sábado, 11 de dezembro de 2010

Reflexão do dia – Friedrich Hegel

Deste modo, o puro pensamento chegou à oposição do subjetivo e do objetivo: a verdadeira conciliação da oposição consiste em entender como esta oposição, levada ao ponto extremo, se resolve, de sorte que os opostos, como diz Schelling, sejam em si idênticos. Mas não basta afirmar isto, se não se acrescenta que a vida eterna é propriamente este produzir eternamente a oposição e eternamente conciliá-la. Possuir o oposto na unidade e a unidade na oposição, eis o saber absoluto; e a ciência consiste precisamente em conhecer esta unidade, no se pleno desenvolvimento, através dele mesmo.


(Friedrich Hegel, Introdução à História da Filosofia, Os Pensadores, pág. 392 – Editora Abril, São Paulo, 1985)

Os conflitos de Lula:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O presidente Lula está exibindo em público seus conflitos internos à medida que a hora de deixar o poder se aproxima. Desde que Dilma Rousseff saiu do Ministério para dar início à campanha eleitoral como candidata a presidente, e mesmo depois de eleita, Lula vem enviando a mensagem, por gestos e atos, de que não quer deixar o protagonismo político.

Ora surge no noticiário a revelação de que, conversando com um assessor, diz que gostaria que não chegasse o dia em que terá que deixar o cargo; ora ele mesmo brinca em público sobre o fim do mandato.

Um das características do presidente Lula é ser espontâneo no seu relacionamento com o público, revela suas emoções e se torna um íntimo dos eleitores.

E ele está fazendo questão de não esconder a dificuldade com que lida com a perspectiva do fim do poder, a ponto de precisar reafirmar sua ascendência sobre a presidente eleita, forçando a indicação de ministros - foi o que fez com o ministro da Educação, Fernando Haddad, e com a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira - ou de interferir nas decisões do futuro governo, como no caso da desautorização pública nos cortes do PAC.

Esses são sintomas de que Lula não se adaptará à vida longe da Presidência da República, ou de que pretende exercer uma interferência aberta no governo Dilma Rousseff?

Será que Lula sofrerá da "síndrome de abstinência" longe do poder ou, mais ainda, Lula ficará longe do poder?

Três especialistas não em política, mas nos segredos da alma humana, analisaram para a coluna as reações do presidente Lula e o que elas podem sinalizar.

O psicanalista Joel Birman acha que o sucesso obtido no governo, e o consequente alto nível de aprovação por parte da população, deu a Lula um sentimento de satisfação imenso. "Ele tem um nível de felicidade no exercício do poder que poucos políticos têm, de forma que a perda disso é difícil."

Para Birman, Lula vai ter de ter um "trabalho de luto". "É como quando morre alguém querido, você tem que enterrar, tem o tempo de tristeza. O Lula está vivendo isso por antecipação, de uma certa maneira ele está prevendo, está calculando o que vai acontecer daqui a vinte e poucos dias", avalia.

Já o psicanalista Chaim Samuel Katz diz que "todo mundo que sai do centro do poder sofre daquilo que chamamos de narcisismo. E o dele foi alimentado pelo povo de modo muito, muito forte".

Mas, para Chaim, Lula não vai perder poder, vai se recompor e continuará a dar ordens de modo indireto.

O analista Fábio Lacombe considera que Lula, "com toda a sua esperteza política, é capaz de perceber que pode ser inadequado levar o narcisismo dele às raias do insuportável".

Ele ressalta, porém, que "muitos dos atos dele sugerem que vai ser muito difícil não ficar nesse primeiro plano. Ele não vai ter mais em cima dele toda a mídia, e aí é o difícil".

Essa dificuldade, também prevê Joel Birman, para quem Lula "vai ter a experiência de perda, de um dia para o outro ele não vai poder exercer o que faz com satisfação". Lula já disse que sentirá falta "dos microfones", e, para Birman, o fato de ele estar falando isso com uma certa liberdade é bom, "é sinal de que ele está de certa maneira se antecipando ao que vai acontecer. Quer dizer que ele está elaborando isso".

Já Chaim Katz acha que é preciso considerar que "há também um certo charme da parte dele". Para ele, esse é um jeito que faz Lula muito popular. "Para um grupo mais intelectualizado, pode parecer que ele está sofrendo, mas para o povo isso parece uma afirmação gozosa do tipo que a gente faz só numa intimidade que domina", comenta.

O comentário de que vai ficar três meses calado quando sair da Presidência, para só depois falar como ex-presidente, é entendido por Birman como "uma proposta do tempo para fazer o "trabalho do luto".

O psicanalista vê na "ambiguidade entre o luto inequívoco e inevitável e o desejo de querer continuar governando" a explicitação da "gratificação imensa" que o exercício da Presidência deu para ele.

O que ele está fazendo no fim do mandato, ampliando suas participações públicas, seria uma maneira de criar um clima de festa na despedida, diz Birman. "Quando a possibilidade da perda se anuncia, alimentar o clima de festa é alimentar um momento de embriaguez, uma maneira de ele se contrapor à perda que está se anunciando".

O analista Fabio Lacombe acha que vivemos num ambiente que privilegia basicamente o registro do imaginário, um dos três registros da existência humana, sendo os outros dois o simbólico e o real, e "só o simbólico é verdadeiramente capaz de acessar o real".

E Lula, diz Lacombe, tornou-se "um mestre" na manipulação imaginária. "O imaginário é o mais primitivo dos registros, principalmente porque ele se quer real. O sujeito vive a imagem como real. Para que ele possa sustentar essa posição, ele precisa evitar o simbólico, aquilo que faz o ser humano pensar", analisa.

Para ele, a nossa política, e talvez não só a nossa, "está totalmente açambarcada por essa voragem do imaginário".

A liderança de Lula, o que ele tem de excelência, é exatamente aquilo que traduz a precariedade da nossa realidade política, analisa Lacombe.

"Ele é um espelho dessa precariedade, passa a ser o grande representante da precariedade da política, não há a possibilidade do favorecimento de um verdadeiro pensamento. Só faz um jogo imagético."

É preciso perguntar o que há em termos simbólicos, verdadeiros, nesses níveis de popularidade. O que esses índices representam em termos de verdade?, questiona Lacombe.

Feio fazem os outros, não os EUA :: Clóvis Rossi

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Vazamentos mostram retrato que compromete mais os aliados americanos do que Washington

Bem feitas as contas, os vazamentos do site WikiLeaks traçam um retrato muito mais feio dos parceiros/interlocutores dos Estados Unidos do que da própria diplomacia norte-americana. Salvo, claro, que ainda haja algo muito sórdido a surgir, hipótese improvável.Sei que essa sensação contraria o senso mais comum, o que talvez se explique pela minha expectativa inicial. Assim que foi pré-anunciado o vazamento, fiquei esperando algo à la Chile.

