quinta-feira, 24 de março de 2011

Novo ministro surpreende e joga Ficha Limpa para 2012

Com o voto de desempate do ministro Luiz Fux, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por 6 a 5, que a Lei da Ficha Limpa não vale para a eleição de 2010 e só terá efeitos na de 2012. Fux acompanhou o voto do relator, Gilmar Mendes, e afirmou que a lei, editada em junho de 2010, não poderia ter efeito para o mesmo ano. O resultado inverte a decisão do STF tomada no ano passado, quando, diante do empate, a Corte declarou a lei válida para o pleito que se realizava. E causará mudanças nas assembleias legislativas e no Congresso, pois políticos que tinham sido impedidos de se candidatar, mas ainda assim concorreram, poderão ter votos validados. É o caso de Jader Barbalho (PMDB-PA), que disputou o Senado e obteve votos suficientes para ser eleito. Especialistas criticaram a decisão do STF. Para integrantes do Movimento Ficha Limpa, que colheu 1,6 milhão de assinaturas para o projeto, os fichas-sujas ganham sobrevida pública.

Ficha Limpa só valerá em 2012

DECISÃO NO SUPREMO

No voto de desempate, ministro Fux surpreende e diz que medida não pode ter efeito retroativo

Carolina Brígido e Demétrio Weber


Por seis votos a cinco, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou ontem que a Lei da Ficha Limpa não pode ser aplicada nas eleições de 2010. A decisão inverte a interpretação dada pelo tribunal, em julgamento realizado ano passado, quando a lei foi declarada válida para o último pleito. Haverá reviravolta na composição de assembleias legislativas e do Congresso Nacional: políticos que tinham sido impedidos de se candidatar, mas, ainda assim, concorreram, poderão ter seus votos validados. Há no STF recursos de 29 políticos nessa situação. Agora, essas candidaturas terão de ser legitimadas - como a de Jader Barbalho (PMDB-PA), que concorreu sem registro a uma cadeira no Senado e obteve votos suficientes para ser eleito.

Ano passado, o STF julgou um recurso no qual Jader questionou o início dos efeitos da lei. A votação terminou em empate e os ministros optaram por manter a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que determinara a aplicação da lei em 2010. O impasse ocorreu porque a composição do STF estava incompleta desde agosto de 2010, quando Eros Grau se aposentou. O ministro Luiz Fux foi nomeado para a vaga no último dia 3, com a missão de desempatar a votação. Ontem, o novato votou contra a validade da lei na última eleição.

A decisão foi tomada no julgamento do recurso do deputado estadual Leonídio Bouças (PMDB-MG), que teve o registro de candidatura negado porque fora condenado por improbidade administrativa - um dos impedimentos para disputar as eleições, segundo a lei. Fux ressaltou que o artigo 16 da Constituição Federal impede mudanças na regra eleitoral a menos de um ano da votação. A Lei da Ficha Limpa foi editada em 7 de junho de 2010.

- Nem o melhor dos direitos pode ser aplicado contra a Constituição - disse. - Não resta a menor dúvida de que a criação de novas inelegibilidades no ano da eleição efetivamente inaugura regra nova inerente ao processo eleitoral, o que é vedado pela Constituição Federal, a doutrina e a jurisprudência da casa.

Fux elogia lei de iniciativa popular

Segundo Fux, o artigo 16 é uma garantia para eleitores e candidatos, pois evita surpresas e casuísmos às vésperas das eleições. Fux aproveitou para elogiar a iniciativa da lei.

- A Lei da Ficha Limpa, no meu modo de ver, é um dos mais belos espetáculos democráticos, posto que é uma lei de iniciativa com escopo de purificação do mundo político - declarou, logo no início do voto.

Mas ponderou em seguida:

- Um dispositivo popular, ainda que oriundo da mais legítima vontade popular, não pode contrariar regras expressas no texto constitucional.

Os demais ministros mantiveram suas posições expressas no julgamento do caso Jader. Votaram contra a aplicação imediata: Gilmar Mendes, José Antonio Dias Toffoli, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e o presidente da Corte, Cezar Peluso. Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Ellen Gracie defenderam a validade para 2010.

No início da sessão, o STF decidiu que o julgamento teria repercussão geral. Ou seja, ao julgar outros recursos semelhantes, os ministros ficam obrigados a seguir o mesmo entendimento firmado ontem. Os recursos não precisarão ser submetidos ao plenário e serão julgados por um ministro. Estão nessa situação o ex-governador da Paraíba Cássio Cunha Lima (PSDB), candidato ao Senado; Janete Capiberibe (PSB-AP), candidata a deputada federal; e João Capiberibe (PSB-AP), candidato a senador.

O relator do caso Bouças, Gilmar Mendes, Foi o primeiro a votar. Ponderou que o STF não tem o dever de legitimar uma lei de iniciativa popular:

- Essa é a missão da Corte: aplicar a Constituição, ainda que contra a opinião majoritária - disse. - Não raras vezes a Corte tem que defender o cidadão contra sua própria sanha, contra os seus próprios instintos. Dependendo da quadra, pode se defender o fuzilamento, a pena de morte. É preciso ter cuidado com esse interesse, o sentimento popular.

Gilmar criticou o período de inelegibilidade estabelecido pela lei para condenados por improbidade administrativa, que pode chegar a mais de 30 anos:

- Eu não consigo imaginar que tenha sido essa a intenção (do legislador). Se foi, é algo para a psiquiatria jurídica. O tema não é jurídico, é para a psiquiatria jurídica - disse.

A decisão foi tomada com base exclusivamente no artigo 16 da Constituição. No entanto, alguns ministros declararam posições contrárias a outros aspectos da lei. Gilmar, Marco Aurélio e Peluso criticaram a possibilidade de declarar alguém inelegível por ato praticando antes da edição da lei:

- Essa exclusão da vida pública com base em fatos acontecidos antes do início de vigência da lei é uma circunstância histórica que nem as ditaduras ousaram fazer. As ditaduras cassaram mandatos. Nunca foi editada na ditadura uma lei para punir fatos praticados antes de sua vigência - disse Peluso.

Após o julgamento, Fux esclareceu:

- Para frente, a Lei da Ficha Limpa está valendo.

Leonídio Bouças foi condenado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais por improbidade administrativa. Em 2002, quando era secretário da Prefeitura de Uberlândia, teria usado a máquina para promover sua candidatura a deputado estadual. Segundo a Justiça mineira, houve enriquecimento ilícito e proveito patrimonial.

FONTE: O GLOBO

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