terça-feira, 1 de março de 2011

Na "República do Relatório":: Raymundo Costa

Incomoda o PT e o governo o noticiário sobre eventuais divergências entre a presidente Dilma Rousseff e seu antecessor no cargo, Luiz Inácio Lula da Silva. Aparentemente, o que acontece é efeito colateral de uma até agora bem sucedida operação de marketing para marcar diferenças de estilo, acentuar as virtudes e criar uma personalidade política para Dilma Rousseff.

Trata-se de uma operação a seis mãos. As mãos da "presidenta", como Dilma prefere ser chamada, e as mãos do ministro Antonio Palocci (Casa Civil), a principal referência do governo nesses dois meses de mandato, e as do jornalista João Santana, marqueteiro da campanha eleitoral de Dilma. Santana, como se sabe, acha que há um lugar vazio a ser ocupado no imaginário político do brasileiro, o da "rainha". Ele quer coroar Dilma Rousseff.

Essa operação foi desencadeada no fim do ano passado, mas ganhou força em janeiro, com a posse do novo governo, e fevereiro, com o reinício dos trabalhos do Congresso.

Assim como ocorreu em janeiro, quando os dois outros Poderes se achavam em recesso, é positivo o balanço do governo Dilma no primeiro mês - fevereiro - de funcionamento pleno também do Congresso e do Judiciário. Nesse período, características da presidente foram ressaltadas pelo marketing e assimiladas, algumas delas mais, outras menos, pela opinião pública.

A primeira é a qualidade de boa gestora, uma executiva atenta a todos os movimentos da administração. Diga-se que o governo Dilma já está sendo chamado, entre os mais próximos, de "República do Relatório". Seja qual for o assunto, a presidente pede um relatório e explicações bem detalhadas.

Em segundo lugar, a imagem da governante destemida: não existe tema espinhoso que a "presidenta" não enfrente. Os exemplos já se multiplicam. Do adiamento da compra de armamentos, especialmente o novo caça da FAB, há mais de dez anos em banho-maria, até o corte de R$ 50 bilhões no Orçamento Geral da União (OGU), anunciado ontem, passando, pela fixação do novo salário mínimo de R$ 545, contra a vontade das centrais sindicais.

Por fim, Dilma "jogou duro" com o Congresso, o que costuma ser motivo do aplauso de onze em cada dez brasileiro. E ainda contou com a colaboração involuntária do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que esperneou até na web a perda das boquinhas que mantinha em Furnas Centrais Elétricas. O PMDB começou o governo falando em seis ministérios; contentou-se com quatro e um Orçamento menor do que controlava no governo do presidente Lula.

Por tudo o que fez com os partidos, pode-se dizer que Dilma saiu-se de maneira excepcional nas primeiras votações de interesse do Palácio do Planalto.

Na Câmara, a contabilidade da Arko Advice, empresa de consultoria de Brasília, registrou o apoio médio de 63,84% dos 373 deputados que integram a base nominal de apoio do governo. No Senado, este percentual foi de 50,46% dos 61 integrantes da coalizão governista. Números, nos dois casos, acima do apoio médio dos aliados nos dois mandatos de Lula.

Esses índices não devem ser entendidos como salvo-conduto para o mandato de Dilma. No início, os governos naturalmente costumam atrair o centro político, não importa sua ideologia (foi assim com Lula e FHC), numa espécie de reconhecimento da soberania popular exercida na eleição. Os governantes aproveitam esse período de lua de mel para apresentar programas, acentuar prioridades e desenhar o perfil do mandatário.

Apesar da média de apoio menor, no primeiro ano de governo os índices de Lula não foram muito diferentes, considerando-se, sobretudo, que o PMDB e outros partidos que agora chegaram ao governo em aliança com o PT não estavam formalmente na coalizão eleitoral de 2002.

Dois exemplos: o texto base da reforma da Previdência Social foi aprovado, em agosto de 2003, com 358 votos, bem acima do quórum constitucional de 308 deputados (mais de 20 petistas se declararam contrários ao projeto, mas 62 deputados da oposição votaram com o governo).

Outro exemplo ocorreu em setembro do mesmo ano, com a votação do projeto de reforma tributária, uma fonte de conflito entre os entes federados, que obteve 378 votos favoráveis. É certo que, depois disso, a reforma voltou ao limbo no qual se encontra há quase duas décadas, mas não deixou de ser uma impressionante manifestação de força de Lula. Ainda assim o Congresso foi a principal fonte de instabilidade do primeiro governo do ex-presidente.

O Congresso entra para valer em ritmo de funcionamento ordinário nos próximos dois ou três meses, período em que as eleições de 2012 também entram no radar dos partidos. A rigor, nenhuma sigla ficou satisfeita com a composição do ministério, do PT ao PCdoB, passando por PMDB e PSB. Mas ninguém se arriscou na empreitada de contestar as escolhas da presidente. O contencioso ainda surdo cresceu ontem com os cortes no OGU, que atingiu mais os ministérios de alguns partidos aliados (PMDB) do que de outros (PT).

A presidente e os congressistas dedicaram-se, até agora, a um reconhecimento mútuo de terreno. Dilma testou sua base de apoio, mas não sem uma ponta de receio em relação à reação que teriam os aliados; os congressistas aceitaram sem mais barulho as decisões da presidente por não saberem qual seria sua reação - eles ainda "calculam" o que Dilma é ou não capaz de fazer. Mas sua fama a precede.

Dizem petistas que erra quem aposta que Dilma vá acentuar ainda mais as diferenças com o ex-presidente da República. Não interessa a ela. O raciocínio é o seguinte: a mídia que hoje aplaude Dilma pode ser a mesma que vai criticá-la amanhã, ao primeiro sinal de dificuldades. Diferentemente das centrais sindicais aliadas e dos movimentos sociais. Estes podem até protestar contra o governo (espera-se por reclamações do corte no orçamento da reforma agrária do MST e movimentos afins). Mas estarão na linha de frente de defesa da presidente, em caso de uma crise política no Congresso.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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