Ou seja, algo que revelasse monstruosas conspirações como a que Washington executou no Chile e acabou levando ao golpe que derrubou o governo constitucional de Salvador Allende, em 1973, e desaguou em um banho de sangue.

Explico melhor a expectativa: a participação norte-americana na conspiração está tão bem documentada nos anais do Senado que dispensa vazamentos.

Além disso, há um livro indispensável para entender toda a história, escrito pelo ex-embaixador dos EUA em Santiago, chamado Nathaniel Davis. De certa forma, é como se o embaixador fosse um precursor do WikiLeaks, tal a quantidade de revelações constantes de "Os três últimos anos de Salvador Allende".

Se autoridades revelam, voluntariamente, algo que o resto do mundo julga ignóbil, era lógico supor que papéis roubados trariam coisa muito pior, certo?

Errado. O que vazou até agora mostra funcionários norte-americanos cumprindo o dever de defender os interesses de seu país e/ou colhendo informações, que é precisamente o que fazem diplomatas de todos os países mundo afora.

Ou você esperava que diplomatas dos EUA quisessem vender aviões suecos, em vez de norte-americanos?

Conto, a propósito, história de uns dez anos atrás: liguei para alto (altíssimo) funcionário para tentar antecipar a agenda de uma iminente cúpula latino-americana, a realizar-se em Caracas.

Sua observação: "O Caldera [Rafael Caldera, então presidente da Venezuela] quer discutir corrupção mas não dá para discutir esse assunto na presença do Menem [Carlos Menem, então presidente da Argentina]".

Se um alto funcionário se anima a dizer algo do gênero a uma figura perigosa, como somos os jornalistas, morro de curiosidade por saber o que diriam os telegramas que a embaixada em Buenos Aires enviava a Brasília.

Certamente, conteriam mais pimenta do que indagar pela saúde física e mental da presidente Cristina Kirchner, como fez Hillary Clinton, segundo o WikiLeaks.

Os parceiros norte-americanos é que são pilhados em inconveniências mais graves.

Dirigentes árabes pedem, por exemplo, para "cortar a cabeça" da "serpente" iraniana, coisa que não se atrevem jamais a dizer em público com medo da reação das massas.

Ou, como relatou "El País"" nesta semana, gente graúda na Arábia Saudita dá festas regadas a álcool e mulheres seminuas, sem ligar a mínima para a polícia da moral e dos bons costumes, porque protegida pela presença de um dos 10 mil príncipes do reino.

Autoridades brasileiras também foram pilhadas vociferando contra os EUA em público e alisando-os em privado. O relato dessas conversas -e das outras- é apenas o espelho que mostra faces desagradáveis.

O dever de publicar :: Fernando Rodrigues

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Há muitas interpretações curiosas na praça a respeito do processo pelo qual documentos da diplomacia dos EUA chegaram ao WikiLeaks e aos órgãos de imprensa. Em meio a elucubrações diversas, duas teses tratam a imbricação do episódio com a prática do jornalismo. São as seguintes:

1) os jornais deixam de praticar reportagem. São irresponsáveis ao publicar telegramas vazados;

2) os jornais se associam ao comportamento temerário do WikiLeaks. Divulgam dados sensíveis, como a lista de locais vitais para a segurança de alguns países.

As duas proposições derivam de desinformação ou má-fé. Nenhuma das sete publicações no planeta com acesso privilegiado aos telegramas, a Folha incluída, deixou de averiguar o conteúdo dos despachos antes de publicá-los.

Ontem, por exemplo, a Folha ouviu várias fontes sobre o relato de 2005 no qual um diplomata dos EUA afirmava que Dilma Rousseff havia organizado três assaltos a bancos. O material apresentado aos leitores esclarecia não haver provas a respeito de tal acusação.

Sobre colocar em risco a vida de alguém, não parece ser o caso das reportagens que citam alguns dos milhares de telegramas obtidos pelo WikiLeaks. Há também uma cláusula explícita entre os jornais e a ONG tratando do tema: não divulgar nomes de pessoas que possam ficar em perigo físico por causa da revelação de suas declarações.

A Folha já segue normas rígidas e usou esse critério nas reportagens com despachos obtidos pelo WikiLeaks. Antes de um telegrama ser divulgado, cada frase é detalhadamente analisada por vários jornalistas envolvidos no processo.

Resta o episódio dos locais vitais para a segurança de alguns países. O WikiLeaks estava determinado a divulgar o dado. O que poderiam fazer os jornais? Se uma notícia vaza, a mídia tem o dever de publicá-la. Praticar autocensura não combina com o bom jornalismo.

O Brasil na beira? :: Thomas E. Skidmore e James N. Green

DEU EM O GLOBO

Há quarenta e quatro anos, alguns generais ansiosos em colaboração com uns políticos inquietos derrubaram o governo de João Goulart. No momento, eles gozavam o apoio dos defensores da Guerra Fria e do embaixador americano Lincoln Gordon no seu empenho exitoso.

Proclamaram que o Brasil estava à beira de um golpe comunista. Mas, o seu nêmese verdadeiro era o fantasma de Getúlio Vargas, que ainda assombrava os generais e certos civis uma década depois da sua partida do Brasil (e deste mundo) do seu dormitório no Palácio de Catete.

Por que membros das Forças Armadas e seus apoiadores ficaram tão perturbados com Vargas e os seus herdeiros?

Porque Goulart e companhia favoreciam um plano de desenvolvimento para expandir a produção da industria nacional? Porque ocasionalmente eles se desviavam da política de Washington? Porque eles ofereceram benefícios concretos, mesmo sendo modestos, para os trabalhadores urbanos e outros setores do povo?

Os militares disseram que o seu plano original era de fazer uma rápida intervenção na vida política nacional. Procuraram comunistas e a corrupção. Quando não os encontravam, perseguiam estudantes. Eram mais eficientes em encontrar e eliminar pequenas bandas de guerrilheiros, que supostamente ameaçavam a segurança nacional. No processo estabeleceram o padrão internacional para o uso de tortura na América Latina.

Os presidentes de cinco estrelas insistiram em ficar no poder e demoraram demais para devolver o país.

Entre os vários motivos que incentivaram os generais a voltar aos quartéis nos meados dos anos 80 estava um dirigente sindical, que encabeçava uma onda de greves contra o arrocho salarial. Ele alcançou uma proeminência nacional e, depois de quatro tentativas, a Presidência da República, com um programa que não era muito longe daquele defendido por Vargas e seus herdeiros, mesmo que poucos hoje em dia reconheçam este fato.

E ele vai sair do Palácio do Planalto com uma popularidade que chega a 83 por cento. Menos que cinco por cento dos cidadãos brasileiros consideram que os seus oito anos no poder têm sido ruins. É difícil um político gozar deste tipo de apoio popular.

