quinta-feira, 28 de julho de 2011

Dólar e juros:: Míriam Leitão

As medidas anunciadas pelo Ministério da Fazenda estão na direção certa. Não resolvem o problema do dólar, mas aumentam a prudência e evitam o excesso da tendência de valorização. No governo, a avaliação é que desde o começo do ano a situação internacional se deteriorou muito. A elevação dos juros será interrompida mesmo com a inflação acima da meta.

Ontem o dólar subiu, mas não foi um fenômeno só brasileiro. Aconteceu no mundo inteiro, e as explicações no mercado eram as mais variadas. No Brasil, foi atribuído às decisões anunciadas no mercado de derivativos, que elevaram o custo das operações no futuro de dólar e limitaram ou obrigaram o registro das operações. O governo quis com as medidas impedir os excessos de queda do dólar, e também aumentou a transparência das operações.

Há quem considere que, travadas aqui, as operações de derivativos continuarão a ser feitas no exterior porque elas nascem da necessidade de proteção das empresas. Quem tem risco cambial precisa se proteger nessas operações de futuro do dólar. O problema é que o Brasil já se queimou uma vez exatamente por isso. Todos se lembram das encrencas em que se envolveram empresas grandes e internacionalizadas, em 2008, por excesso de exposição a derivativos cambiais.

O problema cambial não tem a ver apenas com operações que foram inibidas ontem, e sim com a questão maior da crise internacional. E é justamente pelo grau de incerteza, e a deterioração rápida e profunda do cenário da economia americana e europeia, que o Banco Central muito provavelmente manterá os juros estáveis. Hoje, quando sair a ata, os termos podem continuar sendo herméticos, mas depois de cinco altas, os juros ficarão parados por algum tempo, exatamente esperando a evolução da economia internacional.

Nos Estados Unidos, o impasse continua. Há um ritual que tem que ser cumprido quando um país deixa de pagar algum título: as agências de classificação rebaixam a nota da dívida soberana e em seguida os fundos de investimento do mundo inteiro tiram parte daqueles papéis de seu portfólio. No caso americano pode acontecer uma das duas coisas: ou há um acordo de última hora que eleve o teto da dívida; ou eles não pagam, as agências rebaixam, mas mesmo assim os fundos não cumprirão a rotina de se desvencilhar dos papéis, porque eles são, afinal, os títulos do Tesouro americano, que em algum momento superará o impasse político. O Brasil tem, como se sabe, mais de US$200 bilhões em títulos do Tesouro americano entre as suas reservas.

Na Europa, a crise não foi resolvida. Foi apenas delineada. Agora já se sabe que os bancos perderão parte dos seus ativos, tendo que conceder descontos no valor do principal dos títulos gregos. O Fundo Europeu de Estabilidade Financeira receberá recursos, e o próprio Banco Central Europeu terá que ser capitalizado porque ele também tem títulos da dívida grega. Mas não basta ter assinado o acordo fechado na última quinta-feira. Os parlamentos dos países maiores terão que aprová-lo, porque são eles que depositarão recursos fiscais no fundo e no BCE para capitalizá-los.

Qualquer que seja a evolução tanto dos Estados Unidos quanto da Europa, o cenário é de baixo crescimento. As empresas americanas estão anunciando balanços com lucro, mas a recuperação continua fraca e sem criação de emprego. A crise da Europa ainda tem incertezas, o risco de contaminação não foi debelado e o baixo crescimento afeta a maioria dos países. Neste contexto é que o Brasil vai parar de subir os juros. Pelas incertezas do mercado internacional.

Aqui dentro, a inflação vai continuar subindo dos atuais 6,7% em 12 meses. Vai superar 7% e ficar assim até setembro. No último trimestre, a inflação de cada mês será alta, mas não tão alta quanto a do ano passado e por isso o acumulado em 12 meses vai cair. Daí para diante a avaliação feita no governo é que a inflação continuará caindo até maio, mas há riscos de que esse cenário benigno não se concretize, dependendo de alguns preços da entressafra, como etanol, mas principalmente pelo impacto do aumento do salário mínimo sobre custos do governo e na inflação de serviços. Quem acredita que a queda da inflação anualizada continuará pondera que a inflação de outubro de 2010 a maio de 2011 foi bem alta. Portanto, ao sair o dado desse período e entrar o de outubro de 2011 a maio de 2012 a tendência será continuar a queda.

Tudo isso pode ser alterado se houver uma elevação da moeda americana. O governo fica assim no dilema de tomar medidas para evitar o derretimento do dólar - como as que tomou ontem - mas se a moeda subir demais será mais um fator inflacionário num contexto em que não está ainda garantido que a inflação caminhará em direção ao centro da meta.

As medidas anunciadas ontem que obrigam o registro de operações no mercado de balcão com derivativos cambiais, ou impõe novos impostos sobre as operações, podem evitar o excesso de especulação. Mas o problema cambial é maior e muito difícil de resolver.

FONTE: O GLOBO

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