domingo, 13 de março de 2011

Redução da pobreza pode ocorrer só em estatística

João Carlos Magalhães

Prioridade da presidente Dilma, a eliminação da pobreza extrema pode ocorrer só estatisticamente se os beneficiários dos programas sociais não tiverem acesso a trabalho, educação, saúde e previdência social.

A avaliação é de Evilásio Salvador, professor do programa de pós-graduação em política social da Universidade de Brasília. Salvador defende a tese de que o sistema tributário faz com que os pobres paguem mais pelos programas sociais direcionados a eles próprios, o que limita seus efeitos na diminuição da desigualdade. Ao assumir, Dilma anunciou a criação de plano de erradicação da pobreza, mas a meta e a abrangência ainda não foram definidas. Leia a seguir trechos da entrevista de Salvador.

Folha - O que podemos esperar do projeto do governo de eliminar a pobreza extrema em quatro anos? É possível?

Evilásio Salvador - Se considerarmos como pobreza extrema a linha de corte do Bolsa Família [renda per capita até R$ 70], sim. Ou ainda, focalizada para quem ganha menos de um quarto do salário mínimo. A questão é que a política social não deve se limitar a transferir renda focalizada e com condicionalidades, sem a perspectiva de emancipação das pessoas da condição de pobreza absoluta, para a inserção no mercado e em uma vida autônoma.

Corre-se o risco de vermos uma eliminação estatística, mas não real, da pobreza?

Com certeza. Tudo depende da ótica que se analisa a questão. Se consideramos que aumentar a renda das pessoas de um quarto do salário mínimo para meio salário é suficiente para acabarmos com a pobreza extrema, teríamos resultado estático limitado a uma visão míope de economia e política social.

Que alternativa há para se definir miséria que não a renda?

Os indicadores tradicionalmente utilizados tendem a desconsiderar a questão distributiva, a distância que separa os ricos dos pobres. Os métodos estatísticos e as referências teóricas não são neutros. Revelam critérios, julgamento de valor e ideologia para legitimar determinado padrão de intervenção do Estado. Essa intervenção ocorre não para a superação da pobreza, mas com medida de produção de assistencialismo. Os indicadores de pobreza precisariam mensurar a evolução da redistribuição de renda, que passa pela desigualdade na estrutura do mercado de trabalho e pela elevada concentração de renda por duas óticas. A primeira, por meio da análise da distribuição funcional da renda, a elevada apropriação da renda pelos proprietários capitalistas. A segunda, o regressivo sistema tributário, que onera proporcionalmente os mais pobres e os trabalhadores. Por fim, pelo acesso a políticas universais, como educação e saúde.

Apesar de não ser o maior programa de transferência de renda no país, atribui-se ao Bolsa Família os maiores méritos. Até que ponto isso é verdade?

O Bolsa Família tem seu mérito. Mas ele não é a principal transferência de renda na área social. Os benefícios da seguridade social, como a Previdência Rural e o Benefício de Prestação Continuada, são responsáveis de tirar milhões da linha da pobreza.
Mais de 75% dos benefícios da seguridade social equivalem ao salário mínimo, valor, portanto, bem superior ao Bolsa Família.

Segundo sua tese, os mais pobres bancam dois terços do que o governo gasta com programas que beneficiam eles próprios. Como isso se dá?

O principal sistema de proteção social no Brasil é o da seguridade social, que engloba programas, benefícios e serviços no âmbito das políticas de previdência, assistência e saúde. Os tributos que financiam a seguridade social incidem, em grande parte, sobre o faturamento e as receitas das empresas, que acabam repassando para o consumo. Com isso, 62% das fontes de financiamento da seguridade são tributos indiretos, que oneram os mais pobres, que são os beneficiários dos programas sociais.

O que isso provoca?

A principal consequência é que os programas sociais e a transferência de renda no âmbito da seguridade acabam tendo efeitos limitados. Isso significa que são os beneficiários das políticas sociais que arcam com seu financiamento, seja por meio da contribuição direta para acesso aos benefícios da Previdência ou do pagamento de tributos indiretos. Isso confirma que temos um "Estado social", do ponto de vista do financiamento, que não faz redistribuição.

Eles não se beneficiam por ao menos receber de volta boa parte do que contribuem por meio dos tributos?

Sim. De fato, só em 2010, os beneficiários de transferência de renda no âmbito da seguridade social alcançaram 34 milhões pessoas. Além dos 12 milhões de benefícios do Bolsa Família. Contudo, isso não retira o financiamento regressivo desses benefícios. Por exemplo, 92% dos benefícios do Bolsa Família vêm de tributos regressivos [que pesam mais para os mais pobres.

Os ricos deveriam bancar essa assistência?

A carga tributária deveria ser progressiva. Isso significa que proporcionalmente os mais ricos deveriam pagar mais impostos e, portanto, arcar com o financiamento das políticas sociais. Isso possibilitaria uma redistribuição de renda.

Evilásio Salvador é economista, professor do programa de pós-graduação em Política Social da Universidade de Brasília. Venceu no ano passado o prêmio Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior)

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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