Indicando sua sucessora, que aparentemente é uma administradora eficiente, a popularidade de Lula e o desejo do eleitorado de seguir o rumo dele solidificaram uma vitória no segundo turno.

No entanto, observando a eleição de fora, parece que a campanha recente quis conjurar espíritos dos tempos passados.

Políticos da direita insistem em evocar antigos medos das classes médias. Não é somente o fato que um pobre nordestino assumiu a presidência, mas agora os nordestinos, eles dizem, têm o poder de escolher o presidente sozinhos. (Esta noção, que se tornou senso comum, ignora o fato de que Dilma recebeu um apoio substancial em São Paulo e no Sul).

Mais de quatro décadas atrás, a Tradição, Família e Propriedade mobilizou os fiéis para deter os comunistas, alegando que estes destruiriam o país. Hoje em dia, forças conservadoras de uma maneira parecida tentam causar ansiedade a respeito da nova presidente.

Em 1964, o Partido Comunista estava muito longe de tomar o poder. Quase meio século depois, os remanescentes no Partido Popular Socialista apoiaram José Serra, que também não logrou conquistar o palácio presidencial depois de duas nobres tentativas mal-sucedidas. Parecia que os seguidores de Luís Carlos Prestes finamente tinham encontrado uma burguesia nacional disposta a abraçá-los.

Quem poderia imaginar que um ex-presidente da União Nacional dos Estudantes, que veementemente defendia as reformas de base em 1964, na véspera do golpe, poderia aliar-se com os descendentes tanto da União Democrática Nacional de Carlos Lacerda quanto da Aliança Libertadora Nacional?

Quem poderia adivinhar que um ex-guerrilheiro, hoje em dia um determinado defensor do Partido Verde, apoiaria os sucessores da Arena?

Quem poderia imaginar que um ex-membro de Política Operária (Polop), a alternativa radical ao moderado Partido Comunista nos anos 60, se tornaria a presidente do Brasil e ofereceria um programa amenizado, mais parecido com os princípios da social democracia alemã do que as ideais de Rosa Luxemburgo?

Quem poderia pensar que uma mulher com uma ficha no Dops e uma sentença de três anos na prisão por ter violando a Lei de Segurança Nacional ganharia o apoio da maioria da população brasileira?

Agora as Cassandras e os Jeremias estão prevendo que o Brasil, mais uma vez, está à beira da sua destruição. A perspectiva histórica e a opinião de alguns historiadores levam a outras conclusões.

É pouco provável que a nova maioria de 60 por cento no Congresso aprove uma lei para limitar as remessas de lucros para o exterior como a legislação proposta pelo governo de Goulart no começo dos anos 60. Os bancos estrangeiros e as grandes empresas prosperaram durante o governo de Lula e têm poucas razões para se preocuparem com a nova administração de Dilma.

É verdade que talvez seja mais difícil encontrar uma boa empregada ou um porteiro honesto quando as classes pobres têm outras opções para melhorar as suas vidas. Mas talvez isto seja o preço a pagar para ser um pais desenvolvido.

Se a economia mundial não der uma reviravolta catastrófica, é possível que o Brasil realmente assuma o seu lugar no palco internacional, como os seus torcedores sonham há tantos anos.

Parece que o governo brasileiro está à beira de responder seriamente à desigualdade social que ainda divide o país entre os ricos e os pobres. Mas quem sabe? A historia do Brasil é sempre cheia de surpresas.


THOMAS E. SKIDMORE é professor emérito de história da América Latina da Universidade Brown (EUA). JAMES N. GREEN é professor de história da América Latina e estudos brasileiros na Universidade Brown.

Militar é militar, polícia é polícia :: Alexandre Barros

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Estamos à beira de uma ladeira descendente. Se tudo correr conforme anunciado, as Forças Armadas virarão polícia e ocuparão mais favelas no Rio. Declarações oficiais dão conta de que a ocupação será "por tempo indeterminado".

Entre 1922 e 1985 as Forças Armadas brasileiras fizeram política. A Escola Militar era na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, a poucos quilômetros dos Palácios do Catete e Guanabara. Volta e meia, os cadetes saíam da escola para "dar um golpe".

Mudaram-na para Realengo, bem mais longe. Não melhorou muito. De 1922 a 1985 os transportes progrediram e a chegada de Realengo e da Vila Militar aos centros de poder foi ficando mais rápida.

Nesse meio tempo, tropas brasileiras participaram da 2.ª Guerra Mundial (se estiver interessado em saber mais sobre o assunto, vale a pena ler As Duas Faces da Glória, do jornalista e cientista político William Waack). Voltaram da Itália, derrubaram Getúlio Vargas. De 1946 a 1964 vivemos uma sucessão de golpes e contragolpes abortados. Em 1964 os militares tomaram o poder e não o entregaram a civis. E lá ficaram até 1985.

Um dos segredos da longevidade do regime militar brasileiro foi o estabelecimento de regras claras e previsíveis de sucessão, desde que um militar sucedesse a outro militar. Oscilamos entre períodos de linha mais e menos dura, mas quase todos os grupos político-militares tiveram sua vez. O regime militar brasileiro saiu melhor na foto histórica graças a essa previsibilidade da sucessão entre as várias facções militares do que foi o caso na Argentina e no Chile, este com Pinochet e aquela com a sucessão de Juntas.

Poucos se lembram, mas nossa atual democracia, inaugurada em 1985, já está durando mais do que a que prevaleceu entre 1946 e 1964.

As sucessivas entradas dos militares na política eram um resquício do período aristocrático (principalmente europeu), em que não havia diferença entre guerreiros e policiais. Os mesmos aristocratas faziam guerras externas e garantiam o poder internamente. O término do ciclo das ditaduras militares do fim do século 20 pretendeu enterrar esse período e mandar os militares para os quartéis.

Isso criou uma crise de identidade para os militares. De repente ficaram sem função, porque perderam suas funções tradicionais, que ainda mesclavam policiais e guerreiros. A experiência não foi boa.

Militares são treinados para matar e policiais, para combater criminosos, de acordo com as leis.

"Vivemos numa democracia. Se os senhores mandarem, assumiremos o controle da ordem interna, mas é bom que fique claro que nossos soldados são treinados para matar, não para ler os direitos constitucionais de suspeitos", disse um general americano em depoimento ao Congresso. Os congressistas desistiram da solução militar interna. Continuaram a fazer guerras em outros países.

