domingo, 10 de abril de 2011

Gramsci no seu e no nosso tempo:: Cássio Augusto S. A. Guilherme

No espectro da esquerda mundial, a vida e os conceitos elaborados pelo comunista italiano Antonio Gramsci têm suscitado uma série de estudos, congressos, teses e publicações. Não poderia deixar de ser assim, uma vez tratar-se de um autor instigante, que, ao analisar a sua realidade histórica, o mundo do entre-guerras, deixou uma importante contribuição para melhor refletirmos acerca da sociedade ocidental contemporânea.

Neste sentido, a Fundação Astrojildo Pereira, juntamente com a Editora Contraponto, lançaram neste segundo semestre de 2010 o interessante trabalho: Gramsci no seu tempo. O livro em questão conta com trezes artigos de vários autores que contribuem sobremaneira para uma melhor historicização do pensamento de Gramsci. Trata-se de textos originalmente publicados na Itália, em dois volumes, que, para a edição brasileira, foram selecionados por Alberto Aggio, Luiz Sérgio Henriques e Giuseppe Vacca. A exceção fica por conta dos dois últimos textos, escolhidos especialmente para esta edição.

A grande primazia do livro é a de não contar com ensaios que se limitam apenas à análise dos conceitos gramscianos, mas sim textos que ajudam a contextualizar o pensamento do autor no seu próprio tempo. Neste sentido, os artigos que trabalham os conceitos gramscianos o fazem com uma abordagem histórica, o que possibilita uma maior compreensão dos mesmos.

O primeiro ensaio do livro é de Claudio Natoli, que aborda os primeiros escritos do jovem Antonio Gramsci no contexto da Primeira Guerra Mundial. Em seguida, Andrea Panaccione trabalha o pensamento do autor sobre o socialismo europeu e seus desafios nacionais e internacionais no mundo do pós-primeira guerra. Há também uma análise de Francesco Auletta acerca dos textos que Piero Sraffa publicou no semanário L´Ordine Nuovo sobre a realidade inglesa da época e sua relação com os estudos que Gramsci também fazia.

Aqueles que procuram mais informações acerca das polêmicas levantadas por Gramsci em relação aos bolcheviques e à luta pela revolução socialista encontram no livro bons momentos de reflexão. A sempre instigante relação entre os conceitos de hegemonia em Lenin e em Gramsci aparece no artigo de Anna Di Biagio. Já as disputas internas no grupo dirigente do PCI em relação à chamada “questão russa”, isto é, a disputa interna no Partido Bolchevique entre os grupos de Stalin e Trotski, são muito bem discutidas no texto de Silvio Pons.

Questões de cunho mais filosófico, em especial o pensamento de Gramsci sobre a “filosofia da práxis”, também estão contempladas no livro. Primeiramente, Roberto Gualtieri analisa o desenvolvimento da filosofia da práxis no cenário internacional da época de Gramsci. Posteriormente, Fabio Frosini aborda o neoidealismo italiano e a elaboração da filosofia da práxis. Por fim, a questão da linguagem como concepção de mundo e sua aproximação com a filosofia da práxis é discutida por Giancarlo Schirru.

Há também artigos que abordam os Cadernos do Cárcere e alguns de seus conceitos no contexto europeu da época. É de Terenzio Maccabelli o texto que analisa as interessantes reflexões de Gramsci sobre a relação entre Estado e economia, contidas nos Cadernos. Já o artigo de Alessio Gagliardi trata da análise gramsciana sobre o corporativismo fascista e para além do fascismo, presente nos estudos carcerários. A abordagem gramsciana sobre a relação entre ciência, marxismo soviético e Engels é trabalhada no texto de Giuseppe Cospito.

Como dito acima, os dois últimos capítulos do livro foram escritos especialmente para esta edição brasileira. Ambos tratam de questões instigantes para aqueles que procuram estudar a vida e a obra de Gramsci. Francesca Izzo argumenta que “o Maquiavel que emerge dos Cadernos não tem o perfil nem do utópico nem do artista, mas sim do teórico realista, do cientista do nascimento dos Estados absolutos europeus” (p. 352). Neste sentido, a autora apresenta o Maquiavel gramsciano como um filósofo da práxis, isto é, comparável em importância a Karl Marx.

O último capítulo fica a cargo do já conhecido do grande público brasileiro, Giuseppe Vacca, que analisa a conturbada relação entre Gramsci e Togliatti, os dois maiores líderes do PCI à época. O texto examina as divergências sobre a chamada “questão russa”, as suspeitas de Gramsci acerca do comportamento do camarada durante o seu tempo de cárcere, bem como a comunicação via cartas, a primeira edição de Togliatti dos Cadernos do Cárcere e sua interpretação.

Enfim, o livro traz várias abordagens da sempre instigante reflexão deixada por Gramsci acerca da sociedade ocidental capitalista. Sua grande contribuição, no entanto, versa mesmo sobre a tentativa bem sucedida de relacionar o pensamento gramsciano com o contexto histórico por ele vivido. Assim, podemos perceber ao longo da estimulante leitura “a marca de um pensador avesso a totalizações apressadas, atento à particularidade de cada personagem e de cada situação, sempre em guarda contra quem supusesse trazer o sentido da história no bolso” (p.14). Eis uma das grandes contribuições gramscianas ao pensamento histórico-filosófico, que ainda rende e renderá muitos estudos no meio acadêmico e político da esquerda.

Referência Bibliográfica:

AGGIO, Alberto; HENRIQUES, Luiz Sérgio; VACCA, Giuseppe (Orgs.). Gramsci no seu tempo. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira; coedição – Rio de Janeiro: Contraponto, 2010.

Fonte: Revista Espaço Acadêmico, n. 119, abril de 2011.

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