Mais uma vez tenho a oportunidade de observar a oceânica distância entre o ufanismo das autoavaliações do PAC e o que acontece no mundo real.

Política macroeconômica. Em nosso último artigo ("Cenário desafiante para 2011") mostrou-se a complexidade da agenda econômica que o governo deve enfrentar nos próximos anos. Por isso mesmo chama a atenção a distância entre o discurso correto e certos eventos como a reedição da CPMF, a reafirmação do trem-bala (mesmo tendo sido adiada a licitação), a retirada da Eletrobrás do cálculo do superávit fiscal (ocasião em que a estatal talvez se possa lançar ao programa de se tornar a Petrobrás da energia elétrica, sem ter a saúde financeira da petroleira) e o medíocre resultado primário de outubro, especialmente quando expurgado de truques.

Enquanto isto, o ministro da Fazenda manifestou mais recentemente o desejo de realizar um forte ajuste fiscal no próximo ano, embora não tenha ficado claro que o número buscado (3,1% do PIB) incorpore ou não os truques fiscais crescentemente utilizados.

Tal manifestação poderia ter tido alguma influência positiva nas expectativas, não fosse a sugestão de se criar um novo índice de preços, que não incorporasse elementos voláteis, como alimentação e energia. Essa ideia é um desastre, inclusive para as expectativas, pelas seguintes razões:

O índice pretendido já existe e é calculado pelo Bacen e por todos os analistas e instituições, que é o núcleo por exclusão. Lembre-se, ademais, que os preços de energia, exceto etanol, são regulados pelo governo e agências, como a Aneel.

Na mesma entrevista em que culpa os alimentos pela inflação recente, o ministro admite que ainda existe uma indexação parcial na economia. Tal lembrança é particularmente útil para entender por que os aluguéis subiram algo como 1% no último mês.

Da mesma forma, seria estimulante lembrar que há meses o item serviços vem subindo a uma taxa anual superior a 7%, o que tem tudo a ver com o excesso de aquecimento do mercado de trabalho e da economia brasileira, e pouco com os "especuladores" globais de alimentos.

Finalmente, em país de contabilidade criativa, falar de novo índice de preços chama de imediato o espectro do Indec argentino, um especialista no ramo.

Geografia econômica. Em junho passado, publiquei uma coluna falando do que me parece virá a ser uma nova geografia econômica a dominar o espaço brasileiro. Entre outras propostas, estou convencido de que a Região Sudeste vai voltar a puxar o crescimento brasileiro, se considerarmos a concentração esperada da expansão do investimento e do crescimento da produtividade aqui. Em particular, creio que São Paulo vai liderar esse movimento, pela concentração de serviços de alta geração de renda, tanto serviços para os negócios como serviços para os consumidores.

Esta proposição voltou à minha cabeça ao observar o que aconteceu aqui durante o mês de novembro. Tivemos na cidade três grandes festivais de música: F1 Rocks (Atrações: Eminem e N.E.R.D.); Ultra Musica Festival (Atrações: Fatboy Slim, Carl Cox, Moby, Above & Beyond, etc.); Planeta Terra (Atrações: Empire of the Sun, Girl Talk, Holger, Hurtmold, etc.), que mobilizaram 72 mil expectadores.

Além dos festivais, tivemos a apresentação de quatro megashows internacionais: Black Eyed Peas, Jonas Brothers, Norah Jones (o único espetáculo gratuito do período) e culminando com os grandes espetáculos de Paul McCartney. Shows menores (com menos de 6 mil espectadores cada) contaram com Tókio Hotel, Rammstein e Echo & The Bunnymen. Esses eventos tiveram um público de 240 mil pessoas.

O Salão do Automóvel, turbinado por muitos veículos importados, levou ao Anhembi nada menos que 750 mil pessoas. Por sua vez a 34.ª Mostra Internacional de Cinema teve um público de 220 mil pessoas. Finalmente, a corrida de Fórmula 1 levou a Interlagos 140 mil pessoas.

O conjunto dessas atrações teve um público total de quase um milhão e meio de pessoas, vindas de muitos lugares e movimentando fortemente a atividade econômica.