No Brasil a crise de identidade permaneceu e os militares sentiam-se desconfortáveis com isso. Para eles, parece uma humilhação, mas, na realidade, não é. A IBM passou por uma bruta crise de identidade na década de 1990. O que ela sabia fazer - computadores - e a maneira como se organizava para fazê-los e vendê-los ficou defasada. Quase foi à falência. Demitiu mais de 100 mil funcionários no mundo, reorganizou-se, redefiniu sua função e vai muito bem, obrigada. Suas ações valem agora na Bolsa de Nova York cerca de US$ 145.

Os militares brasileiros também enfrentam sua crise de identidade. Para superá-la foram redefinidas suas funções como forças pacificadoras em países em crises de paz ou de guerra. Elas são exercidas em territórios de terceiros países e por tempo limitado, até que a ordem se restabeleça.

A participação dos militares na recente "pacificação" da Vila Cruzeiro e das favelas do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, abriu um precedente perigoso. As primeiras notícias eram de que a Marinha cedera alguns carros de combate blindados para transportar policiais na ocupação das favelas. Era só apoio logístico.

Mas, da mesma maneira que o amor próprio rapidamente se pode tornar impróprio, o Exército também entrou em cena. Os soldados desceram dos carros blindados e passaram a ocupar entradas, saídas e território, até que, no sábado 4 de dezembro, anunciaram o governador do Rio de Janeiro e o ministro da Defesa que as Forças Armadas (as que lá estão e outras que venham a ser mobilizadas) ocuparão as favelas já "pacificadas" e as que ainda virão a sê-lo "por tempo indeterminado".

Como gostava de dizer Castelo Branco, foram bulir com os granadeiros e chamá-los a fazer o que não era sua tarefa.

As Forças de Paz que ocupam territórios de terceiros países, mal ou bem, têm um controle civil e/ou de uma organização internacional. Se as Forças Armadas voltarem a se ocupar de ordem interna no Brasil, a possibilidade de que os vícios que caracterizam as chamadas "bandas podres" das polícias contaminem os militares são grandes. Depois que eles estiverem dentro das cidades (favelas ou não), não será fácil desalojá-los. Chamar os militares implica também adiar a tarefa prioritária de reformar e modernizar as forças policiais.

O curioso dessa história é que sumiu da discussão o tráfico de drogas, como se, por milagre, ele tivesse desaparecido só porque os militares entraram em cena. Mas a demanda por drogas está aí, não acabou. Alguém vai cuidar da oferta. Um risco é que os militares também entrem nisso.

Antes que o filme queime, mantenhamos polícias sendo polícias e militares sendo militares. Seria um retrocesso muito grande eliminar essa distinção, pelas consequências de médio prazo que já sabemos que não são boas. Só não sabemos quanto tempo demoram a ocorrer.


Cientista político, é diretor-gerente da Early Warning: análise de risco político (Brasília)

Vai desacelerar:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

No ano que vem, o Brasil vai crescer menos do que em 2010. Mesmo que o governo não faça qualquer aperto fiscal e monetário, o país deve crescer em torno de 4% e não acima de 7%, como será este ano. Em parte, porque o efeito estatístico que favoreceu o último ano do governo Lula - a comparação com a recessão de 2009 - ocorrerá no sentido oposto no primeiro ano de Dilma.

Mesmo assim, se der o que os analistas estão prevendo, será um bom ano, muito melhor do que o ano de estreia do período Lula. Parte grande do crescimento de 2010 é a recuperação da queda de 2009, que esta semana foi recalculada para -0,6%, o maior tombo desde 1990. Em parte, o crescimento foi turbinado por aumento de gastos públicos e expansão do consumo via crédito. No final do ano, o governo teve que conter o consumo do crédito através das medidas anunciadas há uma semana pelo Banco Central.

A RC Consultores registra que em 2010 o crescimento do crédito foi de 23% e acredita que em 2011 continuará subindo forte, mas em 14%. A consultoria prevê que no ano que vem o PIB fique em 4%.

André Loes, economista-chefe do HSBC, acha que é até desejável que o crescimento do PIB desacelere, porque o ritmo atual está aprofundando o déficit em transações correntes e pressionando a inflação:

- Todo país só tem chance de crescer acima do potencial por alguns trimestres, que é o que vai acontecer este ano.

Ele acha que a inflação é mais fácil resolver, com aperto monetário, mas que o déficit em transações correntes continuará alto, em parte porque há muito investimento em bens de capital e a Petrobras tem alugado muito equipamento, que entra na conta de serviços. Num cenário em que fique mais difícil financiar o déficit, o real se desvaloriza. As empresas precisam estar preparadas porque em 2008, quando o dólar subiu, houve riscos concretos para várias delas.

- As empresas precisam aproveitar este momento de dólar farto e barato para fazer investimentos. Mas isso não vai durar para sempre, é preciso cuidado com a alavancagem - disse Loes.

O que as consultorias e os departamentos econômicos dos bancos estão prevendo é um quarto trimestre mais forte do que o terceiro. Depois disso, um ano que vem mais fraco do que o atual, mas mesmo assim com um ritmo bom de crescimento. Na verdade, muitos analistas têm o hábito de projetar o futuro como igual ao presente, com pequenas mudanças. Há muitas incertezas na situação da Europa. Se ela se complicar, o mundo pode entrar num quadro bem mais difícil de administrar, e isso atinge o Brasil. Mas, por enquanto, os analistas olham para o ano que vem e projetam crescimento entre 4% e 4,5%, o que é um bom ritmo, apesar de menor do que o de 2010.

- O risco é saber como a demanda vai se comportar com as restrições de crédito - diz Sérgio Valle, da MB Associados.

Ele acha que no começo de 2011 a indústria poderá ter taxas negativas, pela base de comparação. A indústria, como se viu neste terceiro trimestre, encolheu, no meio do crescimento do PIB, porque a alta do consumo foi em parte atendida pelas importações. Sem nenhuma reforma que a ajude a superar o diferencial de competitividade e com o câmbio baixo, a indústria continuará sendo o mais fraco dos setores. Além disso, há problema até de medidas.

- É difícil saber como estão os estoques industriais, há muita imprecisão. As importações estão muito fortes, suprindo parte da demanda. A tendência em 2011 é não termos crescimento tão forte do consumo interno - disse Felipe Salles, do Itaú Unibanco.

O economista Marcelo Varejão, da Socopa Corretora, acha que o comércio vai continuar aquecido, puxado pelos três itens que ficarão de pé: crédito, renda e nível de emprego. Ainda que o ritmo de expansão de cada item seja mais fraco do que foi em 2010.

A mineração vai continuar indo bem porque a demanda da China permanecerá e não há projetos importantes de expansão da oferta que possa afetar os preços. Ainda que, contraditoriamente, ele ache que para o aço, feito com minério, o cenário não é animador porque continua o excedente de produção mundial. Na construção civil, apesar de admitir que há um grande aumento de preços dos terrenos nas grandes cidades, Varejão não vê riscos de bolha. Mesmo assim, considera que o cenário é mais contido para 2011.

