quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Um resto a pagar bilionário

Dívida do governo com municípios chega a R$ 27,8 bilhões. Prefeitos temem que o corte no orçamento comprometa o repasse do dinheiro

Igor Silveira

Passada a lua de mel entre os prefeitos e a presidente Dilma Rousseff, vem a cobrança da fatura. As gestões municipais estão preocupadas com as despesas correntes e com os investimentos previstos para as cidades que deixaram de ser repassados pelo governo federal, especialmente, com a proximidade de ajustes fiscais para equilibrar as contas da União. De acordo com um levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM), divulgado ontem, o débito é de R$ 27,8 bilhões e os ministérios da Cidades e da Saúde são as pastas que mais devem: R$ 6,9 bilhões e 6,3 bilhões, respectivamente.

Em todas as esferas — municipal, estadual e federal —, essas dívidas, classificadas como restos a pagar, postergadas para 2011, somam R$ 128 bilhões, entre despesas correntes — custeios de, por exemplo, remédios, agentes comunitários de saúde e programas do governo federal que são executados pelas prefeituras —, investimentos e demais débitos, o que inclui inversões financeiras. Desse montante, 21% são referentes a transferências empenhadas às prefeituras.

A preocupação maior dos prefeitos que têm dinheiro a receber da União é com as despesas não processadas, ou seja, quando o projeto ou a obra não teve qualquer etapa iniciada e, portanto, o pagamento não foi efetuado. Nas conversas com os principais interlocutores do governo, a presidente Dilma tem ressaltado a necessidade de enxugar os gastos no Orçamento 2011. Assim, quando Dilma for analisar todas as planilhas de gastos, os empenhos originados de emendas parlamentares e os restos a pagar não processados tendem a ser as primeiras opções de cortes.

“O problema é que muitos dos débitos considerados restos a pagar não processados estão nessa situação há mais de um ano. São despesas empenhadas entre 2007 e 2009 que até hoje não foram realizadas”, explica o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski. Ainda de acordo com ele, o crescimento dos restos a pagar aumentou significativamente nos últimos anos. Outro levantamento da CNM aponta que, em 2003, essas despesas totalizavam R$ 14,5 bilhões — R$ 4 bilhões em investimentos. “Acumular e represar esses recursos é duplamente negativo porque, além de criar uma falsa expectativa na população, atrasa os projetos que estão sendo executados pelas prefeituras”, completa Ziulkoski.

O Ministério da Saúde foi contatado pela reportagem e reconheceu os débitos, mas classificou esses processos como naturais. Segundo resposta da assessoria, a maior parte dos valores é relativa a projetos que estão em execução, e os pagamentos serão feitos à medida que esses forem sendo concluídos. Além disso, o ministério avisou que não existe nada de concreto em relação ao cancelamento de projetos e lembrou que há um decreto que determina a prorrogação e a validade dos restos a pagar não processados. O Ministério das Cidades comunicou que não há a intenção de retirar recursos dos municípios e que, para dar maior celeridade aos processos, oferece cursos para que os gestores possam elaborar projetos de acordo com os critérios exigidos pelo governo.

Falta desembolsar

Confira a transferência de recursos da União para municípios que já foram empenhados e aguardam efetivação:

Restos a pagar processados

Correntes: R$ 411.508.627
Investimentos: R$ 4.446.034.327

Restos a pagar não processados inscritos pela primeira vez
Correntes: R$ 5.155.300.815
Investimentos: R$ 8.587.959.086

Restos a pagar não processados reinscritos

Correntes: R$ 378.507.993
Investimentos: R$ 8.848.698.063

Total: R$ 27.778.324.480

Fonte: Confederação Nacional de Municípios (CNM)

Cálculos com novo mínimo

O presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, também comentou as alternativas para o reajuste do salário mínimo — assunto que tem pautado as principais discussões políticas nas últimas semanas. Ele pediu uma interação maior entre o governo federal e os municípios e criticou a maneira como esse diálogo tem acontecido nos últimos tempos. Em meio ao cabo de guerra entre o governo, que pretende fixar o valor do mínimo em R$ 545, e as centrais sindicais, que pedem R$ 580, prefeitos de todo o Brasil fazem cálculos para manter as contas equilibradas.

“Os acordos são fechados entre eles, mas ninguém pergunta como os prefeitos farão nos municípios. Para se ter uma ideia do impacto, quase 40% dos servidores municipais ganham até um salário mínimo e, com o aumento, várias prefeituras vão extrapolar o limite de 54% (do orçamento com gastos com pessoal), não vão conseguir se recuperar no prazo de oito meses e serão punidas. Os repasses não vão chegar às cidades”, destaca o presidente da CNM. “O Poder Executivo e o Congresso olham apenas para o próprio umbigo”, complementa.

Segundo cálculos da CNM, cada real de aumento no salário mínimo representa um deficit de R$ 1,5 milhão na folha de pagamento das prefeituras. Ainda de acordo com o levantamento, de 2003 a 2010, os reajustes salariais representaram um impacto de R$ 10,8 bilhões nas folhas municipais. Se o valor estipulado pelo governo for mantido e o trabalhador passar a receber um salário mínimo de R$ 545, o aumento representará R$ 1,3 bilhão na soma de todas as folhas municipais.

“É importante ressaltar que nós, da CNM, não somos contra o aumento do salário mínimo. Ao contrário. Eu defendo uma recuperação de acordo com a inflação, até porque os impostos não crescem mais que isso. Se eu pudesse, daria o salário de R$ 2,5 mil, que é o indicado pelo Departamento Intersindical de Estudos Econômicos, Sociais e Estatísticos (Dieese). No entanto, isso não é possível sem que haja o abandono de outras áreas, como a saúde, por exemplo”, conclui Ziulkoski. (IS)

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

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