A taxa de ocupação hoteleira na cidade ficou acima de 80% na média e próxima a 100% nas áreas mais nobres, na primeira semana do mês, quando ocorreu a concentração de cinco eventos (Salão, Fórmula, etc).

Acredito que, dada a situação econômica atual, nem Nova York conseguiria atrair um movimento dessa natureza, num único mês.

Embora não se tenha números para o ano, parece seguro que o número de turistas nacionais e estrangeiros visitando a cidade, a negócio ou passeio, será pela primeira vez superior a 12 milhões de pessoas.

Peço aos eventuais leitores que não me tomem por conhecedor de bandas, pois minha modernidade se esgota no Paul McCartney. Tive, na verdade, a competente assistência do jovem Celso Florêncio de Souza.

Sujeito a espera:: José de Souza Martins

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO /ALIÁS

Nas festas de fim de ano, o caos dos aeroportos e a violação dos escâneres transformam em desânimo a alegria das viagens

Na época em que começavam a ser instaladas as linhas de metrô em São Paulo, um jornal publicou matéria em que demonstrava que o tempo de deslocamento das pessoas, entre um ponto e outro na cidade, havia regredido à velocidade média do início do século 20, do tempo do transporte em lombo de burro. Menos de cem anos de progresso no transporte público haviam sido anulados pela lentidão do trânsito nas ruas.

Hoje a situação se repete em relação ao transporte aéreo: entre os congestionamentos para chegar ao aeroporto, as horas de antecipação obrigatória e as filas imensas para o check-in, a demora para o embarque e até os atrasos dos aviões, o tempo para ir de casa em São Paulo ao destino no Rio de Janeiro é praticamente o tempo da viagem de ônibus, se não for mais. Com a diferença de que o ônibus é bem mais confortável: nos aviões, a largura das poltronas é para quem passou em teste de concurso de beleza e a distância entre os joelhos e a poltrona da frente é para mutilados de guerra - o que lembra o fato histórico de que os escravos trazidos da África para o Brasil vinham em navios negreiros que tinham espaço interno para cada cativo rigidamente calculado para que neles coubesse o maior número de pessoas. Vinham encolhidos, a maior parte do tempo, os joelhos batendo no queixo. No desembarque, depois de muitas semanas de viagem naquela posição, tinham que ser estirados, desamassados, até que pudessem voltar a andar, muitos dias depois. Não estamos muito longe disso no transporte aéreo, mesmo nas viagens em classe turística para o exterior.

Nestes dias de proximidade das festas natalinas, das viagens de reencontro com a família e das viagens de repouso, a ansiedade sobrepõe-se à alegria que sempre cercou as viagens, mesmo as de avião. O caos já se anunciou nessa semana. Previsão de overbooking, mais passagens vendidas do que lugares disponíveis, filas, atrasos e uma companhia aérea cancelando voos porque tem aviões, mas não tem tripulantes. As viagens aéreas se tornaram mais baratas, mas muito mais incertas, a chegada ao destino muito mais demorada do que deveria ser próprio do transporte aéreo.

Em todo canto, no Brasil e fora, há notícias de grandes e problemáticas alterações na função própria do avião. Há alguns anos, num voo entre Brasília e Belém, vi-me de repente desembarcado em Santarém, numa manhã ensolarada. A tripulação havia entrado em greve. Somente cheguei ao destino 24 horas depois. Numa viagem entre Roma e Rio, vi-me embarcado num voo em que também era possível levar animais domésticos, cachorros e gatos, na própria cabina, em gaiolas. Antes mesmo da partida, começou uma briga entre um cachorro e um gato que redundou na briga entre as donas dos animais. Foi preciso separá-las e colocá-las em lugares diferentes. Quando amanheceu, o fedor era de tal ordem que poucos conseguiram tomar o café da manhã. Aquilo era um vagão de transporte de gado.

Sem contar a alimentação, mesmo em voos longos. No café da manhã de um voo nacional noturno foi-me servido um pedaço de pizza amanhecida. Não é raro que sofrível sanduíche seja o almoço ou o jantar em voos demorados. Famosa companhia europeia, que vende passagens internacionais a US$ 10, está estudando um meio de transportar, também, passageiros em pé!