Fábio Silveira, da RC Consultores, acha que uma das razões da redução do ritmo de crescimento do PIB é que este ano os juros reais foram de 3,2% e no ano que vem eles serão maiores:

- Projetamos juros reais de 6,9%. A inflação começará a cair no segundo semestre e a Selic será maior.

Ele acha que juros maiores e as restrições do crédito farão com que o consumo cresça menos, o que afetará a produção industrial:

- A massa salarial vai desacelerar de 7,5%, este ano, para 2,8%, ano que vem. Já o varejo, de 11% para 6,5%.

A agricultura também terá crescimento menor em 2011, segundo projeções tanto da RC Consultores quanto da MB Associados. A MB está mais pessimista. Mas as razões são quebras de safra que já aconteceram, como na soja e no milho; além de ser o ano de safra menor no café. A cana-de-açúcar também crescerá menos. Sobre a redução geral do ritmo, Silveira acha que isso reduzirá desequilíbrios:

- Já há gargalos até na iniciativa privada. Celulares tendo dificuldade para pegar em algumas áreas, falta de equipamentos para instalação de TV por assinatura, problemas com conexão para internet. Do ponto de vista logístico, fila de navios em portos, aeroportos lotados.

É cedo ainda para dizer, porque na mudança de governo há muitas incertezas e no cenário internacional, também. Mas já se pode afirmar que no primeiro ano do governo Dilma o Brasil vai crescer menos que este ano, porém mais do que no primeiro ano do governo Lula.

Critérios dúbios:: Celso Ming

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Na segunda-feira passada, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, se queixou de que as agências de classificação de risco atribuem nota pior para o Brasil do que para países ameaçados de moratória da União Europeia.

Apenas para quem não está familiarizado com essas coisas do mercado financeiro global, agências de classificação de risco são instituições que avaliam o grau de confiança que se pode ter em que um devedor honre seus títulos de dívida de acordo com os termos contratuais. Essas agências avaliam as condições patrimoniais, fiscais e financeiras do devedor e, em seguida, classificam a qualidade que aferem do título de acordo com uma escala alfanumérica. Os títulos que mais inspiram confiança são os bônus do Tesouro dos Estados Unidos. São a referência (benchmark). Depois vêm os outros. Na rabeira estão títulos de países africanos e da América Central.

A tabela acima mostra que as três mais importantes agências de classificação de risco – Moody’s, Standard & Poors e Fitch – cometem o erro denunciado por Meirelles.

Os prejuízos para o Brasil são grandes. As avaliações sobre a qualidade da dívida brasileira embutem um risco de calote maior do que o desses países fortemente ameaçados de inadimplência. E, se o risco de um título brasileiro é maior, a remuneração cobrada pelos credores também é mais alta. A classificação de risco define, portanto, o custo do endividamento e o Brasil acaba tendo de pagar juros mais altos do que os Pigs (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha).

Problema antigo. As inconsistências de análise das agências não são de ontem. Até mesmo antes da crise vinham expondo notórias lambanças na sua função institucional de avaliação de risco e, durante a turbulência global, o que ficou exposto seria suficiente para desmoralizá-las. Quando faliu, a Enron exibia avaliações das agências de risco como se fosse uma empresa de primeira linha. A mesma coisa aconteceu com o Lehman Brothers pouco antes de afundar. Depois se viu que as agências participavam diretamente de um esquema perverso. Repassaram atestados de excelência a pacotes de bônus que foram vendidos aos magotes a investidores de todo mundo. Alguns meses depois se viu que não passavam de “lixo tóxico” ou, simplesmente, de “títulos podres”, cujo valor presente ninguém conseguia aferir.

Em certo sentido, essas agências fazem um trabalho tão especializado quanto o das empresas de auditoria, que também têm passado atestados de saúde a tantas empresas em estado pré-falimentar. São tantos os problemas que é difícil deixar de perguntar se se trata apenas de incompetência no desempenho de sua função ou se não tem havido mancomunação com a fraude.

Um problema de natureza ética, comum aos dois setores, até agora não foi resolvido. Quem paga pelos serviços de classificação de risco ou de auditoria são os mais diretamente interessados na apresentação de bons atestados. É a situação típica de promiscuidade de interesses da qual resultados como os mencionados podem não acontecer sempre, mas são esperados.

Esses campos não são como os da caça, em que se pode abrir mão da ajuda de cães. Alguém sempre terá de executar os serviços tanto de avaliação de risco quanto os de auditoria. O problema é que essas falhas colossais de responsabilidade não estão sendo devidamente punidas.

O Brasil ostenta grau de investimento desde 2008 e, por isso, consegue tratamento melhor para sua dívida. Mas não se pode ignorar um efeito colateral importante. Quanto melhor for a classificação dos títulos brasileiros tanto mais o Brasil estará atraindo capitais. E quanto mais capitais desembarcarem por aqui, maior a tendência à valorização do real (baixa da cotação do dólar).

Confira entrevista de Roberto Freire no programa Mundo Político da TV Assembleia

DEU NO PORTAL DO PPS
O dirigente reafirmou ser a tarefa mais importante do PPS "seguir contribuindo para a construção de uma nova esquerda no Brasil"

Júlio César

Em visita a Belo Horizonte no dia 6, quando participou da última reunião da Executiva Estadual do PPS-MG em 2010, o presidente nacional do partido, deputado federal eleito por SP Roberto Freire, aceitou convite da TV Assembleia para participar do programa Mundo Político. Durante a conversa com a jornalista Vivian Menezes, o dirigente fez um balanço do resultado das eleições de 2010 e projetou o que o PPS avalia em relação aos rumos das oposições no Brasil.

Freire afirmou que a próxima legislatura, na Câmara e no Senado, terá no PPS uma força de oposição democrática e de esquerda ao governo da presidente eleita Dilma Roussef (PT). O partido será representado em Brasília por 12 deputados federais e um senador, o ex-presidente da República Itamar Franco.

Após negar supostas negociações entre socialistas e tucanos para uma possível fusão entre PPS e PSDB, Roberto Freire reafirmou durante a entrevista ser a tarefa mais importante do partido "seguir contribuindo para a construção de uma nova esquerda no Brasil, capaz de inserir o país neste mundo da informação e do conhecimento".

Confira aqui a entrevista na íntegra.

PPS: O partido do mundo que acabou?:: Raul Jungmann

DEU NO PORTAL DO PPS

Jungmann diz que debate sobre a questão ambiental deixou de ser relevante para o partido

Durante essa semana, o mundo se reuniu aqui em Cancún para decidir o futuro do planeta. Verdade que sem a expectativa, o estardalhaço e a frustração de Copenhagen. Menos mal. Precisamos de mais luz e menos energia para resolver os complexos problemas das mudanças climáticas e do aquecimento global.

