domingo, 24 de abril de 2011

Novo e velho :: Míriam Leitão

Vale tudo. Vale tomar um empregado de outra empresa, no melhor estilo pirataria: esperar o trabalhador ficar bem treinado e qualificado e ir lá para oferecer um salário maior. Sai caro. Vale também qualificar o próprio funcionário. Também sai caro. Os empresários estão agora se debatendo com o problema da falta de pessoas no mercado. Pelo visto, só não vale acabar com as desigualdades. Elas persistem.

O mesmo país onde os empresários dizem que falta mão de obra de nível médio e superior - do engenheiro ao pedreiro - é o país que levou à exasperação peões de alguns projetos do Programa de Aceleração do Crescimento, de Campinas à Amazônia. Em que quatro mil trabalhadores serão demitidos no canteiro da hidrelétrica de Jirau. País no qual o Ministério Público acusa o maior frigorífico do mundo, o JBS Friboi, sócio do BNDES, de ter comprado bovinos no Acre de fazendas com trabalho escravo.

Não nos enganemos. Esse é o país de sempre. De um lado, é verdade que falta trabalhador, que o mercado de trabalho está aquecido, que algumas categorias estão tendo grandes ganhos reais de salário. Por outro lado, é o país onde há menos portas abertas para os jovens sem experiência, para as mulheres e para os negros.

Exagero? Confira os números. O desemprego em março ficou em 6,5%. Baixo para nossos padrões. Mas é de 5% para homens e 8,2% para as mulheres. Em Salvador, o desemprego para mulheres chega a 13,2%. O percentual de jovens de 18 a 24 anos que procuram emprego é de 14,4% no país; de 19,2% no Recife; de 20,9% em Salvador. Entre brancos, o desemprego é de 5,5%; entre pretos e pardos é 7,6%. Vale tudo no país do quase pleno emprego, como dizem os economistas do mercado financeiro. Só não vale superar as desigualdades, informam as estatísticas do IBGE.

Se alguém estiver com aquela desculpa de sempre na ponta da língua - a de que há mais desemprego entre pretos e pardos porque eles têm menos escolaridade - deve tentar explicar por que as mulheres, com mais escolaridade, têm menos oportunidade no mercado de trabalho.

O país convive com as duas realidades. A de um mercado de trabalho aquecido que começa a derrubar devagar algumas barreiras; e a das velhas distorções ainda não vencidas. Portanto, não há uma definição apenas para o mercado de trabalho. De um lado, há razões para a redução do pessimismo. De outro, é preciso moderar o otimismo.

O sociólogo, especialista em relações de trabalho José Pastore constatou que as empresas estão treinando seus trabalhadores, porque já admitem que não podem ficar de forma comodista esperando que o funcionário certo, pronto e acabado apareça em sua porta. Reduz a exigência na hora da contratação, e depois, investe na qualificação do funcionário. Outra característica do momento atual é o de tentar atrair o funcionário já qualificado de outra empresa.

Como exemplo de área onde está havendo redução das exigências vistas, Pastore cita a do transporte. Motoristas para entrega estão sendo contratados mesmo com mais idade. Na hotelaria é a mesma coisa. O empresário tem duas opções: ou contrata um maître que até recentemente seria considerado velho ou treina um garçom para a função. Não é mais problema ter mais de 40 ou 50 anos em vários mercados que até recentemente exigiam idades baixas para a contratação. A situação mudou bastante.

Mas os jovens sem experiência continuam sendo barrados. E caem num círculo vicioso: não têm emprego porque não têm experiência; não adquirem experiência porque ninguém os emprega.

Ricardo Bevilacqua, diretor da Robert Half para a América Latina, empresa de recrutamento especializado, também constatou uma mudança na exigência das empresas em relação à idade. Hoje, se aceita de bom grado o funcionário mais maduro, que até recentemente seria considerado "velho".

- Empresas flexibilizaram muito o fator idade. Há dez anos, quem tinha 50 anos não era bem visto; hoje, a coisa mudou. As empresas contratam olhando para a capacidade de o trabalhador executar as tarefas. Isso fica claro na engenharia, que trouxe os aposentados de volta.

Ele conta que há dez anos, até quem perdia o emprego com 40 anos tinha dificuldade de se recolocar. Agora, isso não é mais verdade. O empregador olhará não para a idade, mas para a experiência que a pessoa traz.

Jacqueline Resch, sócia-diretora da Resch Recursos Humanos, empresa especializada em recrutar para companhias de grande porte, confirma isso.

- A idade, em alguns momentos, pode eliminar um candidato do processo, mas no momento atual, a exclusão dele pode ser por outro motivo. Quem não se atualizou pode ser barrado. É preciso continuar se reciclando.

Fernanda Souza do Nascimento, 29 anos, é formada em Administração no interior de Tocantins. No ano passado nos procurou, contando que tentava emprego na área, mas não conseguia. Um ano depois, continua enviando currículos para empregos na profissão que escolheu. Não sabe muito bem por que é barrada, mas admite uma fraqueza: precisa de fluência em inglês. É nisso que vai investir agora.

Cimar Azeredo, diretor da Pesquisa Mensal de Emprego, PME, do IBGE, diz que há muito a comemorar no mercado de trabalho: aumento da formalização, queda da desocupação, mas admite que algumas mazelas continuam, como as desigualdades de gênero e as que barram os mais jovens e sem experiência. Além disso, há um passivo forte, do enorme contingente de trabalhadores informais.

O mercado está mais aquecido, há empregados sendo disputados entre empresas, há categorias conseguindo bons aumentos salariais. Mas as desigualdades permanecem. O Brasil muda devagar.

FONTE: O GLOBO

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