Mas o pior está apenas começando. Nos Estados Unidos, e também na Europa, centenas de escâneres de corpo completo já estão sendo utilizados nos aeroportos. As imagens divulgadas mostram a plena nudez das pessoas. A conversão dos negativos pode produzir imagens fotográficas detalhadas de corpo inteiro dos escaneados, abrangendo detalhes genitais e o uso de próteses.

As pessoas podem ser reconhecidas e nada assegura que não haverá vazamento de imagens para fins outros que não sejam os da segurança nos voos. Apesar dos protestos, o assédio visual prossegue. Homens, mulheres, crianças, adolescentes, religiosos e religiosas de diferentes credos, todos estão expostos ao voyeurismo oficial e policial. Um dos argumentos para a adoção de medidas mais drásticas de policiamento visual é a notícia divulgada há alguns meses, pelas autoridades francesas de que a Al-Qaeda teria desenvolvido um supositório-bomba, que pode ser acionado por telefone celular.

Em resposta à invasão visual da intimidade dos passageiros, uma empresa americana está oferecendo lingerie de fina camada de metal, em forma de folha de parreira, que supostamente protegeria as partes íntimas dos escaneados. Um retorno pós-moderno aos tempos de Adão e Eva.

Estamos em face de ameaças profundas a valores sociais relativos à intimidade e ao corpo, tanto de homens quanto de mulheres. As diferentes modalidades de tabu do corpo estão ameaçadas em face desse verdadeiro estupro visual. E a ameaça vem dos dois lados da guerra. Esses tabus constituem os pilares do que é a própria concepção da condição humana. Depois de passar pelo escâner, essa sociedade já não será a mesma. Talvez não seja nem mesmo sociedade.


José de Souza Martins, Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. É autor de a Aparição do Demônio na Fábrica (Editora 34)

Lá vem o Patto:: Urbano Patto

DEU NO JORNAL DA CIDADE DE PINDAMONHANGABA/SP

Muito interessante a polêmica internacional sobre a divulgação de correspondência secreta da diplomacia estadunidense pelo site Wikileaks, revelando milhares documentos com informações diversas, avaliações e indiscrições diversas.

O primeiro aspecto, que mereceu certo consenso da imprensa e da maioria dos analistas, é que a responsabilidade de manter o segredo é de quem o tem sob sua guarda. Tendo sido o acesso ao material feito sem a utilização de meios criminosos, resguardado o sigilo da fonte e a legislação que protege a individualidade, a imagem e a honra das pessoas, cabe à imprensa livre, aos jornalistas e aos editores publicar e aos noticiados se explicar.

Outro ponto interessante é saber que no meio diplomático dos EUA, como deveria ser a rotina de todo serviço público estrangeiro ou nacional, os comentários, as observações, as análises e, tudo indica, as decisões são escritas, registradas e guardadas. Isso é essencial para o exercício do poder nas democracias, que pressupõe a responsabilidade dos agentes públicos sobre as coisas que fazem ou deixam de fazer.

A publicidade no serviço público é a norma, mas pode ser que em casos excepcionais, definidos em lei, sejam mantidas sob diversas classificações e tempo de sigilo, porém para a história e para a verdade é saudável saber que existem e serão publicadas.

Outra coisa que fica clara com essas revelações é que, se os dirigentes dos países dispõem de uma rede abrangente de informantes sobre assuntos importantes (ou meras fofocas) em outros países, com certeza dispõe de meios ainda mais abrangentes e elaborados para obterem informações relevantes dentro de seus próprios territórios.

Essa conversa mole, ainda comum no Brasil, de Presidente da República, Governador de Estado, Prefeitos de grandes cidades, e mesmo presidentes de grandes empresas estatais e privadas dizerem que não sabiam nada sobre assuntos importantes e/ou malfeitos perpetrados por seus subordinados de alto escalão não é plausível, vista a estrutura e a capacidade dos sistemas de informações que lhes assessoram.