Dessas enfadonhas negociações que envolvem quase 200 nações, da pequenina Tuvalu à China, do minúsculo Butão ao poderoso EUA, sairá, ou não, uma nova era e mecanismos de governança global, toda uma inédita reforma da matriz de produção e consumo, e o mais importante: o mundo em que vão viver as futuras gerações.

Difícil, se é que possível, imaginar mandato político mais ou mais importante que a questão das mudanças climáticas hoje em dia. Afinal, não se pode falar em segurança, paz, fome ou emprego se não existir um planeta habitável, onde a espécie humana possa continuar a sua saga. E é exatamente o que está em jogo, nossa existência comum.

Mas isso, pasmém, não é relevante, sequer importante para o PPS.

E se deduz facilmente pelo fato de que sua bancada federal, ao longo de toda Cancún, em momento algum foi à tribuna abordar a conferência. Como também não vimos uma só nota da executiva ou do diretório nacional exortando ao encaminhamento de soluções. Sequer nosso sempre ágil portal esteve aí para a COP 16. Exceção feita aos meus artigos, com baixo número de acessos, salvo engano nenhuma notícia, nada.

E se estou aqui, em que pese ter informado ao Secretariado Nacional, é por hoby ou preocupação política e pessoal minha.

Assim como não creio que existe um lugar no amanhã para uma nação, e mesmo o mundo sem que se encare e resolva a questão climática, também inexiste lugar na política para um partido que desdenhe o meio ambiente e, em especial, o aquecimento do planeta, em particular se for de esquerda.

Quando do nosso nascimento histórico como corrente, movimento e ideologia política, no século XIX, era nosso papel, segundo Marx, sermos os parteiros de uma nova era, o socialismo, etapa superior do capitalismo. Acreditávamos firmemente no progresso, na técnica e na ciência que libertaria o homem.

Técnica e ciência nos trouxeram liberdade e progresso. Mas também, sob o capitalismo e socialismo de Estado, destruição em escala tal que ameaçam a vida e o planeta. Donde a saída agora passa pelo progresso com sustentabilidade ambiental.

Portanto, ser revolucionário, nos dias de hoje, é ser necessariamente “verde”. E nós não somos ou somos apenas epidermicamente.

Nossas cabeças são industrializantes e desenvolvimentistas a outrance. Temos a questão ambiental como um penduricalho chique, uma grife, a atestar nossa modernidade de pós-socialistas. E não como o cerne mesmo do nosso pensamento contemporâneo. O olhar, a partir da qual deveríamos orientar nossas decisões e programa.

Temos tempo e massa crítica para estar de volta ao futuro. Falta sacudir, dar um choque de sustentabilidade no PPS, antes que seja tarde e ele se torne insustentável.

Sustentabilidade ou morte!

O que pensa a mídia

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Farra das emendas a fantasmas faz governo suspender convênios

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A revelação de que o Ministério do Turismo tornou-se alvo de emendas parlamentares que alimentam esquema de repasse de verbas federais a entidades fantasmas levou o governo a cancelar convênios de R$ 3,1 milhões com um desses institutos, o Inbrasil. O escândalo foi revelado pelo Estado - que ontem mostrou que a "idoneidade" do Inbrasil foi atestada por documento assinado pelo ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais). Cotado para permanecer no governo, na gestão de Dilma Rousseff, ele se disse "indignado", voltou a negar que tenha assinado o termo e disse que o documento é falso. Criado em 2003, o Ministério do Turismo lidera em emendas - de 2006 a 2010, o total saltou de R$ 292,8 milhões para R$ 1,7 bilhão.

Turismo suspende repasses ao Inbrasil

Ministério decide também investigar as ‘falhas formais’ dos documentos do instituto

Marta Salomon

BRASÍLIA - O Ministério do Turismo suspendeu os convênios do Instituto Brasil de Arte, Esporte, Cultura e Lazer (Inbrasil), entidade fantasma que usou uma carta com a assinatura do ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, para conseguir os recursos do governo, como revelou nesta sexta-feira, 10, o Estado.

O Inbrasil só existe no papel e é mais uma entidade de fachada que negociou para assumir um estatuto antigo e intermediar, sem licitação, convênios com o governo federal.

O secretário executivo do ministério, Mário Augusto Lopes Moysés, determinou a suspensão dos convênios e das propostas que estejam no momento sob análise. Além disso, autorizou a investigação de possíveis "falhas formais" nos documentos apresentados pelo Inbrasil. O instituto recebeu, ao longo de 2010, um total de R$ 3,1 milhões em repasses para eventos.

O ofício com a assinatura do ministro de Relações Institucionais diz que o Inbrasil "vem de acordo com o seu estatuto funcionando nos últimos 3 anos de forma regular prestando relevantes serviços à comunidade".

Essa descrição, no entanto, não confere com a realidade. No endereço de registro não funciona nenhum instituto. A entidade foi criada para ajudar a turbinar os negócios da Vibe Marketing Promocional, do publicitário André Fratti Silva.

A decisão de suspender os convênios da Inbrasil é uma ação que antecipa, na prática, a linha já traçada pelo governo, de suspender todas as emendas ao Orçamento de 2011 que destinem verbas para a promoção de eventos para divulgação de turismo interno.

Entidades de fachada

Conforme revelou o Estado em uma série de reportagens desde domingo, o senador Gim Argello (PTB-DF) destinava verbas federais, via emendas orçamentárias, para entidades de fachada. Cálculos iniciais apontavam que, durante o ano, pelo menos R$ 1,4 milhão havia sido destinada por Argello, em emendas individuais, para entidades fantasmas. O pretexto era sempre o mesmo: realizar festas para a promoção do turismo interno.

Diante das denúncias, o parlamentar perdeu o posto de relator do Orçamento de 2011 - hoje ocupado pela senadora Serys Slhessarenko (PT-MT). Diante das evidências, o governo decidiu não destinar mais recursos para emendas desse tipo.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2011 já proíbe que entidades privadas recebam verbas federais para realizar eventos. Mesmo assim, foram apresentadas emendas nesse sentido. Segundo informou o Estado, há pedidos para destinar pelo menos R$ 16 milhões a entidades que promovem eventos.

PT de Minas quer Dilma longe de Aécio

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Diretório defende postura menos amistosa do que a propiciada por Lula em relação ao tucano, visto como novo ‘ líder da oposição neoliberal’

Eduardo Kattah

BELO HORIZONTE - O PT de Minas espera que o governo da presidente eleita Dilma Rousseff adote uma postura menos amistosa em relação ao ex-governador e senador eleito Aécio Neves (PSDB) e a gestão tucana no Estado. Em meio a um processo de mea culpa e reflexão sobre sua divisão interna, o PT mineiro quer que o diretório nacional e o futuro governo endossem a estratégia do diretório estadual, definida em resolução aprovada no fim de semana passado.

