terça-feira, 12 de julho de 2011

Após fracasso, governo já admite que trem-bala vai custar mais

Com a falta de interessados no trem-bala - ninguém apresentou proposta no leilão de ontem -, a União decidiu assumir mais riscos e desembolsar recursos públicos se a construção custar mais do que os R$ 23 bilhões previstos. O governo também vai fatiar o processo em dois: um para escolher o operador da linha e outro para fazer a construção

Trem-bala mais caro

Com fracasso do leilão, governo divide projeto, arca com riscos e não descarta injeção de recursos

Vivian Oswald

Sem encontrar interessados no Trem de Alta Velocidade (TAV) nos moldes que havia previsto, o governo decidiu recorrer ao seu plano B para tornar viável o empreendimento e dividir o projeto em duas etapas, como antecipou O GLOBO no sábado. A União assumirá, para isso, mais riscos e, pela primeira vez, não descarta o desembolso de recursos públicos na fase das obras se o projeto de construção for orçado em mais do que R$23 bilhões - hipótese admitida pelo governo. O primeiro leilão vai escolher o operador da linha de trem (o detentor da tecnologia), e o segundo, o construtor - este terá parte da receita garantida pela União. As duas licitações devem ser realizadas em 2012.

Encerrado o prazo para o recebimento dos envelopes com as propostas econômicas e os documentos de habilitação dos interessados no TAV, ontem, na BMF&Bovespa, ninguém se apresentou. Mesmo assim, as empresas enviaram representantes à bolsa para garantir que não seriam as únicas a boicotar o processo de licitação. Indagada sobre o resultado, a presidente Dilma Rousseff não quis comentar.

O governo, no entanto, reconheceu que o modelo não funcionou como imaginava. Mas garantiu que a essência do projeto está mantida e que a "reviravolta" nesse processo se limita apenas ao formato da licitação.

- Não muda nada no estudo econômico e nas tarifas. Não vamos desfigurar o projeto para agradar os grupos A, B ou C. A reviravolta é no formato da licitação - afirmou o diretor-geral da Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT), Bernardo Figueiredo, que garantiu que o novo modelo vai trazer muito mais concorrentes ao processo e melhores condições para o governo.

Grupos estrangeiros poderão participar

O diretor da ANTT fez questão de ressaltar que o governo não vai desistir do projeto.

- O governo decidiu manter a decisão de implantar o projeto do trem-bala por entender que é essencial. Não existe a opção de não fazer nada, nem solução alternativa. Não adianta ser contra o TAV e não apresentar opção viável.

Na primeira etapa, cujo leilão deverá ser realizado no início de 2012, será escolhido o consórcio operador do trem-bala, que terá de desembolsar R$10 bilhões em investimentos operacionais. Também será responsável pela entrega do chamado projeto-executivo da ferrovia, que dá todo o detalhamento necessário para a estimativa de custos de infraestrutura. Ganha quem oferecer as tarifas mais baixas, o projeto com menor custo, adequado à sua tecnologia, e o menor valor pelo aluguel da malha.

Com base neste projeto minucioso, o grupo dos construtores vai propor, no leilão da segunda etapa, também previsto para 2012, um preço de realização do traçado definido pelo operador. Vence o grupo de empreiteiras que oferecer o menor custo para as obras.

No novo modelo, o governo abre a possibilidade para que empreiteiras estrangeiras participem do leilão e estima que o número de concorrentes em potencial cresce de cinco para pelo menos 30.

O consórcio construtor receberá os recursos advindos do aluguel da infraestrutura, R$20 bilhões de financiamento subsidiado pelo BNDES e receitas extraordinárias que poderão obter com a exploração imobiliária dos arreadores da linha. Esta é uma novidade do novo modelo. O governo ainda vai definir o que vai considerar como receitas extras. Mas não estão descartados empreendimentos comerciais, edifícios e até shoppings centers.

A divisão de tarefas já funcionava assim no modelo proposto pelo governo anteriormente. A diferença está na nova distribuição de riscos. Se a parte da construção ficar acima dos R$23 bilhões previstos, o governo poderá calibrar a diferença no potencial de exploração imobiliário permitido às construtoras e, até mesmo, entrar com recursos para fechar a conta.

Empresas: custo passará de R$33 bi

Ao separar as etapas de operação e de construção, o governo reduz a exposição dos empreendedores, que, segundo o governo, devem cobrar taxas de risco menores. As empresas detentoras de tecnologia não vão mais precisar se associar às construtoras e se responsabilizar pelas obras.

Tampouco vão precisar ter dinheiro em caixa para fazer frente aos investimentos do projeto total. Segundo fontes do governo, os R$10 bilhões que os operadores terão de investir podem ser levantados por elas em instituições financeiras especializadas. Este seria o caso do Japão com o seu Eximbank.

Pelo novo modelo, o governo também assume o risco do pagamento aos construtores. Isso porque ficará encarregado de repassar o dinheiro que será pago pelo operador a títulos de aluguel da infraestrutura. Se elas não recolherem com base no valor (a ser definido no edital) do tráfego combinado, o governo banca.

A obra poderá ser segmentada. Pelas novas regras, o construtor poderá contratar diversas empresas para realizar os trechos que estarão estipulados no edital.

Como os segmentos serão mais curtos, haverá a possibilidade de mais participantes de menor porte e de mais de uma obra ser realizada ao mesmo tempo. Para Figueiredo, isso pode agilizar as obras e permitir que alguns trechos estejam prontos ainda a tempo das Olimpíadas. Pela previsão atual, começando no fim de 2012, o trem-bala deve ser concluído em 2018.

As empresas parecem ter gostado do novo modelo, embora ainda duvidem que seja possível fazer o projeto do trem-bala com apenas R$33 bilhões.

- Fica mais próximo da realidade. Agora, dá para fazer um ganha-ganha para a sociedade. Para os investidores, para o governo e para a sociedade - disse um empreendedor ao GLOBO.

Na semana passada, apesar das inúmeras críticas ao preço estimado pelo governo para a realização do projeto de R$33 bilhões, o Executivo resolveu pagar para ver se este era mesmo um obstáculo à realização do leilão ou apenas pressão das empreiteiras. A abertura das propostas que seriam entregues ontem estava marcada para o dia 29 de julho. Esta já era a terceira data fixada depois de dois adiamentos do processo de licitação.

FONTE: O GLOBO

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