As opções disponíveis para explicar essa cegueira seletiva não são nada abonadoras da liderança neles depositada: ou mentem descaradamente ou não quiseram investigar e saber ou foram singelamente enganados.


Urbano Patto é Arquiteto Urbanista, Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional e membro do Conselho de Ética do Partido Popular Socialista - PPS - do Estado de São Paulo. Críticas e sugestões: urbanopatto@hotmail.com

Um pé na teoria e outro no vazio:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL (ONLINE)

No curso de vinte anos, aos olhos da cientista política americana Wendy Hunter, professora da Universidade de Austin, Texas, “o PT ficou quase irreconhecível” depois das transformações pelas quais passou entre 1989 e 2009 - de fora para dentro do governo e da oposição ao poder – à procura de sentido político com mais resultados e menos teoria. Não tivesse se adaptado às necessidades da democracia, o PT continuaria com um pé na teoria e o outro no vazio de resultados. O poder não esterilizou a divergência interna no petismo, nem eliminou a dificuldade de evitar cisões e tomar decisões. Wendy Hunter expõs a metamorfose petista em entrevista à repórter Uirá Machado, para a Folha de São Paulo.

O livro poderá servir de roteiro, quando for publicado no Brasil, para o arquivamento de questões acadêmicas que, se não merecerem interpretação de alcance didático, irão para o porão da história. A caminho do poder, o Partido dos Trabalhadores precisou se identificou com a classe média, mas não se mostra honrado com a deferência. O revisionismo petista poderá ser também o pedestal de uma nova inserção histórica do presidente Lula, esculpida a golpes críticos e reconhecimentos óbvios.

À medida que se afastar do poder e se liberar do personalismo, seja como candidato em tempo integral ou governante sem noção de limites no exercício do mandato, o presidente Lula da Silva precisará encontrar a alternativa para o comportamento incontrolável, depois deste tempo de transição, sem começo nem fim.

A distância percorrida pelo PT ao longo de duas décadas abrandou a instintiva intolerância ideológica e viabilizou a política de alianças, com que o acesso ao poder e a reeleição se somaram _ nos limites da democracia _ e contribuíram para o mais longo período de normalidade constitucional (desde o fim da República Velha em 1930). Este é o saldo: o PT começou a fazer concessões, embora ainda falte tratar adversários como competidores, e não inimigos, conforme se viu e ouviu na última campanha eleitoral.

Ainda sem a edição brasileira do seu livro, Wendy Hunter atribui a Lula o papel principal na democratização do PT. A liderança tutelar continua a ser o ponto de referência política e ética exclusivo de Lula: a última palavra dele ainda é indispensável à definição de rumos (O petismo e o lulismo estão juntos na propagação da suspeita política em relação à liberdade de imprensa).
Na mesma operação com que desautorizou a campanha em favor do seu terceiro mandato, o presidente Lula começou a montagem da candidatura de Dilma Rousseff e afastou do caminho os nomes históricos do partido. Mas não parece seguro do que possa resultar quando as conseqüências se apresentarem.

O PT não estaria às vésperas do terceiro mandato presidencial se não tivesse superado o padrão de fazer política por uma estreita ótica histórica, a partir da luta de classes com peso de dogma. E não teria evoluído se, na negociação de alianças, a teoria não cedesse a exclusividade de que usufruía sem melhores resultados. No Século 20, o PT manteve-se alheio ao desmoronamento do modelo socialista do Século 19, e continuou à margem da conclusão de que a democracia é parte legitimamente interessada em viabilizar as soluções sociais.

Ao deixar o governo, não apenas com o propósito de voltar, mas embalado pelo equívoco do retorno messiânico, a incógnita situa o presidente Lula e sua circunstância acima das contingências e aparências. A ilusão de que sobreviverá sempre às imprudências e inconseqüências, das quais é freqüentador folclórico, transfere ao PT a responsabilidade de amadurecer antes que seja tarde.

“Herança maldita” e tentativa de golpe : em poucos minutos, Lula conta duas grandes mentiras:: Bolivar Lamounier

Em tom de agradecimento e despedida, Lula repetiu ontem duas de suas mentiras prediletas perante o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.