"O que Minas quer construir, pactuado com a direção nacional, é que nós já escolhemos nosso adversário. Nosso adversário é o modelo que o Aécio está implantando em Minas com o (governador reeleito) Antonio Anastasia", disse ontem o presidente do PT mineiro, deputado Reginaldo Lopes.

No documento que trata das eleições deste ano e do futuro da legenda em Minas, o PT afirma que Aécio "se consolida como porta-voz do PSDB e líder da oposição neoliberal", cabendo ao diretório estadual o "contraponto primordial a esse projeto tucano". E ressalta: "Cabe ao DN (diretório nacional) e ao nosso governo federal o reconhecimento dessa condição estratégia de nosso Estado."

Para Lopes, desde a eleição de Lula não está clara a posição do governo Lula em relação a Aécio. Antes de tomar posse, o presidente prometeu tratar o tucano como um "governador do PT" e manteve com ele uma relação cordial. Em 2008, na disputa pela Prefeitura de Belo Horizonte, o ex-prefeito Fernando Pimentel - que será o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - firmou, com a bênção de Lula, uma polêmica aliança com Aécio para a eleição de Márcio Lacerda (PSB).

"Achamos que desde 2002 a relação não está clara, o que pensa o governo federal e o que pensa o PT nacional em relação aos nossos adversários em Minas. Por isso nós queremos deixar com muita transparência, com muita clareza, qual é o nosso norte."

O recado seria dado nesta sexta-feira, 10, ao presidente nacional do PT, José Eduardo Dutra, durante seminário do diretório estadual em Belo Horizonte. Mas Dutra não compareceu, gerando certo desconforto entre os presentes.

Espaço

O encontro teria como objetivo também formalizar a reivindicação dos petistas mineiros por um espaço no primeiro escalão do governo Dilma para o ex-ministro Patrus Ananias. Uma comissão da executiva estadual se reunirá com Dutra e o futuro ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, na próxima semana, em Brasília.

A preocupação do PT mineiro é mostrar que a antiga briga entre os grupos de Pimentel e Patrus está sendo superada em torno de um objetivo comum: resistir à hegemonia tucana no Estado e, consequentemente, criar um foco de resistência à liderança de Aécio no segundo colégio eleitoral do País.

Os petistas querem evitar que obras federais em Minas sejam "faturadas" pelo governo tucano. Embora a oposição tenha perdido espaço na Assembleia, o PT promete também dar trabalho ao governo Anastasia.

Nesta sexta-feira, ficou decidido que o partido entrará com uma ação direta de inconstitucionalidade contra o projeto de lei que concede ao Executivo poderes de expedir leis delegadas para uma nova reforma administrativa, sem a necessidade de aval do Legislativo. O projeto já foi aprovado em primeiro turno e deverá ser levado a votação em segundo turno na próxima semana. Mas o primeiro embate eleitoral com os tucanos está marcado para 2012.

Com a repetição da aliança descartada, PT e PSDB já se armam para a disputa pela prefeitura da capital. No centro dessa movimentação está o prefeito do PSB. "Nós queremos o PSB conosco em 2012. Obviamente, se ele optar por ficar com o PSDB, temos de respeitar, mas vamos trabalhar para repetir em Belo Horizonte o arco de apoio à presidente Dilma", observou o vice-prefeito e presidente do PT municipal, Roberto Carvalho.

Patrus

Embora ainda continue colocado como ministeriável, Patrus já vem sendo apontado como possível candidato de consenso do PT mineiro em 2012. O ex-ministro do Desenvolvimento Social compareceu à Escola do Legislativo - ele voltou à função de pesquisador concursado da Assembleia -, onde estava sendo realizado o seminário, mas preferiu não participar do evento. Pimentel também não compareceu.

"Não é tendo os dois como ministro que se resolve o problema da nossa unidade. O problema é muito maior do que isso e na política nós já construímos a nossa unidade", argumentou Lopes.

TCU vê falha na fiscalização de R$ 24 bilhões em convênios

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Fiscalização é burocrática, afirma TCU

Falta de servidores e lentidão fazem governo deixar de analisar convênios com Estados, municípios e entidades

Relatório diz que há acúmulo de repasse de recursos, no total de R$ 24 bi, que pastas deixaram de verificar

Dimmi Amora

BRASÍLIA - Por falta de servidores e lentidão, o governo realiza uma fiscalização "burocrática e formal" do dinheiro de investimento que destina a Estados, municípios e entidades, afirma o TCU (Tribunal de Contas da União).

A constatação do tribunal se dá pelo acúmulo cada vez maior de convênios que não tiveram qualquer análise sobre sua execução, em um total de R$ 24,1 bilhões.

"O modelo de controle vem funcionando na prática quase que exclusivamente baseado apenas na verificação formal e burocrática da prestação de contas", informa o relatório do ministro Raimundo Carreiro

Ele deu 90 dias de prazo em novembro para o governo apresentar um cronograma para regularizar o problema.

Os convênios são os instrumentos usados pelos ministérios para repassar recursos a órgãos públicos ou entidades sem fins lucrativos.

Tem sido o favorito de parlamentares para a liberação das chamada emendas individuais que eles fazem ao Orçamento. O governo repassa os recursos e, depois de usado, quem recebeu o dinheiro tem que apresentar uma prestação de contas que o governo deve analisar.

Se houver problemas, os recursos ou parte deles têm que ser devolvidos. Os valores repassados quase dobraram entre 2006 e 2009, segundo o órgão, passando de R$ 16,8 bilhões ao ano para R$ 29,8 bilhões na administração federal.

Como tem funcionários em pequeno número na maior parte dos órgãos e há atraso na implantação de um sistema eletrônico para a prestação das contas destes convênios, o estoque de documentos sem análise só aumenta. Eles passaram de 42 mil em 2006 para perto de 51 mil em 2009, segundo o relatório.

Além disso, outros 6.000 nem fizeram prestação de contas. Somados, estes convênios sem análise e sem prestação alcançaram o valor de R$ 24,1 bilhões até o fim do ano passado.

O relatório mostrou que há em parte dos ministérios excesso de processos, mas o TCU alerta que a situação pode ser ainda pior. Há diferenças do número de convênios registrados nos dois sistemas oficiais do governo. Num deles há 10 vezes mais convênios que exibe o outro.

Lula viaja só para assinar ordem de serviço

DEU EM O GLOBO

Na Bahia para anunciar obras da Ferrovia Oeste-Leste, presidente diz que "ricos não precisam do Estado"

João Pedro Pitombo*

ILHÉUS (BA). A 20 dias de deixar o cargo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi ontem a Ilhéus, na Bahia, apenas para assinar a ordem de serviço para o início das obras de quatro dos sete lotes da Ferrovia de Integração Oeste- Leste. Aplaudido por cerca de 1.500 pessoas, no Centro de Convenções Luís Eduardo Magalhães, Lula elencou feitos de seu governo e destacou o papel do Estado como protetor da população mais pobre.

