terça-feira, 26 de abril de 2011

Este é o prólogo:: Frederico Garcia Lorca

Deixaria neste livro
toda a minha alma.
este livro que viu
as paisagens comigo
e viveu horas santas.


Que pena dos livros
que nos enchem as mãos
de rosas e de estrelas
e lentamente passam !


Que tristeza tão funda
é olhar os retábulos
de dores e de penas
que um coração levanta !


Ver passar os espectros
de vida que se apagam,
ver o homem desnudo
em Pégaso sem asas,


ver a vida e a morte,
a síntese do mundo,
que em espaços profundos
se olham e se abraçam.


Um livro de poesias
é o outono morto:
os versos são as folhas
negras em terras brancas,


e a voz que os lê
é o sopro do vento
que lhes incute nos peitos
- entranháveis distâncias.


O poeta é uma árvore
com frutos de tristeza
e com folhas murchas
de chorar o que ama.


O poeta é o médium
da Natureza
que explica sua grandeza
por meio de palavras.


O poeta compreende
todo o incompreensível
e as coisas que se odeiam,
ele, amigas as chamas.


Sabe que as veredas
são todas impossíveis,
e por isso de noite
vai por elas com calma.


Nos livros de versos,
entre rosas de sangue,
vão passando as tristes
e eternas caravanas


que fizeram ao poeta
quando chora nas tardes,
rodeado e cingido
por seus próprios fantasmas.


Poesia é amargura,
mel celeste que emana
de um favo invisível
que as almas fabricam.


Poesia é o impossível
feito possível. Harpa
que tem em vez de cordas
corações e chamas.


Poesia é a vida
que cruzamos com ânsia,
esperando o que leva
sem rumo a nossa barca.


Livros doces de versos
sãos os astros que passam
pelo silêncio mudo
para o reino do Nada,
escrevendo no céu
suas estrofes de prata.


Oh ! que penas tão fundas
e nunca remediadas,
as vozes dolorosas
que os poetas cantam !


Deixaria neste livro
toda a minha alma...


(tradução: William Agel de Melo )

Frederico Garcia Lorca - 5 /6/ 1898 -19 /8/ 1936 – fuzilado por Franco. Foi uma das primeiras vítimas do fascismo espanhol

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