Na economia, o ainda presidente disse que seu governo superou a “herança maldita” de FHC e colocou o desenvolvimento em bases sólidos. Na política, ele, Lula, teria sido alvo de uma tentativa de golpe na conjuntura do mensalão. As elites queriam derrubá-lo, mas recuaram por medo de uma reação popular.

Eu às vezes me pergunto o que leva Lula a martelar ad nauseam estas duas grotescas afirmações. Um quê de autismo, talvez ? Ou a velha crença de que uma mentira repetida mil vezes transforma-se em verdade ?

A segunda hipótese – uma mentira repetida mil vezes – me parece mais provável, e combina bem com a tradição petista de reescrever a história brasileira à sua imagem e semelhança.

“Tendo recebido a economia no chão, o governo Lula tê-la-ia estabilizado e reconstruído”. Não vou me estender sobre esta parte da fábula lulista, entre outras razões porque o Estadão já o fez hoje num editorial impecável (“Os fatos desmentem Lula”). Caberia discutir a herança supostamente bendita que Lula está deixando para Dilma Rousseff, mas para isso não faltarão oportunidades - infelizmente.

“Em 2005/2006, as elites ou parte delas ter-se-iam articulado para dar um golpe e derrubar o presidente Lula”. Eis aqui uma afirmação que não deve passar em branco.

Começo pela questão dos direitos autorais. O ex-presidente Jânio Quadros faleceu há muitos anos, mas deixou descendentes. Lula deveria se entender com eles, pois no Brasil foi Jânio, afinal, quem inaugurou esse mau hábito de denunciar conspirações sem jamais informar a identidade dos conspiradores. Anos e anos após sua renúncia (em 1961) à presidência, Jânio ainda jogava a responsabilidade por seu ato nos ombros de “forças ocultas”.

Ora, acusar “forças ocultas” ou membros misteriosos de elites não identificadas é justamente o que um presidente da República não pode fazer. Se estiver no pleno exercício de suas faculdades intelectuais e mentais, cumpre-lhe decidir se foi mesmo alvo de uma tentativa de golpe ou se tudo não passou de uma alucinação passageira.

Admitamos que não foi uma alucinação passageira. Que houve uma tentativa de golpe. Em algum momento daquela conjuntura, numa manhã ou numa tarde, em Brasília ou a bordo do Aerolula, alguém se aproximou de Lula, provavelmente lhe disse que as averiguações ainda precisavam ser checadas, mas…

Mas… O leitor com certeza percebe aonde eu quero checar. Um oficial de inteligência, um político amigo, um empresário mais fiel ao governo do que à sua classe, sei lá, alguém tem de ter alertado Lula sobre uma conspiração em marcha. Alguém com alguma credibilidade, é claro: nessa matéria, José Dirceu, Gilberto Carvalho e assemelháveis não seriam fontes apropriadas.

Muito bem : então Lula foi devidamente informado a respeito de uma conspiração em marcha.

É de se presumir que mandou fazer algumas checagens, e recebeu a confirmação. Havia uma conspiração em marcha. Tanto havia que ele continua a falar nela até hoje.

E ele fez o quê ? Relaxou a gravata, pediu uma Fanta Limão e chorou no ombro de D. Marisa ? Ou cumpriu seus deveres como presidente da República, mandando prender os conspiradores e dando ciência ao Congresso e à Justiça do crime que eles comprovadamente estavam a cometer ?

Vanessa da Mata - As Rosas Não Falam / Cartola

Cartão de Natal:: João Cabral de Melo Neto

Pois que reinaugurando essa criança
pensam os homens
reinaugurar a sua vida
e começar novo caderno,
fresco como o pão do dia;
pois que nestes dias a aventura
parece em ponto de vôo, e parece
que vão enfim poder
explodir suas sementes:

que desta vez não perca esse caderno
sua atração núbil para o dente;
que o entusiasmo conserve vivas
suas molas,
e possa enfim o ferro
comer a ferrugem
o sim comer o não.


Texto extraído do livro "João Cabral de Melo Neto - Obra Completa", Editora Nova Aguilar, 1994,