- As pessoas pensam que o Lula só cuida de pobre. Primeiro, porque o Estado é para cuidar de pobre. Os ricos não precisam do Estado. Quem precisa do Estado é a parte mais pobre do país - afirmou Lula, apesar de os bancos terem tido, no seu governo, seus mais altos lucros.

O presidente comemorou a perspectiva de crescimento econômico do Brasil este ano, mas ressaltou que não adianta crescer se não houver distribuição de renda. E destacou a importância da população mais pobre na ascensão do consumo no Brasil, tida como fundamental para o país sair da crise econômica:

- Dê dez reais a um pobre e ele vira consumidor. Dê a outro um milhão e ele vira especulador - comparou.

Apesar de não falar sobre o seu futuro político, o papel do presidente a partir do próximo ano foi destacado pelo governador Jaques Wagner. O baiano afirmou que, apesar de deixar a Presidência, Lula continuará à frente do projeto político petista. E não descartou a possibilidade de o presidente voltar ao cargo.

- Esta deverá ser a última vez que Lula vem à Bahia como presidente. Neste ciclo, porque o futuro a Deus pertence.

Em discurso, Lula destacou o papel da ferrovia Oeste-Leste no desenvolvimento da Bahia. E desdenhou dos críticos que alegavam que a obra não tinha viabilidade econômica:

- Talvez seja por isso que, desde 1790, fala-se neste projeto, mas somente agora ele começa a se tornar realidade".

Lula criticou os governos anteriores por não terem colocado o modal ferroviário como prioridade, com poucos investimentos públicos e privatizações das ferrovias já existentes.

- Este país não sabia crescer sem inflação, não sabia exportar e fortalecer o mercado interno, e nós provamos que as coisas podiam ser feitas concomitantemente.

A primeira etapa da ferrovia será construída no trecho de 537 quilômetros entre Ilhéus a Caetité, contemplando o transporte de minério de ferro que será explorado na região Sudoeste da Bahia. Ao todo, a ferrovia terá 1.527 quilômetros num traçado que vai cruzar 32 municípios baianos. O investimento previsto é de R$6 bilhões, com recursos do PAC.

* Da Agência A Tarde

'Marolinha' levou 147 bi em 2009

DEU EM O GLOBO

As perdas para a economia brasileira com a crise chegaram a R$ 147 bi em 2009. O número leva em conta a diferença entre os 4% de crescimento previstos para o ano e a recessão de 0,6%.

Em 2009, crise custou R$147 bilhões ao PIB

Antes da "marolinha", economistas previam crescimento de 4%. Mas recessão foi de 0,6%, mostrou IBGE

As perdas para economia brasileira com a maior crise global desde 1929 ultrapassaram R$147 bilhões em 2009. Anteontem, o IBGE mostrou que o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) recuou 0,6% no ano passado, uma recessão maior do que a perda de 0,2% anteriormente estimada pelo instituto. Antes da crise - que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a classificar de "marolinha" em outubro de 2008 - os analistas previam que o país cresceria 4% no ano passado.

Essa era, em média, a taxa prevista em junho de 2008, para a expansão do PIB no ano seguinte.
Assim, a perda com a recessão, que foi de R$19,1 bilhões (considerando a queda de 0,6% do PIB) sobe para R$147,140 bilhões considerando a estimativa dos analistas antes da crise, segundo cálculos do professor de Economia Internacional da UFRJ Reinaldo Gonçalves.

Ou seja, se o PIB tivesse crescido em 2009 a taxa de 4% prevista, o tamanho da economia brasileira no fim do ano passado seria de R$3,332 trilhões - e não de R$3,185 trilhões como observado pelo IBGE.

- Isso mostra que a blindagem do Brasil contra a crise era de papel crepom. Havia muita vulnerabilidade nas contas externas e um desalinhamento no câmbio. Contou também a dependência das commodities. Nossas exportações caíram 30%.

Mas seria possível não ter recessão com a crise? Gonçalves acredita que sim. Ele cita o exemplo da Argentina, que teve expansão no mesmo ano de 0,9%:

- Lá, existe um certo controle de câmbio e, por isso, ficou menos vulnerável à crise. No Brasil, a cotação do dólar deu um salto (saiu de R$1,55 no início de agosto de 2008 para R$2,53 em dezembro). Sadia e Aracruz quase quebraram e a Petrobras teve que recorrer à Caixa Econômica Federal - lembra.

Para 2010, previsão é de alta entre 7,5% e 8% no PIB

E aí vieram as medidas do governo para estimular a economia e impedir uma recessão mais forte. Reajustou-se salário mínimo, funcionalismo público e os benefícios do Bolsa Família, diz o professor da UFRJ.

- O governo se apavorou, principalmente às vésperas de eleição. Uma gestão macroeconômica de vereador de interior.

Para o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio e ex-diretor do Banco Central, Carlos Thadeu de Freitas, o erro maior foi demorar demais para baixar os juros - a Taxa Selic chegou a subir no mês em que o Lehman Brothers quebrou, de 13% para 13,75% ao ano, e só foi reduzida em meados de janeiro para 12,75% ao ano.

- A perda a se considerar é a efetiva, o 0,6% de recuo. Só quem trabalha com expectativas é o Banco Central, que demorou muito a baixar os juros no momento da crise.

Ele concorda com Gonçalves de que o país não estava tão blindado assim contra a crise, mas afirma que a recuperação foi muita rápida

- A política anticíclica foi rápida - diz Freitas.

Porém, o economista critica a demora do governo em retirar os estímulos fiscais adotados:

- Se fossem retirados mais cedo, a inflação seria menor.

Este ano a expansão está vigorosa. Espera-se que a economia cresça entre 7,5% e 8%, o que será um recorde em mais de 20 anos. E para 2011, as projeções indicam alta entre 4% e 4,5%.

Orquestra Imperial - Fita Amarela( Noel Rosa)

Auto-retrato :: Manuel Bandeira

Provinciano que nunca soube
Escolher bem uma gravata;
Pernambucano a quem repugna
A faca do pernambucano;
Poeta ruim que na arte da prosa
Envelheceu na infância da arte,
E até mesmo escrevendo crônicas
Ficou cronista de província;
Arquiteto falhado, músico
Falhado (engoliu um dia
Um piano, mas o teclado
Ficou de fora); sem família,
Religião ou filosofia;
Mal tendo a inquietação de espírito
Que vem do sobrenatural,
E em matéria de profissão
Um